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UM BOLCHEVISMO ALEMÃO?

Texto de António Louçã publicado na revista História

O bolchevismo do tempo de Lenine sempre encarou a revolução na Rússia atrasada e


camponesa como uma espécie de prelúdio ao que verdadeiramente importava, a revolução
alemã. Lenine e Trotsky gostavam de afirmar que a principal tarefa do poder soviético era
“ganhar tempo” até o proletariado alemão tomar o poder. Lenine afirmava que a revolução russa
devia estar disposta a morrer pela revolução alemã. Na hipótese mais favorável, a ideia de uma
federação socialista encabeçada pela Alemanha permitia encarar uma divisão internacional de
trabalho em que a atrasada Rússia estabelecesse um plano de desenvolvimento orgânico e
faseado, sem os ritmos traumáticos do “comunismo de guerra” ou da industrialização e da
colectivização em marchas forçadas.
A prioridade objectiva da revolução alemã não oferecia, pois, qualquer dúvida. A questão
mais complexa é a de saber se, apesar do atraso do seu país, os bolcheviques se consideravam,
subjectivamente, um modelo a seguir na Alemanha. Por outras palavras: supunham os dirigentes
bolcheviques, principalmente a partir de 1917, que a tarefa principal dos revolucionários
alemães consistia em absorverem e imitarem a experiência russa? A esta interrogação
tentaremos esboçar uma resposta nas linhas que se seguem.

Antes da Primeira Guerra Mundial

O SPD foi desde cedo a coluna vertebral da Segunda Internacional, reconhecido como tal
pela generalidade dos outros partidos do movimento. Os dirigentes russos não constituíam
excepção e com frequência recorriam à autoridade dos seus camaradas alemães para arbitrarem
conflitos especificamente russos. Assim, na sua acesa polémica contra os economicistas, Lenine
invocou em “Que fazer?” a autoridade do principal teórico marxista do seu tempo, Karl
Kautsky, a favor da tese de que a consciência socialista deveria ser introduzida no proletariado a
partir “de fora”. Mais tarde, em plena revolução de 1905, citou ainda o mesmo Kautsky contra o
decano do marxismo russo, Plekhanov, que lamentava o recurso às armas por parte do
proletariado russo.
Ainda em 1910, Kautsky continuou a ser poupado por Lenine e por Trotsky, quando se
envolveu numa discussão que o afastaria pessoalmente de Rosa Luxemburg. Perante um
movimento pelo sufrágio universal e pela abolição da monarquia prussiana, Kautsky
argumentava que só o socialismo, e não a implantação da república, poderia trazer verdadeiras
soluções. Rosa, pelo contrário, solidarizava-se com o movimento e proclamava que o
maximalismo retórico de Kautsky apenas reflectia a sua cobardia política. Lenine absteve-se de
tomar posição a favor de Rosa; Trotsky foi mesmo mais longe, censurando à revolucionária
polaca a aspereza e o tom demasiado “russo” das suas intervenções polémicas. Curiosa censura:
mais do que o conteúdo da discussão, parecia ser uma brutalidade especificamente russa a
desqualificar Rosa face à delicadeza alemã do seu contraditor.
Lenine mantinha também um elevado apreço pelo principal dirigente do SPD, August
Bebel. Quando, em vésperas da Primeira Guerra Mundial, este foi substituído por uma nova
geração de burocratas operários, Lenine continuou a esperar dos herdeiros políticos de Bebel
uma firme posição anti-belicista. Em 4 de Agosto de 1914, o dirigente bolchevique ficou tão
surpreendido pela votação social-democrata a favor dos créditos de guerra que começou por
suspeitar de uma notícia forjada pelo Estado-Maior alemão.
Rosa Luxemburg já antes de Lenine detectara os sintomas da degenerescência do SPD,
mas não tinha criado à sua volta um núcleo capaz de cindir no momento crítico. Em 4 de
Agosto, depois do choque da notícia e dum primeiro impulso suicida, decidiu meter ombros à
agitação contra a guerra. Mas no primeiro dia apenas conseguiu reunir sete pessoas - couberam
todas no seu apartamento. Aos 300 telegramas que enviou, só uma personalidade importante
respondeu: a enérgica Clara Zetkin que, com Rosa e com o velho historiador Franz Mehring,
assinou a primeira proclamação contra a guerra. Mesmo o deputado radical Karl Liebknecht
votara os créditos de guerra, por disciplina partidária. Dois dias depois já estava arrependido,
mas só quatro meses mais tarde iria ter nova oportunidade de votar contra eles.

