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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO

PROFESSORES E EDUCAÇÃO AMBIENTAL:


UMA RELAÇÃO PRODUTIVA

MARA REJANE OSÓRIO DUTRA

PELOTAS, 2005
MARA REJANE OSÓRIO DUTRA

PROFESSORES E EDUCAÇÃO AMBIENTAL:


UMA RELAÇÃO PRODUTIVA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós–


Graduação da Faculdade de Educação da
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS, como
requisito parcial à obtenção do título de Mestre
em Educação.

Orientadora: Profa Dra Maria Manuela Alves Garcia

Pelotas, 2005
BANCA EXAMINADORA:

..........................................................................................................
Profa Dra Maria Manuela Alves Garcia (UFPel)

...........................................................................................................
Prof. Dr Mauro Grün (ULBRA)

...........................................................................................................
Prof. Dr Jarbas Santos Vieira (UFPel)
AGRADECIMENTOS

Como todo trabalho de pesquisa, este foi realizado a partir de um conjunto de idéias
e de contribuições. Sendo assim, contou com ajuda e cumplicidade de muitas
pessoas.

Inicio agradecendo a minha orientadora profa Dra Maria Manuela Alves Garcia que
aceitou, junto comigo, o desafio deste trabalho. Foram seu profissionalismo,
dedicação, paixão e entusiasmo pelas questões educacionais que me ajudaram a
conhecer este caminho de estudo. Sua incansável energia na garimpagem de textos
e livros para subsidiar meus estudos e a leitura crítica e atenta que fez de meus
textos foram de suma importância.

Aos demais orientandos da profa Manuela, Simone, Lourdes, Cátia, Leomar, Débora
e Marita agradeço pelo companheirismo e contribuições. Foram muito importantes e
produtivas as reuniões de orientação, a diversidade de idéias que dali derivaram
foram muito proveitosas.

A Simone Anadon, cuja amizade começou muito tímida, mas que, no decorrer do
curso, ganhou contornos de companheirismo e solidariedade. Dividimos risos,
dúvidas, ansiedades, e ganhamos uma a outra como verdadeiras amigas.

Agradeço de todo o coração aos professores e professoras que participaram deste


estudo, e que possibilitaram a realização deste trabalho.

As minhas amigas e companheiras do Centro de Estudos Ambientais (CEA), Cimara


Machado e Renata Schlee, fiéis defensoras e trabalhadoras da EA, agradeço pelo
incentivo, companheirismo, sugestões de textos e livros, e pela leitura critica deste
trabalho.

Ao Secretário Municipal de Qualidade Ambiental, Alexandre Melo, e a toda a sua


equipe por terem me possibilitado trabalhar como coordenadora de EA na SQA. Este
foi um trabalho muito gratificante durante o qual pude aprender muito e fazer muitas
amizades.

A CAPES pelo apoio financeiro, pois sem esse apoio não teria sido possível dedicar-
me exclusivamente a esse trabalho.

Ao Luiz, companheiro, amigo, principal incentivador em todas as fases deste


trabalho.

As minhas filhas Gabriele e Camila e ao meu filho Andrei pelo apoio e carinho
constantes.

Finalmente, não poderia esquecer de agradecer a Rita, secretaria do Mestrado, pelo


profissionalismo e dedicação com que realiza seu trabalho.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ANPED  Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação


CAVG  Conjunto Agrotécnico Visconde da Graça
CEA  Centro de Estudos Ambientais
CETESB  Companhia de Tecnologia e Saneamento Ambiental em São
Paulo
EA  Educação Ambiental
FBOMS  Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio
Ambiente e Desenvolvimento
FEEMA  Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente
MMA  Ministério do Meio Ambiente
ONG  Organização Não Governamental
PAUE  Projeto Adote Uma Escola
PCNs  Parâmetros Curriculares Nacionais
SANEP  Serviço Autônomo de Saneamento de Pelotas
SEMA  Secretaria Especial de Meio Ambiente
SME  Secretaria Municipal de Educação
SQA  Secretaria Municipal de Qualidade Ambiental
TT  Temas Transversais
UCPEL  Universidade Católica de Pelotas
UFPel  Universidade Federal de Pelotas
Não penso que seja necessário saber exatamente o que eu sou. O mais
interessante na vida e no trabalho é o que permite tornar-se algo de diferente do que
se era ao início. Se você soubesse ao começar um livro o que se ia dizer no final,
você crê que teria coragem de escrevê-lo? Isso que vale para a escrita e para uma
relação amorosa vale também para a vida. O jogo vale a pena na medida em que
não se sabe como vai terminar (FOUCAULT).
SUMÁRIO

RESUMO.....................................................................................................................9

APRESENTAÇÃO ....................................................................................................10

1 CAMINHOS DA INVESTIGAÇÃO .....................................................................16

1.1 Olhares Conceituais .....................................................................................16


1.1.1 Pós-estruturalismo – discurso, poder e sujeito........................................16
1.1.2 Pós-estruturalismo e currículo ................................................................21

1.2 O Processo Metodológico ...........................................................................25


1.2.1 Os sujeitos e as escolas..........................................................................25
1.2.2 Os Instrumentos de coleta de dados .......................................................33
1.2.3 A análise dos dados ................................................................................37

2 A EMERGÊNCIA DA QUESTÃO AMBIENTAL ................................................40

3 EDUCAÇÃO AMBIENTAL  CONSTRUÇÃO HISTÓRICO- POLÍTICA..........50

4 EA, PROCESSOS DE SIGNIFICAÇÃO E REPRESENTAÇÃO NA ESCOLA.57

4.1 EA, Temas Transversais ..............................................................................64

4.2 EA, Governo local e Escola .........................................................................69

5 EA E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS – IMPLICAÇÕES PRODUTIVAS ..............82

5.1 EA  um currículo Turístico .......................................................................82

5.2 EA  a pedagogia higienizadora e embelezadora da natureza .............108

5.3 EA e o esclarecimento das mentes  um desejo pedagógico ..............117

6 ALGUMAS PALAVRAS... ...............................................................................128

ABSTRACT.............................................................................................................131

REFERÊNCIAS.......................................................................................................132
RESUMO

Este trabalho enfoca a relação dos professores com a Educação Ambiental (EA). A
partir da análise de um conjunto de discursos que são utilizados por onze
professores de escolas municipais de Pelotas, mostro que as representações sobre
as práticas de EA desses professores têm efeitos produtivos nos espaço escolar.
Utilizo-me de uma perspectiva pós-estruturalista foucaultiana para argumentar que
os discursos dos professores e as condições que as escolas proporcionam à EA
produzem um tipo específico de EA. Esse tipo de EA orienta-se pela direção de um
currículo turístico, por práticas pedagógicas que reduzem a problemática ambiental a
procedimentos pontuais de embelezamento e limpeza do ambiente, e pelo desejo de
produzir um sujeito auto-reflexivo, autogovernado e consciente dos problemas
ambientais. Argumento, ainda, que as representações que os professores
produziram sobre a EA vêm sendo influenciadas por diferentes discursos que os
interpelam.
Palavras-chave: Educação Ambiental, currículo, discursos, professores
10

APRESENTAÇÃO

Este trabalho trata dos discursos e das práticas pedagógicas em Educação


Ambiental (EA)1 de onze professores de cinco escolas municipais de Pelotas/RS. A
justificativa principal para a escolha deste objeto de estudo deve-se à preocupação
com as condições em que a EA se desenvolve nas escolas e a crescente pressão
social que vem se dirigindo à escola para que esta inclua em seus currículos a
temática ambiental. Atualmente, embora se verifique esta pressão para que a escola
trate dos temas ambientais, ainda não se discutiu como isso acontece ou
acontecerá. Nas universidades, os cursos de formação de professores que tratam do
assunto apenas superficialmente; nas escolas básicas, os professores trabalham de
modo solitário, sem material didático ou bases teóricas que possam subsidiar suas
práticas educativas.

Essas inquietações não podem ser vistas senão relacionadas a minha


constituição e posição de sujeito diante de uma trajetória estudantil e profissional e
às necessidades sociais que a mim se apresentaram neste momento histórico. A
definição do objeto de estudo, as inferências e as análises que faço estão
imbricados neste olhar de um sujeito social constituído e produzido historicamente,
não podendo ser vistos senão diante dos modos como esse “eu” se constituiu.

A temática ambiental passou a fazer parte de meus interesses a partir de


necessidades acadêmicas. Foi no meu curso de graduação em Ciências Sociais que
me aproximei deste tema, primeiro quando passei a trabalhar como monitora de um
professor que se dedicava a estudar, entre outras coisas, as questões do meio
ambiente. Este trabalho me levou a fazer parte do grupo de pesquisa que estudava,
discutia e pesquisava os temas ambientais, e a realizar minha pesquisa de
conclusão de curso voltada aos questionamentos que surgiram neste grupo, estudar
e conhecer, em particular, a constituição do espaço ambiental em Pelotas.

1
No decorrer do texto estarei repetindo diversas vezes o termo Educação Ambiental, assim a partir
de agora opto por fazer isso através da sigla EA.
11

Entendíamos este espaço como de lutas e disputas em torno dos significados sobre
o ambiental.

Ao concluir meu curso de graduação, passei a estar em contato com o Centro


de Estudos Ambientais (CEA), Organização Não Governamental (ONG) da qual
passei a fazer parte, que desenvolve seus trabalhos com grande ênfase na
educação ambiental. Passei, assim, a participar de atividades e a desenvolver
trabalhos em conjunto com esta entidade. Em 2002 fui convidada a trabalhar na
Secretaria Municipal de Qualidade Ambiental de Pelotas (SQA), onde assumi a
coordenação de EA até final de 2003. Nesta trajetória, cada vez mais, fui dando
centralidade ao tema ambiental como preocupação de estudo.

Quando surgiu a oportunidade de fazer o Mestrado em Educação na


Faculdade de Educação da UFPel, resolvi estudar questões que, no meu trabalho
como coordenadora de EA, me vinham inquietando. Por exemplo, o trabalho na
Secretaria colocava-me em situações conflitantes sobre o âmbito das ações e os
objetivos da EA (que é EA, quais instrumentos para sua realização, em que ela se
difere dos modos como concebemos a educação atual, etc.). Isso porque, em muitos
momentos, eu não sabia se as ações que pretendíamos eram realmente eficientes e
se aquela era a melhor forma de fazê-las. Nossa visão dos problemas ambientais,
como gestores públicos, estava muito relacionada com questões de políticas
públicas para a gestão ambiental. A EA que realizávamos se pautava por palestras,
distribuição de material explicativo e informativo, cujos conteúdos se atinham aos
objetivos e práticas dos projetos desenvolvidos pela Secretaria, e aos
comportamentos tidos como corretos que os sujeitos deveriam desenvolver para
atuarem de modo considerado mais adequado diante dos problemas ambientais. Os
materiais que colocávamos em circulação remetiam-se a comportamentos como
separar o lixo, plantar árvores ou cuidar da água, do solo e do ar.

Muitos dos trabalhos e projetos da SQA realizavam-se com escolas, o que


me levou à preocupação sobre os modos com que EA acontecia nesse espaço.
Preocupava-me o desinteresse da maioria dos professores sobre a temática
ambiental (que, para mim, era de extrema importância e urgência), as atividades de
EA que esses professores realizavam nas escolas, as confusões apresentadas por
eles sobre o que é reciclagem e seletividade, as lutas de alguns professores para
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tentar fazer algo em suas escolas e, principalmente, passei a me questionar quanto


à relação entre a disciplina de Ciências e a EA  vistas quase sempre como muito
próximas  senão como a mesma coisa. Ao longo desse processo, eu mesma
ainda me construía como uma educadora ambiental e acreditava que a EA era algo
iluminador das mentes e que os professores não se haviam sensibilizado com a
temática ambiental, dificultando a introdução efetiva deste tema no meio escolar.
Constantemente, eu me via pensando no tipo de materiais, atividades e instrumentos
que deveria produzir e colocar à disposição dos professores para que, assim,
pudesse despertá-los, acordá-los para uma visão mais consciente das relações
entre seres humanos e a natureza.

A partir dessas questões busquei, no curso de mestrado, entender como a EA


acontece na escola. Apostei que, para entender os modos como a EA é pensada e
colocada em ação na escola, deveria escutar os professores e conhecer os
significados e representações que eles atribuem à EA. Foi com este objetivo que
organizei e desenvolvi este trabalho. Tratar destas questões foi, para mim, um
desafio doloroso porque adentrava em um campo novo e pouco explorado  a EA
na escola.

Praticamente ainda somos, no Brasil, muito carentes de produção intelectual


sobre a EA escolar. A produção teórica é muito dispersa e pouco sistematizada, o
que nos deixa poucas condições de diálogo. No que diz respeito às práticas
pedagógicas na escola e aos modos como elas acontecem, o caso é, ainda, mais
complexo  tive acesso a poucas obras e pesquisas que se preocupam com esta
questão.

As produções intelectuais que se têm dirigido à escola vêm centrando seus


estudos em duas perspectivas. Uma perspectiva pode ser exemplificada pelo
clássico manual de EA de Dias2. O autor desenvolve seus estudos a partir de uma
descrição cronológica e histórica da EA, em que problemas ambientais são vistos a
partir de uma perspectiva natural e evolucionista das relações dos seres humanos
com a natureza e a escola como um remédio para as transformações sociais dos

2
Trata-se do livro “Educação Ambiental  princípios e práticas”, de Genebaldo F. Dias que foi
publicado pela editora Gaia e vem sendo considerado, até hoje, como leitura obrigatória àqueles que
se interessam por EA.
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sujeitos ainda não esclarecidos sobre os problemas ambientais. A outra, a partir dos
estudos de CASCINO (2000), REIGOTA (1995), BRÜGGER (1994), GRÜN (2002),
CARVALHO (2002) que, embora de perspectivas diferentes, tratam de mostrar a
complexidade e as dificuldades que se colocam para o desenvolvimento da EA:
trajetória histórica, questões epistemológicas e éticas, representações a partir das
quais a EA é tratada, etc. Contudo, eles pouco levam em consideração as condições
e as práticas pedagógicas que acontecem na escola.

Para dar conta do objetivo a que me propus, entender e analisar como os


professores pensam e fazem a Educação Ambiental na escola, apoiei-me na idéia
de discurso de Foucault, principalmente naquilo que ele chamou de produtividade do
discurso, ou seja, o discurso como produtor de verdades sobre os objetos de que
trata. Pude, então, perceber os discursos, os conceitos, as representações e os
significados que os professores produziram sobre EA como artefatos pedagógicos
que produziram e instituíram as identidades da EA nas escolas. Porém, entender os
discursos nesta perspectiva levou-me, também, a perceber os sujeitos de modo
diferente daquele produzido, construído pelo Iluminismo: sujeito centrado, racional,
livre, soberano, auto-regulado. Passei a entender o sujeito como ele mesmo,
assujeitado pelo discurso, um sujeito que produz e é produzido por relações de
poder-saber em diferentes sociedades com seus contextos históricos e
necessidades. Assim, o sujeito não é uma essência, ele é derivado dos discursos,
das tecnologias de poder, das práticas sociais e discursivas.

Esse modo de ver os sujeitos e os discursos mostrou-me que o que acontece


nas escolas, as práticas pedagógicas de EA que são desenvolvidas pelos
professores entrevistados vêm sendo marcadas por discursos advindos de políticas
públicas da áreas da educação, como os Temas Transversais (TT) mas,
principalmente, por discursos que emergem de políticas públicas do governo
municipal local, na área de meio ambiente. Esses discursos vêm sendo subsídios
básicos para a produção, organização e manutenção de um tipo especial de EA
escolar.

No entanto, neste trabalho não estou preocupada em definir o “que é mesmo


EA” ou em sugerir como ela deve ou não acontecer nas escolas. Minhas
preocupações estão em descrever os discursos dos professores sobre a EA com o
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objetivo de mostrar que o modo como a EA é entendida pelos professores tem


efeitos produtivos no âmbito das escolas. Isto porque é a partir das representações
sobre EA que os professores possuem que são organizadas as práticas
pedagógicas nas escolas.

No primeiro capítulo, “Caminhos da investigação”, apresento o referencial


teórico escolhido para sustentação desta pesquisa e o processo metodológico: tipo
de pesquisa, a escolha dos sujeitos, os instrumentos de coleta dos dados e o
processo da análise de dados.

No segundo capitulo, “A emergência da questão ambiental”, apresento a


emergência do campo ambiental, para mostrar que esse é um campo social de lutas
onde diferentes grupos disputam, a partir de relações de poder, os significados e as
representações sobre o ambiental.

O terceiro capítulo, “Educação Ambiental  construção histórico-política”,


apresenta um mapeamento do histórico da EA e mostra como esse tema educativo
surgiu politicamente como uma estratégia que tem como objetivo produzir outras
representações, sentidos e relações entre os seres humanos e a natureza.

O quarto capítulo, “EA  processos de significação e representação na


escola”, é o primeiro capítulo que deriva da análise específica dessa pesquisa.
Mostro como dois discursos  TT e governo municipal local  a partir de um
processo constante de significação colocaram a disposição dos Professores um
conjunto de estratégias discursivas sobre os temas ambientais, os quais passaram a
ser subsídios para os trabalhos de EA que os professores realizam em suas escolas.
Assim, considerei que esses discursos marcaram e atravessaram as representações
que os professores produziram sobre EA.

No quinto capítulo, “EA e práticas pedagógicas – implicações produtivas”,


descrevo como, a partir de suas representações, os professores traduzem os
discursos sobre EA em práticas pedagógicas. Mostro que os professores, ao
entrarem em contato com certos discursos, fazem “coisas” com eles. Mostro que, a
a partir de um processo de transposição, esses discursos são misturados,
amarrados, relacionados com outros discursos, com os modos de ser dos
professores, suas experiências de formação e atuação profissional e com as
15

condições que se estabelecem nas escolas. Deste processo, surge um tipo


especifico de EA que se caracteriza pelo voluntarismo dos professores, por um
currículo turístico e por práticas que se resumem na compreensão de EA como
conscientizadora, higienizadora e embelezadora do ambiente.

Na última parte deste trabalho, que chamei de “Algumas palavras”, faço


algumas considerações acerca das minhas condições de pesquisadora e, também,
algumas considerações sobre a pesquisa.
16

1 CAMINHOS DA INVESTIGAÇÃO

1.1 Olhares Conceituais

As questões que me movem, os conceitos que utilizo e as relações que faço


neste trabalho dão pistas do campo teórico de que me aproximei e que me
auxiliaram na constituição de meu objeto de estudo. Basicamente, apoiei-me em
contribuições dos estudos pós-estruturalistas que nos últimos anos vêm
problematizando a questão do currículo e suas implicações produtivas. Essas
literaturas vêm sendo muito generosas conosco e têm nos oferecido um arcabouço
de produção realmente importante.

1.1.1 Pós-estruturalismo – discurso, poder e sujeito

Entre os estudos sobre pós-estruturalismo, alguns me deram boas pistas para


que pudesse tratar deste trabalho; particularmente, FOUCAULT (2004), PETERS
(2000) e HALL (1997 e 2003). Limitar-me-ei a descrever, neste momento, como me
apropriei destes novos modos de olhar as relações sociais e educacionais a partir
dos interesses que tive na construção e no desenvolvimento do meu trabalho.

É na condição de questionamento aos pressupostos e desejos do


Estruturalismo que o Pós-estruturalismo, como movimento3 de contestação, começa
a surgir não com o desejo de romper ou negar o estruturalismo, mas de ampliar e
modificar o que estava colocado. O estruturalismo foi um movimento teórico que
surgiu nos anos de 1950 e que se inspirava nos estudos do lingüista Ferdinand
Saussure. Segundo Peters (2000), Saussure acreditava que a língua se
caracterizava pelas relações que seus elementos estabeleciam entre si ou melhor,

3
Segundo Peters (2002), “o pós-estruturalismo não pode ser visto simplesmente reduzido a um
conjunto de pressupostos compartilhados, a um método, a uma teoria ou até mesmo a uma escola. É
melhor referir-se a ele como um “movimento de pensamento”  complexa rede de pensamento 
que corporifica diferentes formas de prática crítica. O pós-estruturalismo é, decididamente,
interdisciplinar, apresentando-se por meio de muitas e diferentes correntes. (p. 29)”
17

por sua estrutura que se definia por relações de diferença. A lingüística saussureana
propunha o estudo da língua como sistema que obedecia a certas regras de
funcionamento interno, neste sistema haveria uma diferença entre língua e fala.
Nesta perspectiva, a língua é a estrutura formal que governa os eventos da fala, ela
não se modifica.

A fala, por sua vez, é o elemento que sofre modificações diante das relações
e possibilidades determinadas pela estrutura. A linguagem é um sistema de signos
formado por significante (forma) e significado (conceito) que sincronicamente se
relacionam. Esses signos somente adquirem significação diante das diferenças que
estabelecem entre si. Por exemplo, a palavra mesa somente adquire significado
quando se estabelece num sistema de diferenças no qual mesa não é cadeira, ou
armário. A palavra mesa não possui uma origem ou natureza própria, ao contrário,
ela surge diante de um processo funcional de diferença no interior dos sistemas
(Peters, 2000).

O mesmo acontece, segundo os estruturalistas, com o sujeito e com suas


identidades. Somente sabemos quem somos diante das relações de diferença com
outras identidades: sou eu porque não sou minha irmã, minha vizinha; sou branca
porque não sou negra, amarela ou parda; sou mulher porque não sou homem e
assim por diante.

O que os estruturalistas dos anos de 1950/60 fizeram foi tomar essa idéia de
estrutura da língua desenvolvida por Saussure para explicar o mundo social em
todos os seus aspectos, dando origem a ciência geral dos signos (Semiologia).
“Assim, a Semiologia analisa como se fossem um conjunto estrutural de regras  ou
códigos  fenômenos tão diversos quanto a moda, a culinária, o cinema, a
fotografia, a publicidade e o metrô”. (SILVA, 2000, p.54)

Os pós-estruturalistas duvidaram da existência de estruturas internas, fixas e


universais capazes de explicar tanto a cultura como a mente humana (PETERS,
2000) e dos métodos cientificistas, racionalistas e realistas utilizados para chegar a
essas explicações, colocando em xeque esses pressupostos. O pós-estruturalismo
“mantém a ênfase estruturalista nos processos lingüísticos e discursivos, [mas]
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desloca a preocupação estruturalista com estruturas e processos fixos e rígidos de


significação” (SILVA, 2000, p.92).

Na perspectiva pós-estruturalista os significados são produzidos, são


produtos de lutas e disputas que se dão em torno de significados ideais para as
condutas humanas. Eles nunca são fixos ou rígidos; ao contrário, são, a todo o
momento, deslocados, transformados, reorientados, adaptados, traduzidos; portanto,
são incertos e instáveis. As preocupações pós-estruturalistas tratam, assim, menos
de perguntar sobre “o que e por que” as coisas acontecem e, mais, sobre “como” as
coisas são construídas por meio de processos de significação.

Seguindo essa direção, construí o objeto deste estudo, partindo da idéia de


que a linguagem e os discursos produzem os significados, as verdades e as
representações que pautam nossas ações e comportamentos no mundo. Os sujeitos
(e tudo o mais) são constituídos de práticas e relações lingüísticas e discursivas, o
mundo social é constituído na linguagem e pela linguagem que nos precede.
Portanto, não existe, como pensávamos em outras perspectivas de estudo, uma
realidade pré-existente que necessita ser desvelada, descoberta; a própria realidade
é construída mediante processos de significação4; o real é uma invenção, é um
imaginário. “O significado surge não das coisas em si  a realidade  mas, a partir
dos jogos da linguagem e dos sistemas de classificação nos quais as coisas são
inseridas. O que consideramos fatos naturais, são, portanto, também fenômenos
discursivos” (HALL, 1997, p. 29).

Assim, não existe uma essência verdadeira, metafísica e transcendental, um


núcleo, uma natureza a ser buscada, recuperada em nossas investigações. As
verdades estão aqui e agora nas práticas, nos discursos e nos sujeitos. Como
sugere Foucault (1988), não precisamos procurar as verdades em tempos
longínquos, a verdade é deste mundo.

Nesta perspectiva, o conceito de discurso como “o conjunto de enunciados


que se apóia em um mesmo sistema de formação discursiva” (FOUCAULT, 2004, p.

4
Processo social através do qual se produzem significados. Trata-se de um conceito central nos
Estudos Culturais de inspiração pós-estruturalista, na medida em que a cultura é concebida
essencialmente como um campo de luta em torno da produção de significados. (SILVA, 2000)
19

121 e 132) é central neste trabalho, principalmente em dois aspectos: como produto
de relações de poder-saber que definem as regras, as normas, os significados e as
representações que os discursos podem mobilizar ou não; e, também, pelos seus
efeitos produtivos, ou seja, os discursos como práticas5 que “fabricam”
sistematicamente sujeitos, identidades e representações com as quais passamos a
agir social e politicamente. Porém, é necessário salientar que os discursos
obedecem a certas regras, regularidades e processos de dispersão que lhe são
muito próprios, assim não se resumem a frases, palavras ou signos que designam
ou nomeiam as “coisas”. Os discursos fazem muito mais do que nomear algo, eles
instituem, eles produzem as coisas e os objetos a partir de relações de poder, das
tecnologias, das táticas e estratégias que colocam em ação.

Quando desejei entender as representações e os significados que os


professores atribuem à EA, o que fiz foi interpretar suas ações como resultado de
conjuntos discursivos que, em determinado tempo e condições, deram centralidade
ao ambiental como um problema social e cultural. Isso porque as verdades são
históricas e políticas e se dão mediante relações de poder que possibilitam sua
existência (Corazza e Tadeu, 2003). O ambiental como problema foi fabricado,
inventado, construído a partir do conhecimento das ciências, de interesses de
grupos e indivíduos e de necessidades sociais que emergiram e que deram origem a
um campo específico. Assim, o que os professores dizem sobre EA somente pode
ter sentido se for compreendido no interior das formações discursivas que
constituem esse campo ambiental e no jogo com outras palavras e outras relações
sociais. Por formação discursiva entendo “o princípio de repartição e de dispersão
dos enunciados” (Foucault, 2004). São esses princípios que definem o que pode ou
não ser dito num determinado campo social. Quando os professores falam sobre EA
eles o fazem a partir de conceitos, representações e significados que pertencem e
são acionados pelo campo ambiental.

Seguindo essa perspectiva é necessário estabelecer que a noção de poder


também se desloca daquela idéia de um poder que se realiza a partir de formas de
“violência” sobre os indivíduos. Um poder que distorce, reprime, mistifica e domina e

5
Práticas discursivas: “é um conjunto de regras anônimas, históricas, sempre determinadas no tempo
e no espaço que definiram, em uma dada época e para uma determinada área social, econômica,
geográfica ou linguística, as condições de exercício da função enunciativa” (Foucault, 2004, p.133).
20

que está localizado num lugar específico, como o Estado, por exemplo. Foucault
(1988), chamou a atenção para o sentido positivo do poder. Para esse filósofo, o
poder constitui, produz, cria identidades e subjetividades; o poder assume uma
condição de positividade na produção do real e seus significados. Falar em relações
de poder, nesta perspectiva, não é negar a existência de relações entre diferentes
posições e diferentes sujeitos. Mas é preciso compreender que o poder se exerce
no sentido do governo das condutas6 e dos comportamentos humanos e não no
sentido do afrontamento e da violência, isto porque se desenvolve entre sujeitos
livres (Foucault,1990). “O poder possui uma eficácia produtiva, uma riqueza
estratégica, uma positividade. E é, justamente, esse aspecto que explica o fato de
que tem como alvo o corpo humano, não para supliciá-lo, mutilá-lo, mas para
aprimorá-lo, adestrá-lo” (FOUCAULT, 1988, p. XVI).

É importante também ressaltar que o poder não está centrado num lugar,nem
é propriedade de alguém em particular. O poder está em todos os lugares, em todas
as relações entre sujeitos ou grupos; é ação de uns sobre os outros visando
determinados objetivos ou resultados.

Creio ser importante ressaltar que, quando falo de sujeito neste estudo, estou
falando não mais do sujeito preconizado pelo pensamento Iluminista: centrado,
soberano, auto-reflexivo, unificado e dotado das capacidades da razão, da
consciência e da ação. O sujeito ao qual me remeto não é uma unidade, uma
origem, o centro de onde derivam todas as ações; ao contrário, remeto-me a um tipo
de sujeito que é

efeito da linguagem. O sujeito é um efeito do discurso. O sujeito


é um efeito do texto. O sujeito é um efeito da gramática. O
sujeito é o efeito de uma ilusão. O sujeito é o efeito de uma
interpelação. O sujeito é o efeito da enunciação. O sujeito é o
efeito dos processos de subjetivação. O sujeito é o efeito dos
processos de endereçamento. O sujeito é o efeito de um
posicionamento. O sujeito é o efeito da história. O sujeito é o

6
“O termo “governo” foi utilizado por Foucault com múltiplos sentidos. Em geral, utilizou-o para se
referir a uma forma de atividade que tem por objetivo moldar, guiar ou afetar a conduta de alguma
pessoa ou de grupos de pessoas, incluindo o governo de si próprio. É a arte de bem dispor as coisas
e as pessoas de modo a conduzi-las a fins convenientes a cada uma das coisas a governar. Governo
é então uma atividade que pode dizer respeito a: 1) à relação do eu com o próprio eu; 2) às relações
interpessoais que envolvem alguma forma de controle ou direcionamento; 3) às relações no interior
da instituições sociais e comunidades; 4) às relações referentes ao exercício da soberania política
(Gordan, citado por Garcia, 2001, p 35).
21

efeito da différance. O sujeito é uma derivada. O sujeito é uma


ficção. O sujeito é um efeito. (CORAZZA E TADEU, 2003, p.11)

Como colocam Corazza e Tadeu, o sujeito é o efeito das mais diferentes


práticas de assujeitamento. Porém, não é um sujeito receptor, marcado, imóvel que
está ali à espera de um significado para sair funcionando, uma máquina; o sujeito é
parte dos processos de significação, ele também os produz no interior das relações
sociais nas quais está implicado. Para entendermos esse sujeito, temos que
entendê-lo como produzindo e sendo produzido pelos processos de significação. As
leis, as regras, as normas são produzidas por sujeitos, entre sujeitos, e eles
conduzem suas práticas e comportamentos a partir delas. Quando os professores
estudados falam e agem estão colocando em funcionamento uma série de
representações e significados que os produziram durante suas vidas a partir das
diferentes funções e posições que ocuparam ou ocupam na sociedade.

1.1.2 Pós-estruturalismo e currículo

Como este trabalho trata da EA como um saber ou conhecimento


escolarizado, é importante resgatar algumas contribuições da perspectiva pós-
estruturalista sobre as questões do currículo. Segundo estes estudos, as
experiências cognitivas e afetivas que se corporificam no currículo asseguram o
sentido da intimidade estreita entre educação e identidade social, entre
escolarização e subjetividade; constituindo-se o currículo no núcleo do processo
institucionalizado de educação (SILVA, 1996).

Sendo assim, creio que fica claro que quando se trata de escola é impossível
não levar em consideração as questões curriculares. Desde já, quero dizer que na
perspectiva que sigo neste trabalho entendo o currículo como o conjunto de todas as
experiências de conhecimento que a escola proporciona aos estudantes (Silva,
1996), seja em seu caráter escrito de conteúdos, de disciplinas, dos valores e
conceitos, seja nas experiências vividas na prática cotidiana das salas de aula ou
nos corredores das escolas.

Nesta perspectiva sobre o currículo, abordada pelo pós-estruturalismo, que


segue o caminho dos estudos foucaultianos, apoiei-me, principalmente, em
22

categorias que enfatizam o currículo como política cultural, como política de


representação e como prática discursiva. Categorias que rompem com idéias
conservadoras sobre o currículo, ou seja, com concepções de currículo como grade,
lista ou repertório de conhecimentos fixos, naturais e desinteressados que devem
ser transmitidos aos alunos.

Na perspectiva que aqui adoto, não há neutralidade nem desinteresse na


seleção e materialização de saberes e conhecimentos que são organizados na
escola; tampouco o currículo é um conjunto de conhecimentos que simplesmente
aparece nos textos curriculares. O currículo é, antes de tudo, uma fabricação social
caracterizada por um processo social de concorrência entre diferentes interesses
que objetivam produzir conhecimentos sociais e culturalmente válidos (SILVA, 2003).

Tudo o que acontece na escola envolve meios e métodos de produzir e


“construir significados, reforçar e conformar interesses sociais, formas de poder, de
experiência, que têm sempre um significado cultural e político” (SANTOMÉ, 1995, p.
166). O currículo é instância de política cultural, um local de conflito e disputa para
se definirem aspectos da cultura considerados mais ou menos importantes, certos
ou errados, bons ou ruins, normais ou anormais, para a socialização das novas
gerações.

Nesta perspectiva de estudo, a cultura é compreendida não como um produto,


algo pronto e fixo, a ser transferido aos alunos ou listado de forma pura nos
currículos escritos. A cultura é entendida “como campo de luta entre os diferentes
grupos sociais em torno da significação. A educação e o currículo são vistos como
campos de conflito em torno de duas dimensões centrais da cultura: o conhecimento
e a identidade” (SILVA, 2000, p. 32).

Ao selecionar os aspectos das culturas e determinar os conteúdos mais ou


menos importantes, o currículo produz o social, os sujeitos e os modos como estes
agem em sociedade. Assim, o currículo é um espaço especial de produção e
governo das subjetividades, de sua adaptação e acomodação a partir de tecnologias
que ditam, promovem, facilitam e fomentam quais são os atributos de um sujeito
ideal. Os currículos escolares, através das disciplinas e das narrativas que colocam
em ação, definem comportamentos e atitudes, impõem conceitos e representações
23

de bom e mau, feio e belo, certo e errado, e ao fazer isso dividem, hierarquizam,
posicionam, julgam e disciplinam o que é mais ou menos importante para ser
ensinado nas escolas. Deste ponto de vista, é impossível pensar o currículo e a
cultura sem concebê-los como envolvidos em relações de poder que produzem e
estruturam o eventual campo de ação dos outros (Foucault, 1995) e dos sujeitos
sobre si próprios.

Sendo a educação escolar um dos artefatos culturais e sociais com propósitos


de regulação e governo da conduta humana, o currículo é o nexo, é o local onde isto
se produz e se reproduz. Assim, tratar do currículo e da sua organização levou-me a
perceber que currículos não são apenas planejamentos dos conhecimentos a serem
transmitidos num dado período de tempo aos educandos através de determinadas
práticas pedagógicas. Mas, ao contrário, ao se organizarem os conhecimentos
escolares e as experiências de ensino, ao serem selecionadas partes da cultura para
serem incluídas nos currículos escolares, estamos priorizando algumas coisas e
excluindo outras. Priorizando alguma cultura, alguns grupos e silenciando outros
tantos.

Por exemplo, o discurso capitalista neoliberal que marca nossos currículos


escolares tem priorizado uma concepção de currículo na qual imperam discursos e
conhecimentos que se pautam pela concepção de uma cultura branca, machista,
urbana de classe média. As demais culturas (negras, índias, mulheres, pobres) são
ensinadas a se tornarem iguais a esse padrão de cultura. As crianças negras ou
índias que chegam nas escolas aprendem a ser brancas, a viver como os brancos,
aprendem seus costumes e seus comportamentos, entram num processo contínuo,
hierarquizado, temporalizado de negação de suas culturas. Isso leva à compreensão
de que o currículo é, também, prática discursiva, ou seja, que o currículo a partir das
tecnologias que utiliza (disciplinas, conteúdos, experiências que realiza), fornece a
linguagem, os valores, os conceitos e as categorias com que produzimos nossos
modos de agir e conceber as “coisas” no mundo.

Mas se o currículo é política cultural, é, também, política de representação; ou


seja, é luta por definir e representar certas concepções de conhecimento e de cultura
com intenção de produzir sujeitos e condutas específicas. Penso representação
como construção discursiva de certos significados, valores, comportamentos,
24

critérios de verdades, validades e legitimidades que se realizam diante de relações


de poder, porque representar está relacionado com poder ou, nas palavras de Costa
(2003),

Representar é produzir significados segundo um regime ditado


por relações de força no qual grupos mais poderosos  seja
pela posição política ou geográfica que ocupam, seja pela
língua que falam, [seja pela função que ocupa], seja pelas
riquezas materiais ou simbólicas que concentram e distribuem,
ou por alguma outra prerrogativa  atribuem significados aos
mais fracos e, além disso, impõem a estes seus significados
sobre os outros grupos. (p 42)

Posso concluir que, quem tem o poder de representar tem o poder de


estruturar ações sociais e de produzir as verdades do mundo social, econômico e
político e de produzir os sujeitos necessários para que estas verdades sejam
colocadas em ação. O currículo é um espaço de lutas e conflitos que se acionam em
torno dos diferentes significados sobre o social e o político. Nesse espaço, grupos
expressam, através dos saberes e dos discursos disciplinares, sua visão de mundo,
seu projeto social e sua verdade sobre as coisas instituindo os objetos de que falam,
e os sujeitos que interpelam (SILVA, 1999). Portanto, o currículo, seus discursos e
narrativas definem papéis, autorizam e desautorizam determinadas representações
do mundo, hierarquizam conhecimentos, valorizam certos sujeitos, temas, grupos
sociais e suas formas de vida e excluem outros tantos.

O que está em jogo no entendimento do currículo como representação é a


definição daquilo que conta como real e como conhecimento. É esse jogo que torna
o currículo um território contestado, um objeto de disputa (SILVA, 1999).
Representar é tentar, através de diferentes estratégias, táticas e instrumentos, tornar
real, verdadeiro e fixo, um conjunto de significados específicos. Isso pode ser
observado, atualmente, diante das constantes reivindicações de grupos e
movimentos sociais por impor e conquistar a inclusão de suas culturas nos currículos
escolares: educação ambiental, educação para o trânsito, educação previdenciária,
educação sexual, estudos sobre grupos étnicos, estudos sobre a mulher e tantos
outros.
25

1.2 O Processo Metodológico

Este trabalho segue uma perspectiva de pesquisa de cunho qualitativo onde


problematizo os discursos dos professores acerca da EA. Assim defini o enfoque
metodológico porque, aqui, estarei trabalhando com discursos, representações e
significados produzidos no interior de relações de poder entre sujeitos. O próprio
objetivo do trabalho, que visa entender como os professores pensam e como fazem
EA na escola, aponta para esse tipo de pesquisa que exige interação, observação e
negociação entre sujeitos.

Concordo com Bogdan e Biklen (1994) quando colocam algumas


características fundamentais das pesquisas qualitativas: o investigador é um
instrumento principal; a investigação qualitativa é descritiva (os dados são recolhidos
em forma de palavras ou imagem e não de números); os interesses de pesquisa
dizem respeito mais ao processo do que ao resultado ou produtos; os dados são
analisados de modo indutivo e não de modo a confirmar hipóteses levantadas
antecipadamente; os significados têm importância vital (como diferentes pessoas
dão sentidos a suas vidas), posto que se encontram nos discursos, nas palavras,
nos comportamentos, nos gestos e nas práticas dos próprios indivíduos.

1.2.1 Os sujeitos e as escolas

No início deste trabalho, colocavam-se, para mim, duas importantes


perguntas: Quem serão os sujeitos da minha pesquisa? Com que critérios fazer esta
escolha?

Parecia claro que, para me aproximar de meus objetivos, necessitava


trabalhar com professores que estivessem envolvidos com práticas de EA nas
escolas. Inicialmente, havia-me proposto a fazer um estudo de caso e centrar meu
trabalho em apenas uma escola. Porém, considerei que um estudo com esse limite
não me daria instrumentos suficientes para analisar como a EA é entendida nos
ambientes escolares; teria, apenas, a visão daquela escola escolhida e de seus
professores.
26

Deste modo, achei pertinente estudar escolas de diferentes regiões da


cidade de Pelotas e ouvir as falas de vários professores. Naquele momento, eu
imaginava que, talvez, a posição geográfica destas escolas pudesse ser um fator
importante para o desenvolvimento das atividades de EA. Isto porque Pelotas é
uma cidade com uma paisagem natural bastante interessante: praias, açudes,
banhados, áreas verdes, praças os quais enfrentam os mais variados problemas de
agressão, descuido, poluição e devastação.

O município de Pelotas possui uma população de 323.1587 habitantes, está


localizado no litoral sul do Rio Grande do Sul às margens do Canal São Gonçalo.
Seu sistema hídrico é formado pelo Arroio Pelotas, Canal São Gonçalo e Lagoa dos
Patos, considerada a maior lagoa de água doce do mundo. O Canal São Gonçalo é
navegável em toda a sua extensão e liga as Lagoas dos Patos e Mirim. Esta última é
um importante reservatório de água doce. A maioria da população de Pelotas vive
na zona urbana (93,17%) e, apenas 6,838 na zona rural. Deste modo, Pelotas pode
ser considerada uma cidade cada vez mais urbana.

Os impactos ambientais em Pelotas são bastante preocupantes. A cidade


está abaixo do nível de área verde indicado pela Organização Mundial de Saúde
(OMS). A produção de resíduos sólidos vem crescendo de modo assustador: são
mais de 300t diárias9 e o município não possui mais local adequado para fazer a
deposição destes materiais.

Aumentaram, também, os problemas com poluição visual e sonora; a praia do


Laranjal (beleza natural da cidade) está poluída, o que afugentou boa parte dos seus
moradores e turistas. No campo, predominam as propriedades rurais que se
destinam à produção de arroz. O uso intenso de agrotóxicos e os modos de manejo
dos tipos de produção afetam os rios e banhados, modificando a paisagem natural.

Outro fator importante é a questão do planejamento urbano. O município


cresceu de forma desordenada e sem planejamento adequado; muitos são os
loteamentos irregulares que se localizaram em áreas como banhados e margens de
rios, o que vem, em conjunto com a grande quantidade de lixo jogada nas ruas,

7
Dados do IBGE censo demográfico 2000
8
Dados da Prefeitura Municipal de Pelotas (2004)
9
Dados do Relatório Anual de Impacto Ambiental Prefeitura de Pelotas (RAMB) do ano de 2002
27

dificultar, por exemplo, o escoamento da água em dias de chuva. O sistema de


esgoto de Pelotas é precário e, em locais como a praia do Laranjal, os dejetos
humanos em boa quantidade acabam indo, de alguma forma, parar na Lagoa dos
Patos. Em muitos locais da periferia do município, a população vive em condições de
extrema pobreza, vivendo próximos de verdadeiros banheiros a céu aberto.

Considerando as particularidades do município e a diversidade de problemas


ambientais de cada região, resolvi escolher para fazer parte desta pesquisa cinco
escolas de diferentes regiões do município10. Eu acreditava, neste momento, que
esses fatores ambientais da cidade poderiam influenciar os modos como a EA era
pensada e realizada nas escolas. O que não se confirmou com a análise dos dados.

Assim, a escolha das escolas deu-se a partir de uma lista11 de escolas que se
envolveram em projetos organizados pela SQA. Através desta lista, pude mapear
escolas com projetos de EA e pude observar que a maioria das escolas era
constituída de escolas municipais, o que me levou a considerar importante fazer
este estudo com estas escolas. Outro fator que, também, levou-me a fazer esta
opção foi a preocupação da Secretaria Municipal de Educação (SME) em investir de
modo especial na formação de professores das escolas municipais, inclusive
oferecendo, a partir de 2003, cursos e atividades de EA.

Como, em Pelotas, as escolas que se envolvem com EA ainda são poucas,


não foi difícil fazer esta escolha por regiões, visto que apenas em duas regiões havia
mais de uma escola com projetos de EA. Onde isso aconteceu, utilizei-me do critério
de data de início do projeto e selecionei a escola que desenvolvia suas atividades há
mais tempo.

A escolha dos professores no interior da escola se deu com base numa


característica específica, que eu conhecia, que é a de ter um professor coordenador

10
Utilizei-me da divisão geográfica adotada pela Prefeitura Municipal de Pelotas que consta de sete
regiões (Áreal, Porto-Varzea, Centro, Fragata, Zona Rural, Laranjal, Três Vendas).
11
Também tentei mapear, através de um questionário, o número exato de escolas com projetos de
EA no município, porém depois de duas tentativas, em que apenas duas escolas retornaram os
questionários, acabei desistindo da idéia de utilizar este instrumento de pesquisa e utilizei a lista da
SQA. O questionário foi enviado por duas vezes pela SME e deveria ser respondido apenas pelos
diretores ou coordenadores pedagógicos. O instrumento estava constituído de cinco questões abertas
que se resumiam em saber se a escola possuía projetos de EA, quais eram, quem participava, como
eram organizados e quem era responsável por esses projetos.
28

para os projetos de EA. Centrei meu trabalho na entrevista com esses professores e,
diante de algumas dúvidas que surgiram, também solicitei que esses coordenadores
sugerissem um ou dois professores que desenvolvessem atividades ligadas aos
temas ambientais para serem entrevistados.

As escolas pertencem a cinco regiões urbanas do município (Praia, Areal,


Fragata, Três Vendas e Porto)12, são escolas públicas, empobrecidas, funcionam em
prédios pequenos com estruturas precárias. Um cenário muito conhecido por todos
nós.

Foram em número de onze os sujeitos que participaram deste trabalho, cinco


coordenadores de projetos de EA e seis professores por eles sugeridos. Dos
coordenadores, os entrevistados foram os seguintes: uma pedagoga com
Especialização em Educação Popular, que é coordenadora pedagógica da escola
(esta é a única escola onde a EA não tem um coordenador específico); duas
biólogas, sendo uma com Especialização no curso “Promoção da Saúde”13; uma
geógrafa com Especialização em Ecologia (UCPel); e um professor com graduação
em agricultura (Esquema dois UFPel) e especialista em Metodologia do Ensino, que
desenvolve exclusivamente projetos de EA na sua escola. Dos professores que
foram sugeridos pelos coordenadores como professores que mais participam de
projetos de EA nas escolas, participaram duas pedagogas, uma professora de
Português, uma professora de Educação Física, um geógrafo e uma professora de
Ciências (Licenciatura curta em Ciências e Matemática) que faz Especialização na
Faculdade de Educação da UFPel na área de Ciências.

Estes professores estão na faixa etária de quarenta anos, trabalham em torno


de quarenta horas semanais, dividindo-se entre escolas do Município e do Estado.
Uma das professoras trabalha sessenta horas dividindo seus horários em duas

12
Algumas regiões ficaram fora da pesquisa: a Zona rural devido as minhas dificuldades de acesso
às escolas que trabalham com EA e a zona do centro porque não havia, no momento, nenhuma
escola municipal desenvolvendo projetos de EA.
13
Esse é um curso, segundo a professora, oferecido todos os anos pela Escola Superior de
Educação Física (UFPel). Neste curso são desenvolvidos vários estudos na área da saúde pública.
Essa professora desenvolveu um projeto sobre seletividade de lixo, no qual pesquisou as
expectativas dos moradores do entorno da escola em relação à coleta seletiva realizada em Pelotas.
29

escolas que se localizam em pontos bem distantes do município. Farei uma breve
apresentação destes professores.

Professores14 coordenadores dos projetos nas escolas estudadas:

Professora Elaine15:

Tem 38 anos, sua carga horária de trabalho é de 40 horas, é pedagoga com


Especialização em Educação Popular. Foi professora alfabetizadora desde o início
de sua carreira de magistério e, segundo disse, devido às condições de vida,
particularmente às profissionais, somente conseguiu concluir o curso de pedagogia
no ano de 2001, porque a UFPel proporcionou esse curso no horário noturno.
Atualmente, ocupa a função de coordenadora pedagógica, sendo responsável pelos
projetos da escola, inclusive os de EA. A professora entende a EA como ação
conscientizadora e considera que a escola enfrenta um desafio para efetivar a EA,
visto que os professores não estão preparados para tratar dessa questão.

Professora Ana:

É graduada em Biologia, com habilitação em Ciências. Trabalha 40 horas


entre uma escola do Município e uma do Estado onde dá aulas de Ciências para
turmas de 4a e 5a séries. É considerada coordenadora de EA nestas escolas.
Atualmente, na escola do município, conseguiu dispensa de oito horas para tratar
dos projetos de EA; porém, neste horário, está trabalhando com uma turma de
alunos (projetos com sucatas) vinculada ao projeto bolsa-escola  esses alunos
precisam estar ligados a um projeto sóciocultural para receberem o auxílio
financeiro do projeto16. Essa professora considera que a escolha do curso de
graduação e a sua relação com as questões ambientais se devem ao fato dela ser

14
Embora participem, desta investigação, sujeitos do sexo masculino e feminino, fiz a opção de
utilizar o termo professores para me dirigir a ambos. Essa escolha se deve ao fato de entender que,
por ser um texto extenso, a marca de gênero e sua constante repetição pode tornar-se cansativa aos
leitores.
15
Conforme combinado com os professores e professoras não citarei os nomes das escolas e seus
nomes serão fictícios.
16
Observa-se a posição desprestigiada da EA na escola. Algo parecido acontece em outra escola
quando os alunos que não fazem educação religiosa são enviados a aulas de EA para completarem a
carga horária.
30

filha de agricultores e de ter vivido parte de sua vida no campo, ligada à natureza
(plantas, animais...).

Professor José:

É graduado em Agricultura e com Especialização em Metodologia do Ensino,


trabalha 40 horas entre Município e Estado e, por muitos anos, foi professor de
Técnicas Agrícolas. Com a extinção desta disciplina dos currículos ele ficou sem
função na escola, passando, então, a coordenar os projetos de EA que acontecem
com alunos voluntários em turno diferente do das aulas regulares. Sua origem rural e
o internato no CAVG17 no curso de agropecuária seriam as razões pelas quais ele se
interessa pelas questões da natureza.

Professora Cleusa:

É coordenadora de EA na escola, licenciada em Biologia com Especialização


em Promoção da Saúde pela Escola Superior de Educação Física (UFPel). Trabalha
20 horas com 4a e 5a séries, nas quais ministra a disciplina de Ciências e
complementa a carga horária com Matemática. Para ela, EA é “conscientização[..]
é dizer o que é certo e o que é errado, é mostrar, na prática, os problemas
ambientais”.

Professora Verônica:

Verônica comentou que a escolha de sua formação profissional, tanto na


graduação no curso de Estudos Sociais  habilitação em Geografia  quanto na
Especialização, quando optou pelo curso de Ecologia Urbana, deve-se ao seu gosto
pela natureza. Ela trabalha 20 horas no Estado, 12 no Município e 8 numa escola
particular, com turmas de 5a séries, e tem-se dedicado aos projetos de EA na escola
pesquisada. Neste momento, ocupa o cargo de coordenadora de EA na escola,
estando dispensada, oficialmente pela SME, das atividades de sala de aula todas as
tardes para tratar dos projetos referentes às questões ambientais.

17
Conjunto Agrotécnico Visconde da Graça
31

Professores que mais se envolveram com os projetos desenvolvidos na


escola:

Professor Cleber:

É licenciado em Geografia. Trabalha na escola há pouco mais de um ano e


tem participado de encontros e atividades que se dirigem às questões ambientais no
município. Ele declara que isso somente é possível porque a escola tem tradição nos
trabalhos sobre EA e entende que os professores necessitam estar sempre se
qualificando. Assim, ele salientou que a liberação dele e de outros professores para
participar de eventos que se dirigem às questões ambientais vem sendo muito
importante para o desenvolvimento da EA na escola. O professor é citado pela
professora Elaine, coordenadora de EA da mesma escola, como o professor que
mais tem conseguido trabalhar a EA na escola. Para ela, esse professor consegue
relacionar os temas ambientais com os problemas sociais de modo mais “profundo”.

Professora Cátia:

A professora Cátia tem formação em Educação Física e Especialização nesta


mesma área. Lamenta que em sua formação nunca tenha tido a possibilidade de
estudar os temas ambientais. A professora trabalha há 22 anos no magistério e diz
estar muito decepcionada com a profissão e que não vem participando de mais nada
em termos de qualificação de professores porque acha que nada irá se modificar.
Ela diz que prefere viver somente para o mundo da escola onde desenvolve seu
trabalho. Quanto à EA, ela afirma que quem entende do assunto é a professora
Cleusa e que se essa professora propor que ela lhe ajude, ela o faz; do contrário,
não se envolve com essa questão.

Professora Maria:

Tem 46 anos. É pedagoga desde 2001 e trabalha 40 horas com 2a e 3a


séries. A professora disse nem saber exatamente o que é EA, mas salientou que
sabe que existem problemas graves no meio ambiente, e, segundo ela, é preciso
fazer algumas coisa por nós e pelo futuro do planeta.
32

Professora Érica:

Érica tem 43 anos. É pedagoga, trabalha 40 horas nesta escola e está no


magistério há 24 anos. Atualmente vem realizando seu trabalho com 4a séries e
com a disciplina de Português. Ela comentou que se sente muito feliz sendo
professora. A professora elogiou os trabalhos da professora coordenadora de EA
(Verônica), e que se esforça para ajudá-la quando é solicitado, mas disse que é
muito difícil realizar os trabalhos de EA porque não se sente preparada e porque já
tem toda uma estrutura de conteúdos, sendo difícil fazer mais alguma coisa.

Professora Rose:

Tem formação em Licenciatura curta de Ciências e Matemática e atualmente


está fazendo Especialização na FAE (UFPel) na linha de pesquisa de Ciências. Na
escola trabalha 40 horas e ministra disciplinas de Matemática e Ciências. Ela
salienta que a sua escola está bastante envolvida em projetos de EA, mas que ela
tem muitas dificuldades com esse tema, principalmente na disciplina de Matemática.
Ela disse que EA é conscientização dos alunos, mas também comentou que não
sabe como isso deve acontecer. A professora acha que EA não pode ser resumida
em ficar a todo o momento dizendo aos alunos “não atira o papel, não põe no
chão o lixo, cuida da água!!! Eu acho que tem que ter outras formas ou modos
de fazer isso”.

Professora Jéssica:

É graduada em Letras e Literatura Portuguesa. Comentou ter escolhido esta


profissão não por vocação mas por conveniência, porque precisava estudar à noite e
optou por esse curso. Sua principal opção era psicologia, que chegou a iniciar na
UCPEL mas, por não poder continuar pagando, desistiu. Mas ela salienta: “depois
me apaixonei pelo que faço agora, isso não tem nada a ver com vocação!!!”.
Ela tem 42 anos e trabalha 20 horas no Município e 40 no Estado onde tem turmas
que variam entre 6a e 8a séries. A disciplina que ministra é a de Português. Para a
professora os maiores empecilhos para a EA na sua escola são o despreparo dos
33

professores e, principalmente, a falta de tempo para reuniões e a carência de


recursos materiais para desenvolver as atividades.

1.2.2 Os Instrumentos de coleta de dados

Os instrumentos de coleta de dados utilizados neste trabalho estiveram


centrados, sobretudo, na entrevista. Porém, outros instrumentos foram
complementares a essa ferramenta: análise de documento (projetos escritos de EA
produzidos pelos professores e os PCNs) e a observação dos relatos e atividades
que os sujeitos destes trabalhos realizaram quando participaram de um curso de
formação de professores que tratava de EA18.

A modalidade de entrevista escolhida para o trabalho foi a semi-estruturada,


um tipo de entrevista que tem sido muito utilizado nas Ciências Humanas e Sociais
devido, principalmente, à sua característica de flexibilidade (tanto no ato da
interação entrevistado-entrevistador, quanto na organização das perguntas).
Diferentemente do tipo de entrevista estruturada que parte de um roteiro fixo, rígido
e hierarquizado de questões que são respondidas passo a passo, a semi-
estruturada possibilita uma interação mais informal entre entrevistado e
entrevistador, um tipo de bate-papo orientado.

No entanto, na perspectiva pós-estruturalista, a concepção de entrevista


diferencia-se dos modos e usos tradicionais que têm sido feitos desse instrumento.
Neste estudo, a entrevista não é entendida apenas como um mero instrumento de
pesquisa, mas como um jogo de poder (SILVEIRA, 2002), um momento complexo
que é mais do que um simples encontro entre entrevistado e entrevistador (onde um
quer respostas e o outro simplesmente responde). A entrevista movimenta
representações, significados, expectativas de ambos os lados e se coloca como um
ato contínuo de negociação e, por vezes, até de resistência. Isto porque, neste jogo,
estão envolvidas as diferentes posições que os sujeitos ocupam na escola e na
sociedade, as traduções que fazem daquilo que as várias vozes falam sobre

18
Curso de EA para qualificação de professores, oferecido pela SME e desenvolvido pelo CEA
durante o período de .outubro de 2003 a junho de 2004. Não estarei analisando, neste momento, o
curso. Apenas observei os professores que fazem parte deste trabalho e participaram do curso.
Gravei as apresentações e os relatos de suas experiências durante o curso.
34

educação e sobre EA, as verdades em que acreditam e muitas outras expectativas


que, no momento da entrevista, são colocadas em interação.

A leitura que fiz das respostas que surgiram da entrevista foi, portanto, a
minha leitura do resultado deste jogo entre eu e os professores das escolas.
Certamente que outras leituras são possíveis, outros caminhos podem ser seguidos.
No entanto, esse foi o meu olhar, contaminado pelas minhas leituras, por minhas
posições de sujeito.

Não existe, neste trabalho, nenhuma descoberta ou desvelamento daquilo


que estava escondido ou oculto nos discursos dos professores e que eu pretendia
tornar visível ou real para poder inferir sobre eles e mostrar que estavam errados ou
certos. Ao contrário, neste trabalho, acredito, como Foucault, que estamos
envolvidos numa ordem do discurso que rege nossos modos de ser e estar no
mundo. Portanto, quando algo é dito ou descrito em um discurso temos a linguagem
produzindo e descrevendo uma certa realidade imaginada como verdadeira e ideal.
Os sujeitos são produtos dos discursos e da linguagem, são regulados, fabricados,
instituídos, constituídos numa ordem discursiva e através de práticas discursivas.

Essa concepção de linguagem me leva a concordar com Garcia (2001) que


diz:

O “eu”, inclusive o nosso eu mais íntimo, não é algo exterior à


linguagem; não é algo que pré-exista ou que seja anterior à
linguagem, sendo esta uma instância de expressão daquele.
Ao invés disso, pode-se pensar a linguagem como uma
condição da existência de nosso eu. O sujeito é uma função
dos discursos.(p35)

O que se coloca nesta perspectiva é que a linguagem e os discursos


fabricam, nomeiam as “coisas” fornecendo os códigos, as normas, as leis e as
regras com que atuamos no mundo. É dos “burburinhos” discursivos que decorrem
nossas identidades e subjetividades, nossos modos de ver o mundo, nossas
experiências, nossas opções políticas, culturais, sociais, enfim, nossos “eus”.
Todavia, não podemos esquecer que somos, ao mesmo tempo, produtores e
produtos desta linguagem e dos discursos; ou seja, nós a produzimos e somos
também produtos dela.
35

Ao utilizar a entrevista como ferramenta de coleta de dados, tenho em mente


que quando os professores falam sobre a EA e suas práticas não o fazem de
qualquer lugar, pois estão posicionados diante de diferentes discursos que definem,
fixam o que pode ser falado e o que não pode, como deve ser falado e quem deve
falar. As falas dos professores dependem de uma condição e produtividade
discursiva da EA que não é algo que pertence ou que advém de uma consciência
racional de um sujeito particular. É, antes de tudo, um efeito de muitos discursos que
se colocaram como verdadeiros. Acho importante, como representativo do que estou
dizendo, as palavras de Foucault em “Arqueologia do Saber” quando explica como
se efetua uma análise do enunciado:

A análise do enunciado se efetua, pois, sem referência a um


cogito. Não coloca a questão de quem fala, se manifesta ou se
oculta no que diz, quem exerce tomando a palavra sua
liberdade soberana, ou se submete sem sabê-lo a coações que
percebe mal. Ela situa-se, de fato, no nível do “diz-se”  e isso
não deve ser entendido como uma espécie de opinião comum,
de representação coletiva que se imporia a todo indivíduo, nem
como uma grande voz anônima que falaria necessariamente
através dos discursos de cada um; mas como o conjunto das
coisas ditas, as relações, as regularidades e as transformações
que podem aí ser observadas, o domínio do qual certas figuras
e certos entrecruzamentos indicam o lugar singular de um
sujeito falante e podem receber o nome de um autor. “Não
importa quem fala”, mas o que ele diz não é dito de qualquer
lugar. É considerado, necessariamente, no jogo de uma
exterioridade. (p 138)

Com esse entendimento, da linguagem como produtora dos discursos e dos


sujeitos como produto ou função dos discursos, tratei de organizar minha ida às
escolas.

Ao estar em contato com os professores, procurei seguir algumas sugestões


de Bogdan e Biklen (1994) a respeito de condições éticas para o desenvolvimento
da pesquisa. Num primeiro momento, tratei de fazer uma visita às escolas e
conversar informalmente com os professores sobre minhas questões de pesquisa e
solicitar a eles consentimentos para realizar as entrevistas, deixando claro que eles
tinham liberdade de aceitar ou não. Também tratei de lhes informar que suas
identidades seriam preservadas e combinamos que eu somente utilizaria um
gravador se, no momento da entrevista, eles se sentissem à vontade.
36

As entrevistas foram realizadas a partir de um roteiro mínimo de perguntas,


que mesclou informações sobre as características pessoais dos(as)
entrevistados(as) (formação, condições de trabalho, sexo, idade...) e sobre a
temática ambiental. Tentei, através das falas dos professores, mobilizar um conjunto
de representações (os conceitos, os valores e os significados) que permeiam os
discursos e as práticas educativas de EA que vêm sendo desenvolvidas por esses
sujeitos nas escolas investigadas.

A flexibilidade desde instrumento permitiu-me manter um diálogo constante


com os entrevistados, reformulando perguntas e esclarecendo dúvidas que surgiram
em nossos encontros. Essa flexibilidade permitiu-me, ainda, observar “uma gama de
gestos, expressões, entonações, sinais não-verbais, hesitações, alterações de
ritmos, enfim, toda uma comunicação não verbal cuja captação é muito importante
para a compreensão e validação do que foi efetivamente dito” (LÜDKE e ANDRÉ,
1986).

No entanto, confesso que fazer entrevistas com professores não foi uma
tarefa muito fácil. Os professores vivem um momento difícil em suas profissões:
ganham salários baixos, trabalham muitas horas e, geralmente, em mais de uma
escola. Falar de EA parece ser ainda uma questão mais difícil diante das incertezas
que a escola vive em relação a esta temática.

Antes de começar a entrevista propriamente dita, telefonei várias vezes às


escolas tentando marcar um horário com os professores que diziam não ter tempo.
Ofereci-me, por esse motivo, para ir até suas casas fora dos horários escolares, se
fosse necessário, proposta que nenhum deles aceitou.

Sendo assim, as entrevistas foram realizadas nas escolas, em sua maioria,


entre uma aula e outra ou durante as aulas, na secretaria, na sala dos professores e,
até mesmo, na sala da merenda no horário em que os alunos estavam por ali. Isto
porque as escolas não possuem um lugar tranqüilo para que se possa conversar
com os professores; aliás, essas escolas passam por dificuldades de todos os tipos,
são escolas muito empobrecidas. Em algumas, faltam salas até mesmo para
atividades com os alunos. Nestas condições, as entrevistas foram permeadas por
37

um entra e sai constante de professores e funcionários, telefones tocando ou


conversas e gritos de alunos.

Apresento essas observações porque tenho certeza que essas condições


dificultaram muito meu trabalho; eu mesma ficava constrangida diante de algumas
dessas situações. E isso me causava certos impasses e ansiedades: de um lado eu
não queria forçar a situação de entrevista e, de outro, queria fazê-lo com urgência.
Entendo o processo de entrevista como uma conquista permanente dos
entrevistados para alcançar os objetivos da pesquisa e acredito que uma entrevista
necessita ser construída entre entrevistado e entrevistador de modo mais tranqüilo.
No entanto, o tempo que tive para realizar este trabalho em conjunto com as
condições que apresentei acabaram por dificultar parte dessa construção.

Os demais instrumentos de pesquisa (PCNS, textos de projetos e a


observação dos professores no curso de EA) ocuparam papel secundário neste
estudo, porém o interesse por estes instrumentos foi por entender que as
representações dos professores sobre o ambiental são mobilizadas quando eles
participam de cursos, planejam seus projetos e escolhem as atividades para realizá-
los, o que pode ser percebido a partir da análise dos livros, textos oficiais que lêem,
dos conceitos e dos materiais que utilizam. Tratei esses instrumentos, também,
como artefatos discursivos que mobilizam significados e representações.

1.2.3 A análise dos dados

Considero como dados as transcrições das entrevistas, os projetos de


educação ambiental produzidos pelos sujeitos entrevistados, as notas de campo,
enfim, todo o material que foi adquirido em campo durante a investigação.

Quanto ao material obtido das entrevistas tratei-o da seguinte forma:

Primeiramente, realizei uma leitura exaustiva de cada entrevista e


registrei os temas e unidades que mais se salientavam e se repetiam
nas falas dos professores. Deste trabalho, surgiu uma primeira
categorização composta de sessenta e dois itens.
38

No segundo momento, procurei observar a partir da categorização


inicial, aspectos semelhantes nas falas dos professores e a freqüência
com que apareciam durante as entrevistas. Destas observações,
surgiram novas categorias temáticas comuns ao conjunto de relatos
dos professores que deram origem à estrutura do texto desta
dissertação;

Num terceiro momento, utilizei-me da técnica de cartão ficheiro19


sugerida por Bogdan e Biklen (1994) para registrar as unidades das
falas dos professores a serem utilizadas no texto do trabalho. Essa
técnica pareceu-me bastante importante porque permitiu-me ter
sempre em mãos, de modo rápido e organizado, os dados com que
trabalhava.

Quanto aos projetos de EA escritos produzidos pelas escolas tive acesso


apenas a projetos de três das cinco escolas, as demais escolas não possuem os
seus projetos escritos. O material desses projetos foi classificado e categorizado em
conjunto com os dados das entrevistas.

Saliento que no material que recolhi em campo, interessavam-me, de acordo


com o referencial teórico e a minha questão de pesquisa, os discursos (enunciados,
representações e significados) sobre EA que os professores expressavam. Segui,
então, uma análise descritiva destes discursos na qual:

• procurei descrever as relações e modos de fazer que são colocadas


em ação por esses próprios discursos, como preconizado por Fischer
(1995, 2001), e mostrar que eles têm efeitos produtivos no âmbito
escolar, que eles produzem e instituem verdades sobre o que é a
temática ambiental, quais são seus objetivos e sobre as práticas
pedagógicas de EA;

• não procurei uma essência, uma origem, uma natureza transcendental


dos discursos sobre EA. Entendi-os como uma verdade produzida

19
Sobre essas técnicas ver “Investigação Qualitativa em Educação – uma introdução à teoria e aos
métodos” de Bogdan e Biklen.
39

mediante relações de poder, necessidades, lutas, disputas de um


certo momento histórico e social.

• Também não quis fazer julgamentos de valor acerca desses discursos


e definir se um é mais ou menos importante, real, ou melhor, do que o
outro; quis mostrar que eles existem e estão produzindo significados,
representações que se colocam como verdades nas escolas.

Tratei ainda de analisar o texto curricular oficial, o volume dos PCNs


(Parâmetros Curriculares Nacionais) que trata dos Temas Transversais (meio
ambiente) por considerá-lo um conjunto discursivo que produz significados e
representações no âmbito das escolas. Entendi os discursos que compõem o texto
dos Temas Transversais com uma função governamental das ações de EA nas
escolas. Ou seja, considerei esses textos como estratégias de governo da conduta
dos professores e dos alunos nas escolas em relação às questões ambientais.

No processo de análise foi de extrema importância fazer essa relação dos


PCNs, sobre meio ambiente, com os discursos dos professores sobre a EA. Isto
porque a escola e seus professores são constantemente interpelados por diferentes
discursos, como mostrarei no capítulo quatro. Discursos que marcam e atravessam
os modos de pensar e agir destes sujeitos pedagógicos.

Nos próximos capítulos, mostro os efeitos produtivos do meu olhar sobre os


dados coletados. Problematizando e descrevendo os discursos dos professores
sobre a EA na escola, não tenho pretensões de apontar caminhos ou de fazer
prescrições, mas espero trazer contribuições que despertem vontades,
questionamentos e reflexões.
40

2 A EMERGÊNCIA DA QUESTÃO AMBIENTAL

A intensificação dos problemas sócio-ambientais nas últimas décadas levou


muitos países a perceberem que era necessário tomar atitudes que revertessem a
crise ambiental que vem se desenrolando. A percepção é de que essa crise
ambiental se deu globalmente e, pode-se dizer, que as reações a este estado de
coisas tiveram seu início com a revolução ambiental norte-americana, na década de
1960 (quando começaram os movimentos de lutas e reivindicações públicas em
busca de transformações para a crise ambiental que se colocava), expandindo-se
pelo Canadá, Europa Ocidental, Japão, Nova Zelândia e Austrália na década de
1970. (LEIS, 1996)

Toda essa preocupação não era por nada. Ainda nos anos de 1960, em nome
do progresso, do desenvolvimento e da geração de emprego, o ambiente era visto
como um recurso a ser explorado. Em países como o Japão, o nível de poluição
chegou a índices que obrigaram as pessoas a utilizarem distribuidores automáticos
de ar puro; crianças nasceram cegas, mudas e deformadas por causa do mercúrio
utilizado por indústrias químicas. Nos Estados Unidos, tanta foi a poluição que o rio
Mississipi esteve em chamas por cinco dias. Na Europa, diversos rios estavam
mortos, encobertos por espuma venenosa (DIAS, 2002). No Brasil, não era muito
diferente. Em São Paulo, a poluição esteve em níveis altíssimos, obrigando a
população a utilizar máscaras de proteção; os rios estavam mortos e crianças
nasceram com diversos problemas de má formação por suspeitas de contaminação
por produtos químicos.

Todos esses problemas passaram a ser criticados e entendidos como uma


crise ambiental global, o que levou à realização da Conferência de Estocolmo em
197220. O entendimento era de que o uso dos elementos naturais, finitos, de forma

20
Esta Conferência realizada em Estocolmo, na Suécia, contou com a participação de 113 países,
250 ONGs e organismos da ONU. Este evento é considerado um marco para a problemática
ambiental.
41

desordenada, impediria o desenvolvimento econômico dos países e afetaria a


qualidade de vida das populações, colocando em risco a própria sobrevivência da
espécie humana.

Este momento foi marcado por confrontos entre as perspectivas dos países
norte-americanos e europeus e de alguns países da América Latina. Os primeiros,
preocupavam-se com a conservação dos elementos naturais e genéticos do planeta,
propunham medidas urgentes para que não ocorresse um desastre mundial, o que
causaria grandes problemas econômicos. Os últimos, especificamente o Brasil,
secundarizavam as questões ambientais, argumentando que precisavam se
desenvolver economicamente com urgência devido aos problemas de miséria em
que se encontravam: carência de moradias, de saneamento básico e alto índice de
doenças infecciosas. Os dirigentes brasileiros defendiam-se dizendo que a pior
poluição era a pobreza, assim que este deveria ser o problema principal a ser
tratado21.

Para Loureiro e Pacheco (1995), a posição do Brasil de não priorizar as


questões ambientais contribuiu, mesmo parecendo contraditório, para que a temática
ambiental começasse a fazer parte do discurso governamental brasileiro. Isto
porque, ao não priorizar as questões ambientais, o Brasil passou a ser alvo de
grande pressão de grupos ambientalistas internacionais e nacionais para que
fossem tomadas atitudes quanto ao problema ambiental. Assim, a SEMA22 a
CETESB23 e a FEEMA24 surgiram como respostas a essas pressões. Essas
instituições tinham como objetivos principais a conservação do meio ambiente e a
utilização racional dos elementos naturais.

21
Para Grün a atitude do Brasil e dos Países do Terceiro Mundo, que formaram um bloco, era um
atitude de reação ao Relatório do Clube de Roma (organização constituída basicamente por
empresários) que tentava “relocalizar” o capitalismo em escala mundial. Havia, segundo aquele bloco,
uma desconfiança de que a proposta de crescimento zero colocada pelo Clube de Roma levaria ao
congelamentos das desigualdades sociais.
22
Secretaria Especial de Meio Ambiente, criada em 1973 no âmbito federal.
23
Companhia de Tecnologia e Saneamento Ambiental em São Paulo
24
Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (Rio de Janeiro)
42

Os acidentes ecológicos passaram a ganhar espaço na mídia, a sociedade


começou a se organizar e surgiram alguns grupos ambientalistas (VIOLA, 1987).
Porém, Leis (1996) destaca que os anos de 1970, em termos de meio ambiente, no
Brasil, teriam se estruturado através de um movimento bissetorial entre

... as associações ambientalistas e as agências estatais que


tiveram uma “relação simultaneamente complementar e
contraditória,”25 confluindo ambas na definição da problemática
ambiental recortada pelo controle da poluição urbano-industrial
e agrária e pela preservação dos elementos naturais. (p.97)

O aspecto contraditório colocado pelo autor diz respeito a que as agências


estatais viam as associações ambientalistas como ingênuas e destituídas do
conhecimento técnico para analisar a questão ambiental. Já as associações
ambientalistas criticavam as agências estatais por não serem eficazes em suas
tomadas de atitudes, principalmente no controle e fiscalização das industrias
poluidoras. A ação complementar entre as agências estatais e as associações
ambientalistas aparece por diversas razões, como as apontadas por Leis (1996): o
surgimento das agências propiciou o surgimento dessas associações; alguns dos
técnicos das agências estatais eram, também, ativistas nas entidades
ambientalistas; a atuação das associações reforçou a posição das agências na
estrutura estatal; a atuação das entidades influenciou a formulação e a
implementação da política ambiental; como associações e agências constituíam
minoria dentro da sociedade e do Estado, elas se aproximaram e se articularam
umas com as outras.

Cabe salientar que, atualmente, essa complementaridade, como chama Leis,


entre agências estatais e associações ambientalistas parece ser muito comum, pois
um grande número de órgãos estatais ambientais contam com ambientalistas em
cargos importantes. Pode-se citar o Ministério do Meio Ambiente (MMA), a
Secretaria de Meio Ambiente do Estado do Rio Grande do Sul e a Secretaria
Municipal de Qualidade Ambiental (SQA) de Pelotas. No entanto, a situação atual
parece ser de que alguns governos acreditam que os ambientalistas estariam mais
preparados política e tecnicamente para decidir sobre as questões ambientais.

25
Grifo meu
43

Outro exemplo importante sobre o que acabei de colocar é a questão de


formação de professores de EA. Recentemente a Secretaria Municipal de Educação
de Pelotas convidou uma Organização Não Governamental ambientalista para
realizar um curso de formação para os professores da rede escolar municipal. Esse
é um fato que leva a pensar que alguns governantes pensam nos ambientalistas
como aqueles que possuem as condições e as competências para tratar do assunto
ambiental.

Até o período da década de 1970, as lutas e disputas em torno das questões


ambientais seguiam uma visão muito naturalista e cientificista (CARVALHO, 2002).
O espaço ambiental no Brasil desenvolvia-se com base em uma tradição advinda
das ciências da natureza que via o meio ambiente como exclusivamente a natureza.
As lutas e conflitos que se colocavam diziam respeito a reivindicações pontuais e
específicas: controle da poluição, defesa de espécies ameaçadas, protestos contra o
uso de agrotóxicos ou contra o desmatamento, ou seja, lutas centradas na
degradação do ambiente natural.

O contexto da década de 1980, constitui-se a partir de conceitos como os de


sociedade civil e cidadania. Esses conceitos surgem em confronto ao autoritarismo
do regime militar que marcou, por muito tempo, a sociedade brasileira. (CARVALHO,
2002). A abertura política propiciou o desenvolvimento e o fortalecimento dos
movimentos sociais que passaram a reivindicar direitos sociais; entre eles, os
direitos à qualidade e à sustentabilidade do meio ambiente.

Este período histórico, a década de 1980, tem sido considerado, no Brasil,


como um período de difusão da questão ambiental por diversos setores da
sociedade (agências estatais, instituições científicas, Organizações Não
26
Governamentais e empresariado). Até então, toda esta problemática se colocava
como uma preocupação quase que exclusivamente para as associações
ambientalistas e as entidades governamentais, mas, gradativamente, esse quadro
foi-se modificando e dando origem a uma proliferação de diferentes entidades e
grupos que começaram a se dedicar à questão ambiental. Entre esses, podem-se

26
Neste momento cresceu substancialmente o número destas organizações não governamentais
(ONGs): de 400 em 1985 para 700 em 1989. (CASCINO, 2000)
44

destacar as Universidades, os partidos políticos, os movimentos sociais e as


empresas com suas estratégias de marketing. Até mesmo a Constituição de 1988
elegeu espaço para a discussão sobre o tema ambiental, apresentando um capítulo
especial definindo competências e responsabilidades necessárias para tratar do
problema ambiental.

A legislação ambiental começa a tomar corpo em 1981, quando foi instituída


a Política Nacional de Meio Ambiente, dando ao Ministério Público papel relevante,
já que, a partir daquele momento, seria possível responsabilizar legalmente aqueles
que causavam danos ambientais, bem como defender aqueles que eram
prejudicados por esses danos.

No período final da década de 1980, os questionamentos sobre a temática


ambiental começam a se orientar para outro rumo, defendendo a necessidade de se
pensarem as questões ambientais em conjunto com as questões sociais. O ser
humano começa a ser visto como parte integrante do ambiente; ele também é
ambiente e a idéia de que tudo que for feito à natureza se reverterá em problemas
ao ser humano começa a fazer parte do discurso da atualidade. Uma visão que
passa a abranger grande número de setores sociais como indígenas, conjuntos de
moradores, estudantes, trabalhadores em geral, etc.

Desta forma, ao abranger um número crescente de grupos e pessoas de


diferentes setores e concepções das mais diferenciadas, o cenário em torno das
questões ambientais configurou-se cada vez mais num cenário de lutas e de
disputas em que cada um desses setores buscou impor a sua visão sobre o
ambiental. (LOUREIRO e PACHECO, 1995)

A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e


Desenvolvimento, que aconteceu no Rio de Janeiro em 1992 (Rio 92) e reuniu cerca
de 170 países, tinha como objetivos principais examinar a situação global, propor
medidas de proteção ambiental e promover estratégias para o desenvolvimento
sustentável. Saíram, desta Conferência, vários tratados e acordos27, e sua

27
Declaração do Rio , com 27 princípios sobre obrigações ambientais e direito ao desenvolvimento; a
Convenção sobre Alterações Climáticas (assinada por 154 países); a Convenção sobre a
Conservação da Biodiversidade (assinada por 154 países); a Agenda 21 (assinada por 179 países).
(Carvalho, 2002)
45

realização conseguiu aglutinar os setores que vinham trabalhando a questão


ambiental em torno da discussão do desenvolvimento sustentável28. Foi um
processo, segundo alguns, de construção que proporcionou grandes debates
políticos e uma intensa troca de idéias entre aqueles que lá estiveram.

A preparação e a articulação da sociedade civil deu-se a partir da organização


do “Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e
Desenvolvimento” (FBOMS)29, que aconteceu como atividade paralela à Rio 92. O
objetivo deste Fórum era de permitir um espaço de participação, onde diferentes
segmentos da sociedade, sindicatos, ambientalistas, movimentos sociais e culturais,
educadores, etc. também pudessem discutir as questões socioambientais. Os
trabalhos e as discussões, durante este Fórum, foram marcados por dúvidas,
tensões e disputas que foram constantemente negociadas. Esta integração de
variados segmentos sociais vem sendo considerada um avanço, já que possibilitou
ampliar a discussão sobre a crise sócio-ambiental ao mesmo tempo em que deu voz
a uma série de setores que, até então, estavam à margem dessas discussões.

Porém, Leis (1996) questiona a importância que se tem dado à Rio 92 no


âmbito das negociações internacionais:

os resultados concretos alcançados pelos governos na Rio 92,


embora não devam ser depreciados, não estiveram à altura dos
problemas que constavam em sua agenda. É fácil comprovar
que a maioria dos governos dos países ricos (o "Norte"), com
clara exceção da Alemanha, Holanda e dos países
escandinavos em geral, não estavam convencidos da
necessidade de se reestruturarem profundamente as relações
políticas e econômicas internacionais, a fim de tornar viáveis
programas de desenvolvimento sustentável em escala regional
e global. (p.45)

Certamente, é preciso concordar com Leis sobre as articulações que se


realizaram entre os países na Rio 92. O não comprometimento de países, ditos
ricos, prejudicou o desenvolvimento de projetos que deveriam ser realizados de
forma cooperativa e de modo global. Mas é preciso deixar no ar uma questão que

28
Um dos conceitos de desenvolvimento sustentável, adotado pela Comissão sobre Meio Ambiente é
aquele desenvolvimento (econômico, social e político) que atende às necessidades do presente sem
comprometer futuras gerações.
29
Este Fórum ficou conhecido também como Fórum Global e reuniu 1300 organizações, gerou a
Carta da Terra, 36 tratados das ONGs e o relatório “Meio Ambiente e desenvolvimento: uma visão
das ONGs e dos movimentos sociais brasileiros”. (CARVALHO, 2002)
46

pode ser importante nesta dificuldade de articulação e cooperação entre os países:


que interesses, concepções e representações têm movido os discursos e as
perspectivas neoliberais de desenvolvimento econômico, de crise ambiental e de
cooperação global?

No entanto, não se pode desconsiderar que o processo de organização e


realização da Rio 92 mobilizou grande parcela da sociedade em torno das questões
ambientais. Foram diversos encontros, debates e discussões com o objetivo de
preparar a sociedade e os grupos para a grande Conferência. Esta mobilização
social, as alianças e até mesmo as tensões que surgiram durante a Conferência
fortaleceram e ampliaram o diálogo sobre a problemática ambiental, no Brasil.

Durante a Rio 92 surgiu um documento, a "Agenda 21”, que, embora tenha


sido muito criticada, vem sendo considerado pelos ambientalistas e ONGs como um
avanço para as questões sócio-ambientais. Esse documento propunha diretrizes e
ações para o século XXI visando um modelo sustentável de vida na terra. É
composto por 40 capítulos que se dirigem a questões econômicas, sociais,
conservação e manejo dos elementos naturais e organização da comunidade. As
sugestões são de que, paulatinamente, cada país, estado e município construa a
sua Agenda 21.

Na Perspectiva de Leis (1996), as articulações para a implementação da


Agenda podem ser consideradas problemáticas porque, embora ela estabeleça
diretrizes normativas que orientam para o desenvolvimento sustentável, a parte
financeira e os mecanismos para sua implementação não receberam tratamento
adequado, tanto de gestão como de implementação. Isto porque as articulações e
as negociações para o desenvolvimento da Agenda 21 não teriam deixado claros os
papéis e as competências de cada um, o que levou a um não comprometimento dos
envolvidos.

Para os organizadores do Fórum Nacional de ONGs e Movimentos Sociais,


outro problema que tem dificultado a efetivação do processo da Agenda 21 é o
desconhecimento sobre seus conteúdos e propostas, tanto pelos órgãos públicos
47

como por setores importantes da sociedade30. Talvez seja importante questionar se


este desconhecimento não é mais do que simplesmente o não entendimento ou
desconhecimento do conteúdo da Agenda 21. Talvez o que ainda esteja em questão
seja o fato de que a problemática ambiental ainda não conseguiu se sobrepor aos
interesses econômicos em jogo e provocar um conjunto de estratégias discursivas
capazes de tornar evidente o ambiental como um problema social urgente tanto para
a sociedade em geral quanto para os governos.

Além destas críticas anteriores, que são realmente empecilhos para a


construção das Agendas 21, é preciso ressaltar que o texto da Agenda 21 brasileira
é de linguagem altamente técnica e os temas de que trata são muito abrangentes e
distanciados das realidades sociais, o que tem dificultado uma apropriação maior por
parte daqueles que se dedicam a trabalhar essas diretrizes.

Para os órgãos governamentais, parece que a questão ambiental vem sendo


colocada em segundo plano em relação a outras questões consideradas mais
urgentes como educação, saúde, transporte e segurança. Como não são
prioridades, as questões ambientais carecem de bons profissionais, estruturas e
investimentos que possibilitem projetos e ações mais efetivos.

Após 10 anos e um certo esfriamento da temática ambiental, mas não


esvaziamento, aconteceu a Rio + 10, realizada de 26 de agosto a 4 de setembro de
2002 em Joanesburgo, África do Sul. Chamada de Cúpula Mundial Sobre
Desenvolvimento Sustentável, foi a terceira conferência mundial promovida pela
Organização das Nações Unidas para discutir os desafios ambientais do planeta. A
conferência ficou conhecida como Rio + 10 porque ocorreu dez anos após a Cúpula
da Terra, em 1992, no Rio de Janeiro.

Compareceram a Joanesburgo cerca de 22 mil participantes de 193 países –


100 deles representados pelo seu Chefe de Estado ou de Governo. Delegados
governamentais e de organizações intergovernamentais somavam 10 mil pessoas.
Outras 8 mil vinham de organizações não-governamentais, grupos indígenas,
representantes do comércio e da indústria, jovens, agricultores, cientistas e

30
Sobre outras informações e críticas sobre a Agenda 21 ver o livro Brasil “Brasil século XXI — os
caminhos da Sustentabilidade cinco anos depois da Rio-92” produzido pelo Forúm Brasileiro de
ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e Desenvolvimento.
48

representantes sindicais, envolvendo os mais diversificados setores das sociedades


de todo mundo. A participação de tantos setores da sociedade deveu-se a uma
avaliação de que os acordos e encaminhamentos da Conferência anterior pouco
tinham contribuído para alterar a realidade, o que pode ser observado no relatório
“Desafios Globais, Oportunidades Globais”, da ONU, divulgado pouco antes da Rio
+10.

O acirramento das lutas, durante o evento, pôde ser observado em nível


global, e determinou o agrupamento dos países em blocos para discutirem e
tomarem decisões. Embora houvesse negociações entre grupos, a ONU
determinava que todos os países deveriam aprovar e assinar os documentos em
condições de igualdade, independente de tamanho, condição econômica, número de
habitantes, etc. Porém, os Estados Unidos, aliado a países como o Japão e o
Canadá, conseguiu moldar a Conferência de acordo com seus interesses. Um dos
pontos mais cruciais e criticados deste evento foi a posição dos Estados Unidos,
considerado um dos mais poluidores do mundo, que se negou a ratificar o “Protocolo
de Quioto”31.

Os Estados Unidos, que vivia um momento de ressentimento e medo em


conseqüência do ataque de 11 de setembro de 200132 e das possibilidades de
ataque ao Iraque, bloqueava, em conjunto com países como Canadá, Austrália e
outros, um número importante de propostas. Entre estas propostas, a do Brasil, que
defendia que até 2010 todos os países tivessem pelo menos 10% de sua matriz
energética gerada a partir de pequenas centrais hidroelétricas, de aproveitamento
dos ventos, do sol e da energia geotérmicas (TAUTZ, 2002). Os Estados Unidos, em

31
Cerca de 10.000 delegados, observadores e jornalistas participaram desse evento de alto nível
realizado em Quioto, Japão, em dezembro de 1997. A conferência culminou na decisão por consenso
de adotar-se um Protocolo segundo o qual os países industrializados reduziriam suas emissões
combinadas de gases de efeito estufa em pelo menos 5% em relação aos níveis de 1990 até o
período entre 2008 e 2012. Esse compromisso, com vinculação legal, promete produzir uma reversão
da tendência histórica de crescimento das emissões iniciadas nesses países há cerca de 150 anos.
O Protocolo de Quioto foi aberto para assinatura em 16 de março de 1998 e entrará em vigor 90 dias
após a sua ratificação por pelo menos 55 Partes da Convenção, incluindo os países desenvolvidos
que contabilizaram pelo menos 55% das emissões totais de dióxido de carbono em 1990. Enquanto
isso, as Partes da Convenção sobre Mudança do Clima continuarão a observar os compromissos
assumidos sob a Convenção e a preparar-se para a futura implementação do Protocolo.
32
Em 11 de setembro de 2001 aconteceu nos Estados Unidos um ataque terrorista. A derrubada das
torres gêmeas, pelo choque de dois aviões, o grande número de mortos e as imagens ao vivo do
acontecimento causaram comoção mundial.
49

conjunto com os países produtores de petróleo, bloqueou estas propostas e


recomendou, em um texto paralelo, o uso de qualquer fonte de energia que seja
“eficiente”.

Para as ONGs, este foi um dos retrocessos do evento em relação à Rio 92 já


que, com está concepção, fica aberto o espaço até mesmo para a energia nuclear.
Outro retrocesso apontado por este segmento é de que os Estados Unidos
monopolizou, de acordo com sua vontade, a Conferência, abstendo-se de votar
enquanto suas propostas não fossem aceitas.

Como se pode perceber, nesta breve reflexão, a questão ambiental não é


estática, ela se constrói e reconstrói através de grupos, indivíduos, entidades,
instituições e discursos em diferentes momentos históricos. Ao articular setores
variados, coloca em evidência sentidos, conceitos e significados que se confrontam,
gerando uma certa concorrência e disputa em torno de espaços na mídia, nos
processos de tomada de decisão, em torno das políticas ambientais e no acesso às
fontes de financiamento, externas ou não.
50

3 EDUCAÇÃO AMBIENTAL  CONSTRUÇÃO HISTÓRICO- POLÍTICA

A EA pode ser considerada como um projeto do ambientalismo. Mostrei de


modo sintético, no tópico anterior, um pouco de como vem se organizando,
atualmente, o campo ambiental com a intenção de dizer que é nas condições deste
campo que a EA é produzida, diante das necessidades que esse campo sugeriu
como necessárias e urgentes. É com esse olhar do ambientalismo, de evitar as
crises e os desastres que é produzida a EA como um mecanismo capaz de construir
outros sentidos e representações para a conduta humana em relação ao ambiente,
pressupondo que, conseqüentemente, a EA levará à minimização dos problemas
ambientais.

Vale a pena, de antemão, ressaltar que a EA de que trato neste texto não é
qualquer uma; ela faz parte de “jogos de linguagens” que fixam, instituem quem
pode falar de EA, em que condições, em que locais e o que pode ser dito sobre a
mesma. São jogos que produzem as verdades sobre a EA ou o que se tem
chamado, a partir de Foucault (1988), de “regimes de verdades”.

Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua “política


geral” de verdade: isto é, os tipos de discursos que ela acolhe
e faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos e as
instâncias que permitem distinguir os enunciados verdadeiros
dos falsos, a maneira como se sanciona uns e outros; as
técnicas e os procedimentos que são valorizados para a
obtenção de verdade; o estatuto daqueles que têm o encargo
de dizer o que funciona como verdadeiro. (p.12)

Mostrarei, a seguir, como a EA passa a ser reconhecida como urgente e


necessária e algumas verdades que sobre ela se colocam em ação.

A expressão EA surge em 1965 na “Conferência de Educação” da


Universidade de Keele, Grã-Bretanha. Porém, esta idéia de tornar a educação um
meio de ensinar o ambiental foi reconhecida a partir da Conferência de Estocolmo
(1972). Desde então, mundialmente, muitos dos encontros, conferências e
seminários discutiram a necessidade e a importância de se educarem os indivíduos
sobre as questões ambientais. No Brasil, as atitudes eram ainda tímidas e dispersas
51

e foram organizadas, praticamente, por entidades governamentais. Pode-se


observar que, em 1973, a SEMA começou a realizar algumas atividades de
Educação Ambiental e, em 1976, realizou o primeiro curso de Extensão para
professores do 1o Grau em Ecologia. Em 1977, foram realizados no Rio de Janeiro,
seminários, encontros e debates preparatórios à Conferência de Tbilisi.

Em 1978, a Secretaria de Educação de Rio Grande do Sul desenvolveu o


Projeto Natureza (1978-85) e foram criados cursos voltados para as questões
ambientais em universidades brasileiras. Nos cursos de Engenharia Sanitária,
inseriram-se as disciplinas de Saneamento Básico e Saneamento Ambiental. Em
1979, o Ministério da Educação (MEC) e a Companhia de Tecnologia de
Saneamento Ambiental de São Paulo, órgão da Secretaria de Meio Ambiente de
São Paulo, (CETESB) publiclaram o documento “Ecologia: uma Proposta para o
Ensino de 1o e 2o Graus”33.

Além de Estocolmo, os principais eventos que trataram da EA foram a


“Conferência de Moscou” em 1987, na Rússia e a “Conferência Intergovernamental
da Educação Ambiental de Tbilisi”, na Geórgia34, em 1977. A Conferência, Tbilisi
tem sido considerada um marco para a EA, já que estabeleceu os princípios
orientadores para a EA, definindo seu caráter interdisciplinar, crítico, ético e
transformador. Nesta conferência, foi recomendado que um dos objetivos
fundamentais da EA é

lograr que os indivíduos e a coletividade compreendam a


natureza complexa do meio ambiente natural e do meio
ambiente criado pelo ser humano, resultante da integração de
seus aspectos biológicos, físicos, sociais, econômicos e
culturais, e adquiram os conhecimentos, os valores, os
comportamentos e habilidades práticas para participar
responsável e eficazmente da prevenção e solução dos
problemas ambientais, e de gestão da qualidade do meio
ambiente. (Tbilisi/1977)

Esta Conferência acabou sendo referência para as demais ações em torno


da EA. Acho interessante lembrar que no Brasil, neste período, as questões

33
Dados do Ministério do Meio Ambiente, consulta feita no site http://www.mma.gov.br, em 21 de
julho de 2004.
34
O texto integral das Conferências que trataram da EA pode ser encontrado na página do Ministério
do Meio Ambiente na Internet (www.mma.gov.br) e no livro de Genebaldo Freire Dias, “Educação
52

ambientais eram tratadas de forma muito pontual, não havia nenhum tipo de
formulação e de relação entre os problemas de degradação ambiental e o
desenvolvimento econômico. As atividades e ações em torno dos problemas
ambientais se resumiam em passeatas, denúncias sobre indústrias que poluíam as
águas, protestos contra as agressões à fauna e à flora, combate aos modos e a
formas de depósito de lixo urbano, combate aos projetos imobiliários que pretendiam
se instalar em áreas de preservação permanente e, ainda, protestos contra a
ineficiência dos órgãos governamentais quanto ao cumprimento das leis ambientais.

Ser ambientalista, neste período, causava certo espanto à sociedade que


ainda não entendia muito o que vinha acontecendo. Era possível, nesta época,
observar certos segmentos remeterem-se aos ambientalistas como “ecochatos”,
“verdes” ou “radicais”. Neste momento, educar estava relacionado à informação, à
visualização dos problemas ambientais com intenção de produzir uma
sensibilização da sociedade para esses problemas.

Somente nos finais dos anos 1980 é que a idéia de EA, tal como é colocada
pela Conferência de Tblisi, começou a prosperar nos discursos brasileiros. O
momento de abertura política e a organização da sociedade civil começaram a
chamar a atenção da sociedade para direitos sociais há tanto desconsiderados:
direito à liberdade sexual, direito da mulher e o direito ao meio ambiente saudável.

As energias revolucionárias dos anos 70 migram para o projeto


de transformação no qual os movimentos sociais seriam os
protagonistas da mudança social, investidos de um capital
político que lhes conferia o papel de novos sujeitos da
revolução social, aqueles que mediariam o restabelecimento da
confiança e da lealdade dos cidadãos, através da promoção de
uma ordem pública participativa de novos atores. (CARVALHO,
2002, p. 147)

Plantaram-se, assim, novos discursos acerca dos modos de vida social que
passaram a ser discutidos a partir de conceitos como cidadania e organização
social. Os discursos sobre os problemas ambientais deslocaram-se dos problemas
específicos para os problemas globais, para questionamentos do modelo de
desenvolvimento econômico vigente na sociedade capitalista. Não adiantava mais
mostrar os problemas concretos, específicos ou pontuais: o lixo, a poluição,

Ambiental – princípios e práticas”,1993, o qual apresenta uma sinopse de partes consideradas, pelo
autor, mais significativas para a EA.
53

queimadas, agressão aos animais. Os movimentos sociais colocavam a necessidade


de se questionarem os processos de exploração capitalista que contaminavam e
invadiam a natureza indiscriminadamente em nome do progresso econômico. A
concepção que agitava o movimento ambientalista era de que esse mesmo processo
causava a exclusão social e a degradação ambiental. Havia, então, que se discutir e
mostrar à sociedade que o planeta é vida integrada e que os homens precisavam
aprender, novamente, a conviver em harmonia com a natureza, reconhecer que se
haviam separado da natureza, e que o modelo de organização que desenvolveram
não estava possibilitando essa convivência harmoniosa.

É, neste contexto, que se intensificam os debates entre militantes, intelectuais


e cientistas proporcionados pela realização de seminários e conferências, o que
pode ser considerado como espaço de construção de uma identidade social em
torno das práticas educativas voltadas para o meio ambiente. O que predominava
como ideal, no final dos anos 1980, em termos de EA, era organizar, discutir os
modos, os princípios, as diretrizes para a EA. Porém, embora os discursos tenham
sido deslocados de uma visão mais naturalista para uma visão mais social do
ambiental, isto não quer dizer que, em termos de práticas efetivas, isso tenha se
modificado muito.

A década de 1990, no Brasil, pode ser considerada como de cristalização


política das lutas e reivindicações que se desenrolaram em torno da EA nas décadas
de 1970 a 1980. Neste período, conceitos como socioambiental, qualidade de vida,
crise, degradação, conservação, preservação e sustentabilidade ganham cada vez
mais espaço e passam e mesclam-se com os de cidadania e participação popular
que passam a constituir, cada vez mais, os discursos sobre EA em todos os âmbitos
sociais.

Nessa época, a EA ganhou legislação própria, com a Lei Nacional N° 9.795,


de 27 de abril de 1999 onde foram definidos:

o conceito de EA:

Entendem-se por educação ambiental os processos por meio


dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores
sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências
voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso
54

comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua


sustentabilidade. (CAPÍTULO I, Art. 1o)

os direitos de todos à EA e a obrigação de todas as instâncias sociais


para com a promoção da EA: o Poder Público, as instituições
educativas, os órgãos integrantes do Sistema Nacional de Meio
Ambiente, os meios de comunicação de massa, as empresas, as
entidades de classe, as instituições públicas e privadas.

os princípios básicos da EA, que tem como característica principal o


enfoque “humanista, holístico, democrático e participativo” (Art. 4o,
parágrafo I),

os objetivos principais da EA, entre eles, o estímulo e o fortalecimento


de uma consciência crítica sobre a problemática ambiental e social
(Art. 5o, parágrafo III); o fortalecimento da cidadania, autodeterminação
dos povos e solidariedade como fundamentos para o futuro da
humanidade (Art. 5o, parágrafo VII);

Quanto a EA escolar, que é o que mais interessa neste trabalho diz o texto da
Lei 9795, no seu Art 9o, “Entende-se por educação ambiental na educação escolar a
desenvolvida no âmbito dos currículos das instituições de ensino públicas e
privadas”. Essa lei determina que a EA deve acontecer na escola em todos os níveis
de ensino e que não deve se resumir a uma disciplina específica, a não ser em
cursos específicos de pós-graduação que tratem de metodologias de ensino de EA.
A lei obriga, ainda, no seu Art. 110 que “A dimensão ambiental deve constar dos
currículos de formação de professores, em todos os níveis e em todas as
disciplinas”. E especifica que os professores em serviço dever receber formação em
suas áreas para que possam atender aos objetivos e princípios da Política Nacional
de EA.

No ano de 2002, o Estado do Rio Grande do Sul promulga sua lei regional de
EA, a Lei No 11.730, que segue praticamente a Lei Nacional (9795), diferenciando
em pequenos pontos onde é um pouco mais detalhada. No entanto, embora essa
legislação seja compreendida pelo campo ambiental como um grande avanço em
termos de EA, sabe-se que essas leis são muito recentes e pouco impacto tiveram
sobre os governantes, as escolas, os professores e as Universidades.
55

Certamente, este caminho que levou a uma maior ênfase na EA não pode ser
pensado como um caminho linear e livre de relações de poder e de disputas. Os
sentidos e as representações que aí se configuraram como verdades foram aqueles
que, nas disputas, nas relações, conseguiram impor suas idéias e saberes,
promovendo-os ao status de verdades. Não entrarei na discussão sobre as lutas e
disputas em torno dos significados do ambiental porque, entendo, isso exigiria outro
projeto de pesquisa; interessa-me como os discursos, que se instituíram no campo
ambiental, foram traduzidos e colocados em ação nas escolas.

Atualmente, proliferam encontros em todos os cantos do país com o objetivo


de se discutirem e se produzirem alternativas para que a EA se efetive. Cito alguns
como exemplos: 1o Simpósio Sul Brasileiro de Educação Ambiental (Erechim, 2002);
2o Simpósio Sul Brasileiro de Educação Ambiental (Itajaí, 2003); Encontros de EA
(Pelotas/RS, 2002, 2004), Conferência Educação Ambiental e Qualidade de Vida
(Macaé/RJ, 2004); VI Encontro Paranaense de EA (São José dos Pinhais)35. Os
eventos citados foram eventos específicos de EA, mas também é possível observar
que eventos de diferentes áreas passam cada vez mais a oportunizar discussões
sobre a EA. É possível observar o caso da Associação Nacional de Pós-Graduação
e Pesquisa em Educação (ANPED) que, tanto em sua reunião nacional quanto
regional, proporcionou um tópico sobre o tema ambiental e organizou um grupo de
estudo que trata de EA36, e também o caso do Seminário Brasileiro de Agroecologia
que aconteceu em Porto Alegre, no ano de 2003, que oportunizou apresentações de
trabalhos e discussões sobre EA.

Na página do Ministério do Meio Ambiente, pode-se observar uma série de


medidas em termos de políticas governamentais desenvolvidas ao longo dos anos
em relação à EA. Também não podem ser esquecidos os trabalhos importantes de
ONGs ambientalistas em torno das discussões e das ações de EA. Desta construção
e produção da EA como um instrumento fundamental para a transformação da
relação entre sociedade e natureza surgiu uma gama de sujeitos, empresas,
indústrias, órgãos governamentais, associações, fundações, universidades e escolas

35
Sobre os eventos de EA, consultar www.mma.gov.br e www.reasul.univali.br.

36
Na última reunião da ANPED esse grupo de estudos passou a ser um GT (grupo de trabalho)
56

que passaram a se envolver com EA. Essas instituições constituem-se num


conjunto heterogêneo de segmentos sociais com interesses muito diversos, o que
vai se constituir na impossibilidade de se pensar em “uma” EA, se é que se pôde
pensar isso algum dia.
57

4 EA, PROCESSOS DE SIGNIFICAÇÃO E REPRESENTAÇÃO NA ESCOLA

Como já havia anunciado anteriormente, minha preocupação neste trabalho


dirige-se especialmente à EA escolar e aos discursos e representações que vêm
sendo mobilizados sobre as questões ambientais nas escolas. Assim, passo a
mostrar como os professores das escolas estudadas produzem suas representações
de EA.

Muitas vozes, principalmente desde o início dos anos 1990, vêm-se


remetendo à escola e cobrando sua responsabilidade para com os temas
ambientais. Porém, poucas respostas se têm observado no campo da educação no
que diz respeito a discussões, estudos, formação e qualificação de professores para
dar conta destes chamados. Parece haver uma certa dificuldade na área de
educação em tratar dos temas ambientais, o que vem dificultando o desenvolvimento
da EA nas escolas.

A EA surge com o objetivo de desenvolver mecanismos educativos capazes


de implementar outras representações e significados sobre as relações que se dão
entre os seres humanos e a natureza; ou seja, o objetivo da EA é trazer os saberes
ambientais para a escola, diante da concepção que já coloquei anteriormente: dar
conta de uma crise ambiental, o que lhe confere um status de “salvação do planeta”,
a partir da produção de uma nova relação do ser humano com a natureza.

No entanto, as pretensões discursivas em torno da EA chocam-se com os


ideais educativos da educação institucionalizada, dando origem a certos impasses,
tanto para educação escolar quanto para EA. Primeiro, porque, ao desejarmos que a
educação se ocupe dos temas ambientais e investirmos em produzir uma EA,
estamos admitindo que existe uma educação que é ambiental e,

se existe uma educação que é ambiental, deve existir também


uma educação não-Ambiental [...] que a EA surge hoje como
uma necessidade quase inquestionável pelo simples fato de
que não existe ambiente na educação moderna. Tudo acontece
como se fôssemos educados e educássemos fora de um
ambiente (GRÜN, 2002, p.20).
58

O autor quis chamar a atenção para o fato de que é necessário refletir sobre
por que a EA vem sendo silenciada na educação escolar. Em seus estudos, Grün
vem defendendo que isso se deve a questões históricas e culturais de produção e
transformação epistemológica da própria sociedade. O autor mostra no livro “Ética e
Educação Ambiental  uma conexão necessária”, que com o advento do
Humanismo (séculos XVI e XVII), acontece um deslocamento na relação seres
humanos e natureza.

O Humanismo surge em contraponto ao poder divino dominante a que os


seres humanos e a natureza eram subservientes. E o descontentamento do ser
humano por essa posição ocupada leva-o a buscar uma nova reorganização do
mundo. As ações e as estratégias para dar conta desse processo colocam o ser
humano no centro do mundo, tornando-o referencial para todas as decisões a serem
tomadas. As ações sociais, políticas e culturais passaram a girar a partir das
necessidades do ser humano.

É neste movimento que se delinea aquilo que Carvalho (2002) chamou de


“natureza domada”, ou seja, começa um processo crescente de urbanização e
dominação da natureza para a organização das cidades. A burguesia que surgia
procurava, cada vez mais, afastar-se de suas características camponesas ou de sua
natureza camponesa. O que estava colocado era o processo de civilidade, o
progresso e o “bem viver”. A concepção de civilidade pautava-se por uma oposição
“ao selvagem, á barbárie, à desrazão e à ignorância. A civilização estava
relacionada a valores ilustrados como cultivo, polimento, aperfeiçoamento,
progresso, razão” (CARVALHO, 2002, p.40). Tanto a natureza não humana quanto a
natureza humana (comportamentos, atitudes e hábitos camponeses) eram vistas
como algo que devia ser ultrapassado, transformado; o que não servisse para essa
transformação social e subjetiva dos seres humanos deveria ser destruído ou
afastado devido aos perigos que representava.

Essa concepção intensifica-se com o crescimento das relações mercantis e a


urbanização. As cidades passaram a ser consideradas como

o berço das boas maneiras, do bom gosto, da sofisticação. Sair


da floresta e ir para a cidade era um ato civilizatório. As
pessoas criadas nas cidades eram consideradas mais
educadas que aquelas que viviam nos campos. A natureza,
59

tida então como o Outro da civilização, representava a ameaça


à ordem nascente. (CARVALHO, 2002, p.41)

Como mostra Carvalho, civilidade era oposto à natureza. Na Inglaterra, terra


boa era sinônimo de terra cultivada (Thomas citado por Carvalho, 2002). As
montanhas, por exemplo, “no século XVII, eram tidas como estéreis, deformidades,
verrugas, furúnculos, monstruosas excrescências, incontáveis tumores e
protuberâncias inaturais sobre a face da terra” (Id, p. 41). A natureza era
classificada de acordo com sua utilidade para os seres humanos; o que não era útil
tinha de ser dominado e transformado para o bem estar dos humanos nas cidades.
Deste modo, foi trilhado um caminho no qual o ser humano reinaria absoluto.

Porém, se de um lado os humanos se colocavam como ser supremo


dominador de tudo e possuidor do seu destino, por outro, viam-se perdidos,
desorientados, despossuídos de referências para ação. Descartes foi crucial neste
momento, suas preocupações e descobertas materializaram de vez a concepção
antropocêntrica de sociedade. Descartes (1596  1650)

um matemático e cientista, o fundador da geometria analítica e


da ótica, foi profundamente influenciado pela “nova ciência”
dos séculos XVII. Ele foi atingido pela profunda dúvida que se
seguiu ao deslocamento de Deus do centro do universo.
Descartes acertou as contas com Deus ao torná-lo o Primeiro
Movimentador de toda a criação daí em diante, ele explicou o
resto do mundo material em termos mecânicos e matemáticos.
[...] as coisas devem se explicadas, ele acreditava, por uma
redução aos seus elementos essenciais à quantidade mínima
de elementos e, em últimas análises aos seus elementos
irredutíveis. No centro da mente ele colocou o sujeito
individual, constituído por sua capacidade para raciocinar e
pensar. (HALL, 2003, p.26)

Com esse pensamento, fixavam-se as raízes dos sujeitos da razão e, nas


palavras do próprio Descartes, “senhores e possuidores da natureza” (GRÜN, 2002,
p. 36). Em nome desta razão, “a concepção mecanicista da matéria é estendida aos
organismos vivos, então, plantas e animais também passaram a ser concebidos
como máquina” (GRÜN,1994, p. 176). A natureza torna-se, desta forma, objeto da
razão, objeto do ser humano detentor da razão. Nesta ordem das coisas, cada vez
mais seres humanos e natureza foram se afastando. Este pensamento dual que se
pautava na separação sujeito-objeto influenciou toda a ciência e a educação
moderna e continua influenciando até hoje.
60

É com esse olhar de existência de uma matriz cartesiana que separa seres
humanos e a natureza que Grün fala do problema das questões ambientais nas
escolas. Isso porque essa matriz estaria na própria condição de organização da
escola e de seus currículos. O autor defende que, sem a superação dos ideais
cartesianos, é impossível pensar em uma EA que não se paute pela concepção de
natureza como objeto pertencente ou subserviente aos seres humanos.

Ainda, pensando na questão da educação não contemplar as questões


ambientais, Carvalho (2002) coloca que aquilo que entendemos por ecologismo,
atualmente, faz parte de um “horizonte histórico” inserido numa tradição de longa
duração, herdeira de diferentes visões ou, como ela chama, de diferentes
“sensibilidades”. Sensibilidades

que passam pela compreeensão iluminista de uma natureza


controlada pela razão; pela visão pastoral idílica do naturalismo
inglês do século XVII [marcado pela visão bucólica religiosa e
harmoniosa entre sociedade e natureza advogada por Gilbert
White, devotado naturalista que buscava a harmonia com a
natureza através dos estudos da ecologia e a história natural
das áreas silvestres]; pelas novas sensibilidades burguesas do
século XVIII [domínio da natureza] e pelo romantismo europeu
dos séculos XVIII e XIX [marcada pelo romantismo, movimento
cultural fruto da Revolução Francesa e Industrial que se
contrapunha às idéias preconizadas pelo Iluminismo]. (Id, p. 44)

Com o romantismo, o significado de natureza foi deslocado e passou a ocupar


outra posição na relação social. A natureza selvagem que até então era considerada
ameaça ao seres humanos, aos poucos, vai “dando lugar a uma nova e
intensamente romântica representação na qual a experiência da vida selvagem foi
celebrada” (HANNIGAN, 1995, p. 146). Os românticos professavam uma visão divina
quase sagrada da natureza, enfatizando a natureza a partir de características como
harmônica, bela e idílica.

Carvalho (2002) coloca ainda uma última sensibilidade, a do “imaginário


edênico37 sobre a América”, uma natureza paradisíaca, exuberante, infinita, foram as
primeiras observações e entusiasmos que movimentaram os relatos dos viajantes
que chegaram com as invasões à América; essas representações acabaram
posicionando a América como o continente da natureza.

37
Edênico no sentido de Éden, paraíso
61

O que quero mostrar, a partir das contribuições dos autores citados acima, é
que a relação da educação escolar com os temas ambientais não é algo tão simples
como tem sido colocado nos discursos atuais que pregam e defendem a inclusão da
EA nos currículos escolares. Se a educação escolar silencia os temas ambientais ou
se tem dificuldades em tratá-los é porque a educação escolar é produto de um tipo
de sociedade que tem, como matriz, a concepção de natureza como objeto de
domínio, de contemplação, de experimentação e de atendimento às necessidades
humanas.

O outro impasse que se coloca é que a EA questiona os próprios princípios de


desenvolvimento pedagógico da educação escolar no que tange às suas práticas de
ensino conteudistas, disciplinares e fragmentadas e ela indica e defende uma
educação interdisciplinar e transversal. São questões que nos deixam a pensar, que
nos colocam desafios. A EA quer inovar, quer transformar, quer colocar em xeque os
princípios que levaram à desenfreada crise ambiental e, ao mesmo tempo, exige
espaço em uma área, a educação escolar, que nega sua existência e que está
baseada em princípios que são contrários a seus objetivos.

O que acaba acontecendo é que, ao mesmo tempo em que a proposta de


educação ambiental inova em se diferenciar da educação tradicional, ela também
arca com dificuldades tanto no que se refere aos pressupostos éticos e
epistemológicos que regem a educação institucionalizada, quanto à possibilidade de
sua assimilação pela tradição disciplinar dos currículos e da educação tradicional
(CARVALHO, 2002). A imensa carga de conteúdos estruturados e organizados por
disciplinas acaba por deixar os temas ambientais em terra de ninguém; como é de
todos38, não compromete ninguém; quando muito, eles são tratados em alguma
comemoração ou palestras eventuais.

O que quero chamar a atenção, neste momento, é que esses e muitos outros
impasses que se colocam ao desenvolvimento da EA na escola não vêm sendo
discutidos, não vêm sendo pensados como importantes, apenas vêm sendo
silenciados. Porém, esse silêncio tem sido um silêncio produtivo, um silêncio que
garante uma série de experiências de EA nas escolas que eu chamaria de “práticas

38
A EA é sugerida como interdisciplinar e transversal pela Lei nacional de EA, Lei n. 9795 de 27 de
abril de 1999 e pelos Parâmetros Curriculares Nacionais em seus temas transversais
62

voluntaristas”. Chamo de voluntaristas porque são práticas que surgem da


contemplação dos desastres ambientais, do pressentimento da eficácia da ação
individual para solucionar esses problemas da moda, sem regras e intenções claras,
apoiando-se em panfletos e notícias de jornais que tratam questões pontuais e
específicas dos problemas ambientais (desastres, lixo, animais). Isto porque, ao não
se levarem em conta, no âmbito da educação escolar, as necessidades da EA,
deixa-se um espaço, um vácuo que é preenchido na onda dos acontecimentos.

Para preencher estes vácuos os professores contam com uma enorme “rede
discursiva”. Nesta rede, variados tipos de discursos disputam os gostos dos
professores e contribuem com a formação e produção das representações acerca da
EA e dos fazeres pedagógicos que eles desenvolvem. Essas relações estão
permeadas por relações de poder ou jogos de poder, como sugere Fischer (1995).
Esses jogos de disputas são acionados e alimentados pela necessidade de
produção de sentidos particulares. Porém, esses são jogos que acontecem a partir
de um campo discursivo  o ambiental. Assim, obedecem a certas ordens, regras e
normas de organização e funcionamento deste campo: de modos de agir, de
comportamentos, de valores e de habilidades.

Não pretendo, aqui, colocar o campo ambiental como um espaço autônomo e


separado das demais relações sociais; ao contrário, esse campo é produto de
relações sociais de poder e práticas discursivas que lhe deram visibilidade e
possibilidades de ação. Nesta rede discursiva, que disputa os sentidos da EA,
concorrem vários discursos, entre eles, o antropocêntrico e utilitarista, que faz parte
do olhar dominante da sociedade atual e que, por conseguinte, vem permeando as
representações que constituem o imaginário e as práticas sociais.

Dentre os discursos mais atuais, que são resultados de um arcabouço


discursivo que se vem dirigindo à EA, podemos tomar, como exemplo,

os ambientalistas que nos falam da iminente destruição da


biodiversidade natural e do ecocídio. A ciência e seus
laboratórios nos falam da possibilidade de reformá-la e
reconstruí-la, a partir das novas constatações que as também
novas tecnologias têm permitido/produzido. Os educadores nos
falam da possibilidade de reconstrução das relações entre
cultura/natureza através da educação ambiental, e os
empresários nos vendem imagens de natureza (publicidade)
pacotes de natureza (turismo) e animais tecnológicos
63

(Tamagotchi); todas essas diferentes instâncias de produção


cultural acabam por reorganizar, redirecionar, resignificar e
restringir as possibilidades de fertilização cruzada entre os
assim construídos mundos da natureza. (AMARAL, 2000, p.
170)

Acrescento ainda as mídias (TV, jornais e revistas), importantes instrumentos


de produção de discursos. Somos todos, não só os professores, interpelados por
esses discursos atualmente. Entretanto, quero salientar que observei durante minha
investigação nas escolas, que dois discursos conjugados sobre os temas ambientais
 o dos Temas Transversais (TT)39 e o do governo municipal local  vêm
produzindo importantes impactos sobre as representações dos professores e nos
modos como esses organizam suas práticas pedagógicas de EA escolar. Quero
lembrar que entendo representação não como reflexo ou imagem da realidade, não
como um processo mental de produção individual dos significados, mas, do mesmo
modo que Silva (1996, p.170), como “um processo de produção de significados
sociais através dos diferentes discursos”. Esses processos não podem ser vistos
fora das relações de poder que se estabelecem entre esses grupos. Representar,
neste sentido, significa definir, produzir, estruturar o que conta como real ou não a
partir de certos interesses e necessidades.

Assim, meu objetivo, neste tópico, é mostrar que os Temas Transversais e o


governo municipal, em conjunto, colocaram em ação consideráveis processos de
construção de significados que têm contribuído para a produção e reafirmação de
certas representações de EA na escola: naturalistas e pragmáticas.

Deste modo, entendo que as ações destes discursos se aproximam daquilo


que Silva (1999) chamou de “prática de significação” e que eu prefiro chamar de
processo de significação, ou seja, processo social através do qual se produzem
significados. Pois é a partir do uso dos signos e da linguagem que representamos o
mundo e lhe damos significado, atribuímos determinados sentidos aos seus objetos
e aos seus eventos. Considero esses discursos como envolvidos em um processo
de significação porque

39
Temas que são entendidos pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) como assuntos que
perpassam as disciplinas, não sendo específicos de nenhuma delas, como os estudos sobre a
sexualidade, a ética e a educação ambiental.
64

os significados têm que ser criados no mundo social. É através


dos significados, contidos no diferentes discursos que o mundo
social é representado e conhecido de uma certa forma, de uma
forma bastante particular e que o eu é produzido.
(SILVA,1996, p.170)

Esses discursos, ao adentrarem o cotidiano escolar, instituem significados,


produzem representações, definem posições de professores e disciplinas, definem
práticas e temas a serem tratados, operam inclusões e exclusões.

4.1 EA, Temas Transversais

A EA se aproxima das escolas, num primeiro momento, através de


experiências de intervenção realizadas por ONGs e órgãos governamentais (1980-
1990). Em Pelotas, nos anos de 1980, observavam-se algumas destas experiências
realizadas com objetivos de iniciar o processo de seletividade de lixo pelo governo
municipal. ONGs locais, também, envolveram os estudantes e professores em
atividades realizadas em datas comemorativas (dia do meio ambiente, dia da árvore,
etc.) na realização de passeatas e mutirões de limpezas em praias, onde recolhiam
lixo.

Entendo, no entanto, que, em termos específicos de educação


institucionalizada, no que diz respeito à formação de professores e currículos
escolares, a EA ainda não está bem definida. O que mais se aproximou, até esse
momento (2004), de iniciativas no campo da educação escolar para tratar das
questões ambientais nas escolas foram os Temas Transversais (TT), proposta
curricular governamental que vem no bojo dos Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCNs)  guia curricular nacional que foi proposto pelo Ministério da Educação
(MEC).

Essa proposição do MEC quanto à organização dos TT está centrada na


justificativa de que as disciplinas convencionais e o modo desarticulado e
fragmentado com que estas vêm tratando os conhecimentos escolares não estariam
dando conta de tratar de um conjunto de questões sociais que assolam a realidade
dos alunos. Os TT seriam, assim, uma alternativa de articulação entre as disciplinas
que fazem parte dos currículos das escolas numa tentativa de superação da visão
fragmentada do conhecimento nas escolas. Essa superação dar-se-ia, segundo a
65

proposta do MEC, mediante a organização de determinados conhecimentos de


modo interdisciplinar e transversal, já que são temas que necessitam de apoio de
todas as áreas, devido ao caráter complexo que os constitui.

Porém, embora os TT admitam que as disciplinas não vêm dando conta de


temas importantes socialmente e sugiram a superação da fragmentação dos saberes
nas situações de ensino, a idéia de um currículo nacional disciplinar jamais é
questionada; ao contrário, é tomada como natural. Cito, aqui, um trecho do texto
dos TT:

As áreas convencionais devem acolher as questões dos TT de


forma que seus conteúdos as explicitem e que seus objetivos
sejam contemplados [...] Não se trata, de que os professores
das diferentes áreas devam parar sua programação para
trabalhar os temas, mas sim de que explicitem as relações
entre ambos e as incluam como conteúdos de sua área,
articulando a finalidade do estudo escolar com as questões
sociais[...] (p. 27).

Portanto, os TT são sugeridos como temas interdisciplinares e transversais


mas devem acontecer no mesmo espaço destinado às disciplinas tradicionais
sempre que os conteúdos disciplinares possibilitarem. Porém, contraditoriamente,
esse documento também sugere que certas áreas, devido à natureza de seus
objetos, são mais propícias aos trabalhos com as questões ambientais do que
outras. As que se identificam como o tema seriam as ciências naturais, geografia e
história; às demais disciplinas cabem a condição de contribuintes eventuais ao
desenvolvimento da EA na escola.

Neste momento, acho que alguns pontos devem ser observados.


Primeiramente, os TT ao considerarem certas áreas como mais adequadas para
tratar certos temas, se contradizem naquilo que colocam como objetivo, de que
todas as disciplinas devem introduzir os TT.

Em segundo lugar, a fabricação histórica e política da educação como


disciplinar é completamente desconsiderada. O que se coloca como necessário é,
simplesmente, organizar os conteúdos disciplinares de tal modo que eventualmente
seja possível introduzir os TT.

Em terceiro lugar, temas como ética, pluralidade cultural, meio ambiente,


saúde, orientação sexual e trabalho, temas realmente importantes para a educação
66

escolar e que deveriam ser centrais no processo educativo ocupam posição de


menor importância em relação aos conhecimentos estabelecidos e tidos como
prioritários. Tenho que concordar com Macedo (1999) quando diz que as propostas
do MEC não “embutem, em sua lógica, a centralidade que afirmam ter os temas
transversais” (p.56).

Outra questão que fica clara no texto dos TT é que a interdisciplinaridade é


tratada como um processo harmonioso, consensual e simples, ou seja, desprovida
de relações de poder e de disputas. Os TT desconsideram as disputas entre as
disciplinas quanto à manutenção ou superação dos saberes e quanto aos tempos e
espaços que ocupam nos currículos escolares; desconsideram as condições de
trabalho das escolas e dos professores e delegam aos mesmos a tarefa de
produzirem as condições para que a interdisciplinaridade aconteça. Ou seja, por
essa orientação, “cada professor, dentro da especificidade de sua área, deve
adequar o tratamento dos conteúdos para contemplar o tema meio ambiente, assim
como os demais temas transversais” (PCNs,TT, p.193).

A impressão que se tem, diante do texto normatizador e prescritivo dos TT, é


que basta que os professores normalmente “incluam” os TT em seus conteúdos
convencionais para que as questões sugeridas sejam contempladas, contribuindo,
assim, para a mudança de valores e atitudes dos alunos. E, para que isso aconteça,
a receita está pronta nos TT: os conteúdos a serem tratados, as disciplinas mais
importantes, as relações entre as disciplinas, os modos de fazer, os conceitos e as
noções básicas para “auxiliar” o professor.

O meio ambiente é considerado pelos TT como um “patrimônio básico para a


vida humana” (PCNS,TT, p. 169). Neste pequeno dito já se pode fazer uma outra
reflexão sobre a proposta do MEC. A representação de EA que perpassa o texto
está profundamente marcada pelo significado antropocêntrico de sociedade  o
homem como referência para todas as ações e a natureza como um bem
necessário. A própria idéia de patrimônio é ilustrativa desta representação. No
dicionário da Língua Portuguesa (Ferreira, 1986), patrimônio é considerado como
herança, bem, dote ou pertencente, algo que está à disposição, algo que se possui,
um bem material, sem vida, fixo. Os TT enfatizam que esse bem natural vem sendo
utilizado indevidamente pelos seres humanos e que chegou o momento de agir e de
67

se redimir com o mesmo. É com essa perspectiva que o tema meio ambiente é
apresentado para as escolas e seus sujeitos.

As práticas pedagógicas que essas políticas apresentam dizem respeito a


práticas quase que exclusivamente de ação no ambiente natural. A leitura que faço
dos TT é de que o objetivo da EA é resolver os problemas materiais e visíveis que
se apresentam no ambiente natural. Isso pode ser verificado tanto nos textos como
nas imagens que fazem parte do documento apresentado pelo MEC. É o ambiente
degradado, a natureza destruída que necessita ser reconstituída e a escola
necessita atuar para resolver esses problemas.

Os discursos que são expressos nos TT estão tomados de uma


representação de EA como utilitária para a resolução dos problemas ambientais. Em
vários momentos no texto encontra-se o enunciado “solução para os problemas
ambientais” como um objetivo das atividades educativas. As sugestões colocadas
pelos TT para dar conta dessa solução dos problemas ambientais, por parte das
escolas, dizem respeito a práticas pedagógicas pautadas por ações pragmáticas e
pontuais (passeios, seletividade de resíduos, exposições...).

Assim, a introdução recente da EA na escola parece seguir algumas


características que Macedo (1999) e Goodson (2003) vem apontando para o
surgimento de algumas disciplinas ou conhecimentos curriculares. Ambos explicam
que essa característica de solucionar os problemas sociais que se apresentam na
sociedade tem sido considerada como uma característica tradicional no campo da
educação escolar para definir a presença ou não de temas ou disciplinas40 nas
escolas. O argumento dos autores parte da idéia de que não é unicamente o status
científico de uma área que possibilita a criação ou manutenção de uma disciplina na
escola. O que conta, realmente, é a característica de utilidade de um saber para
solucionar problemas que se apresentam numa realidade social específica, é a
certeza dessa utilidade que vai determinar e garantir se um saber é ou não
necessário de ser ensinado na escola. Essa idéia de utilidade social dada às
disciplinas ou temas escolares explicaria as intensas lutas e disputas em torno de
fazer da EA um tema a ser tratado na escola e a relação que os TT fazem entre a

40
Falarei mais atentamente sobre a questão das disciplinas em um tópico posterior
68

educação escolar e os temas ambientais (um meio de resolver e solucionar os


problemas ambientais).

Tanto nas atividades como nos conteúdos que os TT propõem, o que se


verifica é a idéia de que “o trabalho pedagógico com a questão ambiental centra-se
no desenvolvimento de atitudes e posturas éticas, e no domínio de procedimentos,
mais do que na aprendizagem de conceitos” (PCNS,TT, p. 201); ou seja, esse
trabalho pedagógico visa moldar os comportamentos dos alunos e professores para
solucionar os problemas ambientais que se manifestam em suas realidades.

Quanto aos conteúdos e às práticas pedagógicas de EA os TT indicam que


“os procedimentos merecem atenção especial [...]. Os conteúdos dessa natureza
são aprendidos em atividades práticas. São um como fazer que se aprende fazendo,
com orientação organizada e sistemática dos professores” (PCNS,TT, p. 204).
Assim, as práticas escolares sugeridas pelos TT dizem respeito à manutenção da
limpeza do pátio da escola, práticas orgânicas na agricultura, formas de evitar o
desperdício, visitas a parques, atividades eventuais de articulação entre as
disciplinas que culminam em exposições, atividades de saídas e passeios que,
segundo os TT, proporcionam ao aluno oportunidades para conhecer a realidade
social e os problemas da natureza.

Os conteúdos sugeridos sobre as questões ambientais dividem-se em três


blocos: a natureza cíclica, sociedade e meio ambiente, manejo e conservação
ambiental. O que observei nestes conteúdos apresentados é que estes praticamente
não se diferenciam dos encontrados nos currículos ou livros didáticos de ciências,
geografia e história. Assim, quero sustentar que a proposta dos TT é marcada pela
ambigüidade, não alterando a fragmentação disciplinar e, em termos de
conhecimentos e saberes não consegue romper efetivamente com a concepção
estruturada pela tradição.

Porém, o conjunto discursivo e os desejos que os TT colocam à disposição


das escolas pressupõem um certo modo de compreender a EA: posicionam relações
entre disciplinas e entre professores, definem os conhecimentos e as práticas que
são mais ou menos importantes e reafirmam representações e significados que
acabam tendo efeitos no cotidiano escolar.
69

As propostas dos TT são, sem dúvida, uma tentativa de produção de


significados sobre a EA nas escolas. E, embora os professores insistam que não
lêem os conteúdos dos TT, é sabido que os discursos e as representações que os
TT colocam em prática fazem parte de toda a arquitetura escolar atual: cartilhas,
livros didáticos, legislação e demais materiais pedagógicos que são desenvolvidos
para as escolas brasileiras. Esses materiais acabam, de alguma forma, indo parar
nas mãos dos professores. Assim, mesmo que os professores nunca abram um dos
livros dos TT, eles sempre estarão envolvidos nos discursos que essas políticas
instituem como discursos verdadeiros e importantes.

4.2 EA, Governo local e Escola

Todas as escolas investigadas descrevem seus interesses em EA datando-os


em um momento histórico que se dá a partir de iniciativas de políticas públicas
desenvolvidos na área ambiental pela Prefeitura Municipal de Pelotas.

A primeira dessas políticas apresentou-se em 1992, com a iniciativa do


“Projeto Adote Uma Escola” (PAUE) que foi desenvolvido e estruturado pelo Serviço
Autônomo de Saneamento de Pelotas (SANEP). Este projeto dirigia-se
especificamente às escolas e tinha como objetivo a orientação de estudantes para a
separação do lixo limpo41. Ao serem incluídas no projeto, as escolas ganhavam
latões com as cores dos materiais a serem separados e recebiam apoio técnico para
desenvolverem os projetos de seletividade do lixo.

O apoio dado às escolas resumia-se em palestras e oficinas (sobre


aproveitamento de sucatas) que eram desenvolvidas, tanto com professores como
com alunos, por técnicos do órgão público. Em dias específicos, o lixo era recolhido
e pesado e, na medida em que estes materiais fossem vendidos, os recursos
retornavam às escolas.

