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MANUAL DE INVESTIGAÇÃO
Moralidade Administrativa
2019
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO........................................................................................................ 7
PREFÁCIO................................................................................................................... 9
3. OS INSTRUMENTOS DE INVESTIGAÇÃO.......................................................... 43
3.1 NOTÍCIA DE FATO....................................................................................... 45
3.2 INQUÉRITO CIVIL....................................................................................... 49
3.3 COMPROMISSO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA................................ 58
3.4 RECOMENDAÇÃO...................................................................................... 63
3.5 PROCEDIMENTO PREPARATÓRIO........................................................... 65
3.6 PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO......................................................... 67
3.7 PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO CRIMINAL...................................... 69
3
4.3.2 Diligências de Campo...................................................................... 99
4.3.3 Dados Financeiros......................................................................... 100
4.4 MEIOS DE OBTENÇÃO DE PROVA ........................................................ 105
4.4.1 Requisição de informações e documentos ................................... 105
4.4.2 Busca e Apreensão........................................................................ 107
4.4.3 Prova Testemunhal......................................................................... 108
4.4.4 Inquirição do Investigado............................................................... 109
4.4.5 Quebra de sigilos bancário, fiscal e financeiro............................... 110
5. CASUÍSTICA........................................................................................................ 136
5.1 LICITAÇÕES.............................................................................................. 137
5.1.1 Dispensa Indevida de Licitação...................................................... 137
5.1.2 Inexigibilidade de Licitação ........................................................... 141
5.1.3 Irregularidades Relacionadas ao Edital e ao Objeto Licitado......... 146
5.1.4 Irregularidades relativas aos participantes..................................... 152
5.2 CONTRATOS ADMINISTRATIVOS........................................................... 156
5.2.1 Inexecução Fraudulenta - Bens, Obras e Serviços........................ 157
5.2.2 Recebimento de Materiais e Controle de Estoque......................... 157
5.2.3 Execução do Contrato por Agentes Públicos................................. 158
5.2.4 Contratação Fictícia de Serviços.................................................... 158
5.2.5 Alterações Contratuais, Termos Aditivos e Prorrogações............... 159
5.2.6 Subcontratação Indevida................................................................ 161
5.3 CONCURSOS PÚBLICOS........................................................................ 161
5.3.1 Empresa Organizadora.................................................................. 162
5.3.2 Edital e Publicidade........................................................................ 164
5.3.3 Procedimento e Aplicação das Provas........................................... 164
5.3.4 Lista e Convocação dos Aprovados............................................... 165
5.4 CONTRATAÇÕES TEMPORÁRIAS.......................................................... 165
5.4.1 Atendimento a Situações Ordinárias.............................................. 166
5.4.2 Ausência ou Vagueza dos Dispositivos Legais.............................. 166
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5.4.3 Prorrogação Indevida dos Contratos.............................................. 167
5.4.4 Processo Seletivo - Títulos e Favorecimento................................. 167
5.4.5 Programas Federais....................................................................... 168
5.4.6 Violação a Resultado de Concurso Público................................... 169
5.5 BENS PÚBLICOS, MÁQUINAS E VEÍCULOS.......................................... 169
5.5.1 Doação de Imóveis e Programas de Fomento Econômico............ 169
5.5.2 Uso de Edificações e Espaços Públicos........................................ 171
5.5.3 Veículos Oficiais e Combustíveis................................................... 171
5.5.4 Máquinas e Equipamentos Pesados.............................................. 172
5.6 PODER DE POLÍCIA................................................................................. 172
5.6.1 Ordenamento Urbano, Construções e Meio Ambiente................... 173
5.6.2 Serviços e Atividades Fiscalizadas................................................ 173
5.7 TRIBUTAÇÃO E RESPONSABILIDADE FISCAL...................................... 174
5.7.1 Obrigações contraídas nos dois últimos quadrimestres do
mandato........................................................................................ 174
5.7.2 Descumprimento dos limites de gastos com pessoal.................... 175
5.7.3 Aumento da despesa com pessoal nos últimos 180 dias do
mandato........................................................................................ 176
5.7.4 Realização de despesa sem prévio empenho............................... 176
5.7.5 Fraudes Contábeis......................................................................... 177
5.7.6 Omissão do Poder de Tributar....................................................... 178
5.7.7 Benefícios Fiscais Indevidos.......................................................... 178
5.8 SERVIDORES PÚBLICOS, CARGOS E REMUNERAÇÃO...................... 179
5.8.1 Utilização de Servidores em Empreendimentos Particulares........ 179
5.8.2 Funcionários “fantasmas” e “informais”.......................................... 179
5.8.3 Acumulação Indevida de Cargos Públicos Remunerados............. 180
5.8.4 Inadequação Constitucional dos Cargos Comissionados.............. 180
5.8.5 Transposições................................................................................ 181
5.8.6 Remuneração e Gratificação Indevida........................................... 181
5.8.7 Diárias............................................................................................ 183
5.9 NEPOTISMO............................................................................................. 183
5.9.1 Agentes Políticos............................................................................ 184
5.9.2 Subordinação Hierárquica.............................................................. 184
5
5.9.3 Nepotismo Cruzado........................................................................ 185
5.10 TERCEIRO SETOR................................................................................. 185
5.10.1 Chamamento Público, Dispensa e Inexigibilidade....................... 186
5.10.2 Monitoramento, Avaliação e Correção de Desvios....................... 186
5.10.3 Prestação de Contas e Controle.................................................. 187
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APRESENTAÇÃO
A corrupção, em suas mais variadas formas, surge como a principal preo-
cupação do cidadão brasileiro neste início de século. Alçado à condição de obje-
tivo primaz do Ministério Público de Santa Catarina pelo Plano Geral de Atuação
2016/2017, renovado no biênio 2018/2019, e, portanto, abraçado transversalmente
por todas as áreas da Instituição, o combate à corrupção, ou, de forma mais ampla,
a tutela e a efetivação dos valores da Moralidade Administrativa advogam a adoção
imediata de formas mais eficazes de agir, necessariamente coordenadas em rede
com outros órgãos e instituições parceiras.