Da guerra à revolução alemã

A precocidade do diagnóstico de Luxemburg andava de mãos dadas com uma notável


lentidão nos seus passos organizativos. Com Liebknecht, ela agitava contra o imperialismo, o
militarismo e o belicismo social-democrata, mas hesitava em criar o seu próprio partido. Toda a
sua agitação se organizava em torno das Cartas de Spartakus, e tomava forma na Liga
Spartakus. A hesitação dos spartakistas sobre a questão do novo partido reflectiu-se na atitude
que adoptaram perante a questão da nova Internacional a criar, discutida nas conferências
socialistas de Zimmerwald e Kienthal, na Suíça.
Na primeira, em Setembro de 1915, foi aprovado um manifesto contra a guerra, mas foi
rejeitada a criação da nova Internacional, tal como era proposta pelos bolcheviques. Os
spartakistas Bertha Thalheimer e Ernst Meyer estiveram ao lado dos “centristas” a rejeitar a
proposta bolchevique. Entre os delegados vindos da Alemanha, só Julian Borchardt, do jornal
da extrema-esquerda berlinense Lichtstrahlen, votou a favor dela. Ausentes da conferência
estavam os grupos de extrema-esquerda de Bremen e Hamburgo, que partilhavam também a
perspectiva bolchevique neste ponto. Na conferência de Kienthal, em Março de 1916, os
bolcheviques foram desde o início apoiados pelo representante do grupo de Bremen, Paul
Fröhlich, e só depois ganharam o apoio dos delegados spartakistas.
Na Alemanha, a prolongada hesitação dos spartakistas em criarem um novo partido fê-los
serem, finalmente, ultrapassados pelos acontecimentos. O agravamento da crise social causada
pela guerra traduziu-se, em Abril de 1917, na cisão do SPD. Grande número de “centristas”, que
tinham favorecido a guerra enquanto parecera fácil ganhar, começaram a levantar a voz contra
ela. Para impedirem que a corajosa agitação anti-guerra de Liebknecht levasse as massas a um
partido revolucionário, os centristas anteciparam-se e fundaram o partido dos “socialistas
independentes” (USPD). Os spartakistas, surpreendidos por esta viragem, integraram-se em
bloco no USPD – contra a oposição, pela direita, de Rosa Luxemburg, partidária de permanecer,
ainda, no SPD, e, pela esquerda, dos radicais de Berlim, Bremen, Hamburg e Frankfurt,
partidários de criar imediatamente um partido revolucionário.
Em Novembro de 1917, após o triunfo da revolução russa, os bolcheviques mantiveram-
se fiéis à sua convicção sobre a importância decisiva duma revolução alemã julgada iminente.
Na esperança de contribuírem para apressá-la, fizeram arrastar as negociações com a Alemanha
e utilizaram-nas sistematicamente como tribuna de agitação para se dirigirem ao proletariado
germânico. Iniciadas em 22 de Dezembro, as negociações prolongaram-se durante vários meses
e estiveram no centro de acaloradas polémicas dentro do partido bolchevique. A vaga de greves
alemãs de Janeiro do ano seguinte foi seguida na Rússia com grande ansiedade, mas não
constituiu ainda o sinal para desencadear a revolução. Em 16 de Fevereiro, o Estado-Maior
alemão decidiu silenciar a agitação bolchevique e anunciou o fim do cessar-fogo. Mesmo assim,
os bolcheviques continuaram a esticar a corda e só em 3 de Março assinaram o tratado de Brest-
Litovsk, sob a coacção de tropas alemãs incomparavelmente superiores. Nesse tratado, a Rússia
deixava em mãos do exército alemão um terço da sua população, metade da sua indústria e
quase todas as suas minas de carvão. O preço fôra elevadíssimo: a revolução russa quase tinha
morrido pela alemã.
Na esquerda revolucionária alemã, o exemplo bolchevique despertava também uma
ardente admiração. Paul Levi destacou-se, dentro do núcleo luxemburguista, como convicto
defensor da aproximação à república soviética. Um outro luxemburguista que interveio na
revolução russa em posições cimeiras foi Félix Dzerzsinsky, nomeado por Lenine para chefiar a
Tcheka. Mas, em Breslau, Luxemburg mantinha várias reservas de fundo face à política
bolchevique. Numa brochura escrita na prisão, ela criticava a política soviética para com as
nacionalidades oprimidas e a assinatura do tratado de Brest-Litovsk. Por outro lado, ela
manifestava o seu desagrado por os bolcheviques terem dissolvido a Assembleia Constituinte
sem depois convocarem novas eleições. Neste último ponto havia portanto uma posição com
laivos de parlamentarismo e, implicitamente, a proposta de um regime que combinasse
democracia directa com democracia representativa.
Para evitar a criação dum novo foco de tensão entre bolcheviques e spartakistas, Levi foi
visitar Luxemburg em Breslau e convenceu-a a adiar a publicação. A dirigente revolucionária
parece ter anuído contrafeita, mas o certo é que, ao sair da cadeia, trazia uma atitude mais
radicalmente anti-parlamentarista do que os próprios bolcheviques. Radek, entretanto enviado à
Alemanha, julgou ver na hostilidade de Rosa à marcação de eleições pelos social-democratas
uma prova da sua rápida aproximação ao modelo sovietista.

