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AS ARMADILHAS DOS
PARADIGMAS DA LIDERANÇA
Gérard Ouimet
Ph. D. em Ciência Política pela Université de Montréal, Professor de
Psicologia Organizacional e de Administração e Diretor do Programa
Acadêmico de Certificado da HEC - École des Hautes Études Commerciales.
E-mail: gerard.ouimet@hec.ca
RESUMO
Este artigo originou-se da análise dos limites epistemológicos – e, portanto, dos perigos inerentes aos
conhecimentos produzidos – no tocante à liderança. Nossas reflexões permitiram estabelecer uma classificação
original de diferentes tipos de estudos relativos à liderança. Esses tipos de estudo caracterizam-se por
pertencer a um paradigma, que é a concepção de liderança. Em nossa pesquisa, foram identificados quatro
paradigmas relacionados à liderança: racionalista, empírico, sensacionista e dogmático. Enquanto o paradigma
racionalista concebe a liderança como um algoritmo de ações racionalmente refletidas, o paradigma empírico
sustenta que se trata mais de uma habilidade para manipular os instrumentos de mobilização com eficiência.
O paradigma sensacionista considera, por sua vez, que a liderança é uma filosofia de vida explícita. Por fim,
o paradigma dogmático define a liderança como a expressão da psiquê dos dirigentes. Embora os
conhecimentos produzidos em qualquer um dos quatro paradigmas possam revelar-se úteis para a
compreensão do fenômeno da liderança, todos eles correm o risco de cair na armadilha de um entusiasmo
heurístico. Assim, o racionalismo pode terminar em intelectualismo, o empirismo, em reducionismo, o
sensacionismo, em simplismo e o dogmatismo, em misticismo.
ABSTRACT
Leadership studies are an emerging discipline and the concept of leadership will continue to evolve. But, despite
substantial progress in leadership research, the understanding of leadership phenomena is not free from
pernicious heuristic skids. The purpose of this analysis is to throw light on these traps. By means of an original
typology of leadership studies, we propose an epistemological reflection of the advance of knowledge in
organizational leadership studies. The proposed typology contains fours paradigms, that is: rationalist paradigm,
empirical paradigm, sensationalist paradigm, and dogmatic paradigm. The rationalist paradigm conceives the
leadership like an aprioristic logical algorithm. The empirical paradigm conceives the leadership like a posteriori
concrete performance. The sensationalist paradigm conceives the leadership like a personal philosophy of life.
The dogmatic paradigm conceives the leadership like determinist psychic drives. Each paradigm can be
respectively trapped by the following heuristics skids: intellectualism, reductionism, simplism, and mysticism.
PALAVRAS-CHAVE
Limites epistemológicos, concepção de liderança, racionalismo, empirismo, sensacionismo.
KEY WORDS
Epistemological limitations, conceptions of leadership, rationalism, empirism, sensationism.
Reducionismo Intelectualismo
armadilha armadilha
OBJETIVIDADE
Modo de julgamento da informação
EMPIRISMO RACIONALISMO
Liderança Habilidade Liderança Algoritmo
EXPERIMENTAÇÃO TEORIZAÇÃO
INTELIGÊNCIA
SENTIDO
SENSACIONISMO DOGMATISMO
Liderança Filosofia de vida Liderança Psiquê
DESCRIÇÃO INTERPRETAÇÃO
SUBJETIVIDADE
armadilha armadilha
Simplismo Misticismo
RAE • RAE
©2002, v. 42- Revista
• n. 2de •Administração
Abr./Jun. 2002
de Empresas/FGV-EAESP, São Paulo, Brasil. 9
Organizações
et al., 1990) são dados fatoriais, observáveis, quantifi- árvore da decisão de Vroom e Jago (1988) representa
cáveis e considerados, por vários pesquisadores, capa- uma trajetória cognitiva binária, implacável pelo ri-
zes de condicionar a adoção, pelo líder, de um deter- gor de suas formulações dedutivas e que permite, a
minado estilo comportamental. partir do enunciado de um só problema, empreender
Todos os modelos teóricos desenvolvidos ao lon- um périplo discursivo de oito questionamentos nomi-
go dos últimos 30 anos baseiam-se em evidências di- nais (sim ou não, forte ou fraco), acarretando, inevi-
tas lógicas, isto é, de que as relações fatoriais se im- tavelmente, a identificação de cinco estilos de lide-
põem elas mesmas à mente do pesquisador. Desse rança envolvidos na tomada de decisão. Tudo é lógi-
modo, por exemplo, utilizando-se a legendária tabela ca, tudo é racional. Não há lugar para o emocional e o
de Blake e Mouton, é evidente que um líder diante de aleatório. Não há, portanto, lugar para o humano. Essa
uma situação de urgência deve adotar um estilo auto- árvore da decisão, uma possibilidade de 38 ramifica-
crático chamado 9,1 (fraco interesse pelo indivíduo ções, é, de fato, uma programação idealizada do que
o líder deveria fazer para tomar a melhor decisão.