Pleito reiterado formulado pelos Colegas Promotores nos foros internos da
Instituição, a criação de um “manual técnico” de investigação reflete a premente
preocupação quanto à eficiência da atuação ministerial, especialmente no tocante
à defesa do patrimônio público. Segundo o Relatório de Gestão Institucional (RGI)
de 2017, os Promotores de Justiça da Moralidade Administrativa instauraram 8.192
novos procedimentos inquisitivos (notícias de fato, procedimentos preparatórios, in-
quéritos civis) afetos à defesa do patrimônio público, sem contar os feitos criminais.
Não por acaso, os procedimentos inquisitivos relacionados à Moralidade Adminis-
trativa correspondem a cerca de 50% dos feitos analisados todos os anos pelo
Conselho Superior do Ministério Público. Para cada procedimento instaurado, há,
por consequência, a justa expectativa do representante - e da sociedade, como um
todo - no sentido da célere resolução da questão; e a não menos legítima espera do
representado quanto ao justo desfecho da investigação.
Na verdade, o clamor social pela moralização no trato da res pública não se
restringe à identificação de esquemas ilícitos e a punição de seus responsáveis,
tendo por modelo grandes operações nacionais nesta seara. Para além disso, é ne-
cessário aprimorar os mecanismos de transparência e controle social; fortalecer as
instâncias de controle interno da Administração, especialmente talhadas para ado-
ção de medidas preventivas contra a corrupção; promover a rápida tramitação dos
processos judiciais e a racionalização pública de suas decisões; e, no que toca di-
retamente aos objetivos deste trabalho, construir procedimentos investigativos con-
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sistentes e céleres, a bem do interesse social, mas também aptos a encaminhar o
rápido arquivamento de investigações frágeis, no melhor interesse da comunidade.
Assim, a busca pela otimização dos procedimentos de investigação ministe-
riais denota o compromisso de nossa Instituição com o atendimento das expectati-
vas sociais dirigidas ao Ministério Público e a maximização dos resultados atingidos
pelo trabalho dedicado de cada Promotor de Justiça.
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PREFÁCIO
O presente Manual tem por objetivo oferecer ao Colega Promotor de Justiça
um conjunto de orientações básicas acerca dos métodos, técnicas e instrumentos
de investigação na área da Moralidade Administrativa, além da indicação dos ilícitos
mais comuns relacionados à Administração Pública, conforme revelado pela recen-
te experiência do Ministério Público de Santa Catarina.
No plano estritamente investigativo, despontam duas necessidades urgentes.
Nas investigações sob seu comando, o membro do Ministério Público deparar-se-á
tanto com fatos administrativos incontroversos quanto com tramas nebulosas, a exi-
gir diligências complementares para identificação dos fatos e individualização das
condutas. Espera-se do Representante Ministerial a capacidade de, diante das ati-
vidades administrativas sob seu crivo, formular seu juízo acerca do melhor caminho
para a realização, in concreto, do macroprincípio da Moralidade Administrativa; e
exige-se, da mesma forma, a expertise para conduzir procedimentos tipicamente in-
vestigativos, voltados para elucidação de práticas criminosas, tarefas para os quais,
como regra, nossos Promotores não foram adequadamente preparados.
Assim, o presente trabalho intenta contribuir na busca de respostas a estas
duas grandes demandas. Vale-se, para tanto, da experiência acumulada na Institui-
ção em mais de duas décadas de atuação na tutela da moralidade administrativa,
condensada no acervo do Centro de Apoio Operacional. Utiliza-se dos valiosos re-
latos dos colegas participantes da recente empreitada do Grupo Especial Anticor-
rupção (GEAC) e na já consolidada iniciativa dos Grupos de Atuação Especial de
Combate ao Crime Organizado (GAECO) em Santa Catarina, portadores de vasto
know-how nas investigações relacionadas ao patrimônio público, especialmente de
matiz criminal. Por fim, colhe-se a perspectiva do Conselho Superior do Ministério
Público barriga-verde, repositório final de parte de nosso labor investigativo no pla-
no cível, que pode fornecer valiosos apontamentos para o aprimoramento da atua-
ção ministerial. Agradecemos a todos estes órgãos e a seus integrantes pelo apoio
decisivo, sem o qual este trabalho não poderia ser concluído.
A concepção do Manual segue a lógica que nos parece mais adequada para
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compreensão do fenômeno do ilícito administrativo. Parte-se da noção geral de
investigação e sua vinculação às funções essenciais do Ministério Público, no con-
texto do regime constitucional pós-1988. Definem-se os contornos gerais da Admi-
nistração Pública e os valores republicanos que a informam para precisa caracteri-
zação dos bens jurídicos que, ao final, protegemos.
Na sequência, serão apresentados os principais instrumentos formais de in-
vestigação do Ministério Público, de acordo com os novos Atos regulatórios produzi-
dos por nossa Instituição no ano de 2018; e os métodos e técnicas mais modernos
para apuração de ilícitos, relacionados a casos práticos e experiências investigati-
vas concretas. Nestes tópicos, desenvolvidos nos Capítulos 3 e 4 do Manual, hou-
ve a fundamental colaboração dos colegas João Carlos Teixeira Joaquim, Marina
Modesto Rebelo, Andreza Borinelli, Guilherme André Pacheco Zattar e Pedro Lucas
de Vargas, que incorporaram seu saber jurídico e experiência prática a este levan-
tamento. Registro e agradeço também a colaboração dos Colegas Coordenadores
de Centro, sempre solícitos no compartilhamento de materiais; e da Coordenadoria
de Comunicação Social e Gerência de Pesquisa, Extensão e Revisão, pelo apoio na
formatação final do texto.
Ao final, tendo por base o histórico e o acervo do Ministério Público catari-
nense, serão feitos apontamentos concretos a respeito das irregularidades mais
comuns encontradas em diversos segmentos da atividade administrativa - e as for-
mas mais eficazes de combatê-las. Culmina-se com a reunião das operações do
GAECO no âmbito da defesa do patrimônio público, a descrição dos fatos apurados
e os esquemas ilícitos enfrentados por nossos Promotores.
Longe de ser obra exclusiva do CMA, o Manual procurou compilar e contem-
plar o conjunto de iniciativas que, nos últimos anos, fez de nossa Instituição, por sua
criatividade e eficiência, modelo nacional de atuação eficaz na defesa do patrimônio
público. Que esta obra esteja à altura desta nobre tradição.
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1. ASPECTOS GERAIS
DA INVESTIGAÇÃO
MINISTERIAL
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1.1 NOÇÕES GERAIS DE INVESTIGAÇÃO
Há pouco mais de 30 anos, a Lei da Ação Civil Pública (art. 8º, §1º) conferia
ao Ministério Público a prerrogativa da instaurar, sob sua presidência, o inquérito
civil - instrumento cujo nome, por si só, já causaria certo desconforto aos ouvidos
mais afeitos ao inquérito policial - destinado à coleta de informações para subsidiar
a atuação ministerial, em juízo e fora dele, em defesa dos interesses transindivi-
duais enumerados no início da LACP.
Materialização do poder requisitório do Ministério Público, pouco depois con-
firmado pela Constituição Federal de 1988 (CF, art. 129, III e VI), o surgimento do
inquérito civil ilustra, de forma significativa, a transmutação sofrida pela Instituição,
sobretudo a partir da década de 80 do último século. Para além da característica
atuação criminal, como regra balizada pelos elementos colhidos e as conclusões
esboçadas pela Autoridade Policial no curso do inquérito policial, o Ministério Públi-
co, ao atender à sua nova missão constitucional, apresentava-se para a defesa dos
interesses coletivos, marcadamente no plano civil.
Importa, portanto, resgatar alguns elementos essenciais da noção da investi-
gação, hoje central para atuação do Ministério Público, e traçar as etapas evolutivas
desta atividade administrativa na estrutura pública brasileira. No plano científico, o
conceito de investigação conecta-se ao processo de produção do conhecimento,
etapa inicial de coleta e avaliação dos dados que poderão vir a tornar-se conheci-
mento científico, desencadeada pelo pesquisador diante da realidade objetiva que
procura aprender ou explicar. Na explanação de Carmelza Rosário et alli:
Investigar é bem mais do que encontrar respostas para os problemas,
investigar é colocar problemas aos problemas ingenuamente ou pregui-
çosamente julgados resolvidos, investigar é criar problemas às fórmulas
prontas-a-consumir, é criar mecanismos sempre cada vez mais profundos
e rigorosos no sentido de analisar a realidade social para além das formas
e das fórmulas crédulas e superficiais pelas quais julgamos ter resolvido o
problema ou os problemas de análise. E para além, também, de dois riscos:
o da crença ingênua no cientifismo positivista e neutral e o da crença na im-
possibilidade do conhecimento científico. (ROSÁRIO, Carmelza; GRANJO,
Paulo; CAHEN, Michel. O que é investigar? Caderno de Ciências Sociais/
Coleção dirigida por Carlos Serra. Editora: Escolar Editora, 2013, 88p.).
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ministrativa busca apurar a ocorrência de determinado fato, as circunstâncias sob
as quais o fenômeno ocorreu e suas principais consequências. Em sentido amplo,
considerando que a resposta estatal às demandas sociais depende, sempre, do
prévio conhecimento da realidade sobre a qual incidirá a ação, traços mínimos de
“investigação” estarão presentes em todo procedimento levado a efeito pelo Poder
Público.
As políticas públicas, por exemplo, dependem para sua execução da fase
prévia de planejamento e do controle concomitante às ações realizadas, formas de
atuação que, em larga medida, guardam fortes componentes de ação investigativa.
Nesta linha, considerando que a eficácia da ordem jurídica depende da concretiza-
ção normativa derivada do processo de subsunção de fatos a normas, pode-se afir-
mar que a ação cognoscitiva que marca o procedimento investigativo está presente
em todo processo de realização do Direito.
Outrossim, o termo investigação guarda íntima relação no senso comum com
a persecução criminal. Atente-se para a noção de investigação trazida por Bruno
Calabrich, que relaciona o procedimento às atividades finalísticas do Estado: re-
pressão ao crime e proteção aos direitos fundamentais de seus cidadãos:
Estando entre as funções do Estado a proteção de direitos fundamentais
e a promoção da Justiça, a notícia de prática de um ilícito penal faz surgir
para este o dever de, por meio de seus órgãos constitucional e legalmente
legitimados, apurar o fato, de modo a confirmá-lo ou não, e de promover a
ação penal correspondente, se for o caso. (CALABRICH, Bruno. Investiga-
ção criminal pelo Ministério Público: fundamentos e limites constitucionais.
São Paulo: RT, 2007, p. 50).
Um pouco mais adiante, na mesma obra, referido autor explica que os sis-
temas jurídicos no Ocidente contemplam a investigação, no plano criminal, sob
dois modelos distintos: a) como procedimento administrativo pré-processual, isto é,
quando a investigação estiver a cargo de um órgão estatal não vinculado ao Poder
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Judiciário, sendo presidida, pois, por agente não revestido de jurisdição – exempli-
fica-se como tal procedimento o inquérito policial, bem como, no Brasil, a investiga-
ção levada a cabo pelo Ministério Público; b) como procedimento judicial pré-pro-
cessual; “quando a investigação preliminar está a cargo de um órgão que pertence
ao Poder Judiciário e dirige a investigação com base na potestas que emana de per-
tencer ao Poder Judiciário [...]”, categoria da qual os exemplos mais conhecidos são
os modelos italiano e português, nos quais a investigação preliminar é incumbência
do Ministério Público, constitucionalmente vinculado ao Poder Judiciário. (LOPES
JÚNIOR, Aury., op. cit. p. 41-43).
Tome-se, assim, o conceito de investigação apropriado para a persecução cri-
minal. Na sistemática tradicional do Direito Processual Penal brasileiro, a atividade
investigativa criminal está sob os cuidados da Polícia Judiciária (Polícia Civil, nos
Estados; Polícia Federal, nos crimes relacionados a interesses da União) e desen-
volve-se sob a moldura formal do inquérito policial, procedimento disciplinado entre
os artigos 4º e 23 do Código de Processo Penal. Embora não prime pela qualidade
técnica, o CPP parece observar a seguinte lógica na disciplina do procedimento in-
vestigativo: a) normas quanto à instauração do feito e a legitimidade para provocar
a atuação oficial (arts. 4º e 5º); b) diligências investigativas propriamente ditas e
formalização do procedimento (arts. 6º e 7º); c) providências relacionadas ao encer-
ramento dos trabalhos (arts. 8º e seguintes), que culminam com o relatório emitido
pela Autoridade Responsável, com suas conclusões acerca do fato e da respectiva
autoria (art. 13).
Permanece, assim, patente a aproximação entre o procedimento oficial de in-
vestigação criminal e a investigação científica propriamente dita, unificados pelo es-
copo comum de busca da verdade. A aproximação dos conceitos é explicitada por
Denilson Feitoza:
A pesquisa científica, as atividades e as operações de inteligência, a inves-
tigação criminal e o processo penal buscam a verdade. A evolução de seus
métodos, técnicas e instrumentos de busca da verdade, portanto, podem
ser conduzidos a um modelo único de comparação. Por exemplo, a técnica
de pesquisa denominada observação (participante ou não) utilizada na pes-
quisa científica, é uma ideia básica que se denomina respectivamente vigi-
lância, na inteligência, e campana, na investigação criminal. As diferenças
fundamentais são os critérios de aceitabilidade da verdade, os objetivos, os
marcos teóricos e as regras formais específicas de produção. Por exemplo,
no processo penal, objetiva-se uma verdade processual, necessária à to-
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mada de decisão judicial, enquanto, numa atividade de inteligência destina-
da a um “processo político”, o grau de aceitabilidade do caráter de verdade
de um fato é o necessário para uma decisão política. Os métodos, as técni-
cas e os instrumentos das atividades e das operações de inteligência e da
investigação criminal podem ser reconduzidos ao modelo geral do método
científico. Todos estabelecem um problema, hipótese, objetivo, justificativa/
relevância, situação do tema/problema, marco teórico, métodos/técnicas/
instrumentos de pesquisa, população/amostra, cronograma, conclusão,
produção do relatório de pesquisa, etc. As terminologias podem ser diferen-
tes, mas a ideia básica é a mesma. (Direito processual penal: teoria crítica
e práxis. 5ª ed., Niterói: Impetus, 2008, p. 160).
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De toda forma, já na apuração preliminar dos fatos estão presentes os traços
básicos da relação entre o Estado, por seu órgão investigador, e o investigado, vín-
culo este que será reformatado em decorrência da coleta e análise das evidências,
até ulterior dedução da pretensão punitiva em juízo e formação da relação jurídica-
-processual. Para Marcelo Mendroni:
O conteúdo dos atos de averiguação e de comprovação do Procedimento
Preliminar é configurado pelo direito constitutivo da relação entre o Estado,
detentor dos direitos de acusar e punir, com o imputado. São exatamente
os atos de averiguação que, direcionados para tomar em consideração que
um determinado fato se revista das características de um delito, servem de
base para a formação da relação entre o Estado e o imputado. (MENDRO-
NI, Marcelo B. Curso de Investigação Criminal. 3.ed., SP, Atlas, 2013, p. 77).
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vas, a quem por lei seja cometida a mesma função” (CPP, art. 4º, parágrafo único).
Foi, com efeito, a partir da ampliação de suas funções e da necessidade de ma-
ximizar a tutela dos bens jurídicos confiados à sua guarda que se desenvolveu a
atividade investigativa do Ministério Público.
Não é casual a criação do inquérito civil no Diploma base para atuação minis-
terial na tutela dos interesses transindividuais. A LACP atribui ao Ministério Público
o meio necessário para consecução da finalidade que ela mesmo estipula, qual
seja, a proteção judicial dos interesses coletivos nominados na própria Lei. Aprimo-
ra, de certa forma, o então nascente sistema de proteção aos direitos transindivi-
duais, à medida que, por exemplo, a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei
6.938/81), já conferia ao Ministério Público legitimidade para a ação civil decorrente
de danos ambientais, porém sem delinear procedimento investigativo prévio ao ajui-
zamento da demanda (art. 14, §1º).
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A Constituição Federal vigente destacou os poderes investigatórios do Par-
quet, ao incluir entre as funções institucionais do Ministério Público a promoção do
inquérito civil e da ação civil pública para proteção de interesses difusos e coletivos,
destacando expressamente, dentre estes, o patrimônio público (art. 129, III); e ao
reconhecer a prerrogativa da Instituição de expedir notificações e requisitar infor-
mações e documentos, a autoridades públicas e agentes privados, para “instruir” os
“procedimentos administrativos” sob sua presidência (art. 129, VI). Embora o termo
“investigação” não conste do Texto, a condução de procedimentos inquisitivos pelo
Parquet é legitimada pela Carta Política.
Na perspectiva de Anna Cândida da Cunha Ferraz sobre o poder requi-
sitório da Instituição:
A expedição de notificações e requisições não é exatamente uma atribuição
do Ministério Público. Trata-se, na verdade, de instrumento de sua atuação.
No entanto, como a finalidade deste instrumento é justamente viabilizar o
exercício das funções ministeriais, o tratamento foi conjunto no texto cons-
titucional.
Tanto na atuação cível como no âmbito criminal, pode o Ministério Público
lançar mão desse meio para ter acesso a informações que permitam a for-
mação de sua convicção e colher elementos probatórios. (FERRAZ, Anna
Cândido da Cunha (coord.). Constituição Federal Interpretada,. Barueri:
Manole, 2010, p. 791).
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(Lei 8.429/92), hoje um dos principais diplomas utilizados pelo Parquet na prote-
ção ao patrimônio coletivo, não mencione o inquérito civil, ao contrário, por exem-
plo, na área da infância e juventude, do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei
8.069/90, art. 201, V). Em termos literais, na sistemática da LIA, a investigação de
supostos atos de improbidade administrativa caberia em primeiro lugar à própria
Administração, mediante instauração de sindicâncias e procedimentos disciplinares
(art. 14), remetendo-se o feito ao Ministério Público apenas após a conclusão do
procedimento (art. 16) ou quando necessário o ajuizamento de medida cautelar (art.
15). Em outras palavras, o diploma que densifica a tutela dos princípios maiores da
Administração (CF, art. 37), e regulamenta os aspectos materiais e processuais da
punição dos autores do ilícito (CF, art. 37, §4º), limitaria, em primeira aproximação,
a atuação do Ministério Público à etapa subseqüente à conclusão do processo ad-
ministrativo disciplinar.
A aparente omissão da LIA e o fato do instrumento legal desenhado para sub-
sidiar a atuação do Ministério Público ser o inquérito civil ensejaram duas grandes
controvérsias atinentes ao poder investigatório da Instituição na tutela do patrimônio
coletivo:
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Público e os meios e instrumentos colocados à sua disposição pela ordem jurídica:
PROCESSUAL CIVIL. MINISTERIO PUBLICO. AÇÃO CIVIL PUBLICA.
DANO AO ERARIO. LEGITIMAÇÃO ATIVA RECONHECIDA. 1. AO MINIS-
TERIO PUBLICO E RECONHECIDA LEGITIMAÇÃO ATIVA PARA, POR
VIA DE AÇÃO CIVIL PUBLICA, PROTEGER OS DANOS COMETIDOS
CONTRA O PATRIMONIO PUBLICO POR MEIO DE AÇÕES ILICITAS
DOS AGENTES PUBLICOS. 2. INTERPRETAÇÃO DO ART. 1., IV, DA LEI
NUM. 7.347/85, EM COMBINAÇÃO COM O ART. 25, INC. IV, “B”, A LEI
NUM. 8.625/93. 3. A AÇÃO CIVIL PUBLICA TEM POR OBJETO, TAM-
BEM, PROTEÇÃO DO PATRIMONIO PUBLICO. 4. UMA DAS FUNÇÕES
ESPECIFICAS DO MINISTERIO PUBLICO E A DE PROMOVER INQUE-
RITO CIVIL E AÇÃO CIVIL PUBLICA PARA A PROTEÇÃO DO PATRIMO-
NIO PUBLICO. (ART. 129, III, DA CF/88). 5. HA DE SE FAZER COM QUE
PRODUZA EFICACIA A AMPLITUDE DO CAMPO DE ATUAÇÃO DO MI-
NISTERIO PUBLICO, CONFORME PRETENDE A CARTA MAGNA. 6. NÃO
SE CONCEBE HAVER LIMITAÇÃO IMPOSTA PELO ART. 1., DA LEI NUM.
7.347/85, NÃO SO POR FORÇA DO CONTIDO NA LEI NUM. 8.625/93, RT.
25, IV, MAS, TAMBEM, POR NÃO EXAUSTIVA A FIXAÇÃO DA LEGITIMI-
DADE REGULADA PELO REFERIDO DISPOSITIVO PARA A PROPOSI-
TURA DA AÇÃO. 7. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. (REsp 166.848/MG,
Rel. Min. José Delgado, Primeira Turma, j. em 12/05/1998).
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Argumentos favoráveis: segundo a Teoria dos Poderes Implícitos,
prestigiada no constitucionalismo norte-americano, a titularidade da
ação penal (CF, art. 129, I) garantiria ao Parquet a prerrogativa de co-
letar elementos indispensáveis para o exercício de seu mister cons-
titucional; a interpretação sistemática das normas que conferem ao
MP o poder r equisitório e e a presidência do inquérito civil (CF, art.
129, II, VI e IX), fundamentam a condução de procedimentos inves-
tigativos criminais; as leis orgânicas do Ministério Público dispõem
sobre procedimentos inquisitivos, assim como diplomas como o ECA
e o Estatuto do Idoso; o CPP não exclui a competência investigativa
de outras autoridades administrativas, além das autoridades policiais
(art. 4º, parágrafo único) e reserva ao MP o poder de “complementar”
o inquérito policial (art. 47); a investigação ministerial é reconhecida
em outras nações que adotam o sistema acusatório; maior indepen-
dência do Ministério Público, realçada pela dependência da Polícia
Judiciária em relação ao Poder Executivo. (ANDRADE, Mauro Fon-
seca. Ministério Público e sua investigação criminal. 2.ed. Curitiba,
Juruá, 2008).
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rio, para colher informações do próprio suspeito, eventualmente hábeis a
justificar e legitimar o fato imputado. Ausência de vício. Negado provimento
ao recurso extraordinário. Maioria. (RE 593727, rel. Min. Cezar Peluso, rel.
p/ Ac. Min. Gilmar Mendes, Pleno, j. 14/05/2015).
Na trilha deste leading case, o Supremo Tribunal Federal decidiu que a par-
ticipação do membro do Ministério Público na etapa investigativa, inclusive como
condutor do procedimento, não o impede ou o torna suspeito para o ulterior ajuiza-
mento da denúncia e correlata atuação processual:
HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. PO-
DER DE INVESTIGAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. POSSIBILIDADE.
IMPEDIMENTO OU SUSPEIÇÃO DE MEMBRO DO ÓRGÃO MINISTERIAL
QUE PARTICIPOU DA FASE INVESTIGATÓRIA. INOCORRÊNCIA. (...) 2.
A jurisprudência do STF é no sentido de que a participação de membro
do Ministério Público na fase investigatória não acarreta, por si só,
seu impedimento ou sua suspeição para o oferecimento da denúncia,
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e nem poderia ser diferente à luz da tese firmada pelo Plenário, mormente
por ser ele o dominus litis e sua atuação estar voltada exatamente à forma-
ção de sua convicção. (...) (HC N. 85.011-RS, RED. P/ O ACÓRDÃO: MIN.
TEORI ZAVASCK).
23
xerê, Rel. Des. Salete Silva Sommariva, Segunda Câmara Criminal, j. em 3
de maio de 2011). (TJSC, Habeas Corpus 2014.025652-1, de Palhoça, rel.
Des. Jorge Schaefer Martins, Quarta Câmara Criminal, j. 29-05-2014).
24
2. O BEM JURÍDICO:
A MORALIDADE
ADMINISTRATIVA
25
Pressuposto lógico a uma investigação bem-sucedida é a consciência prévia
acerca de quando e como atuar - que passa, necessariamente, pela compreensão
dos bens jurídicos, os valores sociais protegidos pelo Ministério Público na vasta
área de atuação que se convencionou chamar, em Santa Catarina, de moralidade
administrativa.
A experiência do Centro de Apoio Operacional derivada da apreciação das
solicitações de auxílio formuladas pelos Colegas Promotores de Justiça revela,
curiosamente, que uma das dúvidas mais presentes no cotidiano do Representante
Ministerial é a caracterização, diante de um fato provado ou mesmo incontroverso,
de ato de improbidade administrativa. Certas vezes, a representação que motivou
a instauração é comprovada pela investigação ministerial, mas o fato, em si, não
justifica a atuação do Parquet. Não raro, da mesma forma, fatos devidamente pro-
vados constituem objeto de ações judiciais julgadas, ao final, improcedentes pelo
Poder Judiciário, sob argumentos relacionados não à demonstração da conduta em
si, mas à intenção que a moveu ou ao seu impacto lesivo.
Desta forma, ainda que de forma breve, por se tratar de um Manual Operacio-
nal, importa refletir sobre o que, efetivamente, protege o Ministério Público quando
seus Promotores atuam na seara da Moralidade Administrativa. Para tanto, cumpre
traçar os contornos gerais da Administração Pública e precisar, ao final, quais as-
pectos da atuação administrativa desafiam a ação ministerial.
26
Convergem as duas perspectivas no sentido de que a Administração Pública
é a exteriorização visível do exercício da função administrativa, o conjunto ordenado
de órgãos e agentes que, juridicamente revestidos de certos poderes, opera para
realização de objetivos coletivos. No Estado Democrático de Direito, os poderes
administrativos, a estrutura organizacional da Administração e a conduta de seus
agentes são todos disciplinados por normas jurídicas, das quais, por evidência, des-
taca-se a Constituição Federal, por suas regras e princípios, a maior parte deles ex-
pressa no Capítulo VII (“Da Administração Pública”), do Título III (“Da Organização
do Estado”), da Carta Política.
O conjunto de prerrogativas e limites juridicamente impostos à atuação ad-
ministrativa conforma o que Celso Antônio Bandeira de Mello denomina regime ju-
rídico-administrativo, marcado pelos princípios da supremacia do interesse público
sobre o privado e da indisponibilidade, pela Administração, do interesse público. Em
termos sucintos, o mestre paulista assim define esses vetores:
27
buídos. Os efeitos desta posição são de diversa ordem e manifestam-se em
diferentes campos.
28
Por último, o Leviatã surgido pela conjugação de recursos, poderes e pessoas
seria de todo inútil e ilegítimo se a tal estrutura não fosse confiada um conjunto de
tarefas, demandas sociais reconhecidas por lei e submetidas à atuação administra-
tiva. Em sentido amplo, tais obrigações referem-se à organização interna da própria
Administração; ao fomento de atividades privadas de interesse social; à limitação de
direitos individuais, em prol do bem coletivo; e à prestação e regulação dos serviços
públicos. É a Administração Pública como bloco de atribuições.
29
e que, mesmo parcialmente, submetem-se às regras gerais de controle, como as
organizações sociais (OSs); as organizações da sociedade civil de interesse público
(OSCIPs); as organizações da sociedade civil (OSCs) financiadas com fulcro na Lei
13.019/14; os serviços sociais autônomos e mesmo os particulares em geral, quan-
do envolvidos em alguma forma de relação jurídica com a Administração.
É certo que as ações de fiscalização e controle do MP alcançam estas enti-
dades e pessoas na medida de seu envolvimento com a atividade administrativa.
Também é incontroverso, na moderna concepção finalística de Poder Público, que
as omissões administrativas são passíveis de controle, inclusive mediante sancio-
namento dos agentes omissos.
Breve apanhado das iniciativas do Ministério Público no âmbito da Moralida-
de Administrativa revela que os Promotores de Justiça já orientam seu labor tendo
por norte esta concepção finalística de Administração. Pense-se, em relação aos
poderes, todas as ações ministeriais coibitivas do abuso ou desvio de poder e das
omissões ou excessos dos agentes e órgãos detentores de poder de polícia, como
fiscais e auditores. Em relação aos bens públicos, a pugna ministerial acerca dos
desvios, superfaturamento de obras e serviços, escorreita execução orçamentária e
pelo regime isonômico de uso e fruição dos bens públicos imóveis.
No tocante aos agentes públicos, basta recordar que a fiscalização sobre os
concursos públicos e contratações temporárias representa, há anos, um de nossos
principais nichos de atuação na área da Moralidade Administrativa, sem descurar
iniciativas de relevo também relacionadas ao tema, como o combate a toda forma
indevida de remuneração; o questionamento das ascensões funcionais indevidas e
dos cargos comissionados criados ao arrepio das disposições constitucionais.
No que concerne às atribuições da Administração, além do rígido acompa-
nhamento das licitações e da prestação dos serviços públicos, o Ministério Públi-
co desenvolve programas estruturantes, estratégias de atuação pautadas pelo for-
talecimento estrutural do ente público, essencial para prevenção ao ilícito. Neste
sentido, programas hoje executados em Santa Catarina, como o Transparência e
Cidadania, voltado para o aprimoramento da transparência na gestão pública; e o
Unindo Forças, dedicado ao fortalecimento das controladorias internas dos órgãos
30
públicos, ilustram que tão relevante quanto combater o ilícito é promover a boa ges-
tão.
Contudo, a observação da realidade indica que, não raro, em todas as esfe-
ras e Poderes, a Administração Pública opera em desacordo aos parâmetros cons-
titucionais. No desempenho de seu mister, os agentes púbicos incorrem em erros e
desvios. É, pois, na análise do ilícito, seu alcance e mecanismos de correção, que a
abordagem inicial da Administração poderá redundar na conformação de um efetivo
perfil institucional de atuação.
31
Cesar Roberto Bittencourt adverte:
A eficiência do Estado está diretamente relacionada com a credibilidade,
honestidade e probidade de seus agentes, pois a atuação do corpo fun-
cional reflete-se na coletividade, influenciando decididamente na formação
ético-moral e política dos cidadãos, especialmente no conceito que fazem
da organização estatal. (...) A tutela penal pretende, na realidade, abranger
dois aspectos distintos: em primeiro lugar, objetiva garantir o bom funciona-
mento da Administração Pública, bem como o dever do funcionário público
de conduzir-se com lealdade e probidade; em segundo, visa proteger o pa-
trimônio mobiliário do Poder Público. (Tratado de Direito Penal, vol. 5, 9.ed.,
SP, Saraiva, 2015).
32
Em 2000, concomitante à promulgação da Lei de Responsabilidade Fiscal, o
Código Penal recebeu um novo capítulo destinado à repressão dos “Crimes contra
as Finanças Públicas” (art.s 359-A a 359-H), enquanto o Decreto-Lei 201/67, que
versa sobre os crimes praticados por Prefeitos Municipais, recebia 8 novos tipos
penais (art. 1º, incs. XVI a XXIII), relacionados à proteção do equilíbrio fiscal e à re-
gularidade da despesa pública. O fato de que estes delitos dispensam o prejuízo ao
Erário para sua consumação denota que o equilíbrio orçamentário-fiscal, estranho
à redação original do Código Penal, hoje integra a objetividade jurídica “Administra-
ção Pública” tutelada pelo Diploma Repressivo.