A nova Internacional nasce desfalcada

De qualquer modo, os spartakistas iam ter muita dificuldade em fazer prevalecer a sua
política. Apesar da grande popularidade que tinham ganho com a sua corajosa oposição à
guerra, eles chegaram à revolução com um núcleo militante exíguo, que não ia além dumas 50
pessoas em Berlim. A sua influência sobre a torrente revolucionária tinha limites evidentes. Ao
ser derrubada a monarquia dos Hohenzollern, em 9 de Novembro de 1918, Liebknecht
proclamara algo teatralmente a fundação da “república socialista alemã”. Os conselhos
operários eram, com efeito, a base do novo governo, mas a debilidade dos spartakistas deixava
todo o poder nas mãos duma coligação entre social-democratas e “independentes”. Liebknecht,
convidado a sobraçar uma pasta, recusou. Os “independentes” apenas permaneceram no
governo até finais de Dezembro. Daí em diante, todos os ministérios ficaram em mãos do SPD.
Os spartakistas tentaram obter a convocação de uma conferência do USPD, não
conseguiram e romperam. Em 30 de Dezembro, reuniram o congresso que iria fundar o KPD,
com a participação da Liga Spartakus e de vários grupos de extrema-esquerda de Bremen,
Hamburgo e Berlim. O grupo de “delegados revolucionários” das fábricas de Berlim, até aí
filiados no USPD, também tinha mostrado interesse em participar, mas finalmente vira
recusadas as suas condições. A grande influência desse grupo nas fábricas da capital ficou,
assim, perdida para o novo partido.
No congresso havia uma clara maioria de entusiastas do bolchevismo que, no entanto,
tinham dele uma compreensão esquemática. Rosa Luxemburg compreendia mais profundamente
as contradições com que a revolução russa se debatia. A sua adesão era mais mediada e
dialéctica que a da maioria do congresso. Ela escreveu o programa do novo partido e obteve a
sua aprovação. Mas em todas as outras votações importantes ficou em minoria. Quis adiar a
fundação formal do partido e perdeu. Quis chamar-lhe socialista e a grande maioria decidiu que
havia de ser comunista: KPD. Na discussão táctica, Luxemburg quis que o partido concorresse
às eleições parlamentares marcadas para final de Janeiro e perdeu por larga margem.
O anti-parlamentarismo simplista da maioria do KPD deixava o partido à mercê da
tentação putschista. Foi o que sucedeu em 4 de Janeiro de 1919 com a demissão do chefe da
polícia de Berlim, o “independente” Eichhorn, pelo governo social-democrata de Ebert. Os
spartakistas, incluindo Liebknecht, caíram na provocação, controlaram parte da cidade e foram
derrotados em dois dias. Luxemburg e Liebknecht mantiveram-se durante algum tempo na
clandestinidade mas, em 15 de Janeiro, foram capturados e assassinados, por ordem directa do
ministro social-democrata Gustav Noske, com a aprovação de Ebert. Dois meses depois, em 10
de Março, era a vez de ser assassinado o outro grande dirigente spartakista, Leo Jogiches. O
sociólogo Heleno Saña sustenta que o duplo assassínio, na realidade triplo, desembaraçou
Lenine de rivais incómodos e possíveis candidatos à liderança da IIIª Internacional. Na verdade,
era o contrário que sucedia: Lenine queria esse contrapoder dentro da Internacional e esteve à
beira de fazer-lhe uma decisiva concessão.
Com efeito, entre 2 e 6 de Março reuniu-se em Moscovo a conferência que iria tornar-se o
primeiro congresso da Komintern. O delegado alemão, Hugo Eberlein, trazia instruções de
Luxemburg, das últimas emitidas em vida desta, para se opor à fundação de uma nova
Internacional. Eberlein era o único delegado a considerar prematura a fundação. Mas a
importância que Lenine atribuía a um eixo germano-russo na fundação da Internacional era de
tal ordem que ponderou mesmo a possibilidade de adiar esse passo, em atenção às objecções
solitárias do delegado alemão. Por ponderar o adiamento, suscitou uma enérgica oposição,
nomeadamente do finlandês Kuusinen e do ucraniano Rakovsky.
Acontece que o próprio Eberlein, conhecido mais pela teimosia do que pela habilidade,
forneceu argumentos aos partidários da urgência: depois de ter apresentado um relatório
triunfalista sobre o alegado crescimento do KPD, ele tentou sustentar o adiamento na
insuficiência do apoio de massas ao comunismo. Zinoviev facilmente voltou o relatório contra
as fundamentações do adiamento: se, num país tão decisivo como a Alemanha, o comunismo
tinha a influência avassaladora descrita por Eberlein, como se podia ainda hesitar?
Inesperadamente, sugestionado pelo ambiente eufórico que suscitavam as notícias da revolução
húngara, o delegado alemão adoptou uma atitude mais flexível. A maioria proclamou a
fundação da Komintern e Eberlein limitou a expressão das suas reservas a um voto de
abstenção.

A hora dos luxemburguistas

Entretanto, na Alemanha, os discípulos de Rosa Luxemburg exerciam um papel dirigente


mais significativo que o da maioria ultra-esquerdista do KPD. Ao contrário do que sucedera em
Berlim, o governo escolhido pelos conselhos de operários e soldados de Munique não
permaneceu nas mãos do SPD. Em 7 de Abril de 1919 foi proclamada a República dos
Conselhos da Baviera. Uma semana depois, essa primeira república dava lugar a uma segunda
sob a direcção de Eugen Leviné, um dos mais brilhantes discípulos de Luxemburg. Um exército
vermelho constituiu-se então, também sob o comando do comunista Rudolf Egelhofer. As
primeiras tentativas de milícias contra-revolucionárias (“corpos francos”) para esmagarem a
república bávara foram batidas nos arredores de Munique e em Dachau. A experiência da
insurreição de Berlim servira a Leviné para recusar as tentações putschistas e para defender a
república dos conselhos com o apoio das massas. Desta vez, Noske teve de chamar o exército
para esmagar a revolução – os corpos francos não foram suficientes. Em 2 de Maio, a ordem
reinava em Munique e os dirigentes da república dos conselhos eram executados ou
assassinados.
Mas entretanto o KPD dava o salto de crescimento para se tornar um verdadeiro partido
de massas. Sob a direcção de Paul Levi, foi derrotada a maioria ultra-esquerdista do congresso
de fundação. Essa antiga maioria iria meses depois dar origem ao KAPD, que durante algum
tempo continuou a ser reconhecido como partido simpatizante da Komintern. Desembaraçado
da oposição interna mais extrema, Levi conseguiu promover a unificação com a substancial ala
esquerda dos “independentes”, dando origem ao VKPD (partido comunista unificado).
Contudo, e apesar da cisão, o partido continuava marcado por acentuados reflexos ultra-
esquerdistas. O assinalável sucesso obtido por Levi na unificação com os independentes pouco
podia contra uma contestação que no ano seguinte iria ser favorecida por Grigory Zinoviev,
entretanto transformado em máxima autoridade da Komintern. Uma expressão particularmente
eloquente da política ultra-esquerdista teve lugar em Março de 1920, quando o exército tentou
destruir a república. Perante o golpe de Estado de Kapp-Lüttwitz, os sindicatos apelaram à
greve geral e todo o país ficou paralisado. Mas Levi encontrava-se na cadeia e a direcção do
KPD estava entregue ao ultra-esquerdista Ernst Reuter (mais tarde burgomestre social-
democrata de Berlim na Guerra Fria). O KPD apelou a que o proletariado permanecesse neutral,
a pretexto de não poder escolher entre Kapp e Noske. Colocou-se assim à margem da resistência
de massas. Da cadeia, Levi criticou violentamente a orientação escolhida. Em Chemnitz,
Heinrich Brandler, um pedreiro comunista, pôs em prática uma política de frente única anti-
golpista, nos antípodas da linha oficial do KPD, e ganhou rapidamente uma influência
determinante.
Nas semanas seguintes, quando o país pareceu encaminhar-se inexoravelmente para a
guerra civil, o KPD continuou reduzido a um papel marginal. Foi o caso quando o proletariado
do Ruhr se armou para submeter as unidades militares da região, que continuavam a não acatar
a autoridade da República. Na região mineira criou-se um “Exército Vermelho”, que alguns
observadores cifravam em 100.000 pessoas e que triunfou sobre os militares golpistas. Quando
o SPD e os seus sindicatos mandaram desmobilizar esse exército, houve ainda focos de
resistência significativos.

A hora dos zinovievistas

Apesar da confirmação das suas críticas pelos factos, Levi tinha contra si a direcção da
Komintern. A pretexto duma intervenção que teve no congresso do partido italiano, ele foi
afastado da direcção. O golpe final, que o afastou também do partido, foi a acção de Março de
1921. O dirigente húngaro da Komintern, Bela Kun, interveio para forçar um putsch comunista
que aliviasse as dificuldades sentidas pela Rússia soviética. A nova direcção embarcou o KPD
na aventura, contra as advertências de Levi e Clara Zetkin. Tudo indica que a intervenção de
Bela Kun teve o beneplácito de Zinoviev.
Quando o putsch fracassou, Clara Zetkin exigiu internamente a responsabilização dos
seus promotores, ao passo que Levi os denunciou publicamente na brochura Unser Weg. Lenine
apoiou Zetkin contra a restante direcção do KPD e, numa carta que lhe dirigiu, incitou mesmo o
KPD a resistir a injunções estúpidas que pudessem vir da Komintern. Segundo o testemunho do
dirigente kominternista Iakov Thomas, a entrevista de Lenine com Bela Kun foi muito severa,
desautorizando o dirigente húngaro e em parte o próprio Zinoviev. Quanto a Levi, que sempre
tinha protegido, Lenine acabou por resignar-se a caucionar a sua expulsão por ter atacado
publicamente o partido. Fê-lo, contudo, reafirmando que Levi tinha razão no fundo da polémica
contra a acção de Março. Segundo Lenine, Levi tinha perdido a cabeça – mas era o único que
tinha uma cabeça para perder.
Foi então que Levi se decidiu a publicar a mesma brochura de Rosa Luxemburg que tinha
retido na gaveta quatro anos antes. Trotsky reagiu com irritação e Clara Zetkin aproveitou para
testemunhar que Rosa já tinha entretanto mudado de ideias e revisto as suas críticas à direcção
bolchevique. Lenine, pelo contrário, recebeu estoicamente a publicação e reclamou mesmo que
o KPD publicasse a obra completa – sublinhando completa - de Luxemburg. Manifestou por
certo a sua divergência face às críticas da brochura, mas afirmando no mesmo fôlego que essa
divergência em nada diminuía a estatura da autora. É curiosa a expressão utilizada por Lenine:
“Uma águia pode voar por vezes mais baixo que uma galinha, mas continuará sempre a ser uma
águia”. Não era segredo para ninguém que o dirigente bolchevique mantinha desde longa data
essa elevada apreciação sobre Rosa. Mas a alusão às galinhas não servia apenas a Levi, seu alvo
explícito naquela circunstância, e sim, também, aos epígonos alemães do leninismo.
A aposta de Lenine e Trotsky era, nesse momento, um dirigente de massas, spartakista da
primeira hora, apoiante das posições de Zetkin e Levi em 1921: o já citado Heinrich Brandler,
que ao sair da cadeia foi instalar-se durante algum tempo em Moscovo, no executivo da
Komintern, e regressou à Alemanha com a incumbência de organizar uma insurreição em defesa
dos governos de coligação entre “independentes” e comunistas na Turíngia e na Saxónia. Esta
acção defensiva podia ser a centelha que conduzisse à tomada do poder na Alemanha. Mas
Lenine, fora de combate, já só tinha poucos meses de vida pela frente. Trotsky propôs-se ir para
a Alemanha dirigir os preparativos insurreccionais, mas viu essa proposta recusada pela troika
Stalin-Zinoviev-Kamenev, que receava a popularidade acrescida dum rival colocado à frente da
revolução mais importante do mundo.

Lenine perante a esquerda revolucionária alemã

A contradição maior da política bolchevique em relação à revolução alemã reside no facto


de, por um lado, a considerar prioritária face à própria revolução russa e, por outro, ter deixado
as decisões cruciais sobre ela na mão de um executivo internacional largamente dominado por
personalidades ultra-esquerdistas (Zinoviev, Bela Kun). Lenine, presidindo ao governo russo,
seguiu sempre apaixonadamente os debates alemães e, ao intervir neles, por mais de uma vez
emendou o curso adoptado pelos seus epígonos. Fê-lo, contudo, quando os danos já eram
irreparáveis, o que retirou quase toda a utilidade às suas intervenções.
No que diz respeito à intervenção de Lenine no problema da construção duma direcção
para a revolução alemã, ele foi sempre muito céptico sobre as tiradas dos entusiastas alemães do
leninismo. Não o convenciam os arrebatamentos anti-parlamentares e anti-sindicais nem o
fetichismo da forma soviética de organização, como sobejamente explicou em “O esquerdismo,
doença infantil do comunismo”. Lenine mostrou-se sempre muito reservado face aos
esquerdistas alemães que, no entanto, foram seus apoiantes da primeira hora em Zimmerwald. E
mostrou-se sempre, pelo contrário, muito esperançado em convergir com uma dirigente da
craveira de Rosa Luxemburg, apesar da profundidade de algumas divergências que os
separavam. Depois do assassínio da dirigente spartakista, as suas intervenções em debates
tácticos alemães continuaram a testemunhar essa preferência do dirigente bolchevique pelos
discípulos de Luxemburg e essa reserva face aos continuadores da política ultra-esquerdista.
Mesmo ao defender que o KAPD pudesse permanecer na Komintern, com grande
desagrado de Levi, Lenine não estava simplesmente a equilibrar o seu habitual apoio aos
luxemburguistas com um gesto salomónico de mão estendida aos ultra-esquerdistas. Na
verdade, ele tinha alguns motivos para esperar que as posições do KAPD não estivessem
inteiramente cristalizadas e para considerar que o ultra-esquerdismo mais incorrigível era o que
tinha ficado dentro do próprio KPD. Exemplo disso foi a participação dos militantes do futuro
KAPD na luta contra o golpe de Kapp, ao mesmo tempo que o KPD permanecia paralisado por
uma posição sectária.
Obviamente, Lenine compreendera que a complexidade da revolução alemã não obteria
respostas cabais por parte de uma Internacional essencialmente russa. Por isso se dispôs a adiar
a fundação da Internacional em atenção às objecções do KPD e por isso preferiu sempre ter pela
frente uma direcção comunista alemã com divergências face a Moscovo. A orientação devia ser
encontrada no confronto de posições e não no seguidismo face ao partido-irmão no poder.
Independentemente da qualidade teórica e militante de Luxemburg, e também depois da sua
morte, Lenine encorajou os luxemburguistas a desempenharem um papel dirigente. Não o fez
apenas porque o leninismo dos esquerdistas alemães revestisse características mais ou menos
caricaturais. O motivo fundamental para a sua preferência era a compreensão de que, fora de
uma verdadeira tensão dialéctica entre os dois grandes partidos, russo e alemão, seria impossível
tomar o pulso à sociedade alemã e à sua maturidade revolucionária. Passe o paradoxo, Lenine
antes queria ter à cabeça do KPD luxemburguistas do que leninistas.
Indicações bibliográficas
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