Sei sulla pagina 1di 11

Sáb 5 Mar Edição Lisboa

DVD Grátis
Sábado, 5 de Março de 2011, Ano XXII, nº 7637, 1,60€
Directora: Bárbara Reis
Nova colecção de Animação
Directores adjuntos: Nuno Pacheco, Manuel Carvalho e Miguel Gaspar Pantera Cor-de-Rosa 7.º DVD
Directora executiva Online: Simone Duarte. Directora de Arte: Sónia Matos
www.publico.pt

Fora da caixa

NUNO FERREIRA SANTOS


Processos-crime
PGR ignorou
fragilidades
informáticas
21 ideias para mudar Portugal a O procurador-geral da República
ignorou avisos da Unidade de Missão
Edição especial do 21.º aniversário: António para Informatização para as fragilida-
des do uso do sistema Citius nas inves-
Câmara, CEO da YDreams, director do PÚBLICO tigações criminais. c Portugal, 14

por um dia, propõe que o mar seja cotado na


bolsa. Valeria mais do que a PT. MEC foi primeiro- Fugas
-ministro durante 24 horas P2 com 56 págs. Cidades que
deram filmes

Revolta na Líbia
A batalha
sangrenta por
Ras Lanuf
a Os rebeldes obrigaram as tropas de
Khadafi a recuar e travam uma bata-
lha sangrenta pelo controlo da cidade
de Ras Lanuf. c Paulo Moura, en-
viado especial, Mundo, 30 a 35
António Câmara conversa
com os leitores hoje, às 11h,
em www.publico.pt
Cinco famílias
vão mostrar aos
leitores como se
vive em tempo
A alma gémea existe? 60% dos de crise Págs. 24
a 28 e online
portugueses acreditam que sim PUBLICIDADE

Sondagem Público/Intercampus Inquérito nacional a mil pessoas revela


que a família mudou e os inquiridos sentem que foi para pior. Págs. 2 a 12
HIGH FIVE

62 65 72 39 % % % % VERBIER
Seja responsável. Beba com moderação

NÃO PERCA HOJE


NO FUGAS

Estão contra a adopção de Acham que o casamento é Acreditam que a Internet Dizem que temos filhos mais
crianças por casais gays equivalente à união de facto facilita a infidelidade tarde por razões económicas www.carlsberg.pt
2 • Público • Sábado 5 Março 2011

Destaque
Sondagem A família, mais do que a carreira, é central na vida dos portugueses

O casamento é igual Portugueses românticos mas convictos de que hoje


A família é vista de modo diferente em comparação

à união de facto
com o que era há 30 anos?

Não Sim
13,9% 86,1%

e esforçamo-nos
menos por mantê-lo Quais são as principais
diferenças?

Família pouco unida


16 a 34 anos 35 a 54 55 ou Mais

16,8%
Falta de educação 7,5%
“Um grande amor na vida”? Seis em cada dez dizem Maneira de viver 7,3%
que existe. E a maioria dos que acreditam na alma Menos convivência familiar 7,3%

gémea garante que já a encontrou. Muitos dos que Liberdade 6,1%


Falta de tempo 5,8%
se divorciam não pensam voltar a casar-se Menos valores 5,5%
Há tanta infidelidade
feito este inquérito. E que momento! tinha aumentado apenas 0,8 pontos. Constituição/Cultura familiar 4,9% como havia antigamente,
Andreia Sanches
A primeira década do século XXI O que mostra a sondagem? A gene- Forma como as pessoas só que sabe-se mais
a É o retrato de uma sociedade em foi marcada por mudanças tão pro- ralidade (60 por cento) das pessoas se relacionam 4,6%
transformação acelerada. E algo con- fundas como esta: “Metade dos nas- acredita que o casamento “é uma Mais individualismo Concorda Ns/nr Discorda
fusa em relação ao que pensar sobre a cimentos de crianças em Lisboa já união que se pode dissolver”. Uma 4,6% 2,5
80,2% 11,7%
forma como se vivem hoje as relações acontece fora do casamento, os pais convicção partilhada mesmo pelas Mais formação 4,4%
amorosas e conjugais. Por um lado, o não são casados. Eu própria fiquei que se dizem religiosas – e que repre-
casamento de papel passado perdeu abismada com estes dados, de 2009, sentam 77 por cento da população. Família mais pequena 3,4%
importância – 65,4 por cento acham e acompanho-os há muitos anos”, diz A maior parte, já se disse, acha que Economia mais dificultada/
que é “equivalente à união de facto”. Anália Torres, socióloga, professo- o casamento equivale à união de facto Falta de estabilidade financeira 3,4%
Por outro, a maioria não tem dúvidas ra do Instituto Superior de Ciências – ideia que tem um peso especial entre Falta de bons sentimentos 3,2%
de que quando alguém decide casar-se Sociais e Políticas, em Lisboa, e co- os jovens e as pessoas com o ensino
está a dar um dos passos mais impor- autora da lei do divórcio que entrou superior e menor no interior do país. Vida mais complicada/difícil 3,1% Não concorda nem discorda
tantes na vida. em vigor em 2008. Mais: a maioria não tem dúvidas de 5,6%
Menos apoio familiar 3,1%
Ainda assim, generalizou-se a ideia Como estamos a lidar com estas mu- que hoje a sociedade aceita melhor o
de que hoje os casais não se esforçam danças? “Nalguns casos, como sendo divórcio e há menos pudor em acabar
tanto para manter o casamento. E que ameaçadoras”, diz Gabriela Moita, psi- um casamento. Considera-se uma pessoa Hoje em dia, as pessoas levam uma
são menos tolerantes com as falhas da cóloga e terapeuta familiar no Porto. Nada que leve Gabriela Moita a acre- religiosa?
cara-metade – mais de oito em cada Também isso, diz, se reflecte nestas ditar que as pessoas põem fim à con- Ns/nr Ns/nr
Concorda Discorda
2,0
dez portugueses pensam assim. respostas. jugalidade de ânimo leve: “O que vejo 2,7
73,6% 17,9%
A família, essa, continua a ser cen- na minha clínica são pessoas que, no Não
tral na nossa vida. Mais do que a car- fundo, acreditam que lindo, lindo é 20,5%
reira, ou a segurança económica, por 43 por cento dos divorciados que a relação seja para a vida. Por is-
exemplo. Mas a maior parte das pesso- não pensam voltar a casar-se so, começam por pedir ajuda para se
as (86 por cento) acha que, por estes sentirem bem ali, no casamento, mes-
dias, ela é vista de forma diferente. E “A permanência do mito romântico mo quando o amor acaba. E o que eu
que funciona pior (ver entrevista nes- não é nada contraditória com o au- respondo é: ‘Por que é que há-de pedir
tas páginas). É o que revelam os resul- mento dos divórcios”, defende Pedro ajuda para ficar num sítio onde não se Sim
tados do estudo de opinião realizado Vasconcelos, sociólogo e investigador sente bem?’ Esta questão de acabar Não concorda
76,8% nem discorda
em Fevereiro, pela Intercampus, para do Instituto Superior da Ciência do um casamento porque se deixou de
o PÚBLICO, com base numa sonda- Trabalho e da Empresa, em Lisboa. gostar, é uma questão nova. E ainda há 8,5%
gem telefónica a 1005 pessoas. “Aliás, as pessoas acreditam tanto na esta contradição: as pessoas passaram
Com os divórcios a aumentar e o relação que podem construir que não a casar-se por amor, o que não aconte- O casamento é um dos passos mais O significado religioso do casamento
número de casamentos a cair a pique estão dispostas a viver algo que não cia – o casamento era um contrato, ou importantes que se podem dar tem pouca importância hoje em dia
nos últimos anos, podia pensar-se que seja a relação certa.” um sacramento. Mas procuram os psi-
os portugueses perderam o romantis- Sofia Aboim, do Instituto de Ciên- cólogos porque não entendem como é Ns/nr Ns/nr
Concorda 0,6 Discorda Concorda 0,8 Discorda
mo. Mas longe disso. Seis em cada dez cias Sociais, em Lisboa, com vários es- possível que o amor possa acabar.” 65% 21,9% 75% 16,4%
(59,9 por cento) estão convictos que tudos publicados sobre conjugalidade Não é de estranhar que seja tão di-
existe aquilo a que se chama “a alma e família, alinha na mesma ideia: “Se fícil: nove em cada dez casados que
gémea” – os mais jovens, entre os 16 calhar, a insatisfação conjugal é cada acreditam na alma gémea acham
e os 34 anos, em particular. vez maior porque o mito do romantis- que a encontraram. Uma percenta-
Não é apenas uma convicção esta, a mo constrói mas também destrói. Ou gem que só é maior entre os viúvos
de que na vida há “um grande amor”: seja, deposita-se tantas expectativas (94 por cento).
a maior parte das pessoas que a par- na relação com uma pessoa, numa O romantismo revelado pela gene-
tilham garante que já o encontraram relação que vai preencher a existên- ralidade dos portugueses é, contudo,
(76 por cento). cia, que depois a exigência colocada abalado – e claramente abalado – por As pessoas Quem tem
“religiosas” Não concorda o ensino Não concorda
Pedimos a três sociólogos que es- sobre a relação é tão grande que se quem já viveu uma relação conjugal nem discorda nem discorda
tudam a família e a conjugalidade em pode tornar problemática, é uma que teve um fim. Entre os divorciados, valorizam mais: superior defende
70% acham 12,5% especialmente 7,8%
Portugal, a uma terapeuta familiar e fonte de frustração”. Entre 2000 e a percentagem de crentes na alma gé- esta ideia:
a um psiquiatria para comentar os 2009, a taxa bruta de divórcios pas- mea desce para 50 por cento. que é muito
resultados da sondagem. Todos su- sou de 1,9 por mil habitantes para Mas não só: mais de dois quintos (42,6 importante 76%
blinham que ela não pode deixar de 2,5, segundo o Instituto Nacional de por cento) dos divorciados e separa- Fonte: Time; Relatório do Desenvolvimento Humano, PNUD, 2010; Agência Internacional de Energia; BP Estatistical Review
ser lida à luz do momento em que é Estatística (INE). Na década anterior, dos duvidam que voltem a casar-se c
Público • Sábado 5 Março 2011 • 3

a vida é mais solitária


Acha que existe aquilo a que se chama Pensando especificamente no seu Amostra: 1005 inquiridos
“a alma gémea”, isto é, um grande amor na vida? casamento, diria que a separação de
tarefas e responsabilidades entre si Sexo e idade
nº de indivíduos e o seu companheiro/a é satisfatória? Em %
16-34
000 anos
0,0% % em relação ao
grupo em causa 91,2% 35-54
31,5 30,5
35-54
16-34 anos 78,6% anos anos

55 ou mais anos
211 34,7 34,5
67,6% 21,4% 52,4% 47,6%
112 7,9%
(527) (478)

32,5%
290 33,8 34,9
60,7%
Ns/nr 55 ou mais
8,1%

35-54 anos
170 Não Sim 35-54 anos Sim Não Filhos por estado civil
32,3%
322 602
32,0% 59,9% Com filhos Sem filhos

126 192 Solteiros/as


8% 92,0%
55,2%
36,2% 152 E considera que já encontrou Casados/as
31,8%
a sua alma gémea? 91,4% 8,6

312 55 ou mais
16-34 anos União de facto
52,4% 47,6%
57,6%
16-34 anos
Divorciados/as
26 130 85,7% 14,3%

84 55 ou mais anos
13,1% 61,6% Separados/as
80% 20,0%
26,9% 35-54 anos
Viúvos/as
199
Ns/nr
4,0 88,9% 11,1%

57,7% 27
14,1% Há quantos anos está casado/a
Não Sim ou vive em união de facto?
16-34 anos 19,9% 76,1%
vida mais solitária do que antigamente 73,1%
72,7% 41 e mais Até 10
69,2%
67 20,8% 17,5%
31,8%
31 a 40 11 a 20
16-34
21,6% 18,9%
35-54
55 ou mais 21 a 30
21,1%
18,9%17,8% 17,1% 55 ou mais anos 35-54 anos

11,2% Sondagem realizada pela INTERCAMPUS


7,1% 7,0%
168 160
para o PÚBLICO. O universo é constituído
pela população portuguesa, com 16 e mais

Discorda Não concorda nem discorda Concorda 84,4% 83,3%


anos de idade, residente em Portugal
Continental, em lares com telefone fixo.
A informação foi recolhida através de
entrevista telefónica. A amostra de 1005
Não existe, actualmente, um esforço A união de facto é equivalente Actualmente, há menos tolerância É positivo que os jovens iniciem a indivíduos foi seleccionada através do
tão grande para manter o casamento a um casamento para com as falhas dos cônjuges vida sexual antes de se casarem método de quotas, a partir de uma matriz
de estratificação que considerou as
Ns/nr Ns/nr Ns/nr variáveis sexo, idade e concelho. O erro de
Concorda Discorda Concorda Discorda Concorda Discorda Discorda amostragem deste estudo, para um intervalo
1,9 1,1 3,2 12,6%
85,3% 8% 65,4% 27,4% 81,2% 7,8% de confiança de 95%, é de 3,1%. A selecção
Não concorda dos lares com telefone fixo foi efectuada
nem discorda de forma aleatória. A selecção dos
17% entrevistados foi efectuada de forma
polietápica: inicialmente de forma aleatória,
condicionada por quotas de sexo e idade.
Concorda A taxa de resposta obtida neste estudo foi de
68,8% 49,3%. O período da recolha da informação
aconteceu de 16 a 22 de Fevereiro.
Estiveram envolvidos 53 entrevistadores,
devidamente treinados para o efeito, sob a
supervisão directa dos técnicos responsáveis
As mulheres É no Grande Os mais pelo estudo. A amostra final é constituída
destacam-se: Não concorda Porto que mais Não concorda jovens, Não concorda
nem discorda nem discorda nem discorda por 478 pessoas do sexo masculino (47,6%)
87% acham 4,9%
se defende que
casamento e união 6,1%
sobretudo, acham
que há menos 7,9%
e 527 do sexo feminino (52,4%), distribuídos
da seguinte forma: Norte Litoral: 180
que não há um
esforço tão de facto são iguais: tolerância: (17,9%); Grande Porto 132 (13,1%); Interior
Ns/nr
grande 73% 84% 3,2
195 (19,4%); Centro Litoral 182 (18,1%);
Grande Lisboa 214 (21,3) e Sul 102 (10,1%).
of World Energy; Direcção-Geral de Energia e Geologia
4 • Público • Sábado 5 Março 2011

Destaque
Sondagem Forma como se partilham tarefas em casa é satisfatória

c ou a viver em união de facto (29,8 de facto. E tem relações duradouras – que se calhar não fazem à noite, quan-
por cento dizem que têm a certeza,
12,8 por cento acham, simplesmente,
quatro em cada dez estão casados há,
pelo menos, 31 anos.
Crianças do chegam a casa, com a família. E
acabam por criar relações de maior
que, “em princípio”, não vai aconte- A satisfação com a forma como lá Seis em cada dez estão contra adopções intimidade do que aquelas que têm
cer). As principais razões apontadas
são, por ordem decrescente, “estar
em casa se partilham as tarefas é a re-
gra – sendo certo que os homens estão por casais de pessoas do mesmo sexo com o marido ou com a mulher.”
Chegam a ser amorosas, estas cum-
feliz” sozinho (23 por cento), o re- mais satisfeitos do que as mulheres (92 plicidades nas empresas? “Há a noção
ceio de voltar a viver com outra pes- por cento contra 78,6 por cento), o No ano passado, Portugal De resto, sobre nenhum outro de que, se houver sexo, essa relação
soa (18,2 por cento), a idade e o facto que não surpreende ninguém. transformou-se no oitavo país do tema da sondagem se verificam estoira, a amizade acaba, por isso pro-
de se ser “muito independente” (13,6 Apesar de terem filhos (na gene- mundo a aprovar o casamento respostas tão contrastantes entre tege-se a relação – e protege-se a culpa.
por cento). ralidade dos casos), as pessoas têm civil entre pessoas do mesmo os mais jovens e os mais velhos. Fica esta espécie de amor platónico,
Quem já vive em união de facto consciência de que o adiamento da sexo. Como vêem os portugueses “E o que estes dados mostram nem sei como chamar-lhe.”
também não pensa regressar a um maternidade e da paternidade é uma estes casais? À primeira vista, é uma tendência grande de
casamento formal (oito em cada dez realidade que marca o país. E as ra- acham que eles são muito mudança nas gerações mais
têm essa convicção). Porque não traz zões económicas aparecem à cabeça parecidos com os heterossexuais. novas”, diz a socióloga Sofia A infidelidade aumentou?
nada de positivo (afirma metade dos das que justificam este adiamento (39 Mas não devem poder adoptar Aboim. Outra tendência sobressai Para 80 por cento, é igual
inquiridos), porque implica “muita por cento). É no Sul que esta percep- crianças, defendem. das respostas: a elevadíssima
burocracia” (17 por cento). ção é mais forte e entre os jovens dos Números: 33 por cento dos percentagem de pessoas que O último inquérito sobre sexualida-
16 aos 34 anos. inquiridos dizem que as relações não respondem. “É aquela coisa de, publicado este ano pela Bizâncio
Seguem-se as questões relacionadas destes casais são tão duradouras portuguesa do ‘tenho uma opinião (Sexualidades em Portugal), mostrava
Jovens devem fazer sexo com a carreira profissional (15,5 por quanto as dos casais de pessoas menos favorável, mas vou dizer que 17 por cento das pessoas que vi-
antes do casamento cento), o desemprego (12,2 por cento), de sexos diferentes. Entre 37 por que não sei’. Porque sabemos que viam em casal havia pelo menos cin-
a instabilidade no trabalho (11,4). Há cento e 45 por cento, acham que a aceitação do casamento entre co anos confessavam que já tinham
“O grande amor é a grande fantasia”, ainda o facto de hoje os jovens estu- partilham as tarefas da mesma pessoas do mesmo sexo não é sido infiéis. Sofia Aboim, uma das au-
diz Francisco Allen Gomes, psiquiatra darem até mais tarde (8,6). Analisadas forma. E que não há diferenças assim tão positiva.” toras, dúvida do número. “As pessoas
de Coimbra, conhecido especialista todas as respostas (esta era uma per- ao nível da seriedade com que Quando se fala na adopção, não são honestas em relação a estas
na área da sexualidade e na prática gunta aberta), uma conclusão resul- encaram o casamento. Ou da quebra-se a ideia dos direitos perguntas, a percentagem será mais
clínica da sexologia. Mas, quando aca- ta clara: as questões materiais, a falta fidelidade com que se dedicam iguais. A maioria (62 por cento) elevada.”
ba, as pessoas hesitam “em meter-se de dinheiro, a crise, são os grandes à relação. Mais: quando se diz que estes casais não devem A sondagem da Intercampus para
noutra”, diz. protagonistas na lista de culpados, na pergunta que direitos devem ter, poder adoptar crianças (o peso o PÚBLICO continha algumas ques-
A razão que está por detrás desse opinião dos portugueses, para que os a maioria (59 por cento) defende é ligeiramente superior entre os tões sobre o tema. Hoje em dia, há
comportamento espelha, na opinião bebés surjam cada vez mais tarde na que devem ter os mesmos que os que se consideram religiosos) e mais infidelidade do que havia an-
do psiquiatra, uma outra grande trans- vida dos casais. outros – ainda que um quarto da apenas 28,3 por cento defendem tigamente? Ou é a mesma coisa, só
formação na sociedade portuguesa: Em média, as mulheres têm hoje população entenda que deviam o contrário. Não é possível que sabe-se mais? As respostas fazem
“As pessoas podem satisfazer as suas o primeiro filho aos 28,6 anos – mais ter menos. Apesar de tudo, a comparar estudos, mas há este sorrir os especialistas. Porque, no es-
necessidades sexuais e afectivas sem quase quatro anos do que em 1991, ideia de que há discriminação é indicador: o Eurobarómetro de sencial, os portugueses respondem
viverem como casal, isso passou a ser segundo o INE. E a percepção mais consensual: 82,4 por cento das 2006 indicava que apenas 19 por afirmativamente a ambas – ainda que
público e aceite. Os filhos falam das frequente é a de que este adiamento pessoas acham que os casais cento dos portugueses admitiam ganhe a segunda, com 80 por cento
namoradas dos pais, vão todos juntos pode prejudicar um bom relaciona- de pessoas do mesmo sexo são a adopção por casais gay. O de “votos”. Se lhes perguntassem se
passar fins-de-semana e isso não sig- mento entre pais e filhos; 42,8 por menos aceites pela sociedade. sociólogo Pedro Vasconcelos eles eram infiéis, diriam que não, diz
nifica que aquela relação vá durar. A cento dizem que é “prejudicial”, ou Os homens, tendencialmente, admite que possa estar a assistir- Pedro Vasconcelos. É um clássico:
sexualidade deixou de ser uma moti- “muito prejudicial”. discriminam mais do que as se a uma maior abertura. Mas “Em inquéritos deste tipo, as pesso-
vação para o casamento.” E num lapso Ainda assim, imperam outros valo- mulheres, os jovens são mais lembra que a discussão sobre as tendem sempre a dizer: ‘Isto agora
de poucas décadas esta ideia está tão res, explica Pedro Vasconcelos. “Os favoráveis a direitos iguais, bem a adopção está “embrionária” é uma desgraça, há mais infidelidade,
arreigada que 69 por cento dos portu- patamares de exigência hoje, para como as pessoas que vivem na depois de ter sido muito intensa as famílias funcionam pior’, apesar
gueses acham positivo que os jovens ter um filho, são outros.” As pesso- Grande Lisboa e no Sul do país. em torno do casamento. A.S. de, ao mesmo tempo, revelarem al-
iniciem a sua vida sexual antes de se as querem dar tudo às crianças, em gum modernismo (aceitam as uniões
casarem – é entre quem tem o ensino muitos casos, querem dar tudo o que de facto, as relações sexuais antes do
superior que o peso dos que concor- não tiveram. E vão esperando para Acha que casais de pessoas do mesmo sexo deviam poder casamento).”
dam com esta afirmação é maior. ter condições, mesmo que o seu ide- adoptar crianças? Uma coisa é certa, diz Gabriela Moi-
Anália Torres nota, no entanto, que al seja o de uma maternidade mais ta, “não há nenhum fundamento para
enquanto o número de casamentos precoce – e ainda é, segundo Sofia nº de indivíduos sustentar que hoje os casais são mais
tem descido, os “recasamentos” têm Aboim. Quando as condições acon- infiéis” – “O que há de diferente, isso
aumentado. “Menos do que noutros tecem, acabam por optar por ter um 000 sim, é que a não exclusividade passou
0,0% % em relação ao
países, é certo, mas isso é natural. só filho. Portugal é, aliás, dos países grupo em causa
a ser razão para desfazer um casamen-
Noutros países existe divórcio há mui- onde os filhos únicos têm mais peso, Dos 16 aos 34 anos to”, o que não acontecia há poucas
to mais tempo.” Ou seja, muitos não recorda Anália Torres. 143 gerações atrás.
desistem de tentar de novo. 55 ou 45,8% O papel que as novas tecnologias
A sondagem que a Intercampus fez mais anos têm hoje não tranquilizará muito os
para o PÚBLICO revela ainda que a A maioria relaciona-se 50 que vivem preocupados com a for-
maior parte dos divorciados tem filhos sobretudo com colegas 14,5% ma como se comportam os/as compa-
(85 por cento). E a regra é, como seria 68,4% nheiros/as. Sete em cada dez acham
de esperar, que sejam as mulheres a A carreira profissional pode não ser o 327 que a Internet e as redes sociais con-
Dos 35 aos
ficar com eles: 75 por cento das divor- mais importante na vida – antes vem tribuem para que haja mais infidelida-
54 anos Ns/Nr
ciadas têm crianças a cargo. a saúde, em primeiro lugar, depois fa- de. Utilizadoras ou não de Facebook
A adaptação pode não ser fácil, mas mília (especialmente para as mulheres 94 97 Dos 35 aos
e afins – a sondagem não permite des-
9,7% 54 anos
mais de metade dos inquiridos (55 por e para quem vive no Norte) e os ami- 27%
173 trinçar –, a visão geral que as pessoas
cento) diz que, depois da separação, se gos (em especial para os mais jovens 32,8% Sim 216 têm das novas tecnologias não deixa
ajustou bem à nova forma de exercer e para quem vive na Grande Lisboa). 62,1% de ser surpreendente. Mais de metade
as responsabilidades paternais. Já a Mas quase oito em cada dez portu- 284 Não (54,8 por cento) diz que “as novas tec-
percepção dos filhos pode não ser tão gueses respondem afirmativamente 28,3% nologias dificultam o relacionamento
positiva. Pouco mais de um terço dos a esta pergunta: “A vida hoje em dia 624 pessoal”. E mesmo a população mais
inquiridos, que fizeram o exercício de faz com que as pessoas acabem por se 111 62,1% jovem pensa assim, ainda que em me-
se colocarem no lugar das suas crian- relacionar sobretudo com colegas de 23,2% nor percentagem. Contudo, a Inter-
ças, acreditam que elas não avaliariam trabalho/escola?” Dos 16 aos net também serve para “encontrar al-
positivamente a forma como os pais se Allen Gomes considera este “um 34 anos guém por quem as pessoas se possam
saíram no processo de divórcio. dado muito interessante” que reme-
te para uma questão que tem sido ob-
140 297
apaixonar” (defendem 63,9 por cento
dos inquiridos) e “promove encontros
44,9%
jecto de estudo, já neste século, em 56,4% sexuais ocasionais” (77,9 por cento).
Falta de dinheiro explica países como os Estados Unidos, mas, O que concluir? “Mais uma vez, face
55 ou mais anos
adiamento da maternidade tanto quanto sabe, não em Portugal. a estímulos e a coisas relativamente
“As pessoas passam boa parte do seu 265 novas, como as redes sociais, as pes-
A maioria dos portugueses adultos tempo no trabalho, almoçam com os 76,8% soas têm opiniões extremamente am-
é, contudo, casada ou vive em união colegas, sentados, a conversar, algo bivalentes”, diz Sofia Aboim.
6 • Público • Sábado 5 Março 2011

