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MARCELO LIBÂNIO
Engenheiro Civil e Mestre em Engenharia Sanitária (UFMG), Doutor em Hidráulica e Saneamento (USP) e Professor Adjunto do
Departamento de Engenharia Hidráulica e Recursos Hídricos da UFMG
RESUMO ABSTRACT
A presente pesquisa avaliou a aplicação de um sistema baseado no empre- This study evaluates the application of a disinfection system using
go de radiação ultravioleta (UV) na desinfecção de águas com cor e ultraviolet radiation (UV) in water with moderate presence of color
turbidez moderadas. Realizaram-se ensaios em regime de bateladas, em and turbidity. Batch experiments were done using two types of
um reator de 2,5 L de volume, empregando-se dois tipos de água sintética
synthetic water contaminated with Escherichia coli from strain
contaminadas com Escherichia coli proveniente de cepa isolada de água,
em concentrações de 102 a 107 NMP/100 ml, e submetidas à exposição isolated of water, in a 102 to 107 per 100 mL concentration, and
UV por tempos de contato de 1, 3 ou 5 minutos. Os ensaios realizados submitted to UV exposition within the reactor for contact times of
demonstraram que para os dois tipos de água experimental obteve-se 1, 3 and 5 minutes. The experiments demonstrated that the complete
inativação completa dos microrganismos nos ensaios com tempos de inactivation was reached to contact times of 3 and 5 minutes. In
contato iguais a 3 e 5 min. Nos ensaios com tempo de contato de 1 min, tests with contact time of 1 minute the complete inactivation was
embora não suficiente para inativação completa dos microrganismos, as not reached but the operational conditions were enough to reduce
características do sistema proporcionaram redução de até 6 log da carga until 6 log of affluent load, with average between 3 and 4 log.
afluente, com média entre 3 e 4 log. Complementarmente foram realiza- Complementarily kinetic studies were conducted using natural surface
dos ensaios cinéticos, utilizando-se água natural, com características simi-
water. The objective of these tests was to determine the constant of
lares às da água sintética tipo I, objetivando a determinação da constante
de inativação à UV da Escherichia coli e de bactérias do grupo coliforme inactivation of Escherichia coli and total coliforms to UV
(coliformes totais). Os valores obtidos foram coerentes com aqueles apon- irradiation. The results were in accordance with the ones shown in
tados na literatura. As doses de radiação UV foram determinadas por literature. The UV dosage determination was conduced by the
actinometria, realizada pelo grupo de apoio na área de química vinculado UFMG/Prosab chemistry staff using the potassium ferrioxalate
ao Prosab – Edital 2, Tema Água, tendo sido utilizado o ferrioxalato de actinometer process.
potássio como substância actinométrica.
PALAVRAS-CHAVE: tratamento de água; desinfecção; radiação KEYWORDS: water treatment, disinfection, microbiological
ultravioleta. removal.
ARTIGO TÉCNICO
− αx
I = I0 .e (Eq. 2)
em que:
A PAR#1 T I = Intensidade de radiação no meio
líquido (W/cm2);
I0 = Intensidade de radiação na fon-
te (W/cm2);
P D P D a = absorbância (cm-1);
(Ácido adenílico) (Ácido timidílico) x = espessura da camada líquida
(cm).
Considerando como x = 0, a super-
fície na qual a intensidade de radiação é
máxima (I=I0) e que a intensidade míni-
G PAR#2 C ma ocorre na superfície do líquido dis-
tante x da fonte, pode-se calcular a inten-
sidade média integrando a Eq. 2 anterior,
resultando em :
P D P D
(Ácido guanílico) (Ácido citidílico) x −αx
∫0 I 0 .e dx
IM = =
LEGENDA: A, adenina; C, citosina; D, desoxirribose; G, guanina; x
P, ácido fosfórico, T, timina.