Enfim, o modelo de Vroom e Jago ilustra, de forma
NO PARADIGMA RACIONALISTA, reveladora, esse intelectualismo: a complexidade in-
justificada do real. Metaforicamente, o intelectualis-
OS DIFERENTES PAPÉIS DOS mo consistiria em um padeiro resolver entregar pães
dirigindo uma Ferrari.
LÍDERES PODEM MOBILIZAR UMA Não são apenas os modelos de Vroom e Jago que
sofrem de intelectualismo. Quase todos os modelos
EQUIPE DE TRABALHO E ORIENTAR
teóricos desenvolvidos desde os anos 60 – por exem-
SUAS AÇÕES PARA ALCANÇAR plo, o modelo da contingência de Fiedler (1967), com
seu coeficiente CTMA (o colega de trabalho menos
OS OBJETIVOS DA EMPRESA. apreciado) do dirigente, a matriz tridimensional de
Reddin (1970), o modelo complexo de Blake e Mouton
(1969) e o modelo do objetivo-trajetório de House
versus interesse elevado pela tarefa a ser realizada). (1971) – passaram por uma exacerbação intelectual
Da mesma maneira, consultando o modelo muito po- freqüentemente motivada pelo desejo de sempre
pular de liderança situacional de Hersey e Blanchard supervalorizar a capacidade de um instrumento de
(o famoso sino parabólico dividido em quatro qua- análise.
drantes), é lógico admitir que um líder deverá mos- Os pesquisadores obstinados do racionalismo ali-
trar-se, por um lado, diretivo (liderança autocrática) mentam – e até prezam – a idéia de desenvolver um
para um empregado pouco competente e pouco moti- modelo que permita a explicação, em qualquer cir-
vado e, por outro, delegante (liderança de delegação) cunstância, das manifestações de um fenômeno, no
para um empregado competente e motivado. caso, o da liderança. Com a finalidade de responder a
Os estudos relacionados ao paradigma racionalis- uma tal motivação heurística, esses pesquisadores
ta advêm da convicção de que é possível compreen- comprometem-se em uma sofisticação formal de seu
der o fenômeno da liderança pelo exercício rigoroso modelo. Teoricamente, o modelo construído deve ser
da razão. Mas a ordenação lógica e racional das coi- o mais exaustivamente elaborado. Além disso, deve
sas é sempre um penhor da verdade? A inteligência ser capaz de considerar, a priori, todas as expressões
pode desenvolver raciocínios silogísticos estontean- racionalmente possíveis da liderança.
tes? É óbvio que o conhecimento da sofística convi- A realidade, porém, quase sempre difere da racio-
da-nos a dar prova de prudência diante de atividades nalidade. Todos sabemos que os líderes não fazem
intelectuais. Sob seus atraentes ornamentos, a inteli- sempre o que a razão ordena. Da mesma maneira, es-
gência pode induzir a erros. Tudo o que é lógico não tamos conscientes de que boa parte dos líderes toma
é necessariamente verdade; grandes mentiras sabia- decisões importantes utilizando motivos racionalmen-
mente construídas são prova eloqüente disso. Mas, te muito primitivos. Os trabalhos de Simon (1983) de-
além dos escorregões falaciosos do intelecto, oculta- monstraram claramente a “racionalidade limitada”
se a principal armadilha do racionalismo: o intelec- daqueles que tomam decisões organizacionais. Raros
tualismo. são os que apóiam suas decisões em uma análise mi-
As tentativas de entender a liderança por meio de nuciosa de todos os dados de uma problemática. De
uma atitude racional resultaram quase sempre em te- fato, as pessoas têm uma tendência natural a recorrer
orias tão densas, que, na realidade, não representam a estratégias simplificadoras para tratar as informa-
mais esse fenômeno. Presenciamos, desde então, uma ções e, conseqüentemente, tomar uma decisão. O bom
superconceitualização da liderança. Por exemplo, a e velho modelo do lixo decisional (The Garbage Can
Model) permite quase sempre que as pessoas tomem cair no esquecimento. Revistas como a Academy
a melhor decisão em relação aos recursos e ao tempo of Management Review, Administrative Science
disponível. É o princípio do “míni–max”: o mínimo Quarterly, Annual Review of Psychology, Educational
de energia empregada para o máximo de rendimento. Leadership, Group and Organization Studies, Human
Relations, Journal of Applied Behavioral Science,
Journal of Applied Psychology, Journal of Applied
O PARADIGMA EMPÍRICO So cial Psychology, Journal of Management
Development, Journal of Organizational Change
O paradigma empírico é balizado pelo modo sen- Management, Journal of Personality and Social
sorial de apreensão do real e o modo objetivo de ava- Psychology, Leadership and Organization
liação da informação obtida. Esse paradigma consi- Development Journal, Occupational Psychology,
dera a liderança como uma habilidade que manipula Organizational Behavior and Human Decision
eficazmente as ferramentas de mobilização. É o do- Processes, Organizational Behavior and Human
mínio das técnicas de influência que permite aos lí- Performance, Personnel Psychology, Psychological
deres a criação de uma sinergia no âmbito da empre- Monographs, The Industrial-Organizational
sa. O paradigma empírico constitui o prolongamento Psychologist e The Leadership publicam, quase ex-
experimental do paradigma racionalista. Apoiando- clusivamente, estudos que verificam, estatisticamen-
se, certamente, nas concepções teóricas desse para- te, a solidez das associações entre as variáveis que
digma, o paradigma empírico pretende, porém, ob-
servar empiricamente as manifestações da liderança
(modo sensorial de apreensão do real) por meio de NO PARADIGMA EMPÍRICO,
fatores objetivos amplamente reconhecidos pela co-
munidade científica (modo objetivo de avaliação da É O DOMÍNIO DAS TÉCNICAS
informação). A liderança emerge sempre de compor-
tamentos, racional e logicamente côngruos, que soli- DE INFLUÊNCIA QUE PERMITE
citam a mobilização dos membros de um grupo. Mas,
AOS LÍDERES A CRIAÇÃO DE UMA
contrariamente ao paradigma racionalista – estabele-
cido em estudos teóricos –, o paradigma empírico de- SINERGIA NO ÂMBITO DA EMPRESA.
senvolve-se graças a estudos de campo.
Inspirando-se na teorização da liderança que ha-
bita o paradigma racionalista, o empírico propõe-se a derivam de, ou que se somam a, modelos teóricos.
sondar a verdade. Para isso, ele recorre à experimen- Estamos no universo da permutação fatorial, que é o
tação correlacional para o essencial. Trata-se de esta- acréscimo sistemático seja de novos fatores (variá-
belecer a existência e a solidez dos laços entre as va- veis mediadoras), que modulam as prescrições dos
riáveis que compõem os modelos teóricos concebi- modelos teóricos já existentes, seja de novos indica-
dos no seio do paradigma racionalista. Por exemplo, dores, que aprimoram a definição das variáveis pró-
a teoria da liderança transacional e transformacional prias de certos modelos teóricos. As possibilidades
de Bass (1985) originou uma centena de estudos que dos estudos combinatórios que dependem da permu-
visam à estimação de correlações existentes entre as tação fatorial são muito grandes. Assim, quatro vari-
seguintes variáveis: as recompensas proporcionais ao áveis mantêm entre si uma possibilidade de 24 rela-
rendimento, a gestão por exceções, o carisma, o reco- ções (sabendo-se que a fatorial de 4 é: 4 ! = 1 x 2 x 3
nhecimento individual, o estímulo intelectual e o ren- x 4 = 24). Há fatores na base dos modelos teóricos
dimento obtido. Além disso, outros modelos, além do construídos, mas há combinações possíveis sob for-
de Bass, foram objeto de investigações correlacionais. ma de díades, tríades ou tétrades.
De fato, todos os modelos guilhotinados no paradig- A liderança que emerge do paradigma empírico
ma racionalista têm sido submetidos, paralela ou con- consiste na resultante quantificada dos papéis dos di-
seqüentemente, a experimentações fundamentadas em rigentes tidos como essenciais para a mobilização dos
testes estatísticos (testes, análises de variância, regres- membros de um grupo. Em outras palavras, a lideran-
sões lineares e multivariadas). Uma recensão permi- ça é a medida de um corte analítico realizado a partir
tiu identificar, desde 1990, mais de mil estudos expe- de uma concepção produzida no seio do paradigma
rimentais relativos a aplicações dos modelos teóricos racionalista. O paradigma empírico revela-se, em cer-
da liderança. A metodologia quantitativa utilizada na tos aspectos, fascinante, pois permite, em um primei-
maior parte desses estudos experimentais é tão co- ro momento, a verificação quantitativa – e, para al-
nhecida que se impôs como uma norma a ser respei- guns, objetiva – da força de cada um dos elos entre os
tada. Várias revistas científicas deixaram seu credo componentes dos diversos modelos teóricos e, em
gidamente, a fim de fazer bem as coisas, os líderes uma realidade mais bela. As pessoas exibem uma ten-
recorrem às suas forças internas. dência natural de mostrar o que têm de melhor. Ope-
Quanto às histórias de vida, elas estão bastante ra-se um tipo de maquiagem inconsciente de seu ser.
presentes nos trabalhos didáticos sobre administração Elas amplificam suas qualidades e camuflam seus
e comportamento organizacional. Dessa maneira, nos defeitos. Geralmente, as pessoas confundem a reali-
capítulos referentes à liderança, foi descoberta uma dade com suas fantasias. Em vez de apreciar justa-
faceta da vida de célebres personagens do mundo dos mente o que e são, orgulham-se da imagem que pro-
negócios. Na maior parte do tempo, os estudos de caso jetam para os outros. O orgulho é uma inclinação ti-
dedicados aos grandes líderes explanam sua filosofia picamente humana. Assim, não é uma surpresa cons-
de vida, seu sistema de valores e sua maneira de en- tatar sua presença nos líderes.
frentar os acasos da existência. Personagens como
Norman Brinker (fundador da Steak and Au e presi-
dente da Chili’s Inc.), Byron A. Denenberg (presidente da NO PARADIGMA DOGMÁTICO,
MDA Scientific Inc.), Harold Geneen (ex-presidente
da ITT), Soichiro Honda (presidente da Honda Motor SÃO AS PULSÕES DOS DIRIGENTES
Company), R. David Thomas (fundador da Wendy’s
Old Fashioned Hamburgers), Richard A. Zimmerman QUE DETERMINAM A FORÇA E
(presidente da Hershey Foods Corporation), Mary Kay
O ESTILO DE SUA LIDERANÇA.
Ash (fundadora da Mary Kay Cosmetics), Lee Iacocca
(presidente da Chrysler), Debbie Fields (fundadora da
Mrs. Fields’ Cookies), Sam Walton (presidente da A revelação de si mesmo mostra-se ainda mais vai-
Wal-Mart), John Akers (diretor-geral da IBM), Roger dosa quando acontece em um contexto organizacional.
Smith (presidente da General Motors), por exemplo, Ora, a empresa tem horror do “qualquer”. É ruim para
revelam-nos o segredo de seu sucesso. Esse segredo o negócio. É preciso ser magnânimo, ter aparato, fausto,
não envolve mensagens esotéricas nebulosas e impe- suntuosidade e magia. Para desenvolver-se, a empresa
netráveis. Pelo contrário, ele resulta de máximas sim- precisa de um passado glorioso, cheio de mitos, heróis
páticas de uma simplicidade surpreendente do tipo: e façanhas. Os estudos de caso parecem-se, assim, com
“é preciso sempre correr atrás do seu sonho”; “seja um veículo promocional concebido para mostrar o va-
proativo e tome iniciativa”; “o futuro é daqueles que lor, a força e até mesmo a excelência da empresa aos
correm riscos”; “é preciso ver o mundo com os olhos olhos alheios. Grande parte dos estudos de caso res-
de uma criança”; “coloque seu coração em seu traba- tringe-se às estratégias de marketing. É comum censu-
lho”; “pense globalmente e aja localmente”; “o su- rar, suavizar ou mesmo suprimir os depoimentos mais
cesso depende de 99% de transpiração e 1% de inspi- reveladores da verdadeira natureza dos líderes da em-
ração”; etc. presa. Esses depoimentos, obtidos off the record, são
De fato, os estudos de caso esboçam, sem artifícios carregados de significados e, por isso, potencialmente
ou pesos conceituais, o retrato de um homem ou de ameaçadores para a imagem da empresa. E preferível,
uma mulher bem-sucedidos na vida graças a receitas portanto, calá-los.