Destaque
Sondagem 30 por cento acham que o casamento é uma união que não se pode dissolver

O que pensam os portugueses sobre os casais de pessoas do mesmo sexo

Estes casais são tão aceites Que direitos devem ter os casais Têm relações tão duradouras Encaram o casamento com
pela sociedade como de pessoas do mesmo sexo em relação como casais de pessoas mais ou menos seriedade
os casais heterossexuais? aos de pessoas de sexos diferentes? de sexos diferentes? do que os outros?
Mais
Igual Ns/nr Ns/nr Menos Ns/nr
1,7% 8,5 Total 59,1% 44 30
7,5% 17,5%
Menos
66,6% Igual Mais
Feminino 15,5%
32,9% 10,2%
Masculino

É entre 25,5% Se o
os jovens 55,2% tema é
21,1% homossexualidade
que a percepção
0,5% 14,9%
da discriminação há mais pessoas
Menos a não responder Mais Igual
é maior: 30,3% 0,6% 15,7%
82,4% Neste caso 5,6% 44,2%
90,7% 0,4% 14%
44%
Por região Menos Igual Mais Ns/nr
Em % São tão fiéis ao companheiro
1,5 5,3
Por idades Em %
13,3
6,8
como casais de pessoas
1,5
6,8 Ns/nr Menos Ns/nr Menos Ns/nr Menos de sexos diferentes?
6,7 15,1% 13,5 30,5% 23,8 29,9%
78,9 86,4
Mais Mais Ns/nr Menos
Norte Litoral Grande Porto Mais 39,9
0,3% 0,3%
0,9% 11,3%
4,9 15,9
2,7 Igual Igual Igual
9,3 2,1 Igual
77,9% 55,7% 45,5%
9,2
37,3%
83 72,8
16-34 anos 35-54 55 ou Mais
Centro Litoral Interior
0 4,7 Por religião
5,6
Em % Religioso
76,2% Não religioso
89,7 54% No Sul há
mais pessoas
Grande Lisboa 28,2% a dizer que não Mais
1 3,9 17% 17,2% há diferença:
9,8
0,5% 0,5% 6,3% 11,4%
49%
Menos Igual Mais Ns/nr
85,3
Sul

Por que razão temos filhos mais tarde Como se vive o divórcio

As 20 razões mais referidas Foi você que ficou com Adaptar-se à situação O casamento é uma união
a custódia dos filhos? da partilha da custódia foi... que não se pode dissolver
Razões económicas 38,9%
Carreira profissional 15,5% 75% Ns/nr
20
Difícil Concorda Ns/nr
0,9
15% 29%
Desemprego 12,2%
A maioria das
Nem fácil
Instabilidade do emprego 11,4% divorciadas ficam
nem difícil
com a custódia Discorda
Estudar até mais tarde 8,6% dos filhos, o que 10%
59,8%
só acontece com
Vida difícil 7,7% 20% dos homens

Estabilizar a vida antes de ter filhos 7,1%


20%
Pessoas querem aproveitar a vida 6,4%
Fácil Não concorda nem discorda
Pessoas casam-se mais tarde 4,2% 55% 10,3%
Jovens saem cada vez
mais tarde de casa dos pais 4,2%
Vão adiando a decisão de ter filhos 3,1% Pensa voltar a casar-se ou a entrar Por que razão ou razões considera que não vai
Vida stressante 2,6% numa união de facto, no futuro? voltar a casar-se ou a viver em união de facto?

Não querem responsabilidades 2,6% Por sexo Por sexo


Pessoas preocupam-se Em percentagem Total Em percentagem Total
mais com bens materiais 2,4%
Entrada tardia no
mercado de trabalho 2,3%
Só 1,7% dizem que a Certamente não 29,8 27,3 32 Está feliz assim 27,3 0 46,2
Crise 2,2% carreira profissional das
mulheres contribui para Em princípio não 12,8 13,6 12 Dificuldade/receio da conjugalidade 18,2 22,2 15,4
Custo de vida muito elevado 2,2% que as pessoas tenham
Talvez 19,1 18,2 20 Idade 13,6 11,1 15,4
filhos mais tarde. Mas
Mulher ter carreira profissional 1,7% também são apontadas Em princípio sim 12,8 18,2 8 Muito independente 13,6 11,1 15,4
algumas razões relacionadas
Dificuldade em criar os filhos 1,5% com o momento actual, Certamente que sim 6,4 4,5 8 Gostar de viver sozinho 13,6 11,1 15,4
como a crise ou a situação
Situação do país em geral 1,5% económica do país Já vive em união de facto 14,9 18,2 12 Motivos de doença 4,5 11,1 0
Ns/nr 4,3 0 8 Não sabe / Não responde 27,3 55,6 7,7
8 • Público • Sábado 5 Março 2011

Destaque
Sondagem O amor, o namoro e o casamento vistos por três gerações de uma família

“Nenhum rapaz
Maria Alda, Armando Alves, Maria Armanda e Amanda Ribeiro

queria uma rapariga


em segunda mão”
A avó casa para sempre, a filha é a primeira a divorciar-
se e a neta sai de casa para viver sozinha. As mudanças
na família, contadas por três gerações de mulheres
mas, na despedida, era um aperto Lena, cujos pais o meu marido
Reportagem de mão e mais nada” – recorda conhecia, há-de ter hoje uns 150
Alda. anos de tantos aniversários que lhe
– Não é como agora, em que inventámos”, recorda Alda.
Natália Faria
se beijam com um à-vontade Mais a sério, Armanda sustenta
a Maria Alda casou-se com extraordinário, na rua, no que foi também por causa
Armando e jurou diante de um autocarro, onde calha – reforça desses espartilhos que o terceiro
altar que seria até que a morte Armando. namorado – o patrão da empresa
os separe. Armanda também – Dantes, se déssemos de transportes em que trabalhava
acreditou que o seu casamento um beijinho na rua, até nos – se tornou marido ao fim de
haveria de ser eterno, mas, poucos arriscávamos a que viesse a polícia apenas seis meses de namoro.
anos e uma filha depois, divorciou- –, retoma Alda. “Queria mais liberdade, sair à
se e jurou que, casamento, nunca A virgindade era um valor noite...”. O patrão era viúvo e pai
mais: a sua família haveria de ser absoluto (“Nenhum rapaz queria de duas raparigas. O casamento
em modo monoparental. Amanda uma rapariga em segunda mão”, faz-se pela igreja e Armanda, tal
saiu de casa para viver sozinha, explica Alda) e o namoro bordava- como a mãe antes de si, deixa de
pensa namorar enquanto for bonito se nas conversas permitidas nas trabalhar. “Ele delegou a educação
e casamento não está nos seus viagens entre a saída do trabalho das filhas em mim e eu acabei
planos – filhos talvez, logo se verá e o eléctrico (“Era um gostar à por deixar de trabalhar, também
como e com quem. distância: um aqui, outro acolá, porque ele achava inconciliável eu
Três gerações da mesma família com respeito”). É o Portugal das trabalhar no sítio em que ele era o
sentaram-se à vez no sofá castanho noivas de Santo António que patrão e onde os empregados me
da sala dos avós para falarem Amanda Ribeiro só pode espreitar conheciam e me tratavam por tu”. mãe, uma tia e, claro, os avós. Do
sobre o casamento – se é eterno pelos livros de história e pelos Armanda assume-se como esposa, pai, com o qual se corresponde por
ou apenas enquanto dura – os álbuns de fotografias dos avós. mãe de duas filhas que não tinham email, ficaram-lhe duas meias-irmãs
filhos, o trabalho. A separá-las “Eles para mim representam saído do seu ventre e dona de uma e vários sobrinhos com os quais
estão diferenças que dariam para o amor eterno que, às vezes, casa na qual, ao fim de poucos mantém uma relação próxima. “O
encher uma albufeira. A ideia de ter julgamos que só existe nos filmes”, anos, o marido passava cada vez Para ter uma meu pai, mesmo quando estava
no casamento o acto fundador da diz esta jornalista que há seis menos tempo. “No início, foi bom, casado com a minha mãe, nunca
família, que ainda hoje acompanha meses deixou a casa da mãe para se fizemos muitas viagens, depois a relação com uma esteve muito presente, portanto,
a avó, Maria Alda, 75 anos, é para instalar sozinha num T1 da Baixa do chama baixou, até que chegámos nunca foi uma coisa que me faltasse
neta, Amanda Ribeiro, 23 anos, Porto. Apesar de ter sido a primeira a uma altura em que ele quase não pessoa, não é ou cuja ausência me fizesse sentir
de um anacronismo insuperável. da família a sair de casa sem ser aparecia para jantar e eu sentia que uma grande dor. Tive colegas cujos
Em poucos anos, o casamento para casar, teve todo o apoio da não tinha o apoio dele, nem sequer obrigatório viver pais se divorciaram e que sofreram
passou de sagrado e indissolúvel a família. “Não houve nenhuma nas questões relacionadas com as um choque tremendo mas isso terá
dispensável: vive-se em união de ruptura, foi só mesmo a vontade de filhas”. com ela sido porque o divórcio quando eles
facto; casa-se porque sim, porque ter um canto”. Liberdade total para eram mais velhos”.
chegam os filhos, com uma pessoa viver ao ritmo que lhe apetece, “De uma prisão para outra” Deste background familiar,
de sexo diferente ou do mesmo; portanto. “Adoro sair à noite, estar Armanda já tinha uma filha sua Amanda acredita ter retirado
namora-se a partir do Facebook,
MySpace ou Hi5. As famílias
com pessoas, namorar”. Aqui e ali,
a sua história amorosa toca as redes
quando recusa fechar os olhos às
infidelidades do marido. “Mesmo
A paixão é uma uma maturidade precoce. “Acho
que percebi mais cedo que as
são tradicionais, recompostas,
monoparentais, unipessoais,
virtuais: Hi5, MySpace, Facebook,
é só nomear. “Já estive com pessoas
nessa altura, era comum as
mulheres aceitarem as traições
fumaça: arde pessoas não são eternas, que não
estão cá para sempre e que nós só
volúveis – em permanente
reinvenção, mas famílias.
que conhecia na Internet e, sim, já
houve sms trocados a altas horas
dos homens, mas eu nunca aceitei.
Primeiro separei-me e, dois anos
e acaba. O amor podemos contar connosco”. Sem
traumas. Ao contrário: “Aprendi a
Recuemos a 1955. No dia 11 de
Setembro, Maria Alda e Armando
da madrugada, links enviados,
e-mails enviados, telefonemas que
depois, divorciei-me. Durante
esse período, ele ainda tentou fundo é o que fica ser sozinha, ou a estar sozinha, ou
a ser independente muito cedo”.
Alves entram na igreja da Antas, no duraram três horas...”. a reconciliação, mas entretanto A ser mais autónoma também.
Porto, e juram diante de um padre teve um filho de outra mulher e Mas aqui também haverá créditos
católico que a fidelidade haveria “Cinema à noite, não” isso para mim foi o xeque-mate na maternos porque, depois de uma
de ser na saúde e na doença, na Ensanduichada entre esta avó e relação”. adolescência milimetricamente
pobreza e na riqueza. O actor James esta neta, Maria Armanda, 53 anos, Armanda divorcia-se disposta escrutinada, Armanda concedeu
Dean haveria de morrer daí a duas foi a primeira a divorciar-se na a depender de si: família à filha a liberdade que nunca teve.
semanas, nos EUA, mas o mito família. O primeiro beijo foi aos 15, monoparental, muito antes de a isso. Fiquei saturadíssima daquilo “Aos 14 anos foi sozinha, com
que a sua morte inaugurou, e que seguem-se três namorados. “Havia palavra ter adquirido expressão tudo. Quando me separei, já tinha um grupo, para Inglaterra, tirar
mandava viver depressa e morrer o tabu da virgindade e as saídas nas estatísticas do INE. “Eu tinha voltado a trabalhar e foi aí que um curso. E sempre a deixei sair,
cedo, tardaria a soar por aqui. eram muito controladas. Cinema saído de uma prisão, que era a comecei a ganhar uma liberdade muitas vezes ia buscá-la às cinco
Entre estes dois, o namoro durou à noite, nem pensar”. A mãe, casa dos meus pais, para entrar e uma independência que nunca da manhã, mas claro que isso só
cinco anos e não consentia beijos Alda, às vezes, lá encobria umas noutra. Enquanto estive casada, tinha conhecido: poder gerir o meu foi possível porque ela nunca me
em público, sequer na face. escapadelas mais prolongadas às oito horas tinha que estar a tempo, ir ao ginásio, tirar um curso, mentiu, por um lado, e sempre foi
– A rapariga ficava logo mal vista. e testemunhava perante o pai jantar e depois tinha que ver os sair e não ter horários rígidos para uma óptima aluna, por outro”.
Não quer dizer que às vezes não que a filha ia dormir em casa de programas que ele gostava de almoçar nem para jantar...”. Pela mãe, Amanda há-de ser o
andasse de braço dado com ele uma amiga que fazia anos. “A ver na televisão, futebol e tudo Amanda cresce assim entre a que quiser. Lésbica, heterossexual,
8 • Público • Sábado 5 Março 2011

Destaque
Sondagem O amor, o namoro e o casamento vistos por três gerações de uma família

“Nenhum rapaz
Maria Alda, Armando Alves, Maria Armanda e Amanda Ribeiro

queria uma rapariga


em segunda mão”
A avó casa para sempre, a filha é a primeira a divorciar-
se e a neta sai de casa para viver sozinha. As mudanças
na família, contadas por três gerações de mulheres
mas, na despedida, era um aperto Lena, cujos pais o meu marido
Reportagem de mão e mais nada” – recorda conhecia, há-de ter hoje uns 150
Alda. anos de tantos aniversários que lhe
– Não é como agora, em que inventámos”, recorda Alda.
Natália Faria
se beijam com um à-vontade Mais a sério, Armanda sustenta
a Maria Alda casou-se com extraordinário, na rua, no que foi também por causa
Armando e jurou diante de um autocarro, onde calha – reforça desses espartilhos que o terceiro
altar que seria até que a morte Armando. namorado – o patrão da empresa
os separe. Armanda também – Dantes, se déssemos de transportes em que trabalhava
acreditou que o seu casamento um beijinho na rua, até nos – se tornou marido ao fim de
haveria de ser eterno, mas, poucos arriscávamos a que viesse a polícia apenas seis meses de namoro.
anos e uma filha depois, divorciou- –, retoma Alda. “Queria mais liberdade, sair à
se e jurou que, casamento, nunca A virgindade era um valor noite...”. O patrão era viúvo e pai
mais: a sua família haveria de ser absoluto (“Nenhum rapaz queria de duas raparigas. O casamento
em modo monoparental. Amanda uma rapariga em segunda mão”, faz-se pela igreja e Armanda, tal
saiu de casa para viver sozinha, explica Alda) e o namoro bordava- como a mãe antes de si, deixa de
pensa namorar enquanto for bonito se nas conversas permitidas nas trabalhar. “Ele delegou a educação
e casamento não está nos seus viagens entre a saída do trabalho das filhas em mim e eu acabei
planos – filhos talvez, logo se verá e o eléctrico (“Era um gostar à por deixar de trabalhar, também
como e com quem. distância: um aqui, outro acolá, porque ele achava inconciliável eu
Três gerações da mesma família com respeito”). É o Portugal das trabalhar no sítio em que ele era o
sentaram-se à vez no sofá castanho noivas de Santo António que patrão e onde os empregados me
da sala dos avós para falarem Amanda Ribeiro só pode espreitar conheciam e me tratavam por tu”. mãe, uma tia e, claro, os avós. Do
sobre o casamento – se é eterno pelos livros de história e pelos Armanda assume-se como esposa, pai, com o qual se corresponde por
ou apenas enquanto dura – os álbuns de fotografias dos avós. mãe de duas filhas que não tinham email, ficaram-lhe duas meias-irmãs
filhos, o trabalho. A separá-las “Eles para mim representam saído do seu ventre e dona de uma e vários sobrinhos com os quais
estão diferenças que dariam para o amor eterno que, às vezes, casa na qual, ao fim de poucos mantém uma relação próxima. “O
encher uma albufeira. A ideia de ter julgamos que só existe nos filmes”, anos, o marido passava cada vez Para ter uma meu pai, mesmo quando estava
no casamento o acto fundador da diz esta jornalista que há seis menos tempo. “No início, foi bom, casado com a minha mãe, nunca
família, que ainda hoje acompanha meses deixou a casa da mãe para se fizemos muitas viagens, depois a relação com uma esteve muito presente, portanto,
a avó, Maria Alda, 75 anos, é para instalar sozinha num T1 da Baixa do chama baixou, até que chegámos nunca foi uma coisa que me faltasse
neta, Amanda Ribeiro, 23 anos, Porto. Apesar de ter sido a primeira a uma altura em que ele quase não pessoa, não é ou cuja ausência me fizesse sentir
de um anacronismo insuperável. da família a sair de casa sem ser aparecia para jantar e eu sentia que uma grande dor. Tive colegas cujos
Em poucos anos, o casamento para casar, teve todo o apoio da não tinha o apoio dele, nem sequer obrigatório viver pais se divorciaram e que sofreram
passou de sagrado e indissolúvel a família. “Não houve nenhuma nas questões relacionadas com as um choque tremendo mas isso terá
dispensável: vive-se em união de ruptura, foi só mesmo a vontade de filhas”. com ela sido porque o divórcio quando eles
facto; casa-se porque sim, porque ter um canto”. Liberdade total para eram mais velhos”.
chegam os filhos, com uma pessoa viver ao ritmo que lhe apetece, “De uma prisão para outra” Deste background familiar,
de sexo diferente ou do mesmo; portanto. “Adoro sair à noite, estar Armanda já tinha uma filha sua Amanda acredita ter retirado
namora-se a partir do Facebook,
MySpace ou Hi5. As famílias
com pessoas, namorar”. Aqui e ali,
a sua história amorosa toca as redes
quando recusa fechar os olhos às
infidelidades do marido. “Mesmo
A paixão é uma uma maturidade precoce. “Acho
que percebi mais cedo que as
são tradicionais, recompostas,
monoparentais, unipessoais,
virtuais: Hi5, MySpace, Facebook,
é só nomear. “Já estive com pessoas
nessa altura, era comum as
mulheres aceitarem as traições
fumaça: arde pessoas não são eternas, que não
estão cá para sempre e que nós só
volúveis – em permanente
reinvenção, mas famílias.
que conhecia na Internet e, sim, já
houve sms trocados a altas horas
dos homens, mas eu nunca aceitei.
Primeiro separei-me e, dois anos
e acaba. O amor podemos contar connosco”. Sem
traumas. Ao contrário: “Aprendi a
Recuemos a 1955. No dia 11 de
Setembro, Maria Alda e Armando
da madrugada, links enviados,
e-mails enviados, telefonemas que
depois, divorciei-me. Durante
esse período, ele ainda tentou fundo é o que fica ser sozinha, ou a estar sozinha, ou
a ser independente muito cedo”.
Alves entram na igreja da Antas, no duraram três horas...”. a reconciliação, mas entretanto A ser mais autónoma também.
Porto, e juram diante de um padre teve um filho de outra mulher e Mas aqui também haverá créditos
católico que a fidelidade haveria “Cinema à noite, não” isso para mim foi o xeque-mate na maternos porque, depois de uma
de ser na saúde e na doença, na Ensanduichada entre esta avó e relação”. adolescência milimetricamente
pobreza e na riqueza. O actor James esta neta, Maria Armanda, 53 anos, Armanda divorcia-se disposta escrutinada, Armanda concedeu
Dean haveria de morrer daí a duas foi a primeira a divorciar-se na a depender de si: família à filha a liberdade que nunca teve.
semanas, nos EUA, mas o mito família. O primeiro beijo foi aos 15, monoparental, muito antes de a isso. Fiquei saturadíssima daquilo “Aos 14 anos foi sozinha, com
que a sua morte inaugurou, e que seguem-se três namorados. “Havia palavra ter adquirido expressão tudo. Quando me separei, já tinha um grupo, para Inglaterra, tirar
mandava viver depressa e morrer o tabu da virgindade e as saídas nas estatísticas do INE. “Eu tinha voltado a trabalhar e foi aí que um curso. E sempre a deixei sair,
cedo, tardaria a soar por aqui. eram muito controladas. Cinema saído de uma prisão, que era a comecei a ganhar uma liberdade muitas vezes ia buscá-la às cinco
Entre estes dois, o namoro durou à noite, nem pensar”. A mãe, casa dos meus pais, para entrar e uma independência que nunca da manhã, mas claro que isso só
cinco anos e não consentia beijos Alda, às vezes, lá encobria umas noutra. Enquanto estive casada, tinha conhecido: poder gerir o meu foi possível porque ela nunca me
em público, sequer na face. escapadelas mais prolongadas às oito horas tinha que estar a tempo, ir ao ginásio, tirar um curso, mentiu, por um lado, e sempre foi
– A rapariga ficava logo mal vista. e testemunhava perante o pai jantar e depois tinha que ver os sair e não ter horários rígidos para uma óptima aluna, por outro”.
Não quer dizer que às vezes não que a filha ia dormir em casa de programas que ele gostava de almoçar nem para jantar...”. Pela mãe, Amanda há-de ser o
andasse de braço dado com ele uma amiga que fazia anos. “A ver na televisão, futebol e tudo Amanda cresce assim entre a que quiser. Lésbica, heterossexual,
Público • Sábado 5 Março 2011 • 9

MANUEL ROBERTO

mãe de filhos – muitos, poucos – mulheres e diz que o que sente


casada, numa igreja ou debaixo é compaixão. “As mães hoje são
de uma ponte, família unipessoal, muito sacrificadinhas, muito. Vejo-
monoparental, em regime de living as de manhã, com a saca delas, a
apart togheter, ou seja, namorando saca dos filhos, os miúdos a dormir
mas cada um em sua casa, se faz às costas. Vão trabalhar e nem
favor, para que não se confundam tempo têm para ver os filhos coçar
os hálitos matinais. “Não me vejo a cabeça. Porque a maior parte
casada, porque tenho o casamento dos homens continua a ser muito
como um contrato, mas vejo-me machista, encosta-se às mulheres
a viver com alguém, talvez com e, pronto, é mais um filho que elas
filhos”, perspectiva Amanda. Não têm para cuidar”.
já, que primeiro, está a profissão. Sobre um casamento feliz que
“Tenho a sorte de trabalhar naquilo vai a caminho dos 56 anos, apesar
de que gosto mas quero criar uma de ela ser uma ferrenha do FC
base mais sustentável e sei que Porto e ele do Sporting, Alda diz
os filhos me iriam alterar o ritmo. que o segredo é o respeito. “E a
Portanto, quero, mas ainda não compreensão”, atalha Armando,
são a minha prioridade”. Certeza: – Claro. Se um chega a casa
“Toda a gente devia viver na aborrecido, a obrigação do outro
mesma casa antes de casar ou de não é deixá-lo mais aborrecido, é
ter filhos para ter a certeza que ter uma meiguice, um carinho... –
consegue aguentar o dia-a-dia, o reforça Alda.
passar a ferro, o lavar a roupa, as Se for assim num casamento
más disposições”. gay, então que seja: “É um bocado
A avó concorda que “é esquisito, mas se uma mulher
uma maneira inteligente de gosta de uma mulher, também
pensar”. O problema, sustenta a não há direito de andar a maltratá-
septuagenária, é quando se vive las. “São”, remata Alda, “sinais
depressa demais, à maneira de dos tempos: há que respeitar”.
James Dean. “As pessoas casam Armanda também respeita “a cem
sem conhecer bem o outro e por cento” as novas formas de
depois esquecem-se que as pessoas estar em família, desde que não a
às vezes parecem um lago e obriguem a casar. “Para ter uma
escondem um vulcão. A paixão é relação com uma pessoa, não é
uma fumaça: arde e acaba. O amor obrigatório viver com ela”.
fundo é o que fica, o que permite O importante numa relação ,
o companheirismo, o que permite reforça a neta, “é assegurar a tal
desabafar, dizer tudo”. harmonia das individualidades”.
Alda, que deixou de trabalhar Se calhar, não é tanto assim o que
quando casou, olha hoje para as as separa.
10 • Público • Sábado 5 Março 2011

Destaque
Sondagem Entrevista a Sofia Aboim, investigadora do Instituto de Ciências Sociais

“Temos alguma
PEDRO CUNHA

dificuldade em
acompanhar a
modernidade”
A família mudou e as pessoas
acham que foi para pior. Para
a socióloga Sofia Aboim isso tem
a ver com a rapidez das mudanças
o casamento, quer com a Igreja.
Andreia Sanches
Durante muito tempo, achou-se
a Acham que a vida se tornou que a religiosidade das pessoas ia
mais solitária. E que a família cair a pique. Hoje sabe-se que não.
“antigamente era melhor”. As As pessoas continuam a achar,
mudanças registadas nos últimos como se vê, que são religiosas. O
anos, na família e no casamento, que há é uma religiosidade mais
têm sido tão rápidas que os individualizada. As pessoas não
portugueses revelam alguma vão à igreja, ou vão só quando lhes
“dificuldade em acompanhar a apetece, ou podem nem sequer
modernidade”, diz a socióloga Sofia ser católicas – sendo que, em
Aboim. A autora de vários estudos Portugal, a grande maioria dos que
na área da família e conjugalidade, se definem como religiosos define-
investigadora do Instituto de se como católica –, podem estar
Ciências Sociais, em Lisboa, à procura do sentido da vida. Por
escreveu um dos capítulos do detrás de todas estas mudanças
último volume da História da Vida tem que haver necessariamente
Privada. Nesta entrevista, analisa a uma mudança de mentalidades.
sondagem do PÚBLICO. Se estivéssemos a falar de política,
Os resultados desta sondagem ou de ambiente, aí as opiniões são
reflectem muitas das mudanças geralmente mais voláteis. Já as
sociais que se têm registado em mentalidades, o que tem que ver
Portugal. Como é que as lê? com a vida privada, tem tendência
Os anos 90 foram uma década de a mudar lentamente. Ora nós, em
mudanças muito acentuadas, com Portugal, estamos a mudar muito
mais casais a viver em união de rapidamente.
facto, menos casamentos. Agora, o Pode ser negativo?
que aconteceu na primeira década Não diria isso. Estas mudanças têm
dos anos 2000 foi espantoso. ocorrido noutros países, nós temos
Tivemos uma inversão completa, é feito o caminho de forma mais
por exemplo, no que diz respeito ao acelerada.
casamento católico. No ano 2000, Tivemos um regime autoritário
65 por cento das pessoas que se muito prolongado, há traços de
casavam, casavam-se pelo religioso; conservadorismo na sociedade
em 2009, a percentagem caiu para portuguesa, mas, por outro lado, o
43 por cento. Ou seja, entre 1990 facto de as mulheres terem acesso
e 2000 diminuiu seis, sete pontos
percentuais, mas entre 2000 e
a uma autonomia financeira,
por exemplo – e temos uma das
mais nova. Diria que esta é uma
ideia algo conservadora.
sondagem é que acham que a
família está mais unida, e o facto de Sete em cada dez
2009 diminuiu mais de 20 pontos. percentagens mais elevadas de Porquê? haver mais igualdade só há cinco
E porquê? mulheres a trabalhar na Europa Porque implica um imaginário de pessoas a referi-lo. É absolutamente acham que estamos
Porque há um afastamento da – contribuiu para uma mudança que, no passado, havia uma família irrelevante para as pessoas que haja
Igreja, uma menor importância da muito rápida. Houve uma grande muito unida, coesa, feliz, contra um hoje mais igualdade. Para resumir, mais solitários. É a
ritualização do casamento. Nesta mudança feita no feminino. presente muito mais negro. A “falta olhei para todas as respostas [era
sondagem do PÚBLICO, há um As pessoas têm clara percepção de educação” é a segunda grande uma pergunta aberta] e tentei ideia de uma solidão
dado muito interessante: as pessoas das mudanças, nomeadamente ao mudança registada pelas pessoas. perceber se as pessoas achavam
dizem que o casamento católico não nível da família, mas não é certo E o que é que está por detrás disto? que a família tinha mudado para urbana, a família já
acrescenta nada à conjugalidade. que as achem positivas, pois não? É o respeitinho, à portuguesa, melhor ou para pior. E a maior
A resposta é esmagadora (75 por Há uma pergunta na vossa aquele respeitinho hierárquico parte das coisas que são referidas não é tão grande...
cento) e não há diferenças entre sondagem que é: “Quais são as entre homens e mulheres e entre é negativa. Isto nas três gerações
pessoas de diferentes gerações.
E, no entanto, a esmagadora
principais diferenças na vida
familiar?” As pessoas responderam
pais e filhos. É referido sobretudo
pelas pessoas mais velhas da
analisadas [dos 16 aos 34 anos, dos
35 aos 54 e pessoas com 55 anos
Mas não sei se é uma
maioria considera-se religiosa...
O que mostra que a ideia de
o que quiseram. E, se olharmos
para as respostas, há coisas muito
amostra. As pessoas dizem ainda
que há hoje menos convivência
ou mais]. Quando se pede: “Diga
lá, assim, da sua cabeça, no que é
realidade
religiosidade tem vindo a interessantes. A primeira delas é familiar, menos valores do que que acha que a família mudou”, há
transformar-se. Há uma visão muito que acham que a família está pouco havia, mesmo os mais jovens. Não uma visão quase romantizada do
diferente da relação das pessoas unida. Algo que é referido ainda dizem que há mais diálogo; só passado, como se “dantes é que
quer com a vida familiar e com mais, curiosamente, pela geração dois por cento das pessoas nesta fosse bom”, o que, de resto, é uma
Público • Sábado 5 Março 2011 • 11

tendência que as pessoas têm. Acho solitária do que antigamente: 71


que isso é bastante significativo. por cento.
Significa o quê? É esmagador. Mas há que não
Quando se fala em família, o esquecer que este inquérito foi feito
conservadorismo é a reacção numa altura em que andávamos a
mais imediata das pessoas. Uma falar da senhora que esteve morta
reacção quase não pensada. Mas, em casa nove anos. Acho que há
quando vamos ver os relatos de uma ideia global de que há uma
antigamente, era a fome, a miséria, solidão maior, uma solidão urbana,
maus tratos entre pais e filhos, maus porque a família já não é tão grande
tratos conjugais. E perguntamos: como era, há menos irmãos...
“Mas que relações eram estas?” É uma ideia ou uma realidade?
Estes inquéritos sobre a família Não sei se é uma realidade. É
revelam sempre uma ambivalência evidente que, se pensarmos no
imensa, talvez, precisamente, interior despovoado, onde está
porque as mudanças estejam a meia dúzia de idosos, claro que
acontecer de forma muito rápida. estão mais sós. Mas o número de
Um caso paradigmático é quando pessoas a viver sozinhas é diminuto
se pergunta nalguns estudos se as em comparação com outros países
pessoas acham que as mulheres (17 por cento, segundo o último
devem trabalhar fora de casa. Uma Censos) e não creio que vá ser
enorme percentagem diz que sim, exponencial.
claro que sim. Mas depois pergunta- A verdade é que o nosso nível de
se: “O trabalho das mulheres é exigência aumentou muitíssimo.
prejudicial para as famílias, para os Em relação ao que é estar
filhos?” E também dizem que sim. acompanhado, ao casamento,
E o que é que significa as pessoas ao consumo (temos que ter mais
dizerem que hoje somos menos coisas). Somos uma sociedade
tolerantes com as falhas dos material e emocionalmente mais
nossos companheiros? exigente. E há uma ideia de que
Gostaria de perceber se as pessoas temos que ter imensa intimidade
acham que isso é bom ou mau. – é muito frequente as pessoas
Pode haver a tendência para divorciarem-se e dizerem que
encarar isto como uma crítica, mas não aguentavam os silêncios.
também pode ser algo positivo. Na A intimidade é uma invenção
pergunta sobre se existe um esforço moderna.
tão grande como no passado para Temos dificuldade em
manter um casamento, não há acompanhar a modernidade?
grandes clivagens geracionais, as Nalguns aspectos, temos dificuldade
pessoas tendem a concordar que em acompanhar a modernidade...
não há. E isto pode simplesmente As pessoas frisam que o casamento
querer dizer que pensam que agora não tem importância
não devem sacrificar-se a todo o nenhuma, que viver junto é igual,
custo para manter uma fachada que o divórcio se aceita, que os
institucional. Acho que estas casais do mesmo sexo devem ter os
respostas podem inclusivamente mesmos direitos e que até são muito
reflectir uma maior importância das parecidos com os casais de pessoas
relações afectivas. de sexos diferentes, mas depois
Também não podemos ver isto também realçam a negatividade
de outra forma: desistimos da mudança, por comparação a
demasiado facilmente? um passado onde haveria mais
Não sei se isso é verdade. Há comunhão, mais solidariedade.
um dado muito interessante da Temos facilidade em aceitar
sondagem: a esmagadora maioria a quebra de valores religiosos,
das pessoas acredita que existe uma mas maiores dificuldades em
alma gémea. E a maior parte das aceitar as consequências de um
pessoas diz que já a encontrou. É processo de maior autonomia dos
“um grande amor na vida”, que é indivíduos, que vem com a maior
superior aos outros, não é a ideia democraticidade, a liberdade e
de que pode haver vários amores. que faz parte, no fundo, da vida
Se houvesse um descrédito tão moderna. A ausência de regras
grande nas relações conjugais ao tão rígidas é vista como positiva,
ponto de acharmos que ao primeiro agora uma espécie de maior solidão
aborrecimento desistimos logo, que ela acarreta – porque estamos
então teríamos um romantismo em menos ancorados em instituições
declínio. E não temos. – é algo com o qual as pessoas não
Mas, repare, não haveria vivem muito bem em Portugal.
conjugalidade moderna sem esta Daí a ideia de que somos mais
ideia. Antes, o casamento nada tinha solitários, de que a família está
a ver com o amor. Foi o romantismo desunida...
que criou esta relação do amor Sim. Sermos menos controlados
com o casamento. E o que seria dos pelas instituições é algo que
romances, do cinema, das novelas, acolhemos bem. Mas se essa
sem este ideal do romantismo! autonomia nos fizer sentir que
Se esta pergunta tivesse sido feita perdemos um pouco o cimento
noutros países, seria diferente? colectivo, mesmo que isso seja um
Eventualmente, não. O mito pouco um mito, as pessoas já não
romântico é fundador, é uma coisa reagem muito bem.
ocidental e que se tem espalhado, e Não queremos voltar ao passado,
que se comercializou – o Dia de São mas temos receio e esse receio não
Valentim, daqui a bocado, é quase desapareceu na geração mais nova,
tão importante quanto o Natal. que também tem essa visão de que
Mas as pessoas também acham a família está desunida e de que
que hoje levamos uma vida mais estamos mais sós.
12 • Público • Sábado 5 Março 2011

Destaque
Sondagem Sete em cada dez portugueses culpam as novas tecnologias

Redes sociais são Internet e Relações


As novas tecnologias aproximam ou afastam as pessoas?
combustível para Portugueses parecem não ter certezas
ais
...
oci
a infidelidade? Em percentagem
as red
es
s 7,9 7,3

7,0
Não sabe/
nete
er
A Int
não responde Discorda
mensagens escaldantes que recebem ... promovem mais
Ana Cristina Pereira encontros sexuais
no Facebook e no telemóvel. Não as Concorda
“Muitos casais vivem apagam. E são descobertas. É como as ocasionais?
cartas de amor de antigamente, que
obcecados com a ideia de se guardavam com um laçarote.”
Não concorda
Sim. E é no Grande Porto e
nem discorda
descobrir se o outro lhe é A escritórios de advogadas como Ri- na Grande Lisboa que esta
infiel”, diz terapeuta familiar. ta Sassetti chegam cada vez mais casos ideia está especialmente
de divórcio resultantes de infidelida- instalada
Vigiam-se na Internet Concordam Concordam
des descobertas nos computadores e Concordam
nos telemóveis. Um estudo britânico 81,9% 83%
80,7% dos inquiridos do 75,9% dos que 77,9%
a Antes, a suspeita podia nascer responsabiliza o Facebook por 20 por dos dos que
Grande Porto têm
dos excessos do conta-quilómetros, cento dos divórcios. Em Portugal, não homens 75,3% das têm ensino 80,9 % dos que têm
da conta bancária, do horário. Ago- há estudos. Os portugueses, todavia, mulheres ensino secund. do 6º ano ao 9º ano
superior
ra, qualquer rede social pode fazer parecem convencidos dos poderes 71,4% dos que têm
disparar o alarme. Comenta dema- (maléficos?) das novas tecnologias: Inst. primária
Discordam
ou menos
siado as fotografias ou as palavras 55,4 por cento concordam e 16,2 por
de alguém? O que escreve? E como cento concordam completamente 81,3% 38,1% das pessoas
dos inquiridos da em união de facto
reage o outro? As novas tecnologias com a ideia de que contribuem para Grande Lisboa
introduziram algumas mudanças na o aumento da infidelidade. Esta cren- 13,4% das pessoas
casadas
forma como as pessoas se relacionam ça é mais forte no Norte litoral. E mais
umas com as outras. Sete em cada fraca entre divorciados. Discordam 15,2% das pessoas
dez portugueses consideram-nas um Para Gustavo Cardoso, especialista 34,9% dos que têm entre solteiras
16 e 34 anos
combustível para a infidelidade. em tecnologias de informação, não 5,1 29,6%
Não há quem não tenha uma histó- tem sentido culpar as novas tecno- 28,9% 35-54
ria para contar. Basta lançar o repto logias: “A lógica das redes sociais é 22,6%
na mais popular rede social, o Face- multiplicar as relações fracas e apro- 55 ou mais 5,5
book, para as coleccionar. Ora, leia fundar as relações fortes.” É inegável ... dificultam o 14,3
esta: “A melhor foi a de uma colega que a Internet alarga o universo de relacionamento pessoal
de trabalho que estava a meio do ex- pessoas acessíveis. A paixão, porém, com outras pessoas? Discordam
pediente. Ligou o Facebook e leu um requer bem mais do que isso. Tem de ... contribuem para
33,4% dos 8,6
daqueles posts de perguntas acerca de haver uma certa predisposição para a homens que haja mais
A maioia das pessoas 24,6%
amigos na página do marido. Era qual- viver. “Se as pessoas querem ser infi- acham que sim infidelidade?
quer coisa como: ‘P: Quando é que X éis, tanto podem sê-lo saindo à noite,
é mais mal disposto? R: Ao pequeno- como indo ao Facebook”, enfatiza. “É 11,2 É uma evidência para
almoço.’ Ela perguntou-nos o que possível ser mais infiel no Facebook? sete em cada
achávamos que aquilo queria dizer. É. Até se pode ter seis janelas abertas dez pessoas
Foi um pé-de-vento lá em casa.” ao mesmo tempo.”
Concordam
54,8% Concordam
O desconfiado pode vigiar o perfil 56,4 % dos que têm entre
do companheiro. “Hoje, ao contrá- “Redes agudizam conflito” 51,4% dos 16 e 34 anos
rio do passado, a não exclusividade é Se pode ser mais fácil começar, tam- homens 55,2% dos de 35-54 anos 71,6%
razão para desfazer um casamento”, bém pode ser mais difícil terminar 57,9% das
mulheres 53% dos
nota a terapeuta familiar Gabriela Moi- um namoro. Há até quem saia do Fa- de 55 ou Concordam
ta. “E muitos casais vivem obcecados cebook para controlar a tentação de mais anos
64,2% das Concordam
com a ideia de descobrir se o outro lhe espreitar o perfil do ex. Eliminá-lo da pessoas divorciadas 74% dos
é infiel. Controlam os telemóveis, o lista de amigos não chega: o ex apare- 47,6 % das pessoas homens
Facebook, a Internet, tornam a vida, cerá, como um fantasma, via comen- em união de facto 69,4 % das
mulheres
a sua e a do outro, terrível.” tários feitos a amigos comuns. 72% das pessoas casadas
Na Internet, como fora dela, nem Maria Tomé, 35 anos, já assumiu
7,6
sempre o que parece é. Só para lançar um namoro no Facebook. Mudar o
17,4 74,2% das pessoas
a confusão, lembra a psicóloga Catari- estado de “solteiro” para numa “re- solteiras

na Ribeiro, uma pessoa pode escrever lação com” pareceu-lhe “natural”:


no mural de outra: “Adorei o nosso úl- “Toda a gente sabia que namorá- ... fazem com que Concordam
timo encontro.” Até um casal estável vamos.” No fim, teve de mudar de seja mais fácil encontrar 77,2% dos
pode ser permeável a um comentário “numa relação com” para “solteiro”. homens
deste tipo. Uma mulher inquietou- “Muita gente soube por lá. As pessoas
alguém por quem 11,1 76,8%
se ao ler no mural do marido: “Não começaram a fazer perguntas.” E a se possam apaixonar? das mulheres

podemos adiar o nosso reencontro.” ansiedade era a dobrar, porque na 3,9


Não era, afinal, uma amante. Era uma mesma altura terminara uma relação A maioria acha que sim, 8,6
antiga colega de escola que o queria de amizade com uma amiga do ex- sobretudo os homens
reencontrar. namorado. Andava atenta ao perfil de 10,5
As redes sociais têm a particulari- um e de outro para detectar as piadas Hoje as pessoas
dade de trazer, de enxurrada, figuras que podiam surgir de um lado ou de relacionam-se sobretudo
de outros tempos. Sobram histórias outro. E sentia-se humilhada. 63,9% Concordam

Concordam 70,9 % dos que têm entre com colegas de


de namorados da adolescência ou “As redes sociais agudizam o confli- 16 e 34 anos
da juventude que se reencontram to”, avisa Catarina Ribeiro. “As pesso- 66,7% dos trabalho/escola
homens
62,6%
na Internet, e que, embalados pela as usam-nas para fazer a catarse, que dos de 35-54 anos
A maioria acha que sim,
intensidade do passado, idealizam fariam em privado. Um faz o desabafo 61,3% 58,9% o que revela a centralidade
um futuro. Quantos casados? sem o consentimento do outro e aqui- das mulheres dos de 55 ou
mais anos do trabalho na vida
O psiquiatra Allen Gomes não sa- lo fica disponível para muita gente das pessoas
be se a infidelidade aumentou. Sa- consultar.” O problema parece-lhe
be que “as pessoas são apanhadas”. mais grave quando envolve crianças,
“Porquê? Porque têm um desejo tão que podem ser usadas ou ler o que 77%
grande de ser amadas que guardam as ali se escreve. com A.S.

Potrebbero piacerti anche