(1 − e −αx )
I0 (Eq. 3)
Figura 1 - Nucletídeos formadores do DNA (GUYTON, 1985) =
α.x
tuídas, desde que as informações para sua Cinética da
síntese, contidas no DNA, não tenham desinfecção com Assim, a dose média de radiação UV
sido perdidas (DANIEL, 1993). radiação UV seria :
Um interessante fenômeno é a
reversibilidade do dano causado às estru- Na desinfecção com UV, a dose de
turas do DNA das células. Esta radiação é definida como sendo o produ- DM = IM .t ( Eq. 4)
reversibilidade é conhecida como to da intensidade de energia pelo tempo
“reativação”, se ocorrer após um processo de exposição:
de desinfecção química, e como A inativação, pela Lei de CHICK –
“fotorreativação”, caso se suceda após ex- WATSON, seria então :
posição à radiação UV (PARROTTA & D = I.t (Eq. 1)
BEKDASH, 1998). Sob determinadas em que:
condições, alguns microrganismos dota- D = Dose de radiação ultravioleta N
dos de sistema metabólico funcional são (W.s/cm2); ln = −K.I M .t (Eq. 5)
capazes de produzir uma enzima que uti- I = Intensidade da radiação (W/ N0
liza a energia das radiações luminosas en- cm2);
tre 300 e 500 nm para partir a ligação t = Tempo de exposição (s). em que:
entre os dímeros de timina. Os dímeros A absorção de radiação pelas partí- K = Coeficiente de letalidade à UV
de citosina não são rompidos por esse pro- culas dispersas e pelo próprio líquido é dos microrganismos;
cesso e algumas inversões na sua forma- obtida segundo a Lei de “Beer – IM = Intensidade média da radiação
ção são promovidas por meio de meca- Lambert” (PIRES et al., 1998): germicida.
nismo ainda não completamente esclare-
cidos (WRIGHT & CAIRNS,1998). Os
vírus não são capazes de promover esta Tabela 1 - Constantes de Inativação UV
fotorreativação, mas podem utilizar os de alguns microrganismos
mecanismos de enzimas reparadoras pro-
Microrganismo K (cm2 / µWs)
duzidas nas células do hospedeiro
(PARROTTA & BEKDASH, 1998). Eschechiria coli 2,50 x 10-3
Nas bactérias e outros microrganismos, a
amplitude da capacidade de Pseudomonas. aeruginosa 1,74 x 10-3
fotorreativação está relacionada à exten-
são do dano fotoinduzido, à exposição à Aeromonas hydrophila 2,20 x 10-3
radiação entre 300 e 500 nm e ao pH e
temperatura da água (PARROTTA & Streptococcus faecalis 1,23 x 10-3
BEKDASH, 1998; WRIGHT &
CAIRNS, 1998). Vibrio cholerae 2,07 x 10-3
Na Tabela 1 são apresentados os et. al., 1993 apud WRIGHT & METODOLOGIA
valores do coeficiente de letalidade à UV CAIRNS, 1998). Também foi verificada
de algumas bactérias, obtidos por PIRES a conversão de nitrato a nitrito em expo- Descrição do aparato
et al. (1998) em experimentos com lâm- sição a radiação UV abaixo de 240 nm experimental
padas de baixa pressão (emissão de radia- (GROOCOCK, 1998 apud WRIGHT
ção UV a 254 nm): & CAIRNS, 1998). Todavia, tal conver- O reator utilizado consistiu de uma
As lâmpadas de UV de baixa pres- são não é preocupante em sistemas que unidade tubular, construída com tubo
são – ou monocromáticas – emitem de utilizam lâmpadas de baixa pressão, cuja de PVC tipo esgoto, de diâmetro nomi-
85% a 90% de radiações no comprimen- emissão predominante é de 254 nm. nal 100 mm, com cerca de 45 cm de
to de onda de 254 nm, de maior efeito Nos sistemas que utilizam lâmpa- altura total. No eixo da tubulação foi
germicida. Dessa forma, é considerada nos das de média pressão é possível impedir adaptada uma lâmpada de vapor de mer-
estudos cinéticos da desinfecção UV a essa conversão mediante o uso de lâmpa- cúrio de baixa pressão, potência nominal
intensidade média da radiação germicida das com camisas que absorvem a radiação de 15 W. O sistema dispunha inicialmente
a 254 nm. abaixo de 240 nm. de um conjunto independente de gera-
Para as lâmpadas de média pressão ção de ozônio, que apresentou concen-
– ou policromáticas –, as contribuições Em síntese, a formação de trações médias deste gás inferiores a 0,09
de cada radiação de diferente compri- subprodutos nos processos de desinfec- mg/l, não resultando em nenhuma
mento de onda devem ser consideradas ção de águas de abastecimento com radi- melhoria na eficiência do reator. Desta
na determinação da dose ação UV é mínima, não tendo sido forma, não foi utilizado o ozônio ao lon-
(MEULEMANS, 1998): verificada a formação de subprodutos go da fase experimental da pesquisa.
mutagênicos ou carcinógenos (WRIGHT Embora tenha sido concebido para
& CAIRNS, 1998). operar em regime de fluxo contínuo, o
λ =315nm
D= ∑ I( λ )G(λ).t (Eq. 6) Tabela 2 - Doses mínimas de UV recomendadas para desinfecção
λ =200nm
Organismos Dose Recomendada
Observações
em que : regulamentadores (mW.s/cm2)
I(l) = Intensidade de radiação a cada
comprimento de onda l ; e 1) Entidades
G((l) = Espectro de ação germicida
DHEW (1) 16 Padrão para desinfecção em barcos
de cada comprimento de onda depen-
dente do microrganismo a ser inativado. 38 Classe A - desinfecção de vírus e bactérias
Não se tem estabelecido valores de ANSI/NSF (2)
doses mínimas a serem adotadas na de- 16 Classe B - desinfecção complementar
sinfecção com radiação UV. Esta defini-
ção está vinculada a uma série de caracte- USEPA 21 Remoção de 2 log de vírus da hepatite A
rísticas particulares de cada sistema, den-
tre as quais se destacam:
a) Características físico-químicas da
2) Estados dos EUA
água;
b)Nível de contaminação Arizona 38 Idem ANSI/NSF Classe A
microbiológica;
c) Impacto sobre os microrganismos Carolina do Norte 38 Idem ANSI/NSF Classe A
das etapas de tratamento anteriores à de-
sinfecção; Nova Jersey 16
d)Histórico epidemiológico;
e) Grau de risco a ser assumido. Pennsylvania 16 Desinfecção de águas subterrâneas
Ainda assim, há uma série de regu-
lamentações que recomendam doses mí- Utah 16
nimas a serem adotadas nos processos de
desinfecção com UV, conforme apresen-
tado na Tabela 2. 3) Países da Europa
O processo fotoquímico da desin- Áustria 30
fecção com radiação UV é responsável por
uma baixa geração de subprodutos, por- França 25
tanto com mínimos riscos à saúde
(CAIRNS, 199?). Alguns estudos repor- Noruega 16
tam a formação de subprodutos da de- (1)
Departament of Health, Education and Welfare, USA.
sinfecção com radiação UV, principal- (2)
American National Standards Institute, USA
mente formaldeídos e acetaldeídos, na
desinfecção de águas residuais (AWAD Fonte: PARROTTA & BEKDASH, 1998; WRIGHT & CAIRNS, 1998
ARTIGO TÉCNICO
reator foi adaptado na pesquisa experi-
Alimentação
mental para operação em regime de
bateladas, tendo sido introduzido um LÂMPADA UV
ponto de alimentação na extremidade
superior do tubo. Inicialmente o reator
era dotado de um único ponto de
amostragem e descarga (ponto inferior), Pontos de Amostragem
tendo sido posteriormente acrescentados
dois pontos de amostragem intermediá-
rios, permitindo avaliar o grau de H = 45 cm
homogeneidade da contaminação das
amostras a serem ensaiadas.
O diâmetro de 100 mm assegurou
uma distância da lâmpada inferior a 75
mm, valor recomendado como máximo
para aplicações da UV em processos de
desinfecção. Difusores de O3
Ainda que o PVC não tenha
reatividade com a radiação UV capaz de
alterar as características da água, segundo D i = 10 cm
informação do catálogo do fabricante, este
material não é o ideal para esta aplicação Figura 2 - Detalhes e dimensões do fotorreator de UV
pois absorve a radiação UV. Contudo, há empregado na pesquisa.
de se observar a sua aplicabilidade em ter-
mos de baixo custo, fácil condição de
manuseio e grande disponibilidade no Tabela 3 - Características das Águas de Estudo Tipo I e II
mercado.
A Figura 2 seguinte apresenta a con- Parâmetro Água Tipo I Água Tipo II
figuração e as dimensões básicas do rea-
tor. pH 6,4 - 6,8 6,4 - 6,8
ARTIGO TÉCNICO
Protocolo de ensaios ensaio (1, 3 ou 5 minutos). Após o desli- determinação do coeficiente de letalidade
gamento, coletava-se uma amostra de 100 foi realizada no laboratório da Fundação
Para a realização dos ensaios efetuou- ml para determinação da concentração de Ezequiel Dias – Funed.
se uma adaptação do reator para operar microrganismos no efluente; A determinação das concentrações
em sistema de bateladas, uma vez que este iv) Após a coleta da amostra do afluentes e efluentes de microrganismos
teve sua concepção original para opera- efluente, era procedida a descarga do rea- realizou-se por meio de processo
ção em um sistema de fluxo contínuo. A tor, mantendo-se a lâmpada UV acesa, cromogênico, utilizando-se reagentes e
primeira adaptação para operação em promovendo sua esterilização. cartelas da Tecnologia de Substrato Defi-
bateladas consistiu do tamponamento da A cada ensaio, os procedimentos nido da IDEXX Laboratories Inc.
derivação de entrada do reator e instala- supracitados eram repetidos, sendo que
ção de uma curva de PVC na derivação todos os materiais utilizados eram limpos
de saída, passando essa a ter a função de com álcool 70% e lavados abundante- RESULTADOS E
entrada (Figura 2). mente com água destilada e deionizada. DISCUSSÃO
Com esta configuração foram rea- Cabe observar que em duas opor-
lizados onze ensaios de inativação, com tunidades foram realizadas amostragens Ensaios de inativação
volume de água experimental igual a 2,5 nos pontos intermediários para se avaliar
litros, sendo coletadas três amostras em o grau de dispersão dos microrganismos, Durante os ensaios com água sinté-
tempos tais que correspondessem às altu- em tempos de 1 e 3 minutos. Em ambas tica referentes à fase I da 1a etapa detecta-
ras de lâmina inferior, média e superior as avaliações, obteve-se um desvio inferi- ram-se erros de procedimento na conta-
do volume de água no reator. Verificou- or a 5%, assegurando o estado de minação das amostras e outros decorren-
se que, sistematicamente, os resultados de homogeneização da amostra contamina- tes, conforme relatado no protocolo ex-
inativação referentes à ultima coleta de da dentro do reator. perimental, de uma fração do volume do
cada ensaio, portanto correspondente à Os experimentos foram conduzidos reator não exposta à mesma intensidade
parcela superior do volume, apresenta- em regime de batelada, utilizando-se os de radiação. Desta forma, foram analisa-
ram eficiência significativamente inferior dois tipos de água sintética contaminada dos os resultados dos derradeiros 30 en-
às demais coletas. Tal fato deveu-se à al- com E. coli e água natural, compreenden- saios, quando tais problemas já haviam
tura da lâmina de água no reator. O volu- do as seguintes etapas: sido solucionados.
me adotado de 2,5 litros impunha um a) Etapa 1: Experimentos de avali- Nesta etapa, exceto para os experi-
nível de água no reator que ultrapassava a ação da eficiência do sistema de desinfec- mentos com tempo de contato de 1’, ve-
altura do eixo da curva adaptada como ção com radiação UV; rificou-se inativação total dos microrga-
derivação de entrada. Como conseqüên- b)Etapa 2 : Experimentos de avali- nismos. Cabe considerar que embora o
cia, um determinado volume que se aco- ação da cinética da desinfecção com radi- caráter estatístico do teste de determina-
modava nesta derivação não era submeti- ação UV. ção da presença dos microrganismos, ba-
do às mesmas condições de radiação exis- Os experimentos referentes à Etapa seado na tecnologia de substrato defini-
tentes no corpo do reator. Uma vez iden- 1 basearam-se na avaliação da eficiência do, imponha a necessidade de expressar
tificado este problema, passou-se a utili- do sistema em termos de inativação de E. os resultados negativos de presença como
zar um volume de 2,0 litros em cada en- coli, conduzidos em duas fases distintas: “<1”, considerou-se a inativação de 100%
saio. a) Fase 1: Foram conduzidos 88 para tais resultados. A rigor , poder-se-ia
Após a definição desta configura- ensaios com água sintética tipo I e tempo admitir que a inativação devesse ser con-
ção final e do volume experimental de de contato de 5 minutos; siderada como “>99,9...”. Ainda que tal
2,0 litros, os ensaios foram executados b)Fase 2: Realizaram-se 90 ensaios, consideração seja correta do ponto de vis-
segundo os procedimentos seguintes: 30 para cada tempo de contato, com água ta matemático, entendeu-se que a mesma
i) Inicialmente, efetuava-se a lava- sintética tipo II e tempos de 1, 3 e 5 mi- induziria a uma análise pouco realista dos
gem do reator com água destilada e nutos. resultados. Tome-se como exemplo um
deionizada, com volume aproximado de Os experimentos referentes à Etapa ensaio da fase I com t = 5’. Os dados
três vezes o volume do reator (cerca de 2 também foram conduzidos em duas referentes à inativação percentual deste
7,5 litros, portanto). Durante esta lava- fases distintas, a saber: ensaio são:
gem, a lâmpada UV era mantida acesa a) Fase 1: Conduziram-se 10 ensai-
para aquecimento; os com água natural, baseados na q NMP/100 ml afluente: ... 1,70 x 104
ii) Com auxílio de uma proveta gra- inativação de E. coli e coliformes totais
duada, media-se o volume de dois litros em tempo de contato de 1’; q NMP/100 ml efluente: .... <1,0 ;
da água experimental, sendo este transfe- b)Fase 2: Ensaios conduzidos com
rido para um balde plástico previamente água sintética tipo II, em um total de 10, q Determinação da Inativação Percentual:
limpo. Adicionava-se o volume do baseados na inativação de E. coli , tendo
inóculo de contaminação e, após agitação em vista não ter sido possível a coleta de NMPAFLUENTE − NMPEFLUENTE
enérgica com bastão de vidro, coletava-se uma água natural com características pró- I(%) = x100 =
uma amostra de 10 ml para determina- ximas às da água sintética tipo II. NMPAFLUENTE
ção da concentração afluente de NMP; Estes experimentos foram conduzi- = 99,99412
iii) O volume contaminado era en- dos nos laboratórios do Departamento de
tão transferido para o reator, através do Engenharia Sanitária e Ambiental da Logo, a inativação acima deveria ser
funil de alimentação. Ligava-se a lâmpa- UFMG, sendo que a leitura da expressa, do ponto de vista matemático,
da UV pelo tempo correspondente ao absorbância do efluente dos ensaios para
como >99,99412. Assumindo um pon- com t = 5’ como exemplo, verifica-se que tendo havido uma redução de mais de 5
to de vista mais prático, considerou-se que a máxima redução possível seria de 4,23 unidades logarítmicas. Embora não te-
a ausência de microrganismos (<1,0) in- log, correspondente a uma inativação de nham sido realizados estudos de deter-
dicou 100% de inativação. As figuras 3 a 100% dos microrganismos afluentes. Essa minação da dose da radiação UV nestes
6 apresentam os gráficos com os resulta- mesma redução em termos de unidades ensaios, é possível admitir com base na
dos experimentais das etapas 1 e 2, em logarítmicas para uma carga afluente hi- redução logarítmica obtida que tal resul-
termos de freqüência (%) para a potética de, por exemplo, 1 x 107 NMP/ tado tenha mais significado de flutuação
inativação de microrganismos em unida- 100 ml corresponderia a uma carga resi- amostral do que propriamente como ex-
des logarítmicas. dual aproximada de 5,9 x 102 NMP, que pressão da ineficiência do sistema para tais
Os resultados apresentados demons- não indicaria eficiência do processo em condições.
tram que o comportamento do sistema termos de barreira sanitária. Já para os ensaios da fase 2 com tem-
50
50,00
50,00 45 43,33
40
40,00
35
Freqüência (%)
Freqüência (%)
30,00 30
23,33
20,00 25
20,00 16,67
20,00 20
13,33
15
6,67 6,67
10,00 10
5
0,00
3,00 <= X 4,00 <= X 5,00 <= X X => 6,00 0
< 4,00 < 5,00 <6,00 X < 3,00 3,00 <= X < 4,00 <= X < 5,00 <= X < X > 6,00
4,00 5,00 6,00
Figura 3 - Frequência de inativação para Etapa 1 Figura 4 - Frequência de inativação para Etapa 1
45 30
40,00 26,67
40
25
35
20,00 20,00 20,00
Freqüência (%)
Freqüência (%)
30 20
25
20,00 20,00 20,00 15 13,33
20
15 10
10
5
5
0,00
0 0
X < 3,00 3,00 <= X 4,00 <= X 5,00 <= X X > 6,00 X < 3,00 3,00 <= X 4,00 <= X 5,00 <= X X > 6,00
< 4,00 < 5,00 < 6,00 < 4,00 < 5,00 < 6,00
Figura 5 - Frequência de inativação para Etapa 1. Figura 6 - Frequência de inativação para Etapa 1.
foi muito similar nas situações estudadas Assim, é importante a avaliação con- pos de contato iguais a 1’, fica evidente a
em termos de redução de unidades junta destes resultados com as cargas aflu- insuficiência da dose de radiação UV apli-
logarítmicas de microrganismos, haven- entes e residuais. Dentro das condições cada para inativação completa dos micror-
do sempre uma maior freqüência no in- definidas para o experimento, verificou- ganismos. Tal dado é de extrema relevân-
tervalo compreendido entre 3,0 e 4,0 log. se ter havido completa inativação dos cia ao se considerar o sistema como últi-
Tais resultados, objetivando caracterizar microrganismos para todos ensaios com ma barreira sanitária antes do ponto de
a eficiência do processo de desinfecção, tempos de detenção iguais a 5’. Dos en- consumo final.
devem ser observados sempre em con- saios da fase 2 (água tipo II) com tempos Posteriormente, objetivou-se avali-
junto com as cargas afluentes, uma vez de detenção iguais a 3’, apenas um apre- ar a influência das partículas suspensas
que são limitados por ela. Tomando-se sentou carga residual de microrganismos, na água de estudo na eficiência da desin-
novamente o ensaio de no. 1 da fase 1 sendo esta de apenas 3,1 NMP/100 ml, fecção. Sob este aspecto, convém salien-
ARTIGO TÉCNICO
membrana de 3,0 µ m de inativação alcançado.
É necessário considerar que o siste-
Turbidez (uT) Turbidez (uT) ma operou em regime de bateladas, com
Ensaio
Amostra Bruta Amostra Filtrada água sintética, sendo que o reator era dia-
riamente lavado antes de se proceder os
1 36 3 ensaios. Desta forma, foi minimizado o
efeito de incrustações nas paredes da lâm-
2 31 4 pada por partículas e sais constituintes da
água, o que poderia ter reduzido a efici-
3 31 8
ência em termos de irradiação.
4 25 9 Por outro lado, deve ser também
considerado que dificilmente uma água
5 24 8 submetida ao tratamento convencional
ou mesmo águas brutas provenientes de
6 24 8 poços ou de mananciais superficiais bem
protegidos apresentarão cargas bacterio-
7 19 7 lógicas tão elevadas quanto as utilizadas
no experimento, superiores a 106 NMP/
100 ml. Ainda assim, a verificação desta
tar que as partículas devem ter tamanho cistos de protozoários, mas, também,
correlação com o sistema operando em
igual ou superior ao dos microrganismos aqueles cujas dimensões proporcionem
fluxo contínuo e com água natural per-
dispersos no meio líquido para que pos- um maior efeito de proteção exercido
mitiria uma maior aproximação das con-
sam interferir no processo de inativação. pelas partículas dispersas na água à ação
dições reais de uso e, conseqüentemente,
A E. coli tem tamanho médio variando da radiação UV. Assim, ao se estabelecer
uma avaliação com maior acurácia da in-
de 2,0 a 3,0 mm. Embora não tenha sido um sistema de desinfecção por radiação
fluência da carga no grau de inativação
possível a elaboração de ensaios para de- UV, fica evidente a necessidade de se pro-
alcançado.
terminação da dimensão das partículas ceder de forma abrangente a caracteriza-
dispersas na água experimental, procu- ção físico-química e microbiológica da
rou-se obter um indicativo desta dimen- água, a caracterização granulométrica das
Estudo da cinética de
são por meio da determinação da turbidez partículas dispersas e a avaliação da per-
inativação
da amostras da água tipo 2 após filtragem manência destes parâmetros em termos
O estudo da cinética de inativação
em membranas de 3,0 mm, conforme a sazonais.
fundamentou em 10 ensaios com água
Tabela 4. A análise de correlação entre os re-
sintética tipo II e água natural, sendo que
Conforme pode ser observado, o sultados de eficiência e a magnitude da
os procedimentos de execução foram os
ensaio de filtração indica que a maior par- carga microbiológica afluente apontou,
mesmos descritos para os ensaios de
te da turbidez da amostra bruta de um modo geral, em todas as situações
inativação. As leituras de absorbância a
corresponde à parcela de partículas retidas
em membrana de poros cujos diâmetros
equivalem ao tamanho estimado das bac- Tabela 5 - Resultados de inativação com água natural
térias. Assim, pode-se admitir que as par- Coliformes totais Coliformes
tículas dispersas no meio têm, em sua E. coli Afluente E. coliefluente
Ensaio afluentes totais efluentes
maioria, pelo menos o mesmo tamanho (NMP/100 ml) (NMP/100 ml)
(NMP/100 ml) (NMP/100 ml)
dos microrganismos utilizados na conta-
minação das águas utilizadas nos experi- 1 6,6 x 103 2,0 x 102 6,2 1,0
mentos.
Com relação aos ensaios com tem- 2 6,6 x 103 2,0 x 102 8,4 0,0
pos de contato de 1’, verificou-se que,
não obstante a evidente insuficiência da 3 6,6 x 103 2,0 x 102 4,1 0,0
dose para inativação completa dos micror-
4 6,6 x 103 2,0 x 102 13,0 0,0
ganismos, o sistema chegou a alcançar re-
dução de até 6 unidades logarítmicas da 5 6,6 x 103 2,0 x 102 15,3 0,0
carga afluente.