Outros exemplos de “modernização” dos crimes contra Administração são a
inserção no Código Penal de tipos relacionados à proteção de sistemas de informa-
ção gerenciados pelo Poder Público (CP, arts. 313-A e 313-B); a repressão a ilícitos
perpetrados contra a Administração Pública estrangeira (CP, arts. 337-B e 337-C);
a especialização do Direito Penal para coibir condutas lesivas vinculadas a certos
órgãos ou atividades da Administração, como a Previdência Social (CP, art. 337-A)
e os certames de interesse público (CP, art. 311-A).
Nos últimos anos, a atuação firme dos órgãos de persecução tem contribuído
para o desenvolvimento de exegese mais moderna inclusive no tocante aos delitos
“clássicos” contra a Administração. Antigos debates doutrinários receberam nova
conformação jurisprudencial, sobretudo no curso das grandes operações nacionais
de repressão a esquemas organizados de corrupção. Na Ação Penal 470, por exem-
plo, cujo objeto era o esquema criminoso do “mensalão”, e que foi julgada pelo
Supremo Tribunal Federal de 2012, prestigiou-se a chamada Teoria do Domínio do
Fato, que ampliava os contornos dogmáticos do conceito penal de autoria do delito;
nos processos judiciais derivados da Operação Lava Jato, por sua vez, consolidou-
-se a tese de que o crime de corrupção passiva dispensa, para sua configuração,
prova de um ato de ofício “específico”, comercializado pelo agente público com o
corruptor.
De forma esquemática, os delitos contra a Administração Pública concentram-
-se no Título XI da Parte Especial do Código Penal (arts. 312 a 359-H), subdividido
em 5 capítulos - praticados por funcionário público; praticados por particular; contra
33
a Administração Pública estrangeira; contra a Administração da Justiça e contra as
Finanças Públicas, além de diversos outros delitos capitulados na legislação extra-
vagante.
Todas essas infrações atentam contra princípios jurídicos e interesses sociais
de monta. No entanto, até para fins de construção argumentativa e para o êxito da
ação penal, o Promotor de Justiça deve estar atento para as nuances específicas
de cada delito, sempre fundamentado sobre o macrobem moralidade administrati-
va. Importa saber o que estamos defendendo e porque o estamos defendendo. Do
contrário, continuaremos a enfrentar as estranhas armadilhas hermenêuticas que
a prática forense impõe à efetividade destas normas penais, como a exigência de
prova de dano nos crimes licitatórios; a excludente do “estado de necessidade” nas
infrações contra as Finanças Públicas; e a aplicação indevida do princípio da insig-
nificância nos crimes contra a Administração.
É no plano cível que surge com maior intensidade a controvérsia sobre o al-
cance da atuação ministerial. Aqui, sem os limites rígidos do Código Penal, a ação
ministerial pode expandir-se, impulsionada pelo caráter principiológico da Lei de
Improbidade Administrativa; mas também pode perder-se em investigações inúteis
e questões comezinhas, em prejuízo da eficácia institucional. Apenas no ano de
2017, os Promotores catarinenses abriram 8.198 procedimentos investigativos na
área da Moralidade Administrativa, tendo promovido 3.351 arquivamentos; firmado
148 termos de compromisso de ajustamento de conduta; e deduzido em juízo 623
ações civis públicas. Depreende-se, assim, que anualmente, o Ministério Público lo-
gra encerrar número de procedimentos inferior a 60% do número de novos feitos, o
que aponta para o crescimento vertiginoso dos acervos das Promotorias de Justiça.
Condutas representativas de crimes graves constituem, simultaneamente,
atos de improbidade administrativa, e obrigam o infrator a responder por sua prá-
tica nas duas esferas, penal e cível. As dúvidas surgem quando o suposto ilícito
não corresponde a qualquer figura penal e, em muitos casos, não pode sequer ser
enquadrado sob os incisos dos artigos 9º, 10, 10-A e 11 da Lei de Improbidade - e,
34
mais recentemente, sob o artigo 5º da Lei Anticorrupção. Diante do caso concreto, o
Representante Ministerial é confrontado com três questões fundamentais:
São estas perguntas que definem o perfil da atuação ministerial. Como tal,
somente podem ser respondidas se o Promotor de Justiça compreender a natureza
do bem por ele protegido.
35
A moralidade administrativa, sob este viés, é não apenas um dos princípios
positivados na Carta Política, mas, por excelência, o princípio magno a unificar e le-
gitimar todas as demais diretrizes relativas à gestão pública. No escólio de Wallace
de Paiva Martins Neto sobre a configuração constitucional da moralidade adminis-
trativa:
O enfoque principal é do princípio da moralidade na medida em que ele
constitui verdadeiro superprincípio informador dos demais (ou um
princípio dos princípios), não se podendo reduzi-lo a mero integrante do
princípio da legalidade. A moralidade administrativa tem relevo singular e é
o mais importante desses princípios, porque é pressuposto informativo dos
demais (legalidade, impessoalidade, publicidade, razoabilidade, proporcio-
nalidade, motivação), muito embora devam coexistir no ato administrativo.
Exsurge a moralidade administrativa como precedente lógico de toda con-
duta administrativa, vinculada ou discricionária, derivando também às ativi-
dades legislativas e jurisdicionais, consistindo no assentamento de que “o
Estado define o desempenho da função administrativa segundo uma ordem
ética acordada com os valores sociais prevalentes e voltada à realização
de seus fins”, tende como elemento a honestidade, a boa-fé e a lealdade
e visando a uma boa administração. (MARTINS JUNIOR, Wallace Paiva.
Probidade administrativa. Ed. 4ª. Saraiva. São Paulo, 2009; pág. 31).
36
a regem. (Discricionariedade administrativa: e o direito fundamental à boa
administração pública, 2007, p 20).
37
blica e afronta aos princípios nucleares da ordem jurídica (Estado de
Direito, Democrático e Republicano), revelando-se pela obtenção de vanta-
gens patrimoniais indevidas às expensas do erário, pelo exercício nocivo
das funções e empregos públicos, pelo tráfico de influência nas esferas da
Administração e pelo favorecimento de poucos em detrimento dos interes-
ses da sociedade (...).” (PAZZAGLINI, Marino, Aspectos jurídicos da defesa
do patrimônio público, SP, Atlas, 1997, p.25).
38
A inobservância do princípio da legalidade não implica necessariamente em
improbidade administrativa, na medida em que um determinado ato admi-
nistrativo pode ter sido praticado sem observância da prescrição legal, mas
não decorrer propriamente de qualquer conduta imoral, muito menos dolo-
sa, além de não causar qualquer prejuízo ao erário e nem implicar em enri-
quecimento ilícito do agente público. (GAJARDONI, Fernando da Fonseca et
alli. Comentários à Lei de Improbidade Administrativa. 2º, São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2012, p. 59).
39
(art. 11), o ato deve ser doloso. [...]
Constatada a violação aos princípios que legitimam a atividade estatal e
identificado o elemento volitivo do agente, deve ser aferido se a sua condu-
ta gerou efeitos outros, o que importará em modificação da tipologia legal e
alcançará o ato.
Assim, havendo unicamente violação aos princípios, ter-se-á a subsunção
da conduta ao tipo do art. 11 da Lei nº 8.429/92; tratando-se de ato que
tenha igualmente acarretado dano ao patrimônio público, as atenções se
voltarão para o art. 10; e em sendo divisado o enriquecimento ilícito, a ma-
téria será regida pelas figuras do art. 9º. [...]
Dispõe o art. 1º da Lei nº 8.429/92 que somente estarão sujeitos às san-
ções previstas nesta lei aqueles atos praticados por agentes públicos em
detrimento das entidades ali enumeradas. Neste passo, devem ser analisa-
das as características dos sujeitos passivo e ativo do ato, os quais devem
encontrar plena adequação ao disposto nos arts. 1º e 2º da Lei de Improbi-
dade [...].
Ultrapassados os quatro momentos anteriormente referidos, ter-se-á o que
se pode denominar de ‘improbidade formal’. [...] Constatada a dissonância,
passou-se a uma operação mecânica de subsunção da conduta à tipologia
legal, sendo que esta etapa deve ser complementada com a utilização do
princípio da proporcionalidade, o que permitirá que coexistam, lado a lado,
a ‘improbidade formal’ e a ‘improbidade material’. [...] este quinto momento
do iter de identificação da improbidade afastará a aplicação desarrazoada
da Lei nº 8.429/92, não permitindo o enfraquecimento de sua credibilidade.
(GARCIA, Emerson. ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade administrati-
va. 3ª, ed. rev. e amp. 2ª, tiragem. Rio de Janeiro: Lumen Júris. 2010, pg.
361/364)
40
nhecimento da Lei regente de suas respectivas tarefas e funções. A Administração
detém o poder-dever de autotutela, o que lhe dá os meios e a obrigação de corrigir
atos irregulares perpetrados por seus agentes ou pelos administrados em relação
ao Poder Público. Para José dos Santos Carvalho Filho:
A Administração Pública comete equívocos no exercício de suas atividades,
o que não é nem um pouco estranhável em vista das múltiplas tarefas a
seu cargo. Defrontando-se com esses erros, no entanto, pode ela mesma
revê-los para restaurar a situação de regularidade. Não se trata apenas de
uma faculdade, mas também de um dever, pois que não se pode admitir
que, diante de situações irregulares, permaneça inerte e desinteressada.
Na verdade, só restaurando a situação de regularidade é que a Administra-
ção observa o princípio da legalidade, do qual a autotutela é um dos mais
importantes corolários. (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de
Direito administrativo. Ed. 23, ver. e ampl. e atual. Lumen Juris. Rio de Ja-
neiro, 2010, pág.36).
41
Lume Juris. Rio de Janeiro, 2017; pág. 83).
Eis que, melhor definido o Valor protegido pelo Ministério Público no âmbito
da Moralidade Administrativa, cumpre perquirir as regras e os procedimentos for-
mais que balizam a investigação ministerial.
42
3. OS INSTRUMENTOS
DE INVESTIGAÇÃO
43
Conforme já destacado, foi na década de 1980 que a legislação pátria passou
a contemplar procedimentos investigatórios cujo escopo seria a proteção de direi-
tos transindividuais. A criação desses instrumentos marca a evolução do sistema
de tutela jurisdicional, que avançou da proteção exclusiva dos direitos individuais
para a tutela de interesses difusos e coletivos. Atento a essa evolução, Teori Albino
Zavascki destaca:
Uma primeira onda de reformas, iniciada em 1985, foi caracterizada pela
introdução, no sistema, de instrumentos até então desconhecidos do direito
positivo, destinados (a) a dar curso a demandas de natureza coletiva, (b) a
tutelar direitos e deveres transindividuais, e (c) a tutelar, com mais amplitu-
de, a própria ordem jurídica abstratamente considerada. (ZAVASCKI, Teori
Albino. Processo Coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de
direitos. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 14).
44
Ministério Público na proteção dos interesses difusos e coletivos e diante da neces-
sidade de solucionar os conflitos em dimensão coletiva, outros instrumentos pas-
saram a fazer parte do dia- a- dia do representante do Parquet, como por exemplo:
Notícias de Fato; Procedimentos Preparatórios; Inquéritos Civis e ainda, no que diz
respeito à persecução penal, os Procedimentos Investigatórios Criminais.
Dessa forma, em atenção aos preceitos constitucionais e legais acerca do
tema, bem como às orientações do Conselho Nacional do Ministério Público, o Mi-
nistério Público de Santa Catarina possui Atos internos que disciplinam a instaura-
ção e a tramitação desses procedimentos:
45
temente da forma de apresentação, sempre ser registrada no sistema informatizado.
Ressalta-se, de pronto, a relevância da checagem preliminar e informal do
fato noticiado, mediante uso dos bancos de dados abertos para a confirmação da
verossimilhança da narrativa trazida, verificando-se assim a credibilidade ou não
dos fatos eventualmente narrados de forma apócrifa e a viabilidade e verossimilhan-
ça de continuidade da notícia de fato e a sua conversão em outros procedimentos
administrativos investigatórios.
Tal cautela, contