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Universos
Número 01 – Janeiro de 2011
http://cafedeontem.wordpress.com/
1000 Universos
Prefácio
Junior Cazeri
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1000 Universos
Índice
Amazônia Underground 42
de Romeu Martins
Ouvir Estrelas 63
de Ana Cristina Rodrigues
Adam 68
de M. D. Amado
Sonho Ruim 81
de Marcelo Galvão
Ars Nova 93
de Ana Lúcia Merege
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Quimera das
Cinzas
Douradas
Georgette Silen
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1000 Universos
Georgette Silen | Quimera das Cinzas Douradas
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para nos resgatar. Não pode dizer que os líderes de Javé não se
importam Aarão, nunca mais diga isso.
Um grande estrondo repicava as palavras de Moisés e seus
olhos adquiriram um brilho dourado, o mesmo que Aarão e outros
já haviam visto. O brilho daqueles que estiveram com Javé, cara a
cara.
— E Séfora? — Aarão perguntou, e a luz cessou nos olhos de
Moisés — Como fará em relação a ela? E aos seus filhos? Seguirá o
que os comandantes disseram? Que nenhum nativo ou seus
híbridos poderão adentrar nossa terra?
Uma grossa coluna de bruma cinzenta desceu, de súbito,
como um tornado dos céus e engoliu a montanha num abraço
possessivo e ciumento. Todo o povo parou para ver. Os cabelos de
Moisés se agitaram pela ventania que se iniciara e lampejos de
energia rasgavam os céus sobre a montanha, formando mais faíscas
que brilharam nos condutores no chão. Ele não respondeu a Aarão.
— Foi por isso que chamou Jetro? — Aarão continuou
impassível — Vai devolver-lhe a filha e pedir que cuide dos netos
quando se for? — Moisés deu-lhe as costas — Por que não ouviu
nossos conselhos e desposou alguém de nosso povo, Moisés? Teria
poupado esse sofrimento a você e a outros...
— Será como Javé quiser... — Moisés pontuou, voltando-se
para Aarão — Não devo pensar nisso agora, temos assuntos mais
urgentes. Devo subir o Sinai e lá permanecer até que as
coordenadas sejam passadas. — o manto púrpura de Moisés
sacudia-se de encontro ao peitoral que brilhava — Deixo-o no
comando de nosso povo, meu irmão. Cuide para que tudo esteja
pronto e para que a fé de todos não esmoreça. E não esqueça: a
Arca do Tabernáculo deve estar na posição correta, no início do
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Havia um silêncio total e completo. A única cor era o cinza,
até onde a vista podia alcançar. E não era longe. A neblina beijava e
aderia a tudo, escorrendo e subindo num contínuo movimento. O
tempo, ali, não tinha a menor referência de existir.
Moisés... Moisés... Moises...
O emaranhado de vozes assomou, de repente, no
comunicador do efod. A estática era baixa, mas intermitente,
criando a sensação de se ouvirem abelhas presas numa colmeia em
chamas, rasgando o oco sonoro.
— Eis-me aqui. — Moisés respondeu, mantendo a mão no
peitoral — Vim como foi orientado. Seu povo está concluindo os
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como chuva por seus membros. Seus olhos ficaram desfocados por
instantes, e quando recuperou o controle da visão todo o cenário
havia mudado.
Estava em uma tenda colorida, ricamente enfeitada com
fazendas e bordados, com ânforas e objetos em bronze e ouro. O
incenso subia como rios de curso invertido e as almofadas e tapetes
estavam espalhadas com capricho. O cheiro adocicado da mirra e do
sândalo alcançou seu olfato, juntamente com os sons de uma
canção que ele conhecia bem, e que estavam do lado de fora: os
cânticos de uma cerimônia de casamento. Podia ouvir as danças e
os votos aos recém-casados no idioma de Madiã, e não se
surpreendeu quando a entrada da tenda se abriu, revelando a
passagem de um jovem casal.
— Séfora... — murmurou, sentindo-se derrotado e fraco
diante da visão de seu próprio passado.
O casamento é um momento mágico! — a voz, sem forma,
estava com ele — Unidos para sempre em comunhão, vocês
juraram. E agora terá de deixá-la para guiar seu povo... É isso
mesmo que deseja, Moisés?
O casal diante dele estacou, congelado no tempo. Então, só a
mulher moveu-se, caminhando. Séfora parou diante de seu corpo,
tomando-lhe as mãos e olhando-o nos olhos. Mas seus olhos eram
estranhos, como olhos de um boi... Chegou os lábios aos lábios de
Moisés.
— É isso mesmo que deseja, Moisés? — e beijou-o.
A força do desejo que o dominou poderia, por si só, criar
portais que o levariam para qualquer lugar em qualquer quadrante
do Universo que desejasse. Mas naquele momento tudo o que
queria era permanecer ali, com ela. Esse pensamento fez o cenário
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nutrirá.
Rios de leite corriam em filetes grossos por entre as pedras
do chão, borbulhando em fontes e cascatas, criando um ambiente
bucólico. Séfora estendeu-lhe os braços, junto com seus filhos, e
Moisés levantou-se, dando um passo adiante.
Moisés... Moisés... Moisés...
A voz envolta em estáticas o alcançava, envolvendo-o com
imagens esporádicas de neblina fumarenta. O cenário nublava-se e
voltava, ao toque daquele som, como uma imagem holográfica mal
feita, com interferências.
Moisés... Moisés... Moisés...
Estacou, indeciso. Algo importante precisava ser feito, mas
que ele esquecera. Séfora o encarava, sorrindo maliciosamente.
— É isso mesmo que deseja, Moisés?
Os arbustos pegaram fogo em sequencia em volta dele, e as
vozes que o chamavam pareciam vir das chamas azuladas nas
folhagens.
Moisés... Responda... Moisés... Chegou o momento...
Responda...
Algo na aflição metálica daquele chamado o fez encarar os
arbustos, e lembranças de uma sarça ardente em Madiã
subitamente se fizeram reais, assim como toda a trajetória
percorrida por ele desde então. Um impacto, como um soco, atingiu
seu estômago, e um surto de lucidez sem tamanho alcançou a
mente embotada pelo sonho. Olhou para frente. Séfora
desaparecera, seus filhos também. Apenas Anat o encarava num
misto de frustração e zombaria.
— Maldita criatura nativa! — vociferou, arrancando risadas
agudas dela — Meus ancestrais fizeram bem em deixar Canaã e
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— Aarão! Aarão! — o efod brilhava de forma alucinada, mas
os únicos sons que Moisés recebia como resposta a seu chamado
eram de estáticas, e, às vezes, um ou outro ruído estranho e
indefinido. Descia os contornos do Sinai tentando se equilibrar com
apenas uma das mãos. Na outra trazia a esperança de um povo. —
Responda Aarão!
Alcançou o chão plano, vendo a montanha vibrar com a
energia desprendida da Êxodus. Disparou para o acampamento,
atravessando o último dos véus de grossa neblina, desativando o
traje de proteção. Risos e cânticos o alcançaram e antes que
pudesse visualizar o cenário total, sua cabeça girou e um enjoo
pungente tomou conta de sua alma. As tablets caíram de suas mãos
inertes.
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Quando os primeiros raios de um sol ferruginoso queimaram
os grãos de areia do deserto, encontraram o povo de Javé em
marcha. Animais nativos arrastavam as máquinas produtoras de
maná, assim como todos os equipamentos, as armações e o
Tabernáculo desmontados, poupando a energia dos propulsores
anti-gravitacionais usados no transporte das máquinas. Não sabiam
quanto tempo caminhariam até encontrar outro Portal de Encontro,
outra coordenada favorável, uma nova chance de poder partir, e
aguardavam que Javé fizesse contato. Até que isso acontecesse, o
deserto seria sua morada nesse planeta.
No acampamento nada restou; apenas os objetos e adornos
de ouro que teriam usado na travessia para alcançar a Êxodus
permaneceram lá. Abandonados, eram uma amarga lembrança que
ninguém queria guardar. Moisés mirou a carroça da Arca. As tablets
estavam seguramente acondicionados nela; uma delas com um
vazamento radioativo perigoso, e todos tinham ordens para não se
aproximarem até que chegassem novas instruções ou poderia ser
fatal. Viu as cabeças baixas pela vergonha e o sol.
Moisés suspirou. Seu povo caminhava.
Agora seria como Javé quisesse... e apoiou o cajado no chão
arenoso, seguindo sempre adiante. A areia do deserto subia a cada
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Sangue em
Suas Mãos
Marcelo Paschoalin
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Marcelo Paschoalin | Sangue em Suas Mãos
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mais que o enigma estivesse diante de si, ele sabia que era apenas
Marcelo Paschoalin | Sangue em Suas Mãos
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sorriso sutil. Quando você viu aquelas pessoas caídas não quis pedir
ajuda?
—Não iria adiantar – ela balançou a cabeça em negativa. Eu
senti... eu percebi que não havia nada mais a ser feito. Mesmo
minha tentativa de salvá-los era nada mais que vã esperança minha.
—Você é médica?
—Não.
—Então como pode ter tanta certeza que pedir por auxílio
médico não bastaria para salvá-los? – ele se sentia mais confiante
agora, acreditando que podia encurralá-la.
—Quantas pessoas com pescoços rasgados você viu serem
salvas? E quanto tempo demoraria para uma ambulância chegar?
Três minutos? Três minutos com sangue jorrando é o bastante para
secar alguém.
—Secar? – ele ergueu as sobrancelhas.
—É um modo de dizer – ela parou por um instante, como se
tentasse colocar as idéias em ordem. Se eu tivesse conseguido
salvá-los eu seria uma heroína. Agora, só porque não consegui eu
sou a culpada? Isso é absurdo.
—Eu... – três batidas no vidro espelhado o interromperam. Se
puder me dar licença...
Ela tinha a nítida impressão de que ele bufara enquanto saía,
como se aquela interrupção fosse a última coisa que ele desejava
naquele instante. E isso fez com que ela relaxasse, apoiando os
cotovelos sobre a mesa e descansando a cabeça em seus braços...
...até que ela viu a pilha de fotos ao alcance de sua mão. Sua
pupila dilatou de imediato enquanto alcançava cada um dos
instantâneos, segurando-os com prazer enquanto desvelava cada
imagem com seus olhos, envolvendo-se com as fotografias como se
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causa da chuva e do frio, e deu a volta para ver o estrago: uma das
faixas de borracha ainda estava presa e tinha batido repetidamente
contra a lataria, deixando uma marca escura e feia. Ele ergueu as
mãos para o alto e chutou a roda danificada, praguejando como
nunca antes o fizera.
Ela bateu no vidro, chamando a atenção dele. Dando de
ombros ele abriu a porta e deixou que saísse.
—Eu posso ir andando – a chuva em sua fronte acumulava
num filete que escorria pela bochecha. Você não precisa se
preocupar comigo...
—Não... – ele não deixaria que ela seguisse sozinha,
querendo saber mais sobre a suspeita. Não vou deixá-la andar
sozinha nessa chuva.
—Não estamos muito longe – ela apontou para algumas
árvores. Se seguirmos direto por ali, poupamos quase metade do
tempo. Já fiz esse caminho uma dúzia de vezes...
—Ainda assim, não acho certo não acompanhá-la. Só que não
tenho um guarda-chuva no carro.
—Não há problema algum! – ela seguiu na frente, a chuva já
moldando seu vestido junto ao corpo. Vamos!
Ele apertou o botão junto à chave e trancou o carro, seguindo
junto dela. Algo tinha mudado – e isso ele tinha certeza –, pois ela
estava mais ativa, mais... amigável, talvez. Ou talvez tudo tivesse
sido paranoia sua e a suspeita fosse realmente inocente... apesar da
maneira como as vítimas tinham sido mortas. Ou talvez...
—Eu me lembro desta árvore aqui – ela pôs as duas mãos
sobre o grosso tronco, quase como se a abraçasse.
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Amazônia
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Romeu Martins
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Romeu Martins | Amazônia Underground
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Notas de referência:
Este texto foi originalmente escrito para participar de uma competição de textos
steampunk organizada pelo artista plástico californiano Tom Banwell. Uma versão
anterior e em inglês foi publicada no blog dele:
http://tombanwell.blogspot.com/2009/06/steampunk-writing-competition-
other.html
John Roxton é um personagem criado por Arthur Conan Doyle (1859 – 1930) para
seu livro Lost world, de 1912, ambientado na Amazônia uns poucos anos antes de
sua publicação.
Torres é um personagem criado por Jules Verne (1828 – 1905) para o livro La
Jangada - huit cents lieues sur l'Amazone, publicado em 1880, mas ambientado em
1852.
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J. Neil Gibson é outro personagem de Conan Doyle que surgiu no conto “The
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Aquela
Garota de
Olhos
Brilhantes
Miguel Carqueija
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patrulhamentos com que certos pais inibem seus filhos sem motivo
razoável, interferiu:
— A senhora deve deixá-lo falar, ele só disse a verdade.
— Mas, detetive, eu sou a mãe dele! — falou ela com
rispidez.
— Eu quero supor que estamos tratando de um assunto sério
e que eu estou tentando entender o que houve, e o testemunho do
menino é importante.
— Por que diz isso? — indagou Eugene, irritado. — O caso já
foi esclarecido!
— Estamos discutindo intelectualmente a presença de quase
todos aqui, na aludida festa. Mas e você, duquesa? Ninguém falou o
seu nome!
Ivan voltou-se para ela:
— Não precisava nem mencioná-la. A Duquesa Matilde está
em todas, difícil será encontrar um convescote da “high society” em
que ela não esteja presente.
— Bobalhão! Exagerado! — berrou a duquesa.
— De qualquer forma — prosseguiu Eugene, entre risadas
estúpidas — não resta a menor dúvida que o criminoso foi Alarico!
Era de se esperar. Um sujeito sinistro, medíocre, cheio de
ressentimento, e que revelou ali a sua face cruel e vingativa... a
cadeia ainda é pouco para patifes dessa laia!
— Isto é mentira! Ele não matou ninguém!
Todos os olhares se voltaram para Marina. A jovem hispano-
americana se ergueu de súbito, o olhar dardejando chispas de
áscua, a sua fisionomia repentinamente alterada pela cólera.
— Que deu em você? — disse Toshiro, que até deixou cair
uma empadinha de legumes.
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que esse salafrário diga mais sandices, quero que o senhor saiba
que meu pai é inocente e eu tenho comigo a prova que incriminará
o verdadeiro culpado!
Vários dos circunstantes falaram ao mesmo tempo, e
Parmenas fez o possível para fazer baixar o tumulto. Então Naira,
que até então se conservara calada, observou taxativamente:
— Escutem com atenção o que ela tem a dizer.
Marina fitou-a meio espantada, e às várias perguntas e
observações de curiosidade (Galhano, os Hardy, Toshiro, Matilda)
esclareceu:
— Sim, Alarico Mendes é meu pai. A sua condenação colocou
mamãe e eu na miséria, e até hoje lutamos com muita dificuldade
para sobreviver. Detetive Parmenas, eu estou com o holograma
multi-plano que mostra o crime e a sua cuidadosa análise mostra
que meu pai é inocente, e mostra também o culpado, que por sinal
está aqui presente.
Parmenas olhou-a com admiração mas não pôde deixar de
olhar também para aquela outra garota, a Naira, que estava ao lado
da primeira; e os olhos daquela Naira pareciam mais brilhantes do
que nunca.
Toshiro, num gesto vulgar, veio dar um tapinha no ombro de
Parmenas:
— É, meu chapa! De vez em quando a gente depara com
chantagistas... ainda mais eu, que desperto invejas pelo meu
talento... mas asseguro que essa guria não vai conseguir nada, a não
ser um bom processo por calúnia...
Naira deu um passo á frente, até encostar na mesa:
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Ouvir
Estrelas
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Ana Cristina Rodrigues | Ouvir Estrelas
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Adam
M. D. Amado
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humano vivo nessa terra, que ainda não saiba o que aconteceu
nesse mundo, deixo uma breve explanação dos fatos. E peço a todo
aquele que encontrar essa carta, que a deixe novamente no mesmo
lugar, para que num futuro distante todos ainda possam ter ciência
do que nos aconteceu.
Embora julgássemos que somos (ou éramos) uma civilização
extremamente avançada, cujos recursos tecnológicos pareciam
nunca ter fim, ainda não conseguimos nos livrar de um mau que
acompanhava nosso planeta desde os seus primórdios: a guerra.
Nas civilizações mais antigas o uso de bombas e mísseis que
explodiam causando destruição material e perdas humanas era até
então o maior medo das pessoas inocentes e regiões pacíficas.
Depois da unificação dos países, muitas pessoas insatisfeitas com
essa união forçada, formaram grupos rebeldes que por muitos anos
continuaram tentando destruir tudo que viam pela frente. As armas
eletromagnéticas se tornaram tão comuns quanto as antigas
bombas até então tradicionais. A tragédia estava anunciada há
anos, mas não houve tempo de se pensar em alguma solução a
curto prazo. Somos totalmente dependentes de tecnologia e isso
acabou se virando contra nós. Há alguns meses o mundo se viu
iluminado por raios em todas as regiões ao mesmo tempo. Os
sistemas de defesa das principais regiões detonaram suas armas
automaticamente e todos nós fomos atingidos. Quase que
imediatamente perdemos o contato externo. Por algumas poucas
horas ainda obtivemos notícias de outras partes do mundo, graças
às baterias que ainda mantinham ligados equipamentos de reserva
das grandes empresas de comunicação, que encaixotados em
invólucros especiais, não foram atingidos pelas ondas de destruição.
De resto, tudo foi inutilizado. Computadores, equipamentos
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As ina o: Ad m.
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Sonho Ruim
Marcelo Galvão
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- O que Madame Solange tanto disse, docteur ? - Nicole
perguntou, baixando a xícara de café recém-coado por Charlotte
Lambert, a jovem empregada que no momento lavava a louça ali na
cozinha. Assim como Nicole, a moça também era funcionária da
ONG, com a diferença que era nativa da cidade. Com vinte anos, ela
era responsável não só pela limpeza, mas também pelos serviços
gerais, o que incluía manter o gerador a diesel da clínica
funcionando, algo vital em um local onde o fornecimento de
eletricidade era instável.
- Eu realmente não sei. – O médico encolheu os ombros -
Tinha uma palavra que ela não parava de repetir. Parecia ser
“laguru”, “loguru” ou talvez “luguru” –
O ruído de algo se espatifando interrompeu o rapaz.
- Desculpem-me - Charlotte balbuciou, recolhendo os cacos
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A casa de Solange era localizada ao lado de um riacho, nos
arredores de Saint-Claire. Nos fundos da propriedade ficava o oufò,
o templo onde ela realizava as cerimônias. A noite começava a
surgir quando Marcos atravessou o portão de madeira que dava
acesso ao quintal; após caminhar alguns metros, encontrou o oufò,
um barracão de madeira e telhado de zinco, decorado por
bandeirolas vermelhas e verdes. Imagens de diversos santos
católicos, sincretizados pelo vodu, estavam penduradas nas paredes
pintadas de azul. No centro do chão de terra batida, erguia-se uma
coluna de madeira com um arco-íris e uma serpente desenhadas
nela: era o poteau-mitan, uma espécie de ponte espiritual pela qual
os loas chegavam para possuir e se comunicar com seus
adoradores.
A decoração colorida do oufò desaparecia conforme as
sombras da noite avançavam. O lugar parecia deserto; hoje, pelo
que Marcos soubera, não era dia de culto. Da entrada do barracão,
ele chamou por Madame Solange.
Nenhuma resposta.
Marcos avançou mais alguns passos. Do fundo do templo,
veio um ruído, junto com um cheiro pungente.
- Tem alguém aí? - Marcos fez a pergunta em voz alta.
A resposta foi outro som que agora pareceu aos ouvidos do
rapaz um gemido de dor. Marcos apertou um interruptor de luz
próximo da entrada do oufò e uma única lâmpada incandescente se
acendeu para mostrar Madame Solange em meio a uma poça de
sangue.
O rapaz correu em direção da mambo; palavras em creole
eram debilmente sussurradas por ela.
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A pequena Adele dormia tranquila em um leito da clínica.
Numa cadeira ao lado, Marcos a vigiava.
Duas horas antes, ele chegara correndo para atender a garota
com os mesmos sintomas dos pacientes anteriores. Após aplicar o
tratamento inicial, o médico recomendou o pernoite dela na clínica
para garantir que os remédios fossem devidamente ministrados.
Marcos bem sabia que esta não era a única razão para manter
a criança por perto. As palavras de Charlotte ainda ecoavam em sua
mente; no bolso da calça, a wanga pesava como uma pedra.
Depois de dispensar Nicole, ele sentou-se numa
desconfortável cadeira de metal, ajustou a luminária para não
incomodar a paciente e começou a ler uma revista para manter-se
acordado, as pálpebras cada vez mais pesadas. Lá fora, cigarras
cantavam, uma cacofonia que se misturava com o barulho do motor
da geladeira na cozinha e com a respiração pesada da pequena
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Restrito a convidados
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definissem.
Vultos. De homens e mulheres, ou melhor, de cavalheiros e
damas do trecento, com as túnicas, vestidos e toucados que Renzo
conhecia das pesquisas. Ou seria de um outro lugar – um sonho,
talvez, ou alguma outra vida? Angustiado, ele se voltou para
Memmi, mas tudo que obteve foi uma advertência acompanhada
de um aperto no ombro.
- Não pare. Toque. Você deu sua palavra – sussurrou o mestre
de cerimônias.
Renzo engoliu em seco e prosseguiu. Os vultos se tornavam
cada vez mais nítidos, seus corpos se adensando à medida que os
sons fluíam do saltério. Logo foram capazes de sentar nas cadeiras,
de onde ficaram a fitar e até a sorrir para Renzo. Deus me proteja,
sou eu que estou fazendo isso, pensou o rapaz, para em seguida
corrigir: não era ele e sim a música. Era ela que estava trazendo
aquela gente de volta à vida.
- Bravo, meu jovem! – Emocionado, Memmi ergueu a voz. –
Amigos, eis que chega nosso protetor, Messire Nello Tolomei! Eis o
nosso podestà!
Do fundo da sala, um vulto até então indistinto avançou
devagar, seus contornos se tornando mais visíveis a cada passo. Em
poucos momentos, um rosto de feições regulares sorria para os
convivas, que se curvavam à medida que o homem de manto
listrado passava pelo meio deles.
- Senhor. – Memmi desceu do estrado, fez uma reverência ao
podestà. Este o beijou nas duas faces, depois se acomodou numa
cadeira dobrável, tão majestosamente quanto o faria num trono de
veludo. Memmi regressou para junto de Renzo, a essa altura agindo
como num sonho em que lhe era impossível parar de tocar.
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- Era mais moço que nós – explicou outro músico. – Você nos
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Autores
Georgette Silen
http://sagalazarus.blogspot.com/
http://georgettesilen.blogspot.com/
@georgettesilen
Marcelo Paschoalin
http://letraimpressa.com/
@letraimpressa
Romeu Martins
http://cidadephantastica.blogspot.com/
@romeumartins
Miguel Carqueija
M. D. Amado
http://www.estronho.com.br/
@estronho
Marcelo Galvão
http://galvanizado.wordpress.com/
@magalvao
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Café de Ontem
Horror – Fantasia – Ficção Científica
http://cafedeontem.wordpress.com/
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