Ainda com relação à análise em ter- 6 6,6 x 103 2,0 x 102 10,7 0,0
mos de eficiência, há de se observar que a
inativação de E. coli não determina a se- 7 6,6 x 103 2,0 x 102 9,6 0,0
gurança do sistema como barreira sanitá-
8 6,6 x 103 2,0 x 102 0,0 0,0
ria. Para isso, devem ser objetos de verifi-
cação não apenas os microrganismos 9 6,6 x 103 2,0 x 102 6,2 0,0
patogênicos de maior resistência ao pro-
cesso de desinfecção, tais como vírus e 10 6,6 x 103 2,0 x 102 3,1 0,0
254 nm foram realizadas nos laboratóri- inativação, conforme apresentado na Ta- de inativação determinada para água sin-
os da Funed. O tempo de contato adota- bela 7. tética tipo II foi um pouco superior à de-
do para ambas as águas foi de 1’. Para esta terminada nos ensaios com água natural.
água natural avaliou-se a inativação de E. Verifica-se que a constante de
coli e, também, dos organismos do grupo inativação dos coliformes totais foi supe-
coliformes totais, cujos resultados estão rior à de E. coli, conforme esperado. O CONCLUSÕES
apresentados na Tabela 5. valor médio da constante encontrado para
A partir dos dados obtidos nos en- E. coli (2,52 x 10-3 cm2/mW.s) em água i) O sistema estudado, baseado na
saios de actinometria, foram feitas as de- natural está coerente com os valores en- aplicação de radiação UV, apresentou boa
terminações das constantes de inativação: contrados na literatura técnica (PIRES et eficiência na inativação de E. coli, ope-
al., 1998). Adicionalmente, a constante rando com tempos de contato e doses
bastantes baixos. As constantes de
inativação determinadas para a E. coli e
Tabela 6 - Determinação da irradiação média para água para coliformes totais estão coerentes com
natural e sintética tipo II valores encontrados na literatura.
ii) O aumento dos parâmetros
Ensaio α 254 nm I (mW/cm2) α 254 nm I (mW/cm2) turbidez e cor impostos à água experi-
mental mostrou não ter tido influência
1 0,032028 0,0340 0,176788 0,0266 significativa nos resultados. O sistema es-
2 0,014320 0,0351 0,194595 0,0259 tudado apresentou a mesma performance
para todas as situações avaliadas, mere-
3 0,011475 0,0353 0,209801 0,0252 cendo destaque a condição verificada de
manutenção dos níveis de inativação para
4 0,012405 0,0352 0,202198 0,0255 aumentos substanciais da carga de conta-
minação microbiológica. Para todos os
5 0,013076 0,0351 0,199198 0,0257 ensaios com tempos de contato de 3 e 5
minutos, obteve-se 100% de inativação
6 0,011474 0,0353 0,1619264 0,0272 de E. coli, independente das característi-
cas de cor e turbidez da amostra.
7 0,010726 0,0353 0,159226 0,0274 iii) A influência dos sólidos no pro-
8 0,009048 0,0354 0,153488 0,0276 cesso não foi avaliada de forma mais
aprofundada, principalmente por ques-
9 0,017562 0,0349 0,163620 0,0272 tões logísticas. Entretanto, a avaliação do
tamanho das partículas, empreendida por
10 0,012962 0,0352 0,164642 0,0271 meio de filtração em membranas de po-
ARTIGO TÉCNICO
ros de mesma dimensão das bactérias, so, efeitos não avaliados neste estudo; DANIEL, L.A., CAMPOS, J.R. Metodologia
possibilita admitir a presença de sólidos q Além de aspectos operacionais, simplificada para determinação de parâmetros
cinéticos de desinfecção com radiação ultravioleta.
capazes de proteger os microrganismos da há necessidade de se estudar também a In: Seminário Internacional - Desinfecção de
ação do desinfetante. Assim, infere-se com eficiência do sistema com relação a mi- Águas de Abastecimento e Residuárias em Países
base nos resultados obtidos a eficiência crorganismos mais resistentes à ação da em Desenvolvimento, p.229-45, Belo Horizon-
do processo em águas de cor e turbidez radiação UV do que a E. coli. Tal estu- te, 1993.
moderadas. do é fundamental para se dotar o siste- GUYTON, A.C. - Controle genético da função
iv) Em termos de análises de corre- ma de segurança em termos de barreira celular. In: Fisiologia Humana, 6 a Ed., Rio de
Janeiro, Ed. Interamericana, Cap. 4, p. 37-47,
lação, cabe observar que não se preten- sanitária. Em outra vertente, o estudo 1985.
deu neste estudo estabelecer uma relação específico com relação a organismos re-
entre os resultados de inativação e a vari- sistentes ao cloro possibilitaria a pers- HAAS, C. N. – Disinfection in: American Water
Works Association - Water Quality and Treatment,
ação dos parâmetros cor e turbidez. A pectiva de emprego do sistema como 5th Ed., McGraw-Hill Inc., chapter 14, 1999.
definição das características das águas ex- etapa complementar da produção de
HARRIS, G.D. et al. - Potassium ferrioxalate as
perimentais, com o projeto ainda vincu- água com características mais exigen- chemical actinometer in ultraviolet reactors. Journal
lado ao Prosab, estabelecendo as faixas de tes, como por exemplo aplicação em of Environmental Engineering, Vol. 113, No. 3,
concentrações destes parâmetros, processos hospitalares; p. 612-627. June, 19871985.
direcionou o estudo à análise de eficiên- q Finalizando,em MINISTÉRIO DA SAÚDE - Normas e padrão
cia do sistema quando aplicado a águas complementação às justificativas das de potabilidade da água destinada ao consumo hu-
com cor e turbidez moderadas, isto é, com pesquisas por sistemas alternativas de mano, Portaria 1469, Brasília, 29 de dezembro
concentrações destes parâmetros superi- desinfecção, recomenda-se a elaboração 2000.
ores aos indicados pela Portaria 1469/ de estudos mais abrangentes referentes MONTGOMERY, J. M. - Disinfection in: Water
2000. à formação de subprodutos da desin- Treatment Principles and Design, New York, Ed.
v) Por fim, os resultados obtidos, fecção por meio da radiação UV, prin- Wiley-Interscience Publication, v II, cap. 12,
p.262-283, 1985.
guardadas as restrições em termos de es- cipalmente em aplicações em águas com
pectro de microrganismos avaliados, rea- presença mais elevada de matéria orgâ- PARROTTA, M.J., BEKDASH, F. - UV
disinfection of small groundwater supplies, Journal
firmam a boa perspectiva de emprego de nica. AWWA, Vol. 90, n. 2, p. 71-81, February 1998.
sistemas de desinfecção baseados na apli-
cação da radiação UV como agente de- PIRES, M.R. et al. - Desinfecção de água com
radiação ultravioleta: Eficiência bactericida. Re-
sinfetante, já levada a termo em diversos AGRADECIMENTOS vista do Instituto Adolfo Lutz, São Paulo, Vol.
países, mesmo aplicados em águas com 57, n. 1, p. 29-34, 1998.
cor e turbidez moderadas. O emprego Os autores agradecem à Finep, WRIGTH, H.B. & CAIRNS, W.L. -
deste sistema para águas tratadas, confor- pelo suporte financeiro necessário à Desinfección de agua por medio de luz ultravioleta
me destacado em itens anteriores deste montagem do aparato experimental e In: Simposio Regional sobre Calidad del Agua:
trabalho, estaria condicionado à sua asso- realização dos ensaios, no contexto do Desinfectión Efectiva, 1-28 p., Lima, Peru.
ciação a compostos clorados, possibilitan- Programa de Pesquisa em Saneamento
do a formação de residual desinfetante. Básico – Prosab -, à Fapemig e ao CNPq,
pela concessão das bolsas de estudo vin-
Endereço para
culadas à pesquisa. correspondência:
RECOMENDAÇÕES
Alex Moura de Souza Aguiar
q Ainda que os testes realizados de- REFERÊNCIAS
monstrem a aplicabilidade do sistema de BIBLIOGRÁFICAS Av. Contorno, 842 - 8 Andar
desinfecção baseado no emprego de radi- CEP: 30110-060
ação UV, ensaios com operação em fluxo CAIRNS, W. J & McKEE, J. New advances
Belo Horizonte - MG
contínuo e com água natural trariam in ultraviolet light desinfection technology.
199?. Available from WWW<http://
maior confiabilidade aos resultados, ten- w w w. t r o j a n u v. c o m / p a p e r s / Tel. (31) 3238-1004
do em vista a maior proximidade com new_ad_uv.html> Fax: (31 3238-1870
sistemas em escala real. É latente a difi- DANIEL, L. A. - Desinfecção de esgotos com
culdade de se proceder tais ensaios den- radiação ultravioleta: fotorreativação e obten- milibanio@ehr.ufmg.br
tro da estrutura de laboratório. Sugere-se ção de parâmetros cinéticos, Tese de Doutora-
a parceria com companhias de saneamento do, São Carlos, Escola de Engenharia de São
Carlos – Universidade de São Paulo, 164 p.,
para implantação de unidades piloto em 1993.
estações de tratamento existentes;
q Recomenda-se também estudos
direcionados à influência dos sólidos. Nos
estudos aqui empreendidos a turbidez foi
conferida às água sintéticas pela adição
de bentonita, argila composta de grão
extremamente pequenos. Em águas na-
turais e sistemas em escala real, a diversi-
dade do tamanho das partículas pode
acarretar prejuízo à eficiência do proces-