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O problema da repressão
Escriba (2008) aponta para o fato de que a repressão pode tanto diminuir quanto aumentar
a organização e a força da oposição e dos protestos. O regime autoritário reage de forma dura
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contra os protestos para que outros protestos sejam desencorajados, no entanto, em algum ponto,
essa reação extrema pode surtir o efeito inverso e fazer com que os protestos cresçam.
A repressão executada pela ditadura brasileira, em comparação à ditadura argentina, por
exemplo, é vista como uma repressão mais institucionalizada e até menos violenta. A repressão
imposta pelos militares argentinos foi mais dura e mais abrangente, segundo a maioria dos autores
que estudam o tema. Algumas interpretações nos levam a relacionar essa intensidade de repressão à
falta de legitimidade social do regime argentino, enquanto que o regime brasileiro, obtendo
legitimação por outros meios, teria menor necessidade de apelar para a repressão violenta. Outra
possibilidade de interpretação é a força que a oposição (partidos, movimentos, sindicatos, guerrilhas
e toda organização política em geral) tinha nos dois países.
Na Argentina, desde a década de 1930, como herança do movimento que levou ao
Peronismo, a política argentina encontrava-se dividida e com partidos e movimentos com ampla
base social. A guerrilha de esquerda mais conhecida da década de 1970 no país, chamados
“Montoneros” chegou a mobilizar apoio de pessoas importantes da política e da sociedade
argentinas, antes de ser completamente dizimada pelos militares que entraram no poder a partir de
1976. Além disso, o comando da repressão argentina era mantido clandestino, formando um
verdadeiro “terrorismo de Estado”. Quase todos os militares no governo tinham autorização e
liberdade para executarem torturas e assassinatos, além disso, as prisões e processos políticos eram
raros.
Os militares argentinos implementaram com a ditadura um programa que se colocava
como a solução dos conflitos na sociedade argentina, trazendo o monopólio da violência
unicamente para o Estado. Essa violência seria fortemente usada para exterminar o conflito na
sociedade. Houve cerca de 9 mil casos de “desaparecidos” confirmados e investigados, mas as
comissões de direitos humanos avaliam em 30 mil o número correto. Isso tudo em apenas 3 anos
de repressão pesada (1976/1978), depois disso já se pode considerar um período de abertura. As
organizações de milícia de esquerda, como os “Montoneros”, foram extintas, mas mesmo depois
disto a violência se estendeu a diversos líderes sindicais, religiosos, advogados, militantes de direitos
humanos, intelectuais e líderes políticos em geral.
Todos os partidos, sindicatos, agremiações e qualquer atividade de cunho político foram
proibidas, além da repressão contra artistas, escritores, intelectuais e contra a imprensa. Assim,
apenas a voz do Estado existia contra os indivíduos isolados. O ideal autoritário foi, na maioria das
vezes, internalizado e instaurou-se a cultura do medo. De 1976 até abril de 1979 os sindicatos foram
subjugados à inexistência de fato, só existiam formalmente, já que seus líderes foram presos, as
greves proibidas e as negociações salariais encerradas (cf. PALERMO e NAVARO, 2007). Apenas
em 1979, quando o regime dava seus primeiros suspiros de cansaço, é que os sindicalistas
conseguiram organizar uma greve geral, à qual os sindicalistas mais moderados não acataram, essa
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paralisação acabou com muita repressão e várias prisões. Em 1981 a CGT (“Central General de los
Trabajadores”) organizou nova paralisação geral, recebendo mais repressão e no fim de 1981
(novembro) fez uma marcha pedindo “pão, paz e trabalho”, sendo apoiados por alguns empresários
e pelos estudantes. A partir desse período as greves e paralisações começaram a surgir mais amiúde,
culminando, em 30 de março de 1982, em uma manifestação na Plaza de Mayo, que o governo
reprimiu fortemente, com cerca de 2 mil presos em Buenos Aires.