bem simples. Trata-se de success stories nas quais he- Além disso, os autores que insistem em explorá-
róis ou heroínas são indivíduos comuns que, seguin- los quase sempre não têm outras escolhas além da
do simplesmente os grandes princípios da vida aces- de maquiar seu estudo de caso, isto é, de esconder a
síveis a todos, obtêm resultados extraordinários. identidade da empresa e dos protagonistas. Aliás,
A liderança examinada sob o prisma do sensacio- esse tipo de estudo de caso informa mais sobre a
nismo aparece como uma força natural, intrinsecamente verdadeira natureza dos líderes. Descobrimos ho-
presente em cada indivíduo. Basta simplesmente ativá- mens e mulheres verdadeiros, por serem desprovi-
la adotando uma filosofia de vida positiva – isto é, ba- dos dos andrajos da taumaturgia organizacional. Tra-
seada em valores que promovem o ser humano –, de ta-se de pessoas normais, parecidas conosco. Elas
transparência, de confiança, de diálogo, de escuta, de têm certamente qualidades, mas também possuem
equilíbrio, de qualidade, de superação, etc. Por mais defeitos e limites. Elas são simplesmente humanas.
interessante que seja a descrição da liderança no para- As desventuras monopolistas de um Bill Gates di-
digma sensacionista, um perigo ronda os estudos que minuíram a apologia dos grandes líderes. A justiça
lhe são aferentes. Por querer mostrar as confidências norte-americana e a concorrência atribuem o impul-
dos grandes líderes da maneira mais fiel possível, os so fenomenal da Microsoft às práticas comerciais
autores de estudos de caso terminam no simplismo. desleais. De repente, os gigantes parecem menores.
A transcrição das idéias expostas nas entrevistas As grandes visões não são tão distantes das rasteiras
com os líderes revela-se, na maior parte do tempo, tácitas e das tramóias.
Os autores apontam as causas dos comportamentos, tantos outros para interpretar seu estilo de liderança. Sua
quase sempre imprevisíveis e desconcertantes dos líde- capacidade explicativa revela-se um tanto quanto frágil
res, que parecem, para muitos, antinômicas: elas são, quando se trata de justificar a existência de transforma-
em um primeiro momento, fascinantes, porém, depois ções no estilo de liderança do dirigente. De fato, se a
da reflexão, revelam-se pouco convincentes. Tal con- psiquê, um dado estrutural fundamentalmente invariá-
tradição causal origina-se do fato de que a explicação vel – ao menos segundo o paradigma dogmático –, fos-
avançada é, por um lado, articulada e plausível, mas, se a única variável determinante do estilo de liderança,
por outro, restritiva demais em termos de feitos causa- esta não deveria modificar-se a priori ao sabor dos so-
dores. Na verdade, a causalidade trata somente do ar- bressaltos do ambiente da empresa. Ao fazer-se da psiquê
ranjo, certamente complexo, de fatores relativamente do dirigente a variável cardinal na determinação do es-
pouco numerosos. No máximo, seria até possível men-
cionar monocausalidade. Vários outros fatores, que não
pertencem unicamente ao passado longínquo dos líde- UMA REPRODUÇÃO FIEL E
res, mas, igualmente, à contemporaneidade da empresa,
participam do condicionamento de seu próprio estilo de INGÊNUA DAS DESCRIÇÕES DE VIDA
liderança. O fato de engajar-se resolutamente em um
QUE ACONTECE NO PARADIGMA
dogmatismo – que decreta que tudo acontece antes da
idade de cinco anos – permeia a via do misticismo. As SENSACIONISTA TERMINA EM
pessoas devem crer nas explicações apresentadas, mes-
mo que elas não resistam à prova da razão. A fé nos SIMPLISMO, E UMA ADESÃO
ensinamentos da psicanálise triunfou sobre a avaliação
de sua adequação. CEGA ÀS INTERPRETAÇÕES
Um exemplo de manifestação típica do misticismo
consta nos trabalhos de Kets de Vries e Miller (1984). SUBJETIVAS AFERENTES AO
Eles postulam que os estilos neuróticos da empresa ori-
ginam-se fundamentalmente na personalidade do chefe PARADIGMA DOGMÁTICO ACABA
da empresa. Apesar da sábia advertência liminar dos
NO CAMINHO DO MISTICISMO.
autores a respeito do fato de uma situação complexa (o
tipo de organização) poder ser produto de um único fa-
tor (o tipo de personalidade do dirigente), estabelecem tilo da liderança, torna-se excessivamente difícil expli-
uma tipologia de cinco tipos de organização (os tipos car as bruscas e desconcertantes reviravoltas generali-
paranóico, compulsivo, teatral, depressivo e esquizóide) zadas dos atuais dirigentes, traduzindo-se em numero-
que se remetem à essência da personalidade do dirigen- sas fusões, radicais reorganizações de trabalho e impor-
te. Ora, uma empresa revela-se como um microcosmo tantes redefinições de missões organizacionais. Se a
muito mais complexo. Sua natureza é o substrato de uma psiquê do dirigente é tão determinante, como explicar a
constelação de fatores, que não dizem respeito, neces- fraca distinção das empresas no estabelecimento e na
sariamente, a atributos intrínsecos dos atores presentes. implantação de suas estratégias? Como explicar o de-
O estilo de liderança dos dirigentes não poderia limitar- senvolvimento do oportunismo em curto prazo? Como
se à sua personalidade, por mais forte que ela seja. Um explicar que os inimigos de ontem tornam-se subitamente
líder não dirige dentro de um vácuo. Ele confronta-se os parceiros de amanhã? A cada semana, a mídia anun-
com uma multiplicidade de demandas e de obrigações cia casamentos heteróclitos entre empresas que exibem
do ambiente. Além do mais, raros são os líderes que têm tradições e culturas antípodas. É preciso admitir que,
a possibilidade de dirigir uma empresa sozinhos. Nas atualmente, pouquíssimos líderes distinguem-se por uma
organizações estruturadas como uma capitalização pú- visão pessoal do desenvolvimento. Boa parte deles se-
blica de seus ativos, os líderes são apenas instrumentos gue uma perspectiva de liderança de custos voltada para
da vontade dos acionistas. o curto prazo por meio das economias de escala e do
Convém, então, considerar, na equação da causali- posicionamento de dirigentes estratégicos no exterior.
dade das ações dos líderes, muitas variáveis como, por
exemplo: a natureza da propriedade, o feudo dos con-
sórcios, a saturação do mercado, a maturidade dos con- CONCLUSÃO
sumidores, as pressões da concorrência, o ciclo de vida
do produto, o nível de evolução da tecnologia, a dispo- Este estudo traz uma reflexão sobre o teor e a am-
nibilidade de recursos, o nível de esgotamento da natu- plitude dos conhecimentos produzidos na área da li-
reza, o posicionamento estratégico dos governos, etc. A derança. Agrupados em quatro paradigmas, esses co-
bagagem psíquica do dirigente é apenas um fator entre nhecimentos auxiliam a compreensão de que a expres-
são “sucesso de liderança” requer uma planificação Não há uma implantação de lições interparadigmáticas
racional da ação (paradigma racionalista), uma habi- que possam oferecer uma concepção mais completa e
lidade para mobilizar as pessoas em torno de um pro- realista da liderança.
jeto coletivo (paradigma empírico), um sistema de Convém lembrar que uma sofisticação exacerba-
valores que permita promover o essencial (paradigma da das teorizações realizadas no paradigma raciona-
sensacionista) e uma energia psíquica que inicie a ação lista conduz ao intelectualismo, que uma fragmenta-
das pessoas (paradigma dogmático). ção exagerada das experimentações próprias do para-
Porém, quando esses conhecimentos não são abor- digma empírico leva ao reducionismo, que uma re-
dados em uma perspectiva de globalidade organizacio- produção fiel e ingênua das descrições de vida que
nal, o resultado é um certo empolgamento heurístico. acontecem no paradigma sensacionista terminam em
Os conhecimentos produzidos sofrem um refinamento simplismo e que uma adesão cega às interpretações
isolado em uma redoma. São explorados seguindo um subjetivas aferentes ao paradigma dogmático acaba
eixo vertical de aprofundamento intraparadigmático. no caminho do misticismo.
NOTA
O autor agradece a Débora Pinheiro o o p r o c e s s o d e r e v i s ã o final da tradução, cujos financeiro do Departamento de Pesquisa e do
excelente trabalho de tradução deste artigo comentários judiciosos permitiram preservar as nuanças Centro de Estudos em Administração
e destaca a preciosa colaboração de Eduardo do pensamento do autor. Finalmente, a tradução deste Internacional (CETAI), ambos da HEC-Montreal.
Davel, doutorando na HEC-Montreal, durante artigo foi possível em virtude do importante auxílio O autor expressa-lhes toda sua gratidão.
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