Atualmente, funciona deste mesmo modo. Nas escolas que pesquisei, alguns
professores deixaram claro que o fato de as escolas receberem pela seletividade
dos resíduos foi importante na decisão da escola de se incluir neste projeto. Os

41
Resíduos reaproveitáveis ou recicláveis.
70

recursos42 recebidos são utilizados nas escolas, todas muito empobrecidas e em


condições precárias de existência, para suprir as diferentes necessidades que se
colocam cotidianamente: merenda escolar, produtos de limpeza, material didático,
ônibus para passeios, pequenos reparos na escola (vidros, telas, salas, lâmpadas).
Os professores que trabalham com EA recolhem lixo na comunidade com seus
alunos, trazem de casa, solicitam aos pais e alunos que colaborem com escola
trazendo materiais não utilizados.

Em uma escola que visitei, quando ainda trabalhava na SQA, uma professora
disse-me que precisava sair cedo com os alunos para fazer recolhimento de lixo
senão os “catadores” chegavam primeiro e não sobrava nada para a escola.
Segundo a professora, o lixo que era produzido na escola não gerava muito recurso,
então eles tinham que buscar na comunidade.

O lixo foi, então, a primeira relação com o tema ambiental que os professores
tiveram contato. Eles mesmos consideram isso como um ritual de passagem, como
uma primeira sensibilização para a EA.

As palavras da professora Elaine podem ser representativas desta afirmação.


Sobre a relação da escola com o tema lixo ela comenta: nós educadores nos
limitamos ao lixo; a água, não nos aprofundamos porque falta
conhecimento...a gente não sabe muito ainda!!! A questão do lixo nos chamou
a atenção no momento em que a gente começou a ver muito nos encontros,
palestras, cursos o reaproveitamento dos descartáveis, isso com o PAUE. A
gente começou a trabalhar muito essas questões ambientais pelo lixo porque
foi o que se aproximou da gente primeiro.

O PAUE continua até hoje, embora, por algum tempo43, tenha ficado no
esquecimento e algumas escolas tenham abandonado o projeto diante do
argumento de que com o tempo, o lixo não era mais recolhido nos prazos
combinados e se acumulava no pátio da escola, juntando bichos e exalando cheiro
desagradável.

42
Os recursos são repassados às escolas, trimestralmente, pela Prefeitura.
43
De 1996 a 2001.
71

A partir de 2001, com a troca do governo municipal, foi criada uma nova
Secretaria que passou a cuidar exclusivamente das questões ambientais: a
Secretaria de Qualidade Ambiental (SQA). O surgimento desta Secretaria não pode
ser visto se não como produto de uma relação bastante ampla de alguns militantes
de ONGs ambientalistas com o novo governo que se instaurava.

O histórico do campo ambiental em Pelotas constituiu-se a partir de intensas


lutas destas ONGs em torno da legislação ambiental local, preservação de áreas
importantes para o equilíbrio ambiental (banhados, parques), construção de um
Conselho de Proteção Ambiental com poderes deliberativos e tantos outros. Esse
histórico de constituição de um campo ativo em torno das questões ambientais em
Pelotas parece estar ligado, entre outros fatores, à localização geopolítica de
Pelotas e às suas características naturais: praia, banhados, fauna e flora, etc.

A SQA, então, efetiva os sonhos desses ambientalistas, o de ter um órgão


municipal exclusivo para as questões ambientais. A SQA nasce investida de poder: o
poder de tratar de todos os problemas de ordem ambiental ou de organizar um
espaço para discussão e encaminhamento dessa questão, antes disperso no
município. A organização da Secretaria e alguns dos cargos que foram criados para
seu fucionamento priorizaram as experiências de membros de ONGs. O próprio
secretário44 é um reconhecido ativista ambientalista oriundo de uma ONG tradicional
no município.

Porém, com o surgimento da SQA e das ações que coloca em prática,


algumas coisas se modificam em termos do funcionamento do campo ambiental em
Pelotas, emergindo um deslocamento da posição do governo municipal e dos
ambientalistas neste campo. Em termos governamentais, a Prefeitura toma para si
os compromissos com o tema ambiental. O que em anos anteriores, era tratado
apenas por um departamento chamado de “Ação e Meio Ambiente” que ficava
situado na Secretaria de Urbanismo e Meio Ambiente (SMUMA) com poucos
recursos e número reduzido de pessoal para desenvolver suas ações, ganhou toda
uma estrutura própria.

44
Alexandre Melo, membro do CEA ONG ambientalista.
72

Porém, em termos de administração, no que diz respeito às questões de


organização interna das secretarias, a SQA parece ocupar um segundo plano na
questão das prioridades administrativas. Outra questão importante é que, embora
seja atribuída a SQA à questão ambiental, não ficou muito bem definido sua relação
com o SANEP, órgão que é responsável pelo tratamento da água e pelo
recolhimento do lixo, sendo essa questão, objeto de disputa interna entre esses dois
órgãos oficiais do município.

Atualmente, é esta secretaria que organiza eventos, produz projetos e capta


recursos para que esses aconteçam. No bojo dessa organização, as ONGs
ambientalistas são chamadas a trabalhar em conjunto. Porém, a organização, os
objetivos, as características, as datas importantes, os materiais produzidos e os
locais onde acontecerão partem, na maioria das vezes, das proposições da SQA. Os
convidados a participar deste processo têm o papel de “avalistas” daquilo que é
proposto, ou seja, de dar legitimidade para as ações a serem realizadas. As
participações das ONGs limitam-se a realizar certas atividades (oficinas, palestras,
minicursos, participação em projetos) em eventos propostos pela SQA e, em muitas
vezes, essas participações são financiadas pela SQA. Assim, parece que o
movimento ambientalista tornou-se quase uma extensão desta Secretaria.

Muitos são os fatores que levaram a essa condição do campo ambiental em


Pelotas. Não se pode deixar de ver as relações de poder que aí se estabelecem
como sendo, a todo o momento, negociadas. Pode-se perceber que esse é, no
momento, um espaço (SQA) onde grupos diversos têm a possibilidade de dar
visibilidade às suas ações e de mostrar que existem. As dificuldades burocráticas
para conseguirem financiamentos e, por conseguinte, as dificuldades de certos
grupos em se manterem economicamente, colaboram para que esses grupos se
associem aos trabalhos da SQA.

Nesta relação, a SQA como grupo dominante, estrutural, econômica e


discursivamente, posiciona-se no campo ambiental a partir de um poder por
delegação, ou seja, os demais grupos legitimam e permitem sua existência ao
mesmo tempo em que negociam espaços, recursos e discursos.
73

As políticas de gestão da SQA passaram a ser desenvolvidas a partir de


quatro questões básicas: controle e fiscalização ambiental; arborização da cidade;
coleta seletiva do lixo; Educação Ambiental. Nestas perspectivas, as escolas
passaram a ser chamadas para se envolverem nos projetos e atividades realizados
e foram um campo prioritário para as ações oficiais do governo municipal.

No que diz respeito à EA, a maioria dos projetos desenvolvidos tem ligação
direta com as escolas do município: O projeto Recreando, que realiza oficinas de EA
no Ecocamping municipal  área de preservação ambiental mantida pela Prefeitura;
a “Oficina Ecopedagógica”, que trabalha com reaproveitamento de sucata e é
oferecida exclusivamente a professores; o “Projeto Adote Uma Escola” (PAUE), que
trata de seletividade de resíduo.

Além destes projetos, outras atividades são desenvolvidas pela SQA: o


“Ecodebates”, palestras e discussões sobre temas ambientais que, segundo a
Secretaria, são temas polêmicos e pouco discutidos45; o “Junho Ecológico” e a
“Semana da Primavera”, eventos pontuais que acontecem em datas específicas
como, respectivamente, dia mundial do meio ambiente (mês de junho) e a chegada
da primavera (mês de setembro). Estes últimos eventos citados são organizados
através de passeios de barcos, visitas a museus e à zona rural, gincanas, palestras,
oficinas e exposições de trabalhos escolares.

Os materiais impressos e digitais produzidos pela Secretaria são


constantemente enviados às escolas ou os professores os procuram para
organizarem atividades. Quero ressaltar que esses materiais são de caráter
prescritivo e comportamental: ditam os modos e comportamentos “ambientalmente
corretos” a serem desenvolvidos pelos sujeitos ou se limitam a informar as técnicas
de plantar árvores ou separar o lixo.

Outro fator interessante é que as escolas passaram, constantemente, a


procurar os técnicos da SQA e do SANEP para participarem de suas atividades
internas (palestras, oficinas) de qualificação de professores. Isso pode ser
observado nas palavras de alguns professores entrevistados.

45
Entre os temas observam-se as questões sobre os produtos transgênicos, legislação ambiental,
estações rádio base, mudanças climáticas, água.
74

A professora Ana afirma que no desenvolvimento de seu trabalho: busco


parceria desde as igrejas, na SQA, no SANEP, em tudo que puder e quando
tem algum evento e eu puder participar e acrescentar conhecimento naquilo
que eu aprendi para repassar esse conhecimento, eu não perco tempo eu
gerencio a coisa na escola, negocio e vou.

As palavras do professor José seguem na mesma direção: busco subsídios


nos encontros, no material que a SQA tem. O SANEP todos os anos vem aqui,
o pessoal do horto também. [..] a gente vê que de uns anos pra cá a SQA
ajudou muito, é um suporte que a gente tem.

A professora Verônica também, reafirma a aproximação das escolas com os


órgãos do governo municipal: a gente sempre que possível traz palestrantes.
Semana passada veio uma moça da empresa de ônibus Embaixador e ela falou
sobre reaproveitamento de lixo. O pessoal da SQA vem sempre também. Outro
dia veio uma pessoa falar sobre o tempo. O ano passado, veio o SANEP falar
da água. Viu-se quanto uma pessoa gasta de água no dia a dia ... é por aí.

Como pode ser observado nas falas dos professores, os discursos sobre as
questões ambientais e sobre a EA do governo local (SQA e SANEP) vêm sendo,
constantemente, mobilizados no espaço escolar. Todavia, há que se levar em
consideração que, embora esses discursos governamentais se aproximem muito,
eles não são os mesmos. As relações entre esses órgãos, como já falei
anteriormente, não estão desprovidas de relações de poder; eles mesmos disputam
a produção de significados sobre o ambiental, no município. Isso pode ser
observado nos constantes conflitos acerca das políticas que desenvolvem,
principalmente, no que tange a coleta seletiva de lixo.

Exemplos destes conflitos são os que se dão em função da decisão do uso


das terminologias “lixo limpo” ou “lixo reciclável”, os desacordos quanto às cores
utilizadas para simbolizar os resíduos a serem separados ou quanto aos tipos mais
adequados de lixeiras a serem adotadas pelo município. Entendo, como Silva, que
essas condições de disputas entre os grupos devem-se ao fato de que

os diferentes grupos sociais não estão situados de forma


simétrica relativamente ao processo de produção de sentido.
Há um vínculo estreito e inseparável entre significação e
75

relações de poder. Significar, em última análise é fazer valer


significados particulares, próprios de um grupo social, sobre os
significados de outros grupos, o que pressupõe um gradiente,
um diferencial de poder entre eles. (SILVA, 1999, p. 23)

Neste jogo por impor significados, tem que se considerar que esses discursos
não são fixos; hora um se impõe mais, hora outro. Porém, os materiais utilizados nas
escolas são, em grande maioria, segundo os professores, os distribuídos pela SQA.
Também é sabido que os professores vêm sendo muito requisitados a participarem
das atividades produzidas por esta Secretaria. Isso mostra que a escola é
reconhecida como um instrumento efetivo de produção de sentidos e de divulgação
das práticas de gestão ambiental preconizadas pelas políticas públicas municipais.

Considero o discurso do governo municipal como um processo de produção


de significados, porque, ao manter relações estreitas com as escolas, coloca-as, a
todo momento, em contato com seus panfletos, palestras, oficinas e projetos
carregados de significados sobre os questões ambientais. Esses discursos
reafirmam certas representações acerca das questões ambientais e dos modos de
tratá-la. Neste caso particular, os objetivos da EA giram em torno da gestão
ambiental, ou seja, de se produzirem políticas e ações técnicas para se resolverem
os problemas enfrentados no ambiente natural: agressões aos elementos naturais,
descumprimento da legislação, tratamento de água e esgoto, limpeza e manutenção
de ruas e praças, despoluição da lagoa e outros. Isso vem marcando os modos de
pensar e agir dos professores e produzindo efeitos nos tipos de EA que se
desenvolvem nas escolas. Cito, a seguir, um exemplo de como a idéia de gestão do
ambiente perpassa as falas dos professores:

Sempre é discutida [com os alunos] a necessidade de melhorias no bairro. A


balneabilidade da lagoa, por exemplo, já conseguiram fazer relação.
Perceberam que além do trabalho das outras Secretarias a coleta seletiva
ajudou para que a lagoa se tornasse balneável. Esse é um impacto nas
respostas deles que se observa, eles já pensam sobre isso e tão começando a
se preocupar, a cobrar uns dos outros. (Ana)

As palavras do professor Cleber também se aproximam dessa concepção de


gestão do ambiente como tarefa da escola: Se o cara souber que aquela garrafa
PET jogada pode ser responsável pela enchente que acontece aqui... amanhã
76

nós vamos ter grandes esclarecimentos com o Soler46 que vai falar sobre
mananciais e sobre água. Assim, a gente vai poder entender porque teve a
enchente e nós poderemos pensar o que fazer como comunidade porque isso
é condição de organização e se a Prefeitura não tem condições de fazer nós
temos que fazer. (Cleber)

Parece que esse modo de conceber a EA como gestão do ambiental favorece


e reafirma a concepção “naturalista” de EA que também permeia a educação escolar
via TT. Assim, as representações que os professores vêm mobilizando sobre a EA
nas escolas estão muito ligadas a um sentido de natureza como um outro à parte,
distante. Que “como um objeto de conhecimento, é fixado, congelado, imobilizado”
(Silva, 1999, p. 51), quase uma paisagem que precisa ser consertada. O papel da
escola, nesta concepção, é produzir mecanismos comportamentais “no” e “para” o
ambiente natural que sejam capazes de dar conta dos problemas que se
apresentam numa dada realidade. Isso pode ser observado nas falas de alguns
professores, como apresento nos exemplos a seguir.

A professora Cleusa comenta, aparentemente ressentida com as condições


atuais da escola: a gente saía, fazia panfletagem, ia visitar a comunidade e
observar o ambiente pros lados das bombas, porque lá a gente vê a poluição,
a grande quantidade de lixo. Tem até móveis! Eles fotografavam e depois na
sala de aula eles (alunos) relatavam o nosso ambiente ou faziam exposições
sobre o que viram.

Num relato que fez num curso de formação de EA, observa-se a visão
naturalista que permeia a fala da professora Verônica: Nós começamos fazendo
uma pesquisa, um levantamento com alunos, professores e funcionários sobre
quais eram os problemas ambientais da escola, porque a escola também
produz impacto no ambiente. Perguntamos o que é meio ambiente; se existem
problemas ambientais na escola; se estes problemas incomodam... por aí ...
observamos que informação eles têm e, como o lixo era o principal problema,
começamos por ele.

46
O Soler é, como ele mesmo se intitula, um advogado ambientalista de Pelotas que faz parte da
ONG CEA, foi Secretario de Planejamento Urbano do município e trabalhou também na Secretaria de
Meio Ambiente de Porto Alegre.
77

Essa compreensão naturalista da EA também pode ser exemplificada nas


palavras do professor José quando ele fala de suas experiências em duas escolas
em que trabalha, uma na zona rural e outra na zona urbana: Eu acho que lá é
diferente porque é uma escola do meio rural e valorizam mais o ambiente, tem
todo um ambiente pra fazer EA. O aluno trabalha melhor, tá no meio da
natureza [...] O meio influencia muito. Eu mesmo tenho idéia de fazer horta na
casa dos alunos e estão me apoiando nisso.

E também nas palavras da professora Cátia: cuidar do nosso ambiente.


Tudo é EA: a rua, o banco, a árvore, as flores, a cadeira, os bichos... sei lá? ...
tudo.

O professor Cleber compartilha, com os demais, da visão naturalista da EA: a


gente procura sempre quando é relacionado com meio ambiente tirar eles
[alunos] da sala de aula porque é uma coisa muito burocratizante trabalhar o
ambiente só em cima de imagem, assim a gente vai no ambiente mesmo pra
mostrar como é.

Como pôde ser observado, esse processo de produção de significados de


gestão da natureza, para “consertá-la” ou “reconstruí-la”, tem sido alimentado
constantemente no ambiente escolar. Isto aparece, claramente, em alguns dos
discursos que são levados aos professores, principalmente através dos técnicos da
SQA47: “a cidade está suja”, “não temos mais local onde colocar o lixo que aumenta
a todo o momento”, “a cidade está abaixo dos índices de arborização sugeridos pela
Organização Mundial de Saúde (OMS)”, “a lagoa está poluída, estamos perdendo
turistas e qualidade de vida”.

Como estratégia discursiva para sustentar essas colocações esses discursos


partem de comparações e relações com um passado remoto em que o município se
constituía de uma beleza natural incomparável. Nestes discursos, é sempre
valorizada a necessidade de ações imediatas nos comportamentos humanos para
que se possa retornar a como era a situação do município no passado, em vista de

47
A fonte desses discursos é minha própria memória e meus rascunhos, haja vista que eles fizeram
parte de minhas falas enquanto exercia meu trabalho nesta Secretaria. Eu também observava esses
discursos nas falas dos meus colegas de trabalho quando os acompanhava em palestras ou visitas a
escolas.
78

que, se isso não acontecer, teremos desagradáveis problemas de qualidade de vida


no município. Percebe-se, nestes discursos, uma nostalgia da imagem de uma
natureza essencialmente bela e intocada. Esses são discursos marcados por aquilo
que Grün (2000) chamou de “discurso arcaico”, que tem como marco fundamental o
pensamento do naturalismo inglês, cujo representante Gilberto White (1720 - 1793),
“esposava de uma visão arcaica das relações dos seres humanos com a natureza.
Ele advogava aos humanos que levassem uma vida simples, modesta e humilde
para assim restaurarem uma coexistência pacífica com os outros organismos vivos”.
(GRÜN, 2002, P. 68).

Quero defender que a citação e repetição constante dos discursos do governo


municipal sobre as questões ambientais e as estratégias que coloca em ação
acabam por produzir efeitos nas escolas; são discursos que possuem uma
produtividade48; ou seja, produzem representações e práticas pedagógicas
específicas com as quais projetos são construídos; significados são fabricados,
atividades são realizadas e sujeitos muito particulares são constituídos.

Os professores ao entrarem em contato com esses discursos do governo


local constroem suas representações e realizam suas práticas de EA. Como são os
professores que definem o que deve ser feito em termo de EA nas escolas são eles
que têm o poder de fabricar os significados e as experiências que acontecem nas
escolas. O que me leva a dizer que representação e poder estão intimamente
ligados, pois quem tem o poder de representar, neste caso os professores, estrutura,
desenha, arquiteta o campo de ação dos outros  os alunos  e de si mesmo.

Em termos de organização dos saberes científicos sobre o ambiente em


algumas das escolas estudadas, a autorização para tratar da EA foi concedida à
áreas de conhecimento que, segundo os professores, por “essência” tratam da
natureza, quais sejam, Ciências e Geografia. Os professores destas áreas ocupam
os cargos de coordenadores49 dos projetos de EA e são eles que praticamente
direcionam os projetos e atividades que são realizados nas escolas. Alguns são

48
A produtividade dos discursos sobre a EA nas escolas será tema do próximo capítulo do trabalho.
49
Apenas em uma escola não existe a função de coordenador de EA e essa questão é tratada pela
coordenadora pedagógica. No entanto, nas entrevistas, pude observar que são os professores de
Ciências e de Geografia que mais se envolvem com o tema ambiental, portanto, a situação é
semelhante as outras escolas, apenas, são invertidas as situações.
79

liberados das salas de aula, em determinados turnos, para se dedicarem


exclusivamente aos projetos que desenvolvem e os que não tiveram ainda esta
oportunidade lutam muito por isso. As justificativas para terem este tempo livre se
dão, segundo os professores, porque todos estão com a carga horária muito
carregada e não têm tempo para tratar dos projetos de EA  esse tempo livre
permitiria a eles estarem em contato com os outros professores e, assim,
conseguiriam planejar as atividades de EA.

No entanto, não esqueçamos que a EA que é pensada por esses professores


está vinculada à idéia naturalista e de ação ou gestão da natureza; portanto, fazer
EA é planejar saídas e visitas de observação a algumas áreas, realizar exposições
de cartazes sobre dia especiais, realizar panfletagem sobre separação de lixo, sobre
cuidados para evitar certas doenças (Leptospirose, dengue), comportamentos
corretos quanto ao uso da água e coletar lixo na comunidade com os alunos. Já
coordenar é buscar auxílio dos outros professores, é conseguir recursos para
ônibus, cuidar da seletividade de resíduos (em todos os aspectos). Isso, segundo os
professores, demanda tempo extra de trabalho. Utilizo-me das palavras de duas
coordenadoras como exemplo do que quero mostrar:

Apesar de eu ter o meu projeto de EA eu ando louca pra largar porque não me
é dada nenhuma hora a mais para o projeto. Apenas dizem que EA se faz na
sala de aula e eu acredito que nem tudo é sala de aula. (Cleusa)

Eu mandei os projetos para a SME e agora tenho a tarde livre para tratar dos
projetos. Eu acho que agora vai melhorar porque antes nem podia falar com os
outros colegas, era só aula e aula, eu nem encontrava os outros. (Verônica)

É importante salientar que essa posição de coordenador de EA proporciona


aos professores um certo “status” nas escolas; são eles que organizam e são
responsáveis pelas atividades de EA, falam sobre o assunto, fazem cursos,
participam de encontros e apresentam trabalhos em seminários. Em relação aos
demais colegas, são considerados as autoridades no assunto.

O que coloquei pode ser exemplificado pelas palavras da professora Maria:


nós trabalhamos muito. Quando eu tenho qualquer dúvida eu procuro a
80

Verônica porque ela tá bem por dentro disso e ela nos dá o maior apoio, ela
sabe de tudo sobre meio ambiente.

A professora Cátia admite que seu papel no projeto da escola é, meramente,


de auxiliar: o meu trabalho com a Cleusa é de ajuda, o que ela pedir eu faço.
Ajudo. Eu nunca digo não pra minha escola e pros meus colegas e é ela que
sabe de ambiente.

Em tempos de desvalorização da educação em geral, e da profissão docente


em particular, ser educador ambiental se constituiu em um lugar de prestígio e
valorização desta profissão.

Por outro lado, a EA tornou-se projeto de professores que, por sua formação,
como eles mesmos dizem, são particularmente “sensibilizados”, “tocados”,
“conscientizados” e possuem os conhecimentos necessários para tratar das
questões que afetam a natureza. Estas características afastam e diferenciam as
subjetividades docentes no âmbito da escola; como os demais professores não
possuem este “diferencial”, não podem tratar das questões ambientais. Esta é uma
das causas que, considero, dificultam a tão discutida interdisciplinaridade e
transversalidade da EA.

Penso que, quando a EA entra no espaço escolar via os discursos


governamentais, encontra um “ninho” perfeito, pois vem ao encontro de
representações já instituídas nas escolas. Os TT, como já mostrei, movimentam-se
nessa mesma concepção de EA: naturalista, pragmática e utilitária com intenções de
produzir comportamentos considerados corretos.

O discurso e as práticas do governo municipal, ao reafirmarem esse modo de


tratar a EA, colocam em ação as narrativas dos TT. Nesse processo, esses
discursos tendem a se complementar, embora, aparentemente, com intenções
distintas: os TT, de organizarem, ordenarem e prescreverem a EA na escola e
definirem os temas, as práticas pedagógicas, as áreas do conhecimento em que isso
deve acontecer; o governo municipal, de que a escola seja “condutora” de suas
políticas de gestão. Deste modo, entendo que ambos têm em comum o desejo de
governar as condutas dos professores em termos de EA e de produzir um campo de
possibilidades de ações no âmbito das escolas.
81

No próximo tópico irei discutir o caráter produtivo desses discursos sobre EA


nas escolas, ou seja, o que é produzido em termos de práticas pedagógicas de EA a
partir das representações e sentidos que os professores professam sobre esse
assunto.
82

5 EA E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS – IMPLICAÇÕES PRODUTIVAS

No tópico anterior, tratei de mostrar como a escola vem sendo objeto de


disputa de diferentes discursos que tratam da questão ambiental. Alguns desses
discursos, dos TT e do governo municipal local, e as estratégias que colocam em
ação, vêm sendo considerados como importantes referências e fontes nas quais os
professores buscam subsídios para desenvolverem suas práticas pedagógicas de
EA. Deste modo, procurei demonstrar que as representações (utilitárias, pragmáticas
e naturalistas) sobre EA que esses discursos levam para a escola influenciam os
modos de pensar e agir dos professores sobre a EA, produzindo efeitos nas escolas:
nas representações que os professores produzem sobre EA; nas práticas
pedagógicas; na posição e no tempo que o tema ambiental ocupará nos currículos
(define e autoriza o tipo de professor que pode fazer EA, em que área a EA pode ser
desenvolvida, em que momento a EA acontecerá e que espaços ocupará).

Neste tópico, pretendo mostrar como os professores traduzem essas suas


representações de EA em experiências pedagógicas. Em termos de posição que a
EA ocupa na escola, isso se dá a partir de um tipo de currículo que chamo de
“currículo turístico”. Como prática pedagógica, está centrada em procedimentos
como a limpeza e o embelezamento do ambiente. Como objetivo principal, as
práticas de EA buscam o esclarecimento e o progresso das consciências escolares.

5.1 EA  um currículo Turístico

Diante das falas dos professores, pude observar que as atividades


pedagógicas de EA podem ser relacionadas a um tipo de currículo que Santomé
(1995) denominou de “currículo turístico”. Esse seria um tipo de currículo, segundo o
autor, que teria as seguintes características principais: a trivialização; a
superficialidade e a banalidade dos temas; a tendência a ter um estilo que se
aproxima de algo como “souvenirs” de uma viagem turística ou dado exótico; o
83

tratamento em dias “D”; a centralização em ações que se caracterizam pela


estereotipagem e pela utilização de estratégias que não levam em consideração os
aspectos históricos que produziram certos problemas sociais, tomando como ponto
de partida a análise do problema concreto, visível.

Nesse tipo de currículo, as experiências escolares de EA acontecem


esporadicamente; são trabalhos ocasionais. Em atividades de dias especiais e
comemorativos  dia do Meio Ambiente, dia da árvore, dia da primavera, dia da
água  os alunos fazem exposições, gincanas em que geralmente competem e
ganham prêmios por recolherem garrafas PET, embalagens, papel, vidros,
apresentam painéis com definições de flora e fauna ou sobre poluição da água, do
solo e outras. Fazem, ainda, visitas a áreas de preservação (munidos de uma
parafernália de enlatados, chips, refrigerantes...), atividades que se parecem muito
com uma atividade meramente recreativa, num local diferente da sala de aula, tanto
para os professores como para os alunos50. Nessas atividades, não existem textos,
explicações e discussões; a atividade é realizada diante da concepção da auto-
reflexão, da auto-informação, do esclarecimento pela apreciação da realidade que ali
se mostra.

As atividades propostas dizem respeito a visitas a áreas de preservação


ambiental para mostrar as belezas da natureza que ali paira quase intocada (esse
sentimento é colocado pelos professores quando falam de lugares como parques ou
áreas de preservação) ou aos chamados mutirões de recolhimento de lixo que, por
outro lado, buscam mostrar os problemas como aumento e o desleixo, em termos de
do destino final do lixo.

O professor José nos da um exemplo dessas atividades realizadas nas


escolas: é nós temos até uma saída com as 5a séries, uma visita à Ilha da
Pólvora , então... ali...assim... depois... os professores fazem trabalhos; eles
vão juntos e planejam trabalhos de acordo com o que eles observarem lá:
manguezais, espécies. Também vamos ao Cassino ver o ambiente que tem ali,
a fauna. Não tem uma parada de conteúdo, é trabalhado junto, os que

50
Este cenário que estou apresentando da EA, parte de questões colocadas pelos professores e,
também, de minhas observações em atividades realizadas com as escolas pela SQA.
84

trabalham é claro, mais da metade trabalha. Fazem textos, desenhos, relatos


do que viram.

Na impossibilidade de organizarem estes passeios, algumas escolas


procuram entidades ambientalistas ou órgãos governamentais que tratem da
questão ambiental e que promovam atividades de EA nas escolas. Os trabalhos que
mais se destacam nestas ações são trabalhos como oficinas de sucatas (onde os
alunos aprendem a fazer brinquedos, jogos, enfeites com papel e garrafas plásticas),
teatros, danças (que se orientam, geralmente, por sons e letras que falam da
natureza) e recolhimento de resíduo sólido em alguns locais. Passados os dias
comemorativos, a escola volta às suas tarefas cotidianas e, quando muito, continua
com o processo de separação de resíduo sólido. Esse projeto, principalmente o
PAUE, resume-se apenas na separação do lixo limpo e tem atraído as escolas
porque é um projeto, como já falei anteriormente, que garante uma verba extra às
escolas.

Deste modo, as falas dos professores sobre o modo como a EA acontece nas
escolas levou-me a considerar esse conceito utilizado por Santomé, currículo
turístico, bastante significativo para expressar o que os professores chamam de EA
nas escolas. Citarei algumas destas falas para justificar o uso que aqui faço desse
termo:

Projeto Integrado é um projeto que começou com as 5a séries e se estendeu


para as 6as . É um projeto interdisciplinar, onde trabalham três professores na
mesma sala de aula. O projeto acontece todas as quintas e estão envolvidos
os professores de História, Geografia, Ciências, Artes e Língua Espanhola.
Agora, os alunos estão sugerindo os temas que querem trabalhar e sobre o
meio ambiente nós preparamos temas, assistimos filmes, fizemos passeios.
Agora vem o dia 5 de junho51 e sugerimos começar a entrar no tema meio
ambiente novamente. (Rose)

A gente fez um trabalho sobre os problemas da cidade, sobre a diversidade


social. Nós percorremos diversos bairros, fomos nas Doquinhas e na Morada
de Nazaré para contrastar um e outro. Eles fizeram entrevistas e tal... Agora

51
Dia cinco de junho é considerado o Dia Mundial do Meio Ambiente.
85

que tá chegando o dia do Meio Ambiente, acho que a gente pode aproveitar o
trabalho pra explorar essa questão. (Cleber)

Nós temos vários projetos iniciando, mas o que está mais forte é o do lixo.
Todos participam: os alunos trazem o lixo, as merendeiras também separam e
a gente entrega para o SANEP. Com esse projeto, a gente até conseguiu que a
escola fique mais limpa porque, quando a gente fala para trazer o lixo, a gente
sempre fala, assim, na coisa de estar limpando, de não atirar papel de bala no
chão, de deixar tudo separadinho, e eles [alunos] já observaram que é muito
bom ter o ambiente limpinho. (Érica)

Atividades integradas... ah!!! isso é mais na Semana do Meio Ambiente. Aí, a


gente faz cartazes, desenhos, exposições...Durante o ano a gente faz gincanas.
Quando a gente tá fazendo gincana do lixo é só lixo mesmo. Em outros
momentos, a gente faz cartazes de conscientização. (Cleusa)

Não é uma disciplina, então, a gente desenvolve quando um texto se propicia


para trabalhar ou quando tem uma notícia, não há um momento específico.
(Elaine)

Neste tipo de currículo, os conhecimentos são fragmentados, limitados e as


relações históricas e políticas da construção e produção dos problemas ambientais
permanecem intocadas. Ao não se discutirem os conceitos, os valores e os sentidos
das relações sociais, econômicas e políticas e as implicações destas com os temas
ambientais, a escola, quando muito, consegue orientar para certos procedimentos
descontextualizados. Layrarques (2002), no texto “O cinismo da reciclagem: o
significado ideológico da reciclagem da lata de alumínio e suas implicações para
educação ambiental”, faz uma crítica bastante significativa aos projetos de educação
ambiental centrados unicamente na seletividade do lixo e mostra os limites
produtivos dessa abordagem:

apesar da complexidade do tema, muitos programas de


educação ambiental na escola são implementados de modo
reducionista, já que, em função da reciclagem, desenvolvem
apenas a Coleta Seletiva de Lixo, em detrimento de uma
reflexão crítica e abrangente a respeito dos valores culturais da
sociedade de consumo, do consumismo, do industrialismo, do
modo de produção capitalista e dos aspectos políticos e
econômicos da questão do lixo. (p. 180)
86

Layrarques quer mostrar que a educação ambiental que vem sendo realizada
nas escolas tem-se preocupado mais com medidas pragmáticas para a seletividade
de resíduos do que com os questionamentos sobre os significados que originam
essa problemática.

A idéia da seletividade e reciclagem do lixo, como bandeira de EA, também


pode ser vista como uma estratégia Neoliberal com pretensões de reafirmar a idéia
economicista e utilitarista da natureza. As propagandas da reciclagem, antes de
tudo, vêm confirmando e incentivando o consumismo, em detrimento da redução do
consumo de produtos que produzem grande quantidade de lixo. Os discurso vêm
estimulando, atualmente, a reciclagem como um meio de proteger o ambiente e de
garantir trabalho e geração de renda para aqueles que vivem em situações de
miséria na sociedade.

Porém, mais do que estas preocupações, para as empresas, estes são bons
e lucrativos argumentos, posto que “é muito mais econômico reciclar latas de
alumínio do que produzi-las a partir do metal novo. E, assim, a lata de alumínio
torna-se a mais fácil e lucrativa fatia da reciclagem” (LAYRARGUES, 2002, p.199).
Observa-se que é muito mais fácil e, principalmente, lucrativo para as indústrias
direcionarem recursos e incentivarem projetos de seletividade de resíduos (para
catadores e escolas) do que ela mesma organizar esse processo, o que legalmente
deveria ser sua tarefa. No entanto, para fazerem isso, as empresas precisariam
investir em contratação de mais funcionários, mais transportes para recolhimento
dos resíduos, e, assim, ter muito mais gastos como direitos sociais, com
combustível, etc.

As escolas, diante de suas dificuldades, vêm sendo seduzidas por estas


ofertas (seletividade de resíduos) e se tem observado, em alguns momentos, que os
recursos provenientes das vendas desses resíduos têm-se sobreposto ao ato
educativo. Não se trata de educar sobre o lixo e sobre os problemas sociais e
ambientais, de que o tema poderia tratar, mas de recolher muito lixo e trazer para a
escola vender e produzir recursos extras.

No entanto, isso não acontece por má vontade ou desinteresse dos


professores. O que está em questão é a relação entre dois campos diferentes  o
87

ambiental e o escolar  com regras, estruturas e discursos próprios. Temos de um


lado a educação tradicional, disciplinar, hierarquizante e, de outro, a EA que se quer
interdisciplinar, integradora e transformadora.

Especificamente nas escolas, a EA existe graças à boa vontade e disposição


de alguns professores e como objeto de áreas de conhecimento ou disciplinas que
são consideradas mais próximas da natureza. Neste caso e levando-se em
consideração as escolas estudadas, os professores falam em EA com dois sentido
diferentes. De um lado, é relacionada com as disciplinas de Ciências, Geografia e
áreas a fins. Embora, em termos de conhecimentos científicos, os professores
dessas escolas entendem que existe uma relação mais estreita da EA com os
conteúdos definidos, principalmente, para a área de Ciências. De outro lado, a EA se
resume especificamente a procedimentos e ações (projetos de seletividade de lixo,
plantios de árvores...) totalmente desvinculadas destas disciplinas ou áreas.

A relação da EA com estas disciplinas tem peso importante no modo como as


atividades de EA são organizadas. Durante as entrevistas, alguns professores, que
não são da área de Ciências, declararam que, quando participam de uma atividade
que eles caracterizam como de EA, organizam suas experiências em função daquilo
que os professores de Ciências sugerem. As atividades, em sua maioria, tratam de
observação e plantio de árvores e ervas de chá, observação e pesquisa sobre
desenvolvimento de espécies vegetais e animais, de comportamentos e hábitos de
higiene, etc.

Um exemplo interessante desta relação da EA com a área de Ciências nas


escolas foi o relato de uma professora de artes de uma escola da zona rural52
quando apresentava suas experiências num curso de EA para qualificação de
professores, oferecido pela SME: eu esperei, por muito tempo, que o professor
de Ciências começasse algum projeto de EA, mas ele não tem gosto por meio
ambiente; como ele não tomou a iniciativa, eu e outras professoras sugerimos
algumas atividades de conscientização dos alunos e da comunidade porque lá
[na zona rural] está um grande problema com o lixo. (Luana)

52
Essa professora não fez parte do conjunto de professores que participou deste trabalho, porém
entendo que esse pode ser um bom exemplo desta relação que permeia a EA desenvolvida nas
escolas.
88

Esse interesse das professoras teria causado um certo espanto por parte do
professor de Ciências e, segundo a professora, elas foram obrigadas a pedir licença
ao professor para poder dar continuidade aos trabalhos que desenvolviam. Essas
colocações nos levam a pensar que, em termos de EA nas escolas, impera a força
da tradição, ou seja, o lugar onde se trata dos fenômenos do ambiente ou da
natureza é tradicionalmente na área de Ciências ou, em alguma medida, na área da
Geografia.

Deste modo, percebe-se que não é por nada que são os professores destas
áreas que estão à frente das atividades de EA que acontecem nas escolas, pois é a
eles que vem sendo delegada essa posição, é desses professores que vêm sendo
cobradas atitudes para com os temas ambientais nas escolas. Em minhas andanças
pelas escolas, não apenas neste estudo mas também na condição de funcionária da
SQA, tive oportunidade de me deparar com frases como:  “Terás que voltar outro
dia, pois o professor de Ciências não está ou está em reunião”;  “EA quem trata é
a professora de Ciências” ou “o professor de Ciências irá participar deste evento”.
Os professores, que entrevistei, manifestaram-se muito preocupados com essa
relação entre a disciplina de ciências e a EA.

Veja só!!! Quando chega um documento ou um convite na escola para


participar de cursos, palestras sobre o meio ambiente a primeira pessoa que
chamam é o professor de Ciências ... por quê? Não é para ser de todas as
matérias? Aqui, nós temos, por exemplo, a professora de Artes
participando...mas qualquer coisa é o professor de Ciências, como se ele fosse
o único responsável por tudo. Não que eu não queira ir, mas eu fico pensando,
pô, que coisa né!!! Eu acho que não tem uma conscientização de todos porque
a EA não é só a Ciência que faz. (Cleusa)

Nesta escola fui eu que comecei esse trabalho sobre o ambiente, organizei
caminhadas, recolhimento de lixo e gincanas, mas é difícil fazer com que os
colegas colaborem. A escola é longe, não se tem muito tempo e o meio
ambiente fica sempre para quem é das Ciências porque é a disciplina que tem
mais ligação, então... não sei...eu vivo com bichos nos bolsos, os alunos
trazem e os colegas também. E quando eles encontram um texto ou uma
reportagem sempre tentam me ajudar e dizem  olha eu achei e pensei em ti.
89

Eu não sei o que fazer para mostrar para os colegas que todos têm que se
sensibilizar com isso!!! (Ana)

Essa relação entre EA e ciências é também característica das políticas


públicas educacionais, os próprios TT reafirmam essa concepção, como vimos na
seção anterior. Em vários momentos, nos textos deste guia curricular, a disciplina de
Ciências é colocada como um campo fértil de entendimento dos temas ambientais.
As demais disciplinas são tomadas, contraditoriamente, pelos TT, quase sempre
como áreas que podem contribuir para os debates sobre o tema ambiental.

Assim, não podemos reclamar dos professores quando eles relacionam a EA


com a disciplina de Ciências ou de Geografia e com os saberes que essas áreas
desenvolvem, pois esses são os únicos espaços em que se fala de natureza na
escola. É o único espaço onde se fala de árvores, lixo, doenças, poluição, portanto,
são esses espaços que movimentam discursos que mais se assemelham aos
discursos que circulam na mídia, nos materiais impressos das ONGs e das
secretarias de meio ambiente que são distribuídos para as escolas. Como as
definições acerca dos saberes específicos de EA ainda não estão dadas nas
escolas, prevalece a força da tradição curricular, que se caracteriza por uma
concepção biologicista e cientificista da natureza que vem pautando-se, por
exemplo, pela classificação, hierarquização, observação das espécies da flora e da
fauna.

Mesmo que exista oficialmente (TT) um currículo organizado para a EA nas


escolas e nas suas disciplinas, isso não está organizado oficialmente. O que existe
em termos de EA são projetos particulares de alguns professores para a realização
de suas atividades. Uma das professoras mostrou-me a programação anual da
escola onde constava escrito em uma lista “realizar projetos com os TT” , ao lado de
cada tema o nome específico, entre eles, constava o meio ambiente. Assim, a EA
que acontece nas escolas tem caráter bem turístico, passa algumas vezes, não fica
muito tempo e se não passar também não faz diferença.

Cabe lembrar que essa tem sido a posição geralmente ocupada nos
currículos escolares por aqueles conhecimentos que são tidos como menos
importantes (meio ambiente, sexualidade, ética, gênero, etnia, raça...) e que
90

emergem a partir dos interesses de alguns professores, não havendo um


envolvimento maior da escola como um todo. Os espaços que esses temas vêm
conseguindo ocupar são espaços eventuais e de pouca importância, não exigem
avaliação e não possuem saberes específicos organizados nas escolas. Sendo
assim, são desenvolvidos com ênfase no voluntarismo e na simplificação dos
problemas ambientais a atividades pontuais. Claro que esses temas, a serem
tratados pelos TT, são temas não considerados importantes para o pensamento
atual hegemônico que tem como matriz referencial uma sociedade machista, branca,
heterossexual e objetificadora da natureza. Defendo que a EA vem sendo uma
importante estratégia de manutenção e reafimação desse tipo de sociedade.

Os currículos escolares expressam a cultura e os discursos hegemônicos de


uma sociedade. Portanto, se pensarmos em nossa atualidade e em nossos
currículos, veremos que esses se pautam por uma visão de natureza antropocêntrica
e utilitária, não nos moldes do século XVIII e XIX onde o que estava em jogo era o
domínio da natureza em função da conquista de território e ocupação de espaço
pelos homens e pelas fábricas, mas no sentido de uma sociedade consumista em
todos os sentidos: conhecimentos, produtos, tecnologias, etc. Neste modelo de
sociedade, o que está em jogo é extrair da natureza tudo aquilo que possa saciar os
desejos humanos. Tanto em termos de conforto, riqueza e boa vida, quanto em
termos de seus desejos de apreciação de uma natureza exótica e romântica que
pode ser encontrada nos museus, nos quadros, nos zoológicos, nos jardins, onde
pode, eventualmente, ser contemplada e admirada.

Atualmente, a natureza foi tão imitada pelas novas tecnologias que pode ser
encontrada nas prateleiras dos supermercados, das mercearias e das lojas:
alimentos, perfumes, flores, enfeites e vestuários. Essa natureza tão próxima e tão
pronta dissimula e confunde nosso imaginário e nossas representações sobre a
natureza.

No entanto, essa condição possibilita a facilidade de algumas vidas, pelo


menos daqueles que podem ter acesso a essas mercadorias. Quem de nós não
acha maravilhoso ir ao supermercado e encontrar lá tudo limpinho, selecionado e
separado para trazer felicidade a nossas mesas e facilitar nosso trabalho diante de
um processo social onde não se tem tempo para mais nada. Contudo, sequer
91

questionamos essa condição; não sabemos de onde vêm esses alimentos, quais
suas condições de fabricação, o que acarreta em nossa saúde e apenas, por vezes,
reclamamos dos seus preços.

Amaral (2000) mostra como os anúncios publicitários produzem, diante de


um constante processo de significação simbólico e imagético, certas representações
de natureza onde o natural toma outros significados e, com essas representações,
fabricam, por exemplo, a idéia de que “natural significa beber o esterilizado e
pasteurizado Leite Parmalat” (p. 159), ou associa características, tidas como
próprias de elementos da natureza, como saúde e beleza, a mercadorias que,
sabidamente contradizem esses significados, como nas propagandas de cigarro e
bebidas alcoólicas. A concepção que produzimos de natureza, neste processo
constante e crescente de urbanização, complexidade e consumo, confunde os
conceitos e os significados de natureza com que os sujeitos passam a agir e a se
comportar socialmente. Esse processo colabora cada vez mais na reafirmação de
uma natureza objetificada, utilitária, consumista, externa e oposta à sociedade.

Essa representação de EA vem sendo constantemente reafirmada por


diferentes discursos, por diferentes setores e diferentes atividades como mostrei no
capítulo quatro. A relação dos currículos escolares com a natureza é também a de
conceber a natureza como um objeto “do” e “para” os seres humanos. Pode-se
pensar em algumas atividades propostas pelas próprias disciplinas de ciências: os
professores, quando tratam da fauna e da flora, tendem a exaltar, excessivamente,
as suas características em função dos malefícios ou utilidade aos seres humanos.

Quando falávamos de saberes de EA a professora Ana explicou que esses


saberes já eram desenvolvidos nas suas aulas de Ciências e explicou que:
depende da série que eles estão. Na 5a série, por exemplo, eles trabalham com
vegetais; aí, a gente dá uma ênfase maior aos vegetais ditos prejudiciais, às
plantas tóxicas e aos ditos medicinais. Nas 6a séries, eles trabalham com
animais um pouco para desmistificar a idéia de medo e de que tem que matar
tudo. Eu digo que eles têm que observar, conhecer e entender para gostar!!!
Sabe!!! E digo, também, que alguns dos animais têm muita utilidade e muita
função para a gente, senão por que estariam aqui, não achas?
92

Creio que, depois deste exemplo, pode ser muito interessante citar um trecho
do texto de Carlos Drumond de Andrade (1979), “Da utilidade dos animais” onde ele
coloca uma situação de sala de aula onde a professora explica a necessidade de
querer bem aos animais.

Terceiro dia de aula. A professora é um amor. Na sala,


estampas coloridas mostram animais de todos os feitios. É
preciso querer bem a eles, diz a professora, com um sorriso
que envolve toda a fauna, protegendo-a. Eles têm direito à
vida, como nós, e além disso são muito úteis. Quem não sabe
que o cachorro é o maior amigo da gente? Cachorro faz muita
falta. Mas não é só ele não. A galinha, o peixe, a vaca...
Todos ajudam.
- Aquele cabeludo ali, professora, também ajuda?
- Aquele? É o iaque, um boi da Ásia Central. Aquele serve de
montaria e de burro de carga. Do pêlo se fazem perucas
bacaninhas. E a carne, dizem que é gostosa.
- Mas se serve de montaria, como é que a gente vai comer ele?
- Bem, primeiro serve para uma coisa, depois para outra.
Vamos adiante. Este é o texugo. Se vocês quiserem pintar a
parede do quarto, escolham pincel de texugo. Parece que é
ótimo. - Ele faz pincel, professora?
- Quem, o texugo? Não, só fornece o pêlo. Para pincel de
barba também, que o Arturzinho vai usar quando crescer.
Arturzinho objetou que pretende usar barbeador elétrico. Além
do mais, não gostaria de pelar o texugo, uma vez que devemos
gostar dele, mas a professora já explicava a utilidade do
canguru[...]
Estão enganados. Vocês devem respeitar o bichinho. O
excremento - não sabem o que é? O cocô do pingüim é um
adubo maravilhoso: guano, rico em nitrato. O óleo feito com a
gordura do pingüim...
- A senhora disse que a gente deve respeitar. - Claro. Mas o
óleo é bom. [...]
Então você tira o peixe da goela do biguá.
- Bobo que ele é.
- Não. É útil. Ai de nós se não fossem os animais que nos
ajudam de todas as maneiras. Por isso que eu digo: devemos
amar os animais, e não maltratá-los de jeito nenhum.
Entendeu, Ricardo?
- Entendi. A gente deve amar, respeitar, pelar e comer os
animais, aproveitar bem o pêlo, o couro e os ossos. (p. 17)
-
Embora essa possa ser uma citação um pouco extensa eu creio ser ilustrativa
e importante para que se possa pensar nas palavras da professora Ana e para que
se reflita sobre os efeitos que podem ter esse tipo de EA que se desenvolve nas
escolas. Isto porque suas práticas discursivas têm efeitos produtivos, ou seja,
produzem sujeitos particulares (alunos e professores), neste caso, sujeitos dotados
de sentidos e representações que irão movimentar comportamentos, atitudes, que
se deseja, ambientalmente corretos. E que sentidos seriam esses no texto de
Drumond? Como o próprio título anuncia os animais existem e temos que protegê-
93

los porque são úteis e estão à disposição de nós seres humanos. Nas palavras da
Profa Ana essa idéia também fica clara e, além disto, tratar da natureza desde modo
fragmentado e isolado desloca o conceito de natureza vinculado a um “mundo vivo”
do qual seres humanos também fazem parte. E produz um significado de natureza
que se reduz a si mesmo. Neste processo discursivo de significação os animais
tornam-se cada vez mais um simples elemento natural que tem seu valor de
utilidade e subserviência aos humanos.

Nesta relação entre os campos ambiental e escolar, podemos observar


fatores que favorecem o desenvolvimento e a manutenção do currículo turístico: a
posição desprestigiada ocupada pela EA e seus currículos, a tradição disciplinar e a
falta de formação de professores para tratar dessas questões.

Um dos fatores que garantem o andamento desse currículo turístico é a


questão da posição desprestigiada que a EA vem ocupando nas escolas, ou seja, os
saberes53 da EA estão nos currículos escolares em condição de menor valor em
relação aos saberes das disciplinas tradicionais (Português, Matemática, Geografia,
etc) e estão organizados de modo ainda muito disperso nos currículos e programas
das escolas. No entanto, essa condição da EA nas escolas sequer é discutida pelos
seus professores e administradores. A EA nas escolas parece ser um tema que
acontece apenas porque está na moda as escolas realizarem projetos sobre o lixo,
água e plantios; é, como apontou Santomé(1995), um souvenir. Um souvenir que
enobrece a imagem da escola em seminários, avaliações e relação com as outras
escolas.

Como diz uma professora: a escola é reconhecida na cidade pelos


projetos que realiza...Nós até fomos apresentar nossos trabalhos lá num
seminário...não lembro o nome... como exemplo para as outras escolas ... a
gente se preocupa há muito tempo com essa questão então tem uma história
já, acho que fomos um dos primeiros a entrar neste projeto do SANEP...com o
lixo. (Ana)

53
Quando falo de saberes, estou me remetendo a um sentido amplo que inclui os conhecimentos, as
competências, as habilidades e as atitudes necessárias para o desenvolvimento do tema.
94

Quanto a essa não preocupação dos professores com os saberes escolares,


Santomé (1995) argumenta que

o professorado atual é fruto de modelos de socialização


profissional que lhe exigiam unicamente prestar a atenção à
formulação de objetivos e metodologias, não considerando
objeto de sua incumbência a seleção explicita dos conteúdos
culturais. Essa tradição contribuiu de forma decisiva para deixar
em mãos de outras pessoas (em geral, as editoras de livros
didáticos) os conteúdos que devem integrar o currículo e, o que
é pior, a sua coisificação. (p.161)

Os professores foram afastados das tarefas de determinarem ou definirem os


conhecimentos e conteúdos a serem desenvolvidos nas escolas; isso tem ficado a
cargo de especialistas e órgãos governamentais. Deste modo, os professores estão
amarrados aos conhecimentos e saberes que se colocam como verdadeiros e
únicos pela tradição curricular.

Quando os professores foram inquiridos sobre os saberes ou os


conhecimentos que devem ser oferecidos aos alunos pela EA, eles tiveram
dificuldades de produzir uma resposta e acabaram se remetendo sempre a
procedimentos, atividades e experiências que realizavam. Uma professora comentou
que, em determinados momentos, devido a um fato importante ou a uma reportagem
de jornal sobre o meio ambiente eles precisam dar uma “esperadinha” nos
conteúdos de suas disciplinas, e de modo muito rápido tratar das questões
ambientais sem comprometer o andamento dos conteúdos que devem ser
trabalhados pelas disciplinas.

O mesmo acontece com a professora Jéssica: ... um grupo está fazendo


trabalho com animais em extinção, o outro está trabalhando com música, mas
eu nem sei o quê, porque tive que suspender e dar conta dos conteúdos que
ficaram pra trás se não a gente não vence tudo até o final do ano.

E não é diferente para a professora Érica: é bem difícil conciliar com os


conteúdos porque tem a parte da gramática que a gente trabalha e ... é... muito
importante, tu sabes, mas, quando dá, eu uso texto que fala da natureza, das
árvores, dos animais.

A EA é uma espécie de atividade que emerge ocasionalmente quando as


disciplinas e seus conteúdos permitem. Assim, mesmo que a EA tenha como
95

bandeira a interdisciplinaridade, isso não se efetiva nas escolas; ao contrário, é algo


que depende da boa vontade dos professores e de seus tempos extras.

Duas questões colocam-se, a meu ver, neste modo como os professores se


remetem à EA. A primeira questão é que, diante de uma educação que tem como
base a hierarquização dos conhecimentos, o que importa, o que tem valor, no âmbito
da educação escolar são aqueles conhecimentos tidos pela tradição como mais
importantes para o progresso do aluno (concursos, vestibulares, etc.): os
conhecimentos das ciências duras como a Matemática, por exemplo, que estão mais
próximos da racionalidade e objetividade científica legitimada pela Modernidade; os
saberes necessários à habilidade da leitura e regras de linguagem, como é o caso
do Português.

O valor e o privilégio dados a esses saberes, em detrimento de outros, podem


ser observados sobretudo nos espaços e tempos que ocupam nos currículos
escolares. Esses conhecimentos se impõem como mais importantes a todos os
outros conhecimentos que buscam ser introduzidos na escola autorizando, aos
demais, apenas a condição de segundo plano, sem horários e espaços específicos,
como acontece com a EA. E não é muito diferente até mesmo com saberes que
atualmente estão instituídos nas escolas, ou seja, o tempo destinado a esses
conhecimentos, na maioria das escolas, sobrepõe-se a conhecimentos como Artes,
Educação Física, Língua Estrangeira, que fazem parte dos currículos escolares mas
em condição menos importante no que diz respeito ao tempo e aos espaço
destinados à sua aprendizagem.

A Segunda questão diz respeito a um fato colocado anteriormente: a EA que


acontece na escola é pensada em termos apenas de uma natureza visível, ou seja,
na observação daqueles problemas que se apresentam na realidade imediata, como
o lixo por exemplo. A tarefa da escola é organizar procedimentos que levem os
alunos a agirem para resolver esses problemas (a concepção naturalista e
pragmática). São com esses referenciais que os professores trabalham nas escolas.
Disto decorre que as práticas pedagógicas são compreendidas como atividades que
devem ser realizadas “in loco”: parques, caminhadas, atividades de distribuição de
material informativo à comunidade ou recolhimento de lixo. Já, em sala de aula, a EA
96

é considerada como sendo contemplada nas disciplinas de Ciências; portanto, não


existe preocupação maior com essa questão.

Salienta a professora Cleusa: a gente está trabalhando com eles, em


Ciências, um projeto sobre a valorização da vida. Então, a gente está vendo
ovos fecundados, os embriões, fetos de várias espécies. Estou trabalhando
com a vida e mostrando sua etapa, tem homem, tem jacaré, tem sapo, espécies
diferentes, porque ali, no encontro do óvulo com o espermatozóide, ali
começou a vida. Aí, tem a questão do aborto que se fica em dúvida se com
poucos meses ainda é vida ou não é vida a gente debate em grupo fazendo
perguntas:  é vida ou não é?  Tem vida ou não tem?  Como é?  Se a
vida tem valor?  Que valor é? Eu estou gostando porque estou mexendo
com eles. E isso eu associo com EA, acho que é EA também, não é?

Assim, percebe-se que a tradição disciplinar dos currículos escolares colabora


para a concretização do currículo turístico na escola. Como coloquei anteriormente,
são os conteúdos já estabelecidos nos currículos que direcionam as práticas
pedagógicas. Isto acontece porque a educação escolarizada foi produzida e
efetivada historicamente com base numa concepção disciplinar de sociedade que
começa a ser gerida no século XVI e se intensifica na Modernidade (Veiga-Neto,
2001, Foucault, 1997, Varela, 2002). Porém, é importante salientar que os
significados e concepções em torno do termo disciplina nem sempre foram as
mesmos.

Segundo Chervel (1990), até o fim do século XIX a expressão disciplina


escolar não designa mais do que a vigilância e a repressão das condutas
prejudiciais à ordem social. Como mostra Foucault (1999) a disciplina significava,
neste período, a utilização de certos métodos de controles minuciosos dos corpos
com objetivo de garantir sujeitos dóceis, úteis e obedientes. A disciplina tornou-se
instrumento importante para dar conta dessa tarefa e a escola um espaço propício
para sua efetivação. Assim, na educação nas escolas mútuas da época, a
disciplinarização dos corpos acontecia a partir de práticas que se caracterizavam
por:

poucas palavras, nenhuma explicação, no máximo um silêncio


total que só seria interrompido por sinais  sinos, palmas,
97

gestos, simples olhar do mestre, ou ainda aquele pequeno


aparelho de madeira que os Irmãos das Escolas Cristãs
usavam; era chamado por excelência de o “Sinal” e devia
significar em sua brevidade maquinal ao mesmo tempo a
técnica do comando e a moral da obediência. (FOUCAULT,
1999)

Neste tempo histórico, disciplina era a arte de moldar, treinar os corpos para
melhor governá-los. Os alunos eram treinados para aprender códigos e sinais e
táticas de comportamentos e obedecê-los. Essa preocupação com o adestratamento
dos corpos tinha razões específicas de ser, a de fortalecer e melhorar as técnicas
militares e, mais especificamente, de garantir o desenvolvimento capitalista. Assim,
“as disciplinas foram técnicas de adestramento e individualização que pretendiam
maximizar as forças dos indivíduos, otimizar seus rendimento e, ao mesmo tempo,
extrair deles saberes e lhes conferir uma determinada natureza” (VARELA, 2002, p.
92).

A natureza pretendida era a natureza capitalista (acumular e reinvestir os


ganhos). O que estava em questão era a produção do sujeito capitalista em todos os
seus aspectos: social, econômico e político. Um dos aspectos importantes da
disciplinarização é que para produzir esse sujeito não é necessário recorrer mais à
repressão, à violência e as penalizações exteriores. A relação de poder que se
instaura com a disciplinarização dos corpos se faz na ordem interior dos sujeitos, ou
seja, de seus corpos, de doutriná-los, adestrá-los a partir de técnicas como sinais,
gestos onde as sanções se remetiam a questões de aprendizagem do tipo repetição,
intensificação e multiplicação. Desse modo, o processo era percebido apenas como
resultado do esforço, do mérito e da dedicação dos próprios sujeitos, diferente do
chicote e do açoite. O que quero salientar é que a disciplina fabrica técnicas de
poder que produzem os indivíduos, tanto como objetos como instrumentos de seu
exercício (Foucault, 1999).

No que aqui interessa, esse processo de disciplinarização instaura uma visão


de sociedade que vai ter efeitos muito específicos na organização dos processos
escolares. Foucault (1999), mostra que as técnicas de vigilância hierárquica, de
sanção normalizadora e de exame54, produzidas para colocar em ação as

54
Ver mais sobre o assunto em Foucault, Vigiar e Punir.
98

disciplinas, podem ser consideradas como uma verdadeira arte da disciplinarização.


Essas técnicas facilitaram a organização e a distribuição dos sujeitos em espaços
fechados, a repartição dos sujeitos de modo a evitar a organização de grupos com
objetivo de ter controle total dos espaços e dos sujeitos (“quadriculamento”), a
produção de regras de disposições dos indivíduos de forma mais funcionais, a
hierarquização, a seriação e a classificação dos saberes, o processo de
individualização e controle rigoroso dos tempos e dos corpos para,
progressivamente, acelerar o processo de aprendizagem. Enfim, as técnicas
disciplinares montaram toda uma maquinaria de organização dos indivíduos de
modo a facilitar o adestramento e o governo de seus corpos.

No entanto, foi somente após a I Guerra Mundial que o termo disciplina, tal
como a concebemos hoje, passou a se remeter à matéria de ensino nas escolas
(CHERVEL, 1990). Desde então, a organização disciplinar dos conteúdos escolares
e práticas pedagógicas vem sendo a perspectiva hegemônica adotada pelas
políticas educacionais, pelas escolas e seus currículos. Ao longo dos tempos,
assistimos a muitas críticas a esse tipo de organização dos conteúdos escolares e
foi possível observar inúmeras tentativas de produção e organização de currículos
não-disciplinares. Porém, nenhuma dessas tentativas conseguiu romper com a
tradição disciplinar de um currículo onde os saberes, os conhecimentos e os sujeitos
são fragmentados e hierarquizados.

No entanto, este mesmo currículo não pode ser entendido como um artefato
de determinação absoluta do que acontece nas escolas. Ao contrário, se a EA já
acontece nestes espaços é porque esse currículo com o qual nos deparamos nas
escolas está envolvido em relações sociais de poder-saber. Como já mencionei, os
currículos são artefatos de lutas e disputas em torno de representações e
significados. Assim, se EA acontece nas escolas é porque os currículos oficiais, sua
organização e concepções de conhecimento são contestados e disputados
cotidianamente.

Porém, não posso negar que, neste modelo oficial de currículo, os


conhecimentos que se querem interdisciplinares, como a EA, enfrentam problemas
que dizem respeito a relações de poder e disputas no espaço escolar, às políticas
educacionais e às teorias sobre o assunto.
99

Nas escolas, os problemas enfrentados dizem respeito tanto à problemática


de relação entre as disciplinas (no que diz respeito aos conhecimentos tidos como
necessários e importantes e que carregam os planejamentos das disciplinas), quanto
ao relacionamento entre os professores, produtos de uma formação profissional
disciplinar que vêem, em suas áreas de ensino e nos conteúdos que transmitem, os
fundamentos de todo progresso do aluno. Isso leva à dificuldade de se associarem
outros temas, como os transversais, aos seus ensinamentos. Parece que, como
esses temas não são cobrados em provas ou nos vestibulares, podem ficar em
segundo plano, restritos em atividades especiais ou comemorativas ou em outras
atividades.

No que diz respeito às teorias e às políticas educacionais as alternativas


oferecidas em termos de propostas curriculares não-disciplinares, quase sempre,
pautam-se pela matriz disciplinar; ou seja, não são questionados os determinantes
disciplinares e suas implicações sociais e políticas. Isso acontece, por exemplo, com
os Temas Transversais, os temas geradores e a teoria sobre a interdisciplinaridade
que tomam, como dada, a estrutura disciplinar adotada pela escola e se limitam a
oferecer propostas de atividades que tratam de integrar e relacionar conteúdos e
áreas do conhecimento, num tipo de fusão entre as mesmas.

No caso da interdisciplinaridade, Veiga-Neto (2001), no texto “Currículo e


Interdisciplinaridade”, critica o que chama de movimento pela interdisciplinaridade.
Segundo esse estudioso, o movimento pela interdisciplinaridade carece de um
caráter analítico, pauta-se pela prescrição e ações internalistas, toma a escola como
um fato dado e busca, constantemente, melhorá-la deixando de lado os aspectos de
sua gênese. O movimento, ainda, olha a escola de fora e tem como fundamento as
teorias críticas (conscientização, sensibilidade, autonomia), compreende a totalidade
dos saberes como a solução dos problemas da humanidade e as práticas
pedagógicas sugeridas pelo movimento são orientadas basicamente para uma ação
pragmática, intervencionista e funcionalista. Nesta perspectiva, a escola seria um
tipo de remédio para curar o mundo. A crítica central a esse modo de entender a
interdisciplinaridade estaria, segundo Veiga-Neto, no fato de que o movimento pela
interdisciplinaridade está preso, especificamente, aos aspectos de uma
epistemologia transcendental que desloca a ênfase da razão para a ênfase das
atitudes internalistas.
100

Veiga-Neto comenta:

Ao assumir a “atitude”, esse discurso [o movimento pela


interdisciplinaridade] revela um acento idealista, romântico,
com predomínio da sensibilidade e da imaginação sobre a
razão. Com isso, ele gera a si mesmo uma dificuldade, a saber,
uma contradição lógica com a sua autofundamentação
racionalista. Seja como for, o que me parece bastante
problemático é, ao “mesmo tempo”, ancorar o discurso pela
interdisciplinaridade numa epistemologia transcendental e
reduzir a interdisciplinaridade a uma questão de sensibilidade,
acentuando-a como algo que tem de ser, antes de tudo,
“sentido”, “vivenciado”, “percebido”. (p. 86)

Deste modo, para o autor, o movimento tende a se esgotar em si mesmo, não


conseguindo efetuar as transformações naquilo que o próprio movimento coloca
como problemático, a fusão das disciplinas. O que se coloca como
interdisciplinaridade, nesta perspectiva, deixa intocada a questão da disciplinaridade
e toma como dado o que a escola coloca como útil e verdadeiro. A aposta central se
restringe especificamente a produzir técnicas e instrumentos mais efetivos para
apresentar ou transmitir os conhecimentos disciplinares aos alunos.

Pode-se observar, também, que a maneira como a interdisciplinaridade vem


sendo defendida não tem levado em consideração as próprias condições de trabalho
na escola. No caso da EA, coloca-se, para os professores, toda a responsabilidade
de dar andamento à sua realização. Um exemplo disso pode ser observado no texto
dos TT que se dirige às questões ambientais:

Os professores precisam conhecer o assunto e buscar com os


alunos mais informações, enquanto desenvolvem suas
atividades: pesquisando em livros e levantando dados,
conversando com os colegas das outras disciplinas, ou
convidando pessoas da comunidade (professores
especializados, técnicos de governo, lideranças, médicos,
agrônomos, moradores tradicionais que conhecem a história do
lugar, etc.) para fornecer informações, dar pequenas
entrevistas ou participar das aulas na escola. Ou melhor, deve-
se recorrer às diversas fontes: dos livros tradicionalmente
utilizados até a história oral dos habitantes da região [e ainda]
os professores podem priorizar sua própria formação e
informação à medida que as necessidades se configurem.
Pesquisar sozinho ou junto com os alunos, aprofundar seu
conhecimento com relação a temática ambiental [...]. (p.188)

Nas escolas investigadas pude observar as condições precárias em que os


professores desenvolvem sua profissão: trabalham em média 40 horas, em mais de
uma escola, algumas em pontos bem distantes umas das outras; quase não se
101

comunicam uns com os outros; não existe tempo para planejamento pedagógico; e
as reuniões nas escolas não conseguem articular todos os professores.

Alguns professores comentaram que chegam cansados, desestimulados nas


escolas. Como disse a professora Ana, tem um colega que vem da zona rural
[para a escola que fica na praia] ... Quando ele chega, só quer dar sua aula e se
livrar rapidamente... Como eu ainda vou chamar o cara para fazer mais coisas?
Não dá...

Vejamos como outros professores falaram dessa situação: na segunda-


feira eu vou numa palestra na SME sobre a construção de projetos
interdisciplinares, como se constrói esses projetos. Eu vou ser bem sincera,
eu sou fresca como professora, eu trabalho apenas há 10 anos e faço cursos
até fora da minha área, mas não entendo quando um projeto é interdisciplinar.
Falta tempo para reuniões, nós temos, mas não se consegue aglutinar todos
os professores. A maioria tem 40 horas, eu tenho 60, tu vê. Como a gente vai
discutir, estudar, planejar? Esses trabalhos de EA deveriam ser com outras
disciplinas, mas a gente não sabe trabalhar dois professores numa sala de
aula, a gente está presa a padrões tecnicistas: minha aula começa assim e
termina assim... (Jéssica)

Nós temos aquelas reuniões que a SME exige, as reuniões pedagógicas, mas
vão diversos assuntos, diversas disciplinas e o meio ambiente fica sempre em
segundo plano para não dizer que quase nem se toca no assunto. É difícil ... os
colegas querem resolver todos os problemas e têm coisas dos alunos, tem
professor que nunca vem porque tem que sair correndo para outras escolas.
Essas reuniões são [sacode a cabeça], não dá para planejar nestas reuniões!!!
E, outros horários [risos] eu nem me atrevo a propor. Às vezes o que eu faço é
trocar palavras com alguns dos colegas no ônibus ou deixar bilhetinhos na
secretaria ou nas bolsas deles. Eu coloco: vamos fazer uma caminhada ou um
passeio e eles respondem... ou nem respondem. (Ana)

Eu acho que não é bem assim!!! tem que fazer trabalho em conjunto. Primeiro
tem muita coisa pra mudar ... políticas públicas de formação, de salários, a
coordenação ... a equipe diretiva ... têm que estar engajadas. O trabalho dos
102

professores que, por exemplo, com 20 horas, tem que ter 18 em sala de aula...e
tempo para planejar e organizar junto? Não achas que é difícil? Eu acho ...
parece até uma piada!!! (Cleber)

Destas condições, surgem muitas dificuldades para os professores


planejarem e discutirem entre eles, para realizarem leituras, estudos ou cursos e,
também, pouco tempo para estarem com suas famílias. Assim, o que aparece como
resultado dessas condições é uma educação onde o que conta é simplesmente dar
aulas, contradizendo os objetivos e intenções que vêm sendo proclamados pela
interdisciplinaridade.

Para os professores que aqui falam, a tentativa de unir os conhecimentos


disciplinares tem sido uma questão bastante confusa e difícil. No entanto, eles estão
se esforçando para que isso aconteça. Embora eu concorde, como Veiga-Neto, que
o movimento pela interdisciplinaridade não avançou em suas propostas de uma
educação transformadora da estrutura curricular e pedagógica, pude observar que,
em termos de discursos, a idéia de trabalhos mais integrados entre as disciplinas e
seus professores parece que vem se impondo aos professores, principalmente no
que diz respeito à EA. Evidências disso aparecem nas palavras da professora Ana:

A EA não está nos planos das disciplinas o que se tem são planejamentos para
fazer um trabalho interdisciplinar, porque não se sabe muito sobre isso.
Parece que virou pecado não fazer isso [interdisciplinaridade] agora, a gente
nunca fez trabalho junto com outras matérias mas virou moda, não tem como
ficar fora. Mas acho que como tudo, isso logo passa e volta ao normal. [o que é
normal?] Ora...é... como sempre foi, ..., cada um fazendo seu papel na sua área.
Mas a gente tá tentando....errando e acertando, ... é o jeito!!!

Esses discursos acabam produzindo significados de interdisciplinaridade e


tornando-se práticas pedagógicas. Em sua maioria, os professores entrevistados
entendem a interdisciplinaridade da EA como atividades em que as disciplinas se
organizam em determinados momentos e combinam atividades específicas, cada
professor com uma tarefa de acordo com sua disciplina. Por exemplo, o professor de
Português geralmente fica encarregado de preparar textos ou de corrigir os textos de
outras disciplinas (essa atividade geralmente não exige a participação dos alunos) e
103

o professor de Artes fica encarregado de fazer a ornamentação (pinturas, desenhos,


bandeirinhas, etc). A integração das áreas ainda acontece em atividades como a
reunião de alguns professores em uma sala de aula com seus alunos, onde, a partir
da apresentação de um filme, tema ou texto, cada um dá sua opinião sobre o
assunto:

Em trabalhos mais interdisciplinares, as disciplinas que mais se envolvem são


o Português, Artes e Geografia. O Português, a questão dos cartazes,
montagem e correção de texto. Artes, a criação de material, os desenhos, os
coloridos. A geografia, na parte de rios, de solos, assim ...(Ana)

Agora, nós somos cinco e estamos trabalhando melhor. A gente faz passeatas,
distribui materiais explicando as coisas. A professora de Português faz o texto,
o de Matemática ... eu forneço os dados e ele trabalha quantidade, valores. O
de Ciências trabalha a origem do PET, o papel, o alumínio (do que é feito,
como surgiu). Eles trabalham o meio ambiente, assim... meio integrados,
interdisciplinar.... mas ainda é difícil. Uns reclamam que têm os conteúdos
para dar, outros do tempo ... (José)

Eu acredito que o professor se preocupa só com a leitura e a Matemática, isso


que é mais importante. E a gente, aqui na escola, tem muita dificuldade. Os
nossos alunos vêm pra cá sem pré e o professor tem que ensinar desde a
motricidade, aquelas coisinhas mínimas. Assim, o professor se preocupa
muito em alfabetizar, a ensinar a ler, e acaba deixando os temas transversais
de lado. Interdisciplinaridade é uma coisa que não se sabe fazer. A gente tenta,
mas ....(Verônica)

O nosso projeto integrado tem feito interdisciplinaridade e tem crescido muito.


Todas as quintas feiras, a gente escolhe um tema, passa um filme e discute
um tema. Nas nossas reuniões, já definimos o que será. Pode ser uma notícia
da TV ou do jornal também. Os alunos podem escolher, aí a gente vai, uns três
professores de disciplinas diferentes, e fala com eles sobre os pontos de vista
de cada professor. Acho que o que é mais importante neste trabalho é, por
exemplo, saber onde a História, o Português, as Artes se entrelaçam com as
ciências. (Elaine)
104

Nota-se que em termos de EA, ainda, impera nas escolas a força da tradição
curricular disciplinar. Embora pareça que estamos vivendo um momento em que
essa tradição vem sendo constante e radicalmente questionada  e isso pode ser
observado nas crescentes lutas em torno da inclusão nos currículos escolares não
somente dos temas ambientais mas também de temas como sexualidade, gênero,
diversidade cultural, ética e tantos outros  ela ainda é muito forte.

Outro fator importante e que tem garantido o desenvolvimento do currículo


turístico é a formação de professores. Os professores não foram preparados para
tratar do tema ambiental. Esse é um fato que foi bastante ressaltado pelos
professores. Alguns se sentem confusos e preocupados com a questão dos temas
ambientais e as dificuldades de colocá-los em prática na escola.

Eu, na medida do possível, tento fazer meu trabalho, mas tenho que aprender
muito. Num seminário, pude observar que a gente pode fazer mais coisas e a
gente consegue enxergar mais longe. Acho que os professores têm que
participar mais de cursos. Tinha que ter alguma coisa que obrigasse as
universidades a ter disciplinas de EA. (Cleusa)

Eu acho que tem muita dificuldade!!! Muita dificuldade pra nós professores e
não temos como melhorar sozinhos. Muitos colegas resistem em trabalhar
porque não sabem, não conhecem o tema ambiental. Eu acho que tem que ter
alguma coisa ... sabe ... cursos para formação de professores nas
universidades e a Secretaria [municipal de educação] também tem que
proporcionar isso, mas para todos não apenas para multiplicadores, ... vai
multiplicar com quem? (José)

Eu acho que o problema principal é mais de formação. Os professores não têm


elementos para embasar as falas nas salas de aula, para passar para os
alunos. Nós não conhecemos, por exemplo, as leis ambientais, não temos
informações sobre a caça, proibições e tal. Por exemplo, lá na Conferência
discutiram um monte de assuntos eu nem sabia o que dizer, vi que me falta
muita informação sobre esse assunto. Eu tenho medo de dizer coisas erradas
para os alunos, sabes...? E acho que isso prejudica muito. (Elaine)
105

Desta maneira, podemos, mais uma vez, admitir que a EA enfrenta um


grande desafio que vai além de sua mera inclusão nos currículos escolares.

Outra questão importante que não pode passar despercebida é a questão da


formação básica e continuada de professores. A EA e os temas ambientais, assim
como seus ideais pedagógicos, não fazem parte dos currículos de formação de
professores e os cursos de formação continuada recém começam a pensar em tratar
dos temas ambientais. Os professores reconhecem essa dificuldade e parecem estar
perdidos sem saber o que fazer.

Deixarei a professora Elaine falar sobre esse assunto: eu me formei há


pouco na Pedagogia noturna e nós até trabalhamos coisas do tipo água, solo,
mananciais em alguns momentos, mas foi uma coisa muito superficial, não foi
uma coisa aprofundada. É difícil para os professores. Na universidade, não
tem ninguém que trabalhe com esse tema!! Acho que até lá não está resolvido,
não vejo nada, nenhum interesse, acho que as escolas estão andando muito
mais à frente nessa questão; pelo menos, estão tentando. E a gente não tem
onde buscar, o que procurar; aí a gente pega o que tem, sempre ajuda, né?

Este ponto parece ser muito importante. É possível observar nas falas dos
professores suas reivindicações acerca da necessidade de cursos de formação
profissional que os capacitem a tratar dos temas ambientais; eu mesma acho isso
fundamental. Porém, creio que não é tão fácil assim. Como salientou a professora, a
maioria das universidades parece também não possuir condições de atender essas
necessidades; ou seja, a maioria dos professores universitários, suas disciplinas e
seus programas não estão preparados para subsidiar os professores que desejam
tratar da EA.

Nas próprias universidades, parece haver uma relação muito estreita e


reducionista entre EA e a área de Ciências (Biologia, Química, Física). Por exemplo,
quando a Faculdade de Educação (UFPel) foi convidada a participar da organização
de um evento (II Seminário de EA) promovido pela Prefeitura Municipal de Pelotas
enviou, como seu representante, uma professora que, embora possua formação em
Matemática, faz parte de uma linha de pesquisa chamada Ciências e Matemática.
Não sei como essa escolha se deu no âmbito da instituição, mas penso que isso
106

pode estar relacionado à idéia de EA que perpassa as representações de alguns


professores que trabalham na Faculdade de Educação. Também, não existem, no
âmbito desta faculdade, professores ou linhas de pesquisa que tratem do tema
ambiental. Aliás, em vários momentos eu fui questionada por professores de
disciplinas das quais fui aluna porque não havia tentado fazer o Mestrado na
Fundação Universidade do Rio Grande (FURG), única universidade do Brasil que
possui Mestrado específico em EA.

Isso me leva a pensar que existe, também, uma urgente necessidade de se


rever os cursos de formação de professores, seus currículos, seus programas e seus
objetivos atuais. Moreira (2001), no texto “O campo do currículo no Brasil: os anos
90”, elaborado com base em entrevistas com intelectuais que tratam de estudar o
currículo, apresenta algumas questões que me parecem importantes a serem
pensadas quando falamos de cursos de formação de professores e de currículos
escolares:

[...] em que medida os cursos contribuem para que os futuros


docentes saibam fazer, queiram fazer e saibam sobre o fazer
no campo do currículo? Em que medida os cursos têm
instrumentalizado os futuros docentes a bem lidar com as
dimensões técnica, política, estética e ética do processo
curricular? Em que medida os cursos oferecem subsídios tanto
para a discussão de questões sobre o currículo como para o
empenho em resolver problemas do currículo? Em que medida
os cursos oferecem subsídios para práticas docentes que
possibilitem, nas salas de aula, uma distribuição mais
democrática do conhecimento escolar? Em que medida os
cursos favorecem ao futuro docente tornar o currículo mais
acessível a membros de diferentes grupos culturais sem
pretender colonizá-los? (p.47)

Talvez, ao fazer essas questões, possa-se fazer um bom uso da imensa


produção teórica que se tem dirigido às questões educacionais e que, segundo
Moreira (2001), estão muito afastadas da escola e das práticas pedagógicas que lá
acontecem.

Em seu estudo, Moreira (2001) defendeu que os teóricos do currículo não


conseguiram ultrapassar a condição de teorizar sobre a educação e que esses têm
estado muito preocupados com questões de “superar impasses teóricos e refinar
conceito e metáforas” (p. 40). Esse modo de se compreenderem as questões sobre
o currículo, para Moreira, coloca, em segundo plano, as práticas curriculares nas
escolas, não favorecendo, deste modo, uma contribuição efetiva aos professores e a
107

seu trabalho nas escolas. Enfim, para Moreira, essas teorias tendem a falar “da”
escola e não “com” a escola.

Assim, as colocações de Moreira me levam a pensar que a produção


intelectual no campo da educação, é muito fértil e constituída de intelectuais
respeitados, mas parece estar muito centrada num intelectualismo institucional; ou
seja, a maioria destas produções parece circular apenas nos espaços das
instituições universitárias deixando de lado a preocupação com a escola e o que lá
acontece. Deste modo, a questão da formação de professores para tratar da EA
coloca para a universidade um urgente desafio: repensar seus cursos de formação
de professores.

Essa não é uma reivindicação apenas da EA. Atualmente, assistimos um


imenso e crescente número de grupos organizados reivindicando as representações
de certos temas ou conteúdos nos currículos escolares. Posso citar, como exemplos,
os negros, os índios, as mulheres, os surdos, a EA, a Educação Sexual, a Educação
para o Trânsito, a Educação para a Saúde. Essas reivindicações não podem ser
consideradas como lutas isoladas de certos grupos ou campos sociais, mas como
um sinal de alerta que nos mostra que a educação e seus currículos pertencem a um
campo contestado e disputado e, mais que isso, a um campo hierarquizado, onde
certos conhecimentos, certos saberes e competências são considerados mais ou
menos superiores que outros. Os cursos de formação de professores devem
considerar essas questões haja vista que é nas universidades que são preparados
os professores que irão tratar dessas questões nas escolas.

A luta para dar conta da transformação deste tipo de currículo envolve


entende-lo como um arranjo, como uma produção humana que se configurou a
partir de certos pensamentos, de certas necessidades sociais. Assim, se o currículo
é uma produção, precisamos entender que ele pode ser novamente produzido e
transformado. No entanto, essa transformação exige, no mínimo, a transformação
dos modos como se compreendem os currículos. Isso envolve, tratar do currículo
como envolvido em relações de poder, como um artefato de produção de
significados e representações culturais, como um artefato discursivo de produção de
identidades, e como instituidor de condutas e comportamentos específicos.
Transformar um currículo escolar, seja ele na universidade ou nas escolas, exige,
108

como diz Garcia (mimeo, s/d), questionar “qual política cultural queremos implantar,
quais vozes que queremos privilegiar, sempre admitindo que se o currículo é o lugar
da produção da identidade, também é o lugar da produção da diferença, do normal e
do anormal” (s/p.).

5.2 EA  a pedagogia higienizadora e embelezadora da natureza

Um aspecto importante a ser considerado na EA é a transposição didática


que os professores fazem dos discursos sobre a EA. Como falei no capítulo quatro
são vários e diferentes os discursos sobre as questões ambientais com que os
professores entram em contato durante sua atuação docente. Também defendi que
os discursos dos TT e do governo local disputam o processo de produção de
significados no espaço da escola. Neste momento, quero mostrar os efeitos daquilo
que os professores fazem com os discursos que os interpelam. Isso, porque os
professores não podem mais ser considerados apenas como transmissores e
reprodutores de saberes, de conhecimentos e de habilidades que lhes são
transferidos pelo processo de formação profissional.

O professor, esse sujeito a que a sociedade conferiu a autoridade de distribuir


o conhecimento (entendido como) verdadeiro, está implicado na produção e
reprodução de discursos e práticas que produzem e instituem identidades e sujeitos.
O professor e as práticas pedagógicas que movimentam podem ser considerados
como mediadores de poder e de governo dos outros e de si mesmo.

Ainda vivemos em tempos em que, em menor condição hoje, as palavras dos


professores e as atividades que eles propõem são entendidas como verdades.
Assim, quando se fala de EA nas escolas, temos os professores definindo os
conhecimentos, as atividades, as experiências e os momentos para sua realização.
Temos os professores mobilizando certos significados e representações que eles
constroem, a partir de certos discursos, como verdades. Isto significa que os
professores estão envolvidos em relações de poder em todos os aspectos de seu
trabalho docente, eles são produtores de significados e representações nas escolas.

No entanto, esse processo de organização e de proposições de


conhecimentos e práticas pedagógicas dos professores não pode ser pensado como
109

algo que emerge simplesmente desse sujeito individual e daquilo que ele conseguiu
incorporar durante seu processo de formação e experiência profissional e que irá,
conseqüentemente, ser transmitido a seus alunos. O que os professores fazem são
transposições didáticas das culturas e dos discursos; os professores são uma função
de diferentes discursos no interior da escola (e das pedagogias) e das diferentes
funções e posições sociais que ocupam. Assim, quando determinados discursos
passam a fazer parte das escolas eles são outras coisas, não mais aqueles
discursos que foram distribuídos e incentivados por diferentes grupos e instituições.

Quando os professores se valem dos discursos, como os do governo


municipal, sobre gestão do ambiente para subsidiar suas práticas pedagógicas de
EA, esses discursos são misturados, amarrados, relacionados e adaptados com
outros discursos, com outras práticas e com os modos de pensar desses próprios
professores sobre educação e sobre EA. Assim, quando esses discursos passam a
fazer parte das atividades que os professores produzem eles já são outras “coisas”,
o que os professores fazem não é simplesmente reproduzir esses discursos, eles
fazem muito mais do que isso. Os professores produzem atividades, projetos e
representações a partir de suas interpretações desses discursos e produzem outros
significados e outras representações discursivas, por exemplo à idéia de EA como
limpeza e embelezamento do ambiente. Esses modos como os professores
compreendem a EA são produtos desta transposição didática que fazem dos
discursos que os interpelam.

Vários estudiosos, entre eles Macedo (1999, 2001), Goodson (1990), Chervel
(1990) e Forquin (1990), mostraram que mais do que simples reprodutores de
conhecimento de uma ciência de referência, os professores fabricam as práticas
pedagógicas nas escolas. O que os professores fazem com os conhecimentos e
saberes estão deslocados das ciências de referência. A interação dos professores
com os alunos e outros professores, as disciplinas que ministram, a organização da
escola, a formação profissional, os discursos e muitas outras condições com que os
professores se deparam são processos constantes de subjetivação que interferem
nos sentidos, representações e ações com que os professores realizam suas
experiências nas escolas. Assim, as práticas pedagógicas não se resumem aos
saberes de uma Ciência de referência.
110

Macedo (1999) e Goodson (1990) explicam, ainda, que a inclusão e


permanência de uma disciplina no âmbito da escola estão muito relacionados à
concepção de sua finalidade e utilidade para resolver problemas da sociedade e
essa delimitação está muito relacionada às seleções que acontecem nas escolas.
Os autores salientam que, em alguns casos, é no espaço da escola que surge a
demanda pela criação de uma determinada disciplina nas Universidades; ou seja,
quando alguns professores entram em contato com diferentes problemas que estão
em emergência na sociedade eles buscam, através da escola, tomar certas atitudes
na tentativa de resolvê-los. Ao sentirem as dificuldades de darem conta desses
problemas, passam a requisitar subsídios e formação. Destas condições, em alguns
casos, surgem disciplinas nas universidades com o objetivo de suprir essa demanda.
No entanto, os autores consideram que a permanência das disciplinas ou saberes
nos currículos vêm dependendo de que essa disciplina seja legitimada como um
saber científico. Isto explicaria, no entendimento dos autores, por que, em
determinados períodos, certas disciplinas, como a Biologia, a Matemática e a
Geografia, tornaram-se mais importantes e outras perdem espaço nos currículos
escolares.

Isso parece ser o que está acontecendo com a EA. Não existe uma ciência
específica que imponha, às escolas, a EA; antes, existe uma demanda da escola e
de seus professores para que as Universidades possam prepará-los para essa
tarefa. Hoje, já se pode observar uma série de Universidades no Brasil que
implementaram disciplinas, cursos ou temas sobre meio ambiente. No Rio grande do
Sul, pode-se citar dois exemplos recentes: o Curso de Mestrado em EA da
Universidade Federal de Rio Grande (FURG) e o Curso de Especialização em EA
que se iniciou no ano de 2004 no CEFET/RS, em Pelotas. Essa demanda não pode
ficar isolada de seu caráter e finalidade de utilidade social e específica.

Assim, retornando à questão da transposição didática, penso que, ao


entrarem em contato com os discursos sobre a EA, as escolas e os professores
selecionam, adaptam, modelam, com intenções de facilitar a aprendizagem dos
alunos, os conhecimentos sobre as questões ambientais e as traduzem em práticas
pedagógicas.
111

Para os professores desta pesquisa, a idéia de EA está muito relacionada


com a noção de consertar e melhorar a natureza ou o meio ambiente. Assim, a
pedagogização da EA, que é produzida nas escolas, pode ser traduzida em duas
representações principais: higienizar e embelezar a natureza.

A idéia de higienizar ou limpar o ambiente esteve muito presente nas falas


dos professores. Em vários momentos, foi colocada a questão de que tanto a escola
quanto a comunidade estavam muito “sujas”, o que causaria um grande problema à
natureza, aos alunos e aos moradores da comunidade em geral. Em sua maioria, os
professores colocavam essa idéia de sujeira considerando a quantidade de lixo que
é destinada diretamente a esses ambientes. Para dar conta destes problemas, a
escola teria como função organizar atividades que ajudassem a natureza e a
comunidade, considerando-se os problemas de enchentes, mas, principalmente, os
de doenças e de estética que são verificados nesses locais. Os professores fizeram
muitos comentários sobre essa questão:

[ ... ] são comunidades muito pobres, alguns não têm noção de que essa
sujeira pode afetar a eles mesmos. É aí que entra a escola ... para trazer essa
informação e fazer com que eles tenham ação, que entendam. (Érica)

[ ... ] ratos, baratas, junta tudo nesses lixos ... fica uma sujeira insuportável,
imagina a natureza como fica com tudo isso. Imagina essas crianças, os
nossos alunos ... muitos deles vivem em contato com tudo isso e eu fico
pensando!!! A gente tenta falar, dizer e mostrar pra eles essas coisas. Dando o
exemplo, também, com a separação do lixo, até mesmo na sala de aula, ...
agora a gente tem duas lixeiras em todas as salas. (Maria)

Eu lembro de um trabalho que eu fiz com a 4a série. Um dia, o pátio estava


muito sujo e eu perguntei o que a gente poderia fazer pra melhorar, e uma
aluna disse  professora vamos começar a juntar o lixo? Eu disse boa idéia.
Nós não tínhamos luvas e colocamos um saquinho plástico nas mãos,
juntamos uns dez sacos de lixo. Depois, para minha surpresa eles começaram
a cobrar dos colegas que colocavam lixo no chão. É isso, a gente conseguindo
passar a idéia, isso se amplia para o resto da comunidade. (Jéssica)
112

A professora Elaine e a professora Cátia também comentaram sobre esse


assunto: através de nossas conversas e discussões, a gente começou a
colocar preocupações. A gente via que, por volta da escola, tinha muita
sujeira, um lugar onde as pessoas atiravam lixo a torto e a direito. Então, a
gente ficou mais atenta a esse problema. E como aliado a isso, veio o projeto
do SANEP. Foi muito interessante, e começamos a trabalhar para reciclar55 o
lixo. (Elaine)

Eu trabalho na praça com os alunos, e a gente está sempre tirando o que está
prejudicando. Como o trabalho é na praça, a gente está sempre exposto à
chuva, à pedra, aos galhos que caem das árvores, ao lixo; então eu passo a
mão no rastilho e vou limpando e digo pros alunos  vamos limpar pessoal e
depois chamar o caminhão da prefeitura pra recolher. Tem que tirar, senão fica
uma sujeira na praça e a natureza não é assim, né? E os alunos vão
aprendendo....E a gente percebe que, nas salas de aula, não é mais tanta
sujeira como era antes, eles colocam mais no lixo, e também vêm mais
limpinhos para a aula. (Cátia)

Para complementar, observemos as palavras do professor Cleber: na escola,


bem... A EA pode começar desde descascar uma fruta e não jogar a casca no
chão, o papel de bala também, porque a gente vê que as salas de aula de
professores que trabalham com EA são mais limpas, eles já construíram essa
coisa de um ambiente mais limpo.

No entanto, essa comprenssão de limpar o ambiente tem também a influência


de outro fator bastante importante. O Projeto Adote Uma Escola (PAUE) que trata da
seletividade de lixo e que é executado pela Prefeitura municipal, como já mencionei
anteriormente, compra das escolas os materiais que são recolhidos. Os recursos56
que as escolas recebem pela venda dos resíduos não são altos, mas fazem
diferença, segundo os professores, diante das condições precárias em que as
escolas se encontram. Com essa verba, podem pagar ônibus para saídas,

55
Os professores confundem o conceito de reciclagem com seletividade de resíduos.
56
Apresento, aqui, exemplos de valores que as escolas receberam, de janeiro a setembro de 2004: a
escola n.1 arrecadou R$ 40; a n. 2 R$ 60; a escola n. 3 R$ 380; a escola n. 4 R$ 205; e a escola n. 5
R$ 180. A fonte desses dados foi o SANEP, órgão que trata do recolhimento desses resíduos nas
escolas.
113

incrementar a merenda, comprar material de limpeza e fazer pequenos reparos nas


escolas.

Isso me leva a considerar que esse fato tem muita influência na relação que
os professores fazem da EA com a limpeza do ambiente; em suas intenções, eles
parecem entender que, ao mesmo tempo em que a escola faz sua atividade de EA
limpando o ambiente (quando fazem atividades de recolhimento de lixo), também
consegue uma verba que tem muito valor para suas escolas. Aliás, essa questão foi
bem colocada pelos professores José e Cleusa:

A escola utiliza este dinheiro pra comprar coisas para o projeto, saídas com
alunos e comprar materiais e muitas vezes isso é vital ... se não tivesse esse
recurso até ficaria difícil de fazer. Eu acho que foge dos objetivos da EA, mas é
como eu te disse, lixo por lixo, mas se não tivesse esse recurso seria inviável
alguma coisa, muitas vezes a gente quer fazer uma saída e não tem como
solicitar verba e passagem. Não tem nem pra ônibus, pra gente sair e ir nos
locais pra observar o meio ambiente, eu até acho contraditório estar sendo
pago pra fazer o que deveria ser uma consciência ecológica, mas é uma
contrapartida pra nós e é essencial. Se a prefeitura não pagar mais a gente
tem que continuar porque não dá mais pra parar, até os pais cobram, mas é
difícil. A gente tem até um projeto agora de comprar dois bebedouros...não
deixar o lixo esparramado por aí, é isso que a gente fala e vai reverter em
benefício para os alunos, então, desde o ano passado, a gente está guardando
recurso pra comprar. Isso motiva e ajuda muito a escola que....tu sabes as
condições. (José)

Eu larguei porque era tudo assim...sei lá... a diretora disse  que pena! Mas
eu, às vezes, penso que a EA tem que ser de outra forma, falta muita coisa e
ninguém se preocupa. E eu me espantei com coisa do tipo e agora ... o nosso
dinheiro do lixo? Eu falei que saí mas o lixo continua vindo, porque eu trago
muito lixo da minha vizinhança. Ficaram meio assim... mas é só lucrativo
[silêncio]. Eu acho que é importante a escola receber pelo lixo porque quem
recolhe também repassa, então... não vejo problema, [mas não é para ser
educativo?] também é, mas é independente pode ser as duas coisa [mas tem
sido somente, econômica?] É .... infelizmente ... mas já se aprendeu muito com
114

isso também. Antes a gente saía e observava ... ia ver com os alunos onde
jogavam o lixo e se fazia uma grande ajuda para a natureza. Agora, acho que a
coordenadora pedagógica vai pegar [o projeto PAUE], até já começaram a falar
que temos que anunciar nas aulas que tem que trazer o lixo e que vão sortear
uma bicicleta no final do ano [baixa a cabeça]. (Cleusa)

Este é um fator que vem colaborando muito para o tipo de EA que se


desenvolve nas escolas, bastante centrado em temas específicos, principalmente o
lixo. Porém, no tipo de experiência educativa de EA que se pauta por essa
perspectiva, a escola transforma-se em uma mera executora de procedimentos com
intenções de dar conta de problemas objetivos, como limpar o ambiente. Assim, no
desenvolvimento desta EA não existe preocupação ou comprometimento com
críticas sociais e políticas acerca das condições que deram origem aos problemas
ambientais.

Não são questionados, por exemplo, porque o tema ambiental ganhou


visibilidade e porque isso se tornou um problema social há tão pouco tempo. Ou,
ainda, não se discute o crescimento do consumismo desenfreado que deu origem a
uma explosão do mercado de embalagens (pacotes, sacolas e garrafas plásticas,
caixas longa-vida, isopores, fraldas descartáveis, caixas de papelão, vidros, etc.), de
pilhas e baterias, de componentes eletrônicos, de pneus e tantos outros que geram
cotidianamente uma quantidade cada vez mais crescente de resíduos. Não
questionam, também, porque as empresas que produzem esses resíduos não dão
destino aos mesmos. A expectativa dos professores, parece, ser a de que os alunos,
ao serem colocados em proximidade com o problema do lixo, sejam sensibilizados e
passem a ter outros comportamentos, como o de separar o lixo.

As representações e os significados que os professores atribuem a praticas


pedagógicas estão bastante centradas numa idéia de sujeito auto-reflexivo, auto-
governado, um sujeito livre e dono de suas escolhas. Um sujeito que precisa ser
despertado de sua ingenuidade. Nesta relação da EA como um meio de despertar
essas consciências para resolver os problemas ambientais os professores deixam
de lado questões fundamentais. Por exemplo, é esquecida, neste processo, a
própria condição dos alunos. Alguns deles vivem do próprio lixo, suas famílias catam
esses materiais, suas casas são depósitos de lixo. Assim, até mesmo o significados
115

de sujo ou limpo pode ser questionado - o que os professores entendem como um


ambiente sujo pode ser entendido pelos alunos como algo que tem muito valor, pois
é dali que vem o sustento de suas famílias.

Os professores não fazem essa leitura e, por vezes, chegam a concorrer com
essas pessoas na busca de arrecadar os materiais. Em uma visita a uma escola
municipal num bairro extremamente empobrecido, uma professora comentou que
tinha que sair com os alunos bem cedo para conseguir bons materiais para a escola,
isto porque naquele bairro existem muitos catadores que já disputam e, até mesmo,
entram em conflito pelo lixo e pelos locais de catação.

Não quero dizer que as escolas não possam fazer do tema lixo um bom
trabalho de EA, ao contrário, creio que esse tema pode ser bem desafiador se
receber um tratamento mais crítico. A partir do lixo, pode-se compreender o tipo de
sociedade em que vivemos e as relações que ela institui; pode-se entender, por
exemplo, porque a natureza é considerada como menos importante quando se trata
de questões econômicas e suas conseqüências. O que percebo é que a redução da
EA a simples procedimentos de limpeza do ambiente limita a compreensão dos
problemas ambientais a problemas específicos (lixo, poluição), desarticulando esses
problemas dos próprios processos que possibilitam sua existência.

A questão do embelezamento do ambiente é outro dos objetivos da EA que


acontece nas escolas e que se assemelha ao que acontece com o lixo  resume-se
em alguns procedimentos: práticas de jardinagem e plantio de árvores. Alguns
professores relataram suas preocupações em função de que existe necessidade de
ter mais flores em Pelotas (Ana) ou mais árvores nas escolas (Cleusa). Essa
parece ser uma representação bastante romântica dos professores que procuram
trazer a natureza para mais perto dos alunos.

Preocupações como essas são responsáveis pelo crescimento de práticas


pedagógicas que se dedicam a plantio de árvores e organização de jardins nas
escolas. Foram constantes as reclamações dos professores acerca da dificuldade de
realizarem essas atividades nas escolas porque não possuem espaço físico que as
comportem. Segundo os professores, esse fator impossibilita o desenvolvimento da
EA. Aquelas escolas que possuem um pequeno espaço tratam de conseguir
116

sementes ou mudas de árvores com a Prefeitura ou com a comunidade e realizam,


em determinadas épocas, atividades de plantio pelos alunos.

Quanto ao plantio de árvores isso é bem problemático. Este fenômeno tem


acarretado vários problemas, visto que são atividades que, na maioria das vezes,
por acontecer apenas a partir da boa intenção dos professores, são realizadas sem
acompanhamento técnico. Um dos problemas que deriva destas práticas diz respeito
ao plantio de árvores de grande porte ou exóticas em locais indevidos. O plantio
dessas árvores, com o tempo, pode entrar em conflito com a própria estrutura da
escola, com as calçadas, com o calçamento das ruas, com o sistema de esgoto e
com o sistema de fiação elétrica por serem árvores muito grandes. A escolha de um
tipo de árvore ainda envolve certos conhecimentos sobre se o tipo escolhido pode
apresentar alguma espécie de risco para a população: espécie venenosa ou que
cause certas alergias. Portanto, a escolha de uma espécie a ser plantada exige
muito mais do que um simples ato de boa vontade e dedicação por parte dos
professores.

A EA, neste caso, acontece fundamentalmente em ações que se caracterizam


pelo plantio e acompanhamento dessas mudas; ou seja, os alunos, em conjunto
com os professores, plantam as mudas, cuidam e observam por algum tempo seu
desenvolvimento. As professoras explicam como isso acontece em suas escolas:

Na terceira série estamos trabalhando florestas porque lá na escola nunca teve


árvores. Vamos começar aprendendo com o feijão, que é mais fácil e ligeiro, ...
eles fizeram uma sementeira e vão fazendo um relatório do que acontece com
a semente, e isso eles vão fazer depois com as mudas e acompanhar a planta.
Eles vão perceber como elas crescem e se desenvolvem, se tornam árvores.
Acho que isso ajuda a conhecer e a gostar, porque não se gosta do que não se
conhece, não é? (Verônica)

Nós estamos organizando, aqui na escola, um jardim!!! Os alunos estão


trazendo algumas plantinhas, eu também trouxe algumas e nós plantamos.
Agora eles observam e cuidam, nós vamos fazer um relatório disso. Isso é
muito importante porque se eles fazem isso eles acabam cuidando e passam a
ter um gosto, mas nós temos pouco espaço, então é pouca coisa. (Maria)
117

Olha, aqui não tem espaço para nada, isso é um grande problema para
trabalhar o meio ambiente. Eu até pensei em deixar essa escola mais bonita e
plantar umas florzinhas com os alunos pra eles terem um pouco dessa coisa
de conhecer a natureza, mas tu vê!!! Como eu faço isso? (Jéssica)

Em uma das escolas, tive oportunidade de observar o início de uma atividade


de construção de um jardim. Os alunos chegaram de chinelos, sem luvas e, sem ao
menos conversarem com o professor, dirigiram-se às pás que já estavam por ali e
começaram a fazer buracos. Logo após, o professor chegou e lhes mostrou como
plantar as sementes. Ele logo se afastou, enquanto os alunos, sem muita habilidade
com as pás, continuavam a bater no solo, dizendo-me que essa era uma prática de
que gostavam e seus pais também, porque eles não ficavam na rua sem fazer nada
e aprendiam alguma coisa. O professor declarou-me, também, que achava
importante, porque eles aprendiam a tratar com a natureza, a gostar da natureza,
aprendiam como se faz para plantar, ao mesmo tempo em que deixam a escola com
um aspecto mais bonito. O professor ainda salientou que as mães também se
envolviam na atividade; eventualmente, os alunos levavam mudas para suas casas e
suas mães também mandavam outras. Nesta troca, para o professor havia também
uma aprendizagem das mães, que passaram a gostar mais das coisas da natureza.

Nota-se que a EA pensada por esses professores tem características não só


de moralizar as condutas dos alunos mas também de entretê-los e ocupá-los,
colocá-los em atividades que os mantenham ocupados o maior tempo possível. Não
tive preocupação, neste trabalho, com os efeitos dessas práticas nos alunos, porém
isso provocou minha curiosidade. Acredito que pode ser uma boa questão de
pesquisa: saber que representações de EA e de natureza os alunos constroem a
partir disso que acontece nas escolas. Tenho me perguntando que sujeitos são
produzidos a partir dessas concepções de EA ou o que será que os alunos fazem
com isso que aprendem na escola.

5.3 EA e o esclarecimento das mentes  um desejo pedagógico

Outra característica importante da EA na escola é a concepção que os


professores possuem sobre o significado de organizarem experiências pedagógicas
118

que tratem das questões ambientais. Esses entendem, por unanimidade, que a
principal tarefa da EA seria a conscientização ou o esclarecimento das mentes dos
alunos. O objetivo dessa conscientização está, no entendimento dos professores,
em esclarecer essas consciências para uma ação política e ambientalmente mais
correta. Suas palavras e os textos dos projetos que escrevem expressam bem esse
desejo:

O objetivo era despertar a consciência dos alunos para os problemas


ecológicos. Nós começamos a pensar nas atividades que nós faríamos e
pensamos em atividades que estivessem centradas na preservação do meio
ambiente e, para isso, teríamos que desenvolver nos alunos mudanças de
atitudes e comportamentos, mostrar a eles como é separar o lixo, cuidar das
plantas, plantar... (Verônica)

Nós temos esse compromisso de dizer pros nossos alunos e incutir neles essa
consciência mais crítica, porque é de pequenininho que eles vão se tornar os
poluidores de amanhã. Se a gente pode dizer - olha a garrafa, o saquinho, o
papel de bala – na sala de aula - já ajuda (Rose)

O presente projeto visa conscientizar os alunos e a comunidade escolar em


geral sobre a importância da preservação do meio ambiente, com a finalidade
de desenvolver valores, atitudes e posturas éticas em relação ao mesmo.
(Projeto reaproveitamento do lixo e suas implicações na construção da
cidadania)

A principal função de trabalhar com EA é contribuir para a formação de


cidadãos conscientes aptos para decidirem e atuarem na realidade sócio-
ambiental de um modo comprometido com a vida. (Projeto Educação
Ambiental na escola: a relação homem-ambiente)

O enunciado da “conscientização dos alunos”, pressupõe considerar a


existência de um sujeito autônomo, livre e um saber ambiental que é possuído por
alguns (professores, ambientalistas, órgãos governamentais) e que necessita ser
transmitido a “outros” (alunos). Nesta perspectiva, os outros, ao entrarem em contato
com estes saberes, estariam preparados para agir de modo consciente frente às
119

questões ambientais, pois eles foram esclarecidos, orientados, preparados para


entender e agir livremente diante da realidade destes problemas.

Os saberes atribuídos à EA estão relacionados a uma idéia de consciência


ambiental já desenvolvida pelos professores. Eles são pessoas que já se “tocaram”
pelas questões ambientais, assim são os que possuem o conhecimento e os
saberes necessários a serem transmitidos aos alunos, o que levará a uma
consciência mais esclarecida e superior.

Diria, neste momento, que este enunciado sobre a conscientização para o


ambiental pode ser compreendido diante das práticas discursivas que conjugam as
diversas pedagogias e teorias sociais relacionadas ao humanismo. Estas, por longos
anos, acreditaram e defenderam a idéia de uma autonomia do sujeito e a existência
de uma essência humana possível de ser desenvolvida em todas as suas
capacidades mentais. Silva (1996) observa que esses pensamentos sobre as
consciências ou, como ele chama, a Filosofia da consciência são:

Parte essencial dos fundamentos das várias psicologias que


têm dado sustentação às justificativas da educação
institucionalizada  das psicologias humanistas (com seus
apelos ao pleno desenvolvimento de todas as faculdades
humanas) às psicologias desenvolvimentistas (com sua ênfase
no desenvolvimento das capacidades infantis). As suposições
sobre a consciência e sujeito são comuns às pedagogias da
repressão e às pedagogias libertadoras  a oposição binária
que lhes opõem apenas revela e existência de um essência a
ser reprimida ou libertada, conforme o caso. Não escapam a
essa tradição nem mesmo as chamadas pedagogias críticas
 a própria noção de conscientização, tão cara a algumas de
suas importantes correntes, está integralmente vinculada à
suposição da existência de uma consciência unitária e auto-
centrada, embora momentaneamente alienada e mistificada,
apenas à espera de ser despertada, desreprimida,
desalienada, libertada, desmistificada”. (p. 239)

Pode-se, deste modo, entender que um enunciado ou um discurso não pode


ser visto simplesmente por ele mesmo, pois ele é produto de um arcabouço de
discursos que dizem respeito a uma memória coletiva (Fischer, 1995) e que se
impõe, diante das relações de poder, aos sujeitos e suas práticas. Como diz Silva
(1996), a conscientização dos indivíduos se inscreve diante de uma série de
interdiscursos que acabam por povoar diversos campos do saber, entre eles, a
educação escolar e, não menos, o movimento ambiental. Portanto, não há
enunciados neutros e desinteressados, eles próprios são produzidos e vinculados
120

aos diversos campos e teorias, pedagogias e psicologias, que disputam a


legitimação de seus saberes diante dos jogos de poder em questão.

Quando os professores se remetem à conscientização dos alunos o fazem à


luz de uma série de discursos e enunciados que os constrangem e se impõem a
eles, construindo-os e produzindo suas práticas educativas e sociais. Os professores
são posicionados e interpelados numa ordem de discursos que pré-existe a eles. Isto
porque “o sujeito da linguagem não é um sujeito em si, idealizado, essencial, origem
inarredável do sentido: ele é, ao mesmo tempo, falante e falado, porque através dele
outros ditos se dizem” (FISCHER, 1995, p. 23). O sujeito da educação é um efeito
dos discursos. Esses discursos nomearam, classificaram, posicionaram e marcaram
os comportamentos e as condutas dos professores, a fim de produzir um profissional
humanizador das consciências alheias e de suas próprias consciências.

Neste conjunto discursivo que se impõe aos professores e às suas práticas


pedagógicas, tem-se que levar em consideração os discursos das pedagogias
críticas (que almejam desenvolvimento das consciências, uma sociedade livre,
sujeitos emancipados, esclarecidos, autônomos e preparados politicamente para
ação), que tiveram impactos consideráveis nas identidades sociais e educacionais.
Essa crença permanente na idéia de desenvolver uma consciência ecológica ou
ambiental mais crítica, conforme sugerem as falas dos professores, está
atravessada pelas condições e pela ética que as teorias críticas instituíram no
campo social e político a partir dos anos de 1970, e que se fortaleceu nas duas
décadas seguintes.

Com a abertura política e com o fortalecimento dos movimentos sociais,


problemas como os relativos ao meio ambiente, à pobreza, à desigualdade social,
ganharam visibilidade, e as lutas de contestações ao regime vigente abriram espaço
àquelas concepções teóricas que buscavam fortalecer o poder dos sujeitos para,
assim, transformar a sociedade e produzir a igualdade social. As teorias críticas
surgem, com o objetivo de curar o mundo de seus males, e seus discursos e
enunciados prometem a humanização, a salvação e a redenção por meio do
esclarecimento. Esses discursos passam a fazer parte de variadas instâncias sociais
e educacionais, entre elas a escola e o movimento ambientalista.
121

O professor, na perspectiva das teorias críticas, tem como tarefa fundamental


instrumentalizar os alunos e alunas para a ação crítica, para a superação dos
problemas sociais. Se vivemos numa sociedade que se pauta pela desigualdade
social de classes, se uns podem mais que os outros, os professores precisam
instrumentalizar os que são carentes de possibilidades para que esses possam lutar
pela sociedade de forma mais igualitária e mais esclarecida. É nessa perspectiva, e
para dar conta dessa tarefa, que se impõem conceitos como os de conscientização,
de cidadania, de liberdade, de ações coletivas, hoje tão utilizados e desejados pela
EA.

O professor crítico é também aquele que é dono dos conhecimentos


verdadeiros, ele tem o conhecimento daqueles problemas que necessitam ser
trabalhados e resolvidos; isso o diferencia dos seus alunos que ainda estão em
condições de ignorância ou ingenuidade de saberes e de política. A escola é o local
onde isso acontece, onde se passa de uma consciência comum a uma consciência
superior e esclarecida. O professor, um misto de intelectual e pastor, é quem tem o
dever de levar seus alunos ao desenvolvimento e clarificação de suas consciências
ainda não despertadas. A sua vocação pastoral e os conhecimentos que possui
permite que o professor crítico identifique, mediante interação com os alunos
(observação de comportamentos, conversas, relatos), o que deve ser feito para que
essa consciência desperte. Esse despertar das consciências é a condição essencial
para que seja possível agir de modo mais igualitário e político frente aos problemas
a serem enfrentados.

Os discursos das pedagogias críticas têm influenciado de modo especial o


campo da educação e, conseqüentemente, os sujeitos da educação, os professores.
Conceitos como conscientização, autonomia, cidadania, esclarecimento e
clarificação, reafirmados pela pedagogia crítica, são constantemente mobilizados e
enunciados pelos docentes nas escolas estudadas. Isto acontece porque as
Pedagogias Críticas, segundo Garcia (2001, 2002a, 2002b), produziram uma ética
que definiu para os docentes e outros intelectuais, a tarefa de conduzir os indivíduos
e suas consciências pelo caminho do esclarecimento. Para dar conta desta tarefa,
essas pedagogias colocaram em ação um conjunto de práticas discursivas que se
destina a produzir o docente crítico e suas funções.
122

Certamente, esse ideal de docente perpassa o imaginário e as


representações dos professores e têm efeitos produtivos no âmbito da escola. Essa
busca pelo desenvolvimento progressivo das consciências dos sujeitos tem sido
objetivo fundamental da EA nas escolas. Os professores acreditam piamente que
eles são sujeitos dotados de liberdade e autonomia de escolha e de
desenvolvimento de novas capacidades mentais mais esclarecidas. Isso fica claro
quando uma professora relata que, na escola, o grupo de professores já está
conscientizado sobre os problemas ambientais, fruto de um amplo trabalho com
esse tema. Porém, segundo ela, o maior problema é quando surge um professor
novo na escola e que não entende esse trabalho que é realizado. Segundo a
professora, um professor teria começado a trabalhar na escola e não tinha o hábito
de separar o lixo. Isso causava desconforto aos demais professores que não sabiam
o que fazer. Tem que ter um jeito de colocar [diz a professora], de estar
mostrando pro outro entender a importância dessa questão ambiental e isso
tem que ser pela ação, mostrar como fazemos para ele se dar conta. Agora ele
já entrou no clima, despertou. (Elaine)

Outros dois exemplos:

Foi na escola que eu comecei a mudar minha mentalidade, que fiquei mais
conscientizada. Foi na convivência, foi na reflexão sobre meus
comportamentos em relação com a natureza que mudei minha maneira de ser
e de ver a questão ambiental. (Rose)

É difícil!!! ... Trabalhar meio ambiente ... porque as pessoas, na maioria, não
desenvolveram o gosto, não se interessaram pelo meio ambiente, não se
conscientizaram e, ainda, não se deram conta da importância. (Cátia)

Para os professores que participaram desta pesquisa, a necessidade de se


desenvolver uma consciência ambiental nos alunos é meta fundamental. A EA, para
esses professores, produz sujeitos com certas características que são capazes de
manter uma relação mais harmoniosa com a natureza, amando-a, cuidando-a e
embelezando-a. Com isso, os professores apostam na EA como uma prática
pedagógica vinculada à transmissão de conhecimentos e capaz de conduzir os
123

alunos a uma consciência ambiental mais esclarecida, mais evoluída e menos


ingênua. Vejamos as palavras das professoras Maria e Cleusa:

EA é conscientizar, falar, dizer – olha o lixo, a sala tem que estar limpa, a água
está poluída e vai faltar, tem que cuidar e não desperdiçar... Tem que mostrar
essas coisas porque eles não sabem ainda e, aos poucos, vão entendendo.
(Maria)

Eu acho que é consciência, é conscientização!!! Tu vais tocando neles,


dizendo o que é certo e o que é errado, mostrando, na prática, os problemas:
lixo, água, drogas, violência. A gente está sempre dizendo  olha o papel no
chão, a sala está ficando suja... Eles vão percebendo e se conscientizando.
(Cleusa)

Nesta concepção de EA, o professor seria aquele que tem o poder de guiar,
converter os alunos a uma consciência superior, verdadeira e mais racional. Os
professores pensam que o desenvolvimento dessa consciência levará os alunos a
ações de mais respeito e amor à natureza e que isso poderá resolver
gradativamente os problemas ambientais. Numa escala mais ampla, ao se educarem
os alunos, estão educando também seus pais e, em alguma dimensão, também a
comunidade onde esses vivem. Esses professores demonstram entender que os
alunos mais conscientizados e com comportamentos corretos irão sensibilizar
aqueles que estão à sua volta e, eventualmente, chamar a atenção daqueles que
ainda não tenham sido tocados pela questão ambiental e serão, ainda, capazes de
propor ações que sejam direcionadas a resolver estes problemas.

Todavia, o que os professores chamam de conscientização dos alunos diz


respeito a práticas comportamentais e morais. O que chamam de conscientização é
a produção de certos comportamentos que sejam capazes de fazer com que os
alunos possam desenvolver uma certa reflexão sobre os seus atos frente aos
problemas ambientais e que, a partir dessas reflexões, possam trocar seus
comportamentos e habilidades por outros. Neste caso, nas atividades de EA, não
existe objetivo de que se aprenda algum conhecimento específico, mas que cada
indivíduo possa realizar uma auto-reflexão que levará à conscientização e,
posteriormente, a comportamentos corretos. Para que esses comportamentos e
124

essas consciências progridam, é necessário colocar os alunos em contato com muita


informação, muitos dados sobre lixo, poluição, desperdício e agressão à natureza,
bem como em contato com exemplos concretos desses problemas. As
preocupações dos professores giram em torno de práticas comportamentais, hábitos
e procedimentos ambientalmente corretos ou incorretos. Vejamos o que os
professores disseram sobre isso:

[ ... ] a gente trouxe convidados do SANEP para mostrar quanto as pessoas


gastam de água para tomar banho, para escovar os dentes e eles ficam
chocados com isso e com a quantidade de lixo que se produz. Eles
começaram a pensar que tem que fazer alguma coisa. Outra coisa que está
sendo planejada é que se tem que monitorar a mudança de comportamento e
verificar se isso possibilita o desenvolvimento da cidadania. Então, os
professores têm que estar monitorando, vendo se as coisas estão
funcionando. Claro que sempre tem alguns que se adaptam a esta situação,
outros não, mas é importante que sempre tenha alguém fazendo isso.
(Verônica)57

Eu falo o tempo inteiro, se eles estão comendo uma bala e largou o papel no
chão eu digo, volta e pega o papel cara, se todo mundo for jogar o papel no
chão nós vamos ficar atolados na sujeira. Se eu vejo alguém riscando uma
árvore, eu pergunto pra que tu estás riscando na árvore? ela está te dando
sombra, mas isso só vale no momento em que a coisa está acontecendo,
depois não adianta. Isso é conscientização gente!!!! Não adianta dar textos, ler
muitos autores, filosofar, tem que mostrar (Cátia)

A aprendizagem a gente vai vendo no dia-a-dia, nos hábitos e atitudes deles.


Eu me lembro de uma aluna da 4a série, uma menina que me ajudava muito.
Um dia nós fomos fazer um passeio e ela comia bala e colocava o papel no
chão, aí eu disse  escuta tu!!! colocando papel no chão!!! E ela me disse
espantada que não sabia que papel de bala era lixo, eu olhei para ela com uma
cara e disse quer dizer que um papelzinho não é lixo. Agora ela melhorou.

57
Estas foram a palavras da professora Verônica, durante um curso de qualificação sobre EA
oferecido pela SME, quando apresentou os trabalhos que desenvolvia na sua escola.
125

Outro dia estava comendo bala e fez uma careta e disse putz!!! É lixo. Então é
essa avaliação pelos hábitos e atitudes que eles desenvolvem. (Cleusa)

Como se vê, essas são práticas pedagógicas unicamente preocupadas em


transformar os sujeitos pelos seus comportamentos, considerados pelos professores
como errados. O alvo é simplesmente a pessoa em si, sua racionalidade, sua
consciência, sua conduta.

É certo que não podemos deixar de compreender estas práticas pedagógicas


de EA como processos de significação, isto porque elas instituem e transmitem aos
alunos representações e significados sobre a EA. Esse processo de significação no
qual os professores envolvem seus alunos parece acontecer a partir de uma
constante vigilância e controle sobre seu comportamento com o objetivo de moralizá-
lo. Em vários momentos, em nossas conversas, os professores comentaram que
precisam estar atentos e vigilantes para saber se os alunos estão separando
corretamente o lixo. Outros comentaram que estão sempre falando para os alunos
não jogarem papel no chão ou para limparem as salas depois das aulas. Alguns,
ainda, comentaram que esse processo de desenvolver a conscientização dos alunos
é muito mais fácil com alunos pequenos (séries iniciais ou educação infantil) porque
esses ainda não foram contaminados com os maus hábitos dos adultos; já os
grandes resistem e têm vergonha de trazer o lixo, de saírem para os mutirões pois
não entendem que precisam ajudar a natureza.

Esses procedimentos são constituídos de significado moral (atitudes, normas


e valores) e a “construção” dessa moral é vista como resultado da participação em
certas ações e em certos procedimentos; ou seja, o que está em questão é o desejo
que os alunos possam, a partir desses procedimentos, transformar o que pensam
sobre si mesmos e sobre suas relações com o ambiente natural.

Como já foi mostrado, com esta concepção, as atividades educativas


apresentadas pelos professores são mobilizadas a partir da prescrição e do
constrangimento (não faça isso, faça aquilo). Essas são tecnologias de si que
buscam a autoconsciência e o autogoverno das condutas dos alunos para inseri-los
em um modo de pensar específico. Essas tecnologias posicionam os alunos em uma
ordem de discurso específica com suas regras, normas, rituais e doutrinas que
126

definem quais características devem desenvolver, aqueles que irão falar, assim
como pressupõem que aqueles que falam de determinados discursos concordam
com as verdades que esses colocam em ação. Assim, como sugere Larrosa (2002),

(...)a pedagogia não pode ser vista como um mero espaço de


possibilidades de desenvolvimento ou melhoria do
autoconhecimento, da auto-estima, da autonomia, da
autoconfiança, do autocontrole, da auto-regulação, etc., mas
como produzindo forma e experiência de si nas quais os
indivíduos podem se tornar sujeitos de um modo particular.
(p.57)

A pedagogia e as tecnologias que se apresentam como atividades de EA


definem o que é necessário para os alunos se tornarem sujeitos mais conscientes e
mais esclarecidos, no caso das escolas isso pode ser resumido em separar o lixo e
plantar árvores e flores. Isso acontece mediante aquilo que os professores priorizam
como importante e verdadeiro para que essa transformação se realize. Nas
atividades que os professores propõem, estão definidos os sentidos e as
representações que os professores têm sobre EA (limpeza e embelezamento do
ambiente). Estão definidos, também, os mecanismos que eles determinam como
sendo os que levarão os alunos à transformação de seus sentimentos e atitudes
frente aos problemas ambientais.

Assim, mesmo que nestas atividades (seletividade de lixo, passeio,


observações, gincanas) pareça que não se ensina nada, pois não são utilizados
livros ou textos ou notas, nelas os alunos aprendem muitas coisas (LARROSA,
2002). Nestas práticas, os professores ensinam um determinado significado de EA,
ensinam um significado para os comportamentos dos alunos e ensinam as posições
que os alunos devem adotar frente aos problemas ambientais que se apresentam.
Compreender a pedagogia deste modo é considerá-la como envolvida no governo
das condutas, nos processos de subjetivação e na definição de certas práticas que
conduzem os alunos a experiências de si mesmos, dos outros e do mundo.

Quando os professores delimitam as práticas de EA no âmbito exclusivo


daqueles problemas imediatos que são observados na natureza, com intenções de
limpá-la ou embelezá-la, eles deixam de priorizar questões que dizem respeito, por
exemplo, a todo um histórico social e político-cultural que objetifica a natureza e
possibilita aos seres humanos o status de ser senhor de todas as coisas. É deste
princípio discursivo que derivam as atuais concepções que temos das relações entre
127

ser humano e natureza; é, também, deste princípio que derivam as pedagogias e as


práticas educativas nas escolas.

Ao fazer essa fragmentação dos problemas ambientais, os professores estão


estruturando um campo de ação provável para os seus alunos, estão indicando o
único caminho que deve ser seguido. À medida que exerce esse tipo de poder a
pedagogia amplia, induz, favorece e estimula um modo de ser e agir ambiental para
seus alunos e professores e nesta relação também exclui, impede, proíbe, limita
outros caminhos e outras possibilidades.
128

6 ALGUMAS PALAVRAS...

Creio que em uma dissertação de mestrado é sempre esperado que se


finalize o texto com algo que se vem chamando de conclusão ou considerações
finais. Espera-se que sejam apresentadas brilhantes idéias, sugestões ou
alternativas para uma transformação daquilo que foi investigado. Mas isso será
impossível de ser encontrado nesta pesquisa, visto que recuso as certezas, a
plenitude às conclusões fechadas e definitivas. Rompendo com as expectativas
conclusivas quero simplesmente fazer algumas colocações acerca da pesquisadora
e da pesquisa.

Claro que trabalhar com um referencial teórico novo, pouco conhecido (por
mim), polêmico e contestador e com um tema ainda pouco estudado como a EA
escolar foi algo muito sofrido, dolorido e exigiu muita reavaliação e desprendimento
de minhas próprias crenças e certezas. Isso me obrigou a sair de um porto seguro e
adentrar num campo de outros olhares, novas perspectivas e trilhar caminhos não
muito fáceis. Ao fazer isso tive que enfrentar freqüentes altos e baixos e muitas
incertezas quanto ao caminho a ser seguido. Em muitas ocasiões, fui levada a
mudar o processo do trabalho e iniciá-lo novamente. Porém, ao mesmo tempo em
que isso me deixava insegura e desesperada, também fui me apaixonando pelo
desconhecido, fui seguindo suas pistas instigantes e tentei aproveitá-las o máximo
possível, na medida em que desenvolvia o processo de análise. Assim, fui
acreditando e apostando na possibilidade teórica que produziu esta pesquisa e cada
capítulo que constitui esta dissertação.

Neste trabalho busquei entender e analisar quais eram os discursos dos


professores sobre as práticas pedagógicas de EA, ou como esses professores
pensam sobre o fazer EA na escola. Quis valorizar as falas dos professores porque
entendo a pedagogia e as práticas pedagógicas como instrumentos discursivos que
produzem significados e representações no espaço escolar a partir de relações de
poder-saber.
129

Os professores que participaram deste estudo possibilitaram, através de suas


falas, que eu entendesse como a EA acontece em suas escolas. Ao falar desses
“como” da EA os professores mobilizaram uma série de representações e sentidos
que atribuem às práticas de EA. Ficou claro que o modo como a EA é desenvolvida
nas escolas está relacionada a fatores como o lugar desprestigiado ocupado pelos
temas ambientais e seus currículos nas escolas, à força da tradição disciplinar e a
falta de formação básica e continuada para tratar da EA. São esses fatores,
conjugados aos diferentes discursos sobre a EA e sobre a educação, que interpelam
cotidianamente os professores, que garantem o desenvolvimento de um tipo
específico de EA nas escolas: naturalista, pragmática, comportamental. Nesta
perspectiva, que a EA adota nas escolas, os problemas ambientais são reduzidos e
simplificados a atividades pontuais e específicas como seletividade de lixo e plantios
e, ao fazer isso, essa EA impossibilita outras abordagens e outros olhares sobre os
temas ambientais.

Essas representações sobre as práticas de EA são mobilizadas a partir de um


desejo muito específico dos professores, qual seja, o de produzir sujeitos
conscientizados sobre os temas ambientais. Os professores acreditam na idéia de
sujeito como um ser soberano, auto-reflexivo, auto-regulado e unificado. Sujeitos
capazes de desenvolverem-se em todas as suas capacidades da razão, da
consciência e da ação. Os desejos dos professores, com as práticas de EA, são de
envolver os alunos em certas atividades que os levem a realizar um trabalho sobre si
mesmos, de tal forma que possam transformar e moldar suas próprias condutas, e
posteriormente, de posse dos conhecimentos ambientais, possam, também,
contribuir para as transformações sociais em relação ao meio ambiente.

As representações dos professores sobre suas práticas pedagógicas são


profundamente marcadas e atravessadas pela ética instituída pelas teorias
educacionais críticas, desde os finais da década de 1970, no campo social, político e
pedagógico. Os discursos das teorias pedagógicas críticas, posicionam os
professores como intelectuais críticos e responsáveis pela condução das
consciências dos alunos, pelos caminhos da humanização, da redenção e da
salvação via esclarecimento de suas consciências. Essas teorias, e seus discursos,
foram incorporadas pelas políticas educacionais, pelas pedagogias e pelos
130

movimentos sociais de modo que até hoje tem efeitos muito fortes nas práticas
educacionais, nas identidades e nas subjetividades.

Assim, o que mostrei neste trabalho é que os modos como os professores


passam a realizar e pensar a EA se devem a uma série de condições e posições
que esses ocupam nas escolas e nos espaços sociais e, também, aos diferentes
discursos com os quais entram em contato. Também tentei mostrar que a EA e as
tecnologias que aciona nas escolas são tecnologias de poder e governo das
condutas. Tecnologias que buscam modelar, definir e centrar os modos como os
alunos devem pensar e agir quanto aos problemas ambientais. Deste modo, a EA,
como tecnologia de governo, produz efeitos nas escolas e nos seus sujeitos,
posiciona e fabrica sentidos e representações muito particulares.

Ao iniciar esse trabalho de analisar como a EA vem sendo constituída nas


escolas, eu acreditava que com essa pesquisa poderia chegar a algumas certezas
ou mostrar alguns caminhos seguros a serem seguidos. No entanto, ao chegar
neste final, o que me parece ser interessante nesta pesquisa não é que ela tenha
desvelado algo que estivesse escondido ou que tenha uma solução para resolver as
condições e as contradições de como a EA se apresenta nos currículos escolares.
Ao contrário, a única certeza que tenho é a da complexidade que envolve a relação
da escola com os temas ambientais.

Meu desejo é que este estudo possa ser considerado como um bom motivo
para reflexão sobre o poder docente, sobre os currículos e, principalmente, sobre a
EA, que mesmo estando nas escolas em condição menos nobre do que outros
temas considerados mais importantes, vem produzindo significados e
representações, as quais marcam e atravessam os modos de pensar e agir de
alunos e da comunidade escolar. Espero que essa pesquisa seja produtiva no
sentido de que possa, no mínimo, ser um bom pretexto para desencadear boas
perguntas e outros olhares sobre o que acontece nas escolas.
131

ABSTRACT

This work focuses the relationship between teachers and Environment Education
(EE). From the analysis of a set of speeches that are used by eleven teachers of
Public schools of Pelotas (RS, Brazil), I show that the representations about these
teachers’ EE practices have productive effects in the school ambience. From a
foucaultian after-structuralist aproach I argue that the speeches of the teachers and
the conditions that the schools provide to the EE produce a specific type of EE. This
type of EE is oriented in the direction of a touristic curriculum, for practical
pedagogical that reduce the set of environmental problems to isolated procedures
oriented for beautifulness and cleanness of the environment, and for the desire to
produce a self-reflexive citizen, self-ruled and conscientious of environment
problems. I also argue that the representations that the teachers had produced about
EE have been influenced for different speeches that interpellate them.

Word-keys: Environment education, curriculum, speeches, teachers


132

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