As “Madres de la Plaza de Mayo”, utilizando o apelo da maternidade e da família, que não
podiam ser negadas pelos militares nem colocadas como subversivas, logo se tornaram o centro do
questionamento ao regime, sendo foco de atenção inclusive no exterior, com um apelo comovente
e que colocava em pauta a repressão que os militares queriam esconder. Assim, os movimentos de
oposição ganhavam fôlego. As “Madres de La Plaza de Mayo” ganharam, aos poucos, repercussão
internacional, colocando o tema dos desaparecimentos e da tortura em discussão, exatamente como
os militares não queriam, o que enfraqueceu ainda mais o Regime. Com o início e derrota da
Argentina na Guerra das Malvinas (1982) a pressão social por uma abertura política e por um
regime democrático se expande e os conflitos passam a ser mais fortes. No final de 1982 os
militares já não tinham base social nem controle para negociarem a transição e são, assim, obrigados
a convocar eleições. Nesse sentido, Escriba afirma que o envolvimento em guerra aumenta a
incidência de conflitos, “O esforço de guerra pode enfraquecer a coerção do regime, ao passo que a instabilidade
política pode fazer com que a oposição perceba a existência de um contexto favorável para a mudança de regime” (p.
728).
Com a volta da democracia, já no primeiro governo eleito democraticamente, em 1983, os
militares responsáveis pelos desaparecimentos, pelos crimes e pela tortura foram a julgamento. O
mais recente destes foi em julho de 2010, com o julgamento e posterior condenação à prisão
perpétua de Jorge Videla, que, apesar de ser considerado um dos componentes da ala “branda” do
regime, foi responsabilizado.
Em contraposição, no Brasil, a perseguição política era comandada pelos postos mais altos
na hierarquia militar e as prisões eram comuns. A ditadura brasileira, a princípio, não se caracterizou
por uma violência tão explícita quanto a ditadura argentina (que foi uma das mais violentas do
continente), mas ainda assim foi marcada por prisões, desaparecimentos e torturas. Alguns autores
(cf. O’DONNELL et all, 1988; PEREIRA, 2010 e FAUSTO e DEVOTO, 2004) apontam para o
fato de que a oposição no Brasil não era tão organizada e combativa quanto na Argentina, com
algumas exceções marcantes, como a guerrilha do Araguaia, que foi brutalmente exterminada, bem
como grupos de guerrilha urbana, como o liderado pelo ex-deputado Carlos Marighella. A violência
no Brasil, inclusive a tortura, foi mais institucionalizada e legitimada pelo regime e não feita de
forma clandestina como na Argentina, mas isso não exclui a existência de inúmeros registros de
“desaparecidos” e pode, inclusive ser vista como “menor” justamente porque era mais organizada e
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institucional, atacando somente aqueles considerados como líderes de movimentos políticos. Ao
contrário, na Argentina, diversas pessoas sem envolvimento com grupos políticos foram presas e
torturadas.
Por tentar manter aparências de regime democrático, com instituições que forjavam
legitimidade ao governo, a ditadura militar passava seus presos inclusive por julgamentos em cortes
civis. Segundo Pereira (2010), no Brasil, os julgamentos eram feitos todos pela justiça, havendo
grande parceria entre civis e militares, além da enorme tentativa de legitimar a ditadura pela lei em
vigor. Já na Argentina não existia sequer algum julgamento e os presos simplesmente
“desapareciam”. Isso não significa que no Brasil houve “menos” tortura ou assassinatos, inclusive
pelo fato de que, até hoje, não conhecemos de fato o que aconteceu no que se refere a essas
prisões, julgamentos e às torturas e mortes por trás delas, já que os arquivos oficiais nunca foram
publicados.
Diversas personalidades importantes foram perseguidas, presas e torturadas, outras
conseguiram fugir para o exílio. Muitos estudantes, trabalhadores e pessoas ligadas aos movimentos
sociais e sindicatos desapareceram e outros tantos foram presos. A idéia que se tem de que no
Brasil a ditadura teria sido uma “ditabranda” provavelmente se deve à não investigação das
atrocidades cometidas, além do fato de que no Brasil, territorialmente muito maior do que a
Argentina, a perseguição se concentrou nas cidades maiores do sudeste. Com exceção da guerrilha
do Araguaia (grupo de guerrilha armada que atuou no norte do país, na região com este nome), os
outros grupos de resistência agiam principalmente no Rio de Janeiro e em São Paulo.
Cronologicamente, em 1966 foi promulgado o Ato Institucional nº 5, que limitava de
forma intensa as liberdades individuais de expressão e de imprensa. Vários funcionários públicos e
políticos (professores universitários, prefeitos, governadores, deputados etc.) foram destituídos de
seus cargos ou cassados, todo tipo de manifestação era duramente reprimida e com o passar do
tempo e os vários atos institucionais que foram executados, as prisões por motivos políticos se
multiplicaram. Os chamados “anos de chumbo” da ditadura foram de 1966 até 1974, ano em que o
discurso dos generais apontava para um abrandamento do regime. A lei de Anistia só foi
promulgada em 1979 e até hoje os responsáveis pelos crimes da ditadura não foram
responsabilizados. A partir de 1979, com o crescimento da abertura política e do partido de
oposição (MDB), além do fim do bipartidarismo, os sindicatos e movimentos sociais voltam a
crescer no país, forçando maior abertura política.
Oposição e transição
A democracia alcançada por países como Argentina e Brasil era considerada, até a década
de 1990, como fraca e “em fase de consolidação”. No entanto, essas democracias tem se mostrado
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aptas a resistir às crises políticas e econômicas, ainda que não possam ser consideradas ainda
democracias com real igualdade política e social. Esses regimes democráticos se construíram por
acordos e oposições, com pressão social, mas também com forte atuação das elites políticas e
econômicas dos países em questão. A democracia, tal como a define Robert Dahl, “é fruto de um
cálculo de custos e benefícios feito por atores políticos em conflito. O ponto de partida dessa
formulação é a premissa de que todo e qualquer grupo político prefere reprimir a tolerar seus
adversários” (LIMONGI in DAHL, 1997, p. 21). Nas ditaduras, essa repressão era ampla, no
entanto, os custos dessa repressão se tornaram cada vez maiores, até que os militares saíssem do
poder e uma rotina democrática fosse instaurada, rotina esta que garante que a repressão
encontrada na sociedade não será mais (explicitamente) por conotações políticas.
O custo da repressão só aumenta a partir do momento que a sociedade deixa de considerá-
la algo normal e necessário, para enxergar a violência política como algo inaceitável. No entanto,
nos períodos de regimes ditatoriais, romper com a idéia de que a ditadura é um “mal necessário” e
fazer com que as pessoas participem em greves e manifestações sempre é uma tarefa árdua. Apesar
das críticas feitas à teoria da ação coletiva de Olson, utilizada no texto de Escriba, a questão deste
ao buscar compreender porque as pessoas se mobilizam, mesmo em regimes ditatoriais é crucial
para entendermos quando essa mobilização pode ocorrer.
Nota-se que nos períodos de abertura política, mesmo antes da transição propriamente
dita, a mobilização tende a crescer, pela percepção que as pessoas passam a ter de que a repressão
diminuiu. O’Donnell (1988) argumenta que este é o momento crucial para os acordos
democráticos, já que com a abertura política (normalmente defendida pelos grupos moderados da
ditadura e da oposição) traz maiores problemas no que diz respeito à mobilização e ao “caos social”
que os militares mais extremistas (ou “duros”) querem evitar. Assim, se acordos democráticos não
forem traçados entre líderes militares e da oposição, a chance de uma reversão na abertura política é
grande. Assim, as greves, passeatas e mobilizações devem mostrar força o suficiente para convencer
os militares extremistas de que a repressão terá um custo político e social muito alto, mas também
devem dar base às negociações entre líderes sindicais, de oposição e do regime. A pressão social é,
sem dúvida, um dos importantes componentes das transições para a democracia e deve ser pensada
sempre de forma ampla, no contexto histórico, econômico e social de cada realidade. Apesar de não
existir uma “lei sociológica” sobre a participação política, as motivações consideradas nesse artigo
devem ser tomadas em conta em estudos sobre o tema.
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Referências Bibliográficas: