Documenti di Didattica
Documenti di Professioni
Documenti di Cultura
estatística. Desenvolvimento e
transformações da análise estatística
da sociedade (séculos XVII-XIX)
Olivier Martin1
Universidade de Paris V, Sorbonne
CERLIS — Centre de Recherche sur les Liens Sociaux/CNRS
RESUMO ABSTRACT
Este artigo analisa a história dos pa- This article analyzes the history of
péis e das funções das informações es- functions and roles of statistical data
tatísticas nos Estados europeus (sobre- in the European states (specially Fran-
tudo na França) durante os séculos ce) during the 17th, 18th and 19th cen-
XVIII e XIX. As primeiras pesquisas turies. The first statistical enquiries
estatísticas são irregulares e destinam- are irregular and are made for tax
se aos administradores fiscais, poli- system, military or police forces. En-
ciais ou militares dos Estados. Progres- quiries progressively become more re-
sivamente, as pesquisas se tornaram gular and more autonomous from the
mais regulares, mais autônomas pe- direct political needs, and they con-
rante as necessidades políticas diretas, cerned more and more aspects of so-
e passaram a concernir aspectos cada ciety : the “statistical eye” is wide open
vez mais diversos da vida social. Foi especially during the 19 th century in
o caso, durante o século XIX na Eu- Europe. This development is going to-
ropa: quase nenhum aspecto das so- gether with the birth of social scien-
ciedades escapou ao “olhar estatísti- ce during the end of the 19 th century.
co”. Esse desenvolvimento foi French sociology is a good example
acompanhado pelo nascimento das of such story. The methodological,
ciências humanas e sociais no final do institutional and conceptual aspects
século XIX: por exemplo, a sociologia of his history is closed to the history
francesa se apoiou muito cedo nos co- of statistical enquiries and statistical
nhecimentos saídos das fontes estatís- institutions.
ticas. A história institucional, meto- Key Words: Statistical Data; Socio-
dológica e conceitual da sociologia logy; Politics.
francesa é muito diretamente ligada à
história das instituições e pesquisas es-
tatísticas.
Palavras-chave: Estatística; Sociologia;
Política.
Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 21, nº 41, p. 13-34. 2001
O século XIX viu florescer numerosas pesquisas estatísticas cobrin-
do domínios tão variados quanto a prostituição, as condições de vida dos
operários, os traços antropométricos de conscritos ou de criminosos, os
sistemas industrial e agrícola. Esses registros estatísticos tinham uma fi-
nalidade precisa: melhor delimitar o fenômeno para melhor controlá-lo
ou nele intervir. Mas, progressivamente, esta finalidade “social e políti-
ca” se desdobrou numa finalidade científica: melhorar o conhecimento
de certos fenômenos sociais ou humanos. A crença na idéia de que um
conhecimento quantificado dos fatos da sociedade permite melhor co-
nhecê-los e eventualmente modificá-los era muito promissora, tanto pa-
ra os administradores do Estado quanto para os cientistas. A estatística
estava “quase por toda parte”, era largamente difundida.
No entanto, cerca de dois séculos antes, aquilo que era conhecido
como a estatística e as estatísticas apresentavam traços muito diferencia-
dos: tratava-se antes de tudo de instrumentos contáveis, destinados a re-
censear as forças do país, a enumerar os homens e seus bens com fins pu-
ramente administrativos ou militares. Em certos casos, tratava-se mesmo
de um instrumento da polícia. A estatística dependia então quase exclu-
sivamente do Estado e de sua administração: nenhuma difusão pública
14 era conceptível; o estabelecimento de conhecimentos científicos não era
sua finalidade.
Centrado principalmente no caso francês, este artigo procura recons-
truir as circunstâncias históricas do aparecimento de uma concepção mo-
derna das estatísticas; ou antes, das circunstâncias da transformação dos
dispositivos estatísticos exclusivamente destinados aos reis e a suas admi-
nistrações, em dispositivos relativamente autônomos, quase universais e
notadamente destinados a uma análise científica da sociedade. Esta trans-
formação representa um dos traços da constituição das ciências humanas
e sociais do século XIX.
As estatísticas morais
A “febre estatística” crescente durante os séculos XVIII e XIX se tor-
nou cada vez mais abrangente das dimensões sociais do Reino, do Impé- 27
rio ou da República. Por exemplo, as edições sucessivas da Nouvelle des-
cription de la France do geógrafo Piganiol de la Force consagram um lugar
crescente à história e à descrição social: a terceira edição (1754) abrange,
por exemplo, longos desenvolvimentos, ausentes até então, sobre os usos
e gêneros de vida do povo. É nesta perspectiva de febre das descrições es-
tatísticas sociais que se situam incontestavelmente as pesquisas lançadas
pelos médicos (através da Société Royale de Médecine) em 1776-1778:
pretendiam estabelecer um “plano topográfico e médico da França no
qual o temperamento, a constituição e as doenças dos habitantes de cada
província ou cantão seriam considerados relativamente à natureza e à ex-
ploração do solo”.
Durante o século XIX, teve início uma verdadeira era de entusiasmo
pela estatística social ou antes “moral”. É possível, como sugere Michelle
Perrot, considerar que “o estatístico, novo geômetra, se tornou com o
médico, outra face da ciência ordenadora, o grande especialista social, ca-
paz de tomar a medida de tudo”17. Por exemplo, desde 1803, em seguida
às tentativas do magistrado Montyon no final do Antigo Regime, que ha-
via classificado e contabilizado os condenados por crime (segundo seu
sexo, idade, qualidades, profissões, lugar do delito, e tipo de condenação),
as estatísticas sobre as condenações por crime eram feitas e publicadas. A
partir de 1827, os volumes do Compte Général de l’Administration de la Justice
Criminelle foram publicados anualmente pelo Bureau de Statistique Judi-
ciaire. Foi também o caso a partir de 1831 para as contas da justiça co-
mercial e civil. Esses volumes compreendem ao mesmo tempo um co-
mentário geral sobre a situação anual e sua evolução e quadros estatísticos
relativos aos diversos crimes e delitos. Esses quadros apresentam uma
grande riqueza de informação: eles trazem em particular informações so-
bre sexo, idade, estado civil, domicílio, lugar de residência, grau de ins-
trução, profissão e estatuto (assalariado, desocupado, independente) dos
acusados.
Sob o Império, foram empreendidas pesquisas estatísticas sobre as
classes notáveis e burguesas: foram estudadas a estrutura da família, a es-
colaridade dos filhos, a beleza das filhas, o montante do dote ... Um ou-
tro exemplo, famoso, de estatísticas morais é fornecido pelo trabalho de
Alexandre Parent-Duchâtelet, membro do conselho de salubridade da ci-
dade de Paris, sobre a prostituição parisiense. A pesquisa, feita entre 1827
e 1835, publicada postumamente em 1836 sob o título De la prostitution dans
la ville de Paris, considerée sous le rapport de l’hygiène publique, de la morale et de
28 l’administration18, apresenta uma dimensão etnográfica e uma forte dimen-
são estatística: estatísticas comparativas da população das prostitutas em
Paris e em outros departamentos franceses; estatísticas sobre as profissões
exercidas pelos pais e testemunhas do ato do nascimento das filhas, seu
grau de instrução, as causas de seu estado de prostituídas, a cor dos cabe-
los e dos olhos, sua constituição física...
Parent-Duchâtelet foi um dos higienistas presentes na criação dos
Annales d’hygiène publique et de médecine légale publicados a partir de 1829 e
ligados ao nascimento dos Conselhos de Salubridade Pública em várias
grandes cidades (entre 1822 e 1830). Esses Annales, que tomam um gran-
de espaço na pesquisas e estatísticas sociais, constituem a principal tribu-
na do movimento higienista; movimento que estimou possível diminuir
a morbidade pela melhoria das condições de circulação dos dois elemen-
tos fundamentais que unem os seres entre si: a água e o ar. Suas pesqui-
sas, que levaram às medidas de saneamento da água e escoamento das
águas usadas, haviam notadamente recorrido a dados estatísticos para
mensurar a relação entre a morbidade e as características do meio19.
Entre essas características, os higienistas não privilegiaram as condi-
ções naturais mas as condições econômicas e sociais: condições de vida,
insuficiência psicológica do nível de vida do meio operário, o impacto
da industrialização e da promiscuidade. Entre os higienistas, um dos mais
famosos, Louis-René Villermé, conduziu as análises da influência do ní-
vel de renda sobre a morbidade (em torno de 1828-1830). Outros autores
fizeram pesquisas mais centradas sobre a delinqüência, o alcoolismo ou
a miséria. Seus trabalhos constituem ilustrações notáveis das novas tare-
fas atribuídas aos estatísticos: fazer obra social, identificar, para melhor
administrar, os males da sociedade.
A preocupação com o social, entendida aqui no sentido amplo, isto
é, no sentido médico, policial, socioeconômico e das condições de vida
dos menos favorecidos, e por vezes dos temores que são ligados a eles, se
encontra também em outras pesquisas estatísticas feitas durante o século
XIX. Citemos rapidamente as pesquisas do ministro da instrução pública
Guizot, sobre o estado moral da instrução primária (1830), as de Frédé-
ric Le Play sobre o orçamento das famílias operárias (a partir de 1829),
outras sobre o consumo nas grandes cidades (1847), sobre os surdos-mu-
dos (1823) e cegos (1831), os alienados e seus asilos (1841-1860)... é tam-
bém possível pensar na coleta dos dados antropométricos pelos sábios da
Société Anthropologique de Paris, e notadamente Paul Broca durante a
segunda metade do século XIX.
Todos esses trabalhos encontraram na estatística e na quantificação 29
um instrumento que permitia alcançar conhecimentos objetivos sobre o
homem e sua sociedade, e mais, administrar um território ou um povo.
NOTAS
1
Mestre de conferências na Faculté des Sciences Humaines et Sociales de la Sorbonne,
32 Département des Sciences Sociales, Université Paris V; pesquisador do CERLIS ( Centre
de Recherche sur les Liens Sociaux, CNRS). E-mail : olivier.martin@paris5.sorbonne.fr.
Tradução de Teresa Malatian.
2
HECHT, Jacqueline. “L’ídée de dénombrement jusqu’à la révolution”. In: Pour une histoi-
re de la statistique. V. 1, INSEE & Economica, 1987, pp. 21- 81, cit. pp. 23-24.
3
Colbert, citado em DUPÂQUIER, J e VILQUIN, Eric. “Le pouvoir royal et la statisti-
que démographique”. In: Pour une histoire de la statistique, INSEE & Economica, 1987, p.
85. Cf. também o precioso livro de GILLE, Bertrand, Les sources statistiques de l’1histoire de
France, des enquêtes du XVIIe siècle à 1879. Genève: Droz; Paris: Minard, 1964, pp. 24-27. Esta
última obra é uma fonte insubstituível para os historiadores das pesquisas estatísticas na
França.
4
VILQUIN, E. “Vauban, inventeur des recensements”. Annales de démographie historique,
1975, pp. 207-219
5
Jean Bodin, 1576, citado por LE BRAS, Hervé, “La Statistique Générale de la France”.
In: NORA, Pierre (dir.). Les lieux de mémoire. V. 1. Paris: Gallimard, 1997, p. 1.356.
6
BOURGUET, Marie-Noëlle. Déchiffrer la France. La statistique départamentale à l’époque na-
poléonienne. Paris: Ed. des Archives Contemporaines, 1988, pp. 23-30.
7
BUCK, Peter. People who counted: Political Arithmetic in the Eighteenth Century.ISIS,
v. 73, n. 266, mars 1982, pp. 28-45, especialmente p. 32 e ss.
8
Para uma abordagem histórica, cf. COUMET, Ernest. La théorie du hasard est-elle née
par hasard? Annales ESC, mai-juin 1970, n. 3, pp. 574-598. Para uma abordagem mais filo-
sófica, cf. HACKING, Ian. The Emergence of Probability: a philosophical study of early ideas about
probability, induction and statistical inference. Cambridge University Press, 1975.
9
Sobre esse contexto e as conseqüências dos trabalhos do marquês de Condorcet, cf.
BRIAN, Eric. La mesure de l’État. Administrateurs et gèomètres au XVIII.e siècle.Paris: Albin Mi-
chel, “L’évolution de l’humanité”, 1994; sobre Condorcet, cf. BAKER, Keith M. Condor-
cet. Raison et politique. Paris: Hermann, 1989; e sobre a matemática social de Condorcet, cf.
GRANGER, Gilles-Gaston. La mathématique sociale du Marquis de Condorcet. Paris: Odile Ja-
cob, 1989.
10
ROHRBASSER, Jean-Marc. L’arithmétique de la providence. Johan Peter Süszmilch: démogra-
phie et psycho-théologie. Thèse de doctorat, EHESS, 1997; ver também a edição parcial de Die
Göttliche Ordnung, com o título de “L’ordre divin” aux origines de la démographie. INED e PUF,
1979, 2 v.
HOOCK, Jochen. “D’Aristote à Adam Smith: quelques étapes de la statistique alleman-
11
de entre le XVII.e siècle et le XIX.e siècle. In: Pour une histoire de la statistique. INSEE & Eco-
nomica, 1987, pp. 477-492; DESROSIÈRES, Alain. La politique des grands nombres. Histoire
de la raison statistique. Paris: La Découverte, 1993, pp. 29-34.
Seguido pelo Service National des Statistiques (1941-1945), depois pelo INSEE a partir
12
de 1946. Cf. 50 ans d’INSEE ou la Conquête du chiffre, INSSE, 1996, pp. 14-37; DESROSIÉ-
RES, A. Op. cit., pp. 185-200.
13
MARIETTI, Pascal-Gaston. La statistique générale en France. Paris: PUF, 1949.
BRIAN, Éric. Origines et influences des congrès internationaux de statistique (1853-1876). Co-
14
33
munication à la 47.ème session de l’Institut International de Statistique, Paris, 30 août
1989.
LECUIR, Jean. Criminalité et “moralité”: Montyon, staticien du parlement de Paris.
15
que et de médecine légale (1820-1850).In: Pour une histoire de la statistique, cit., pp. 445-476.
20
SMITH, Roger. The Norton History of Human Science. New-York/Londres: Norton, 1997.
MUCCHIELLI, Laurent (dir.). Histoire de la criminologie française. Paris, L’Harmattan,
21
1994.
Sobre Halbwachs, ver o número especial que a Revue d’histoire des sciences humaines, n. 1,
22
1999, lhe consagrou ( tradução parcial publicada na Revista Brasileira de História,n. 40, v, 21,
2000, n.t.); sobre a concepção das estatísticas em Halbwachs, ver nesse número MARTIN,
Olivier. Raison statistique et raison sociologique chez Maurice Halbwachs, pp. 69-101.
23
SAVOYE, Antoine. Les débuts de la sociologie empirique. Études socio-historiques (1830-1930).Pa-
ris: Méridiens-Klincksieck, 1994; DESROSIÈRES, A. Op. cit., pp. 94-128. CLARK, Terry.
Empirical Research in France, 1850-1914. Columbia University Ph.D, 1967.
Os textos de história da sociologia são numerosos. Sobre a sociologia francesa, ver MUC-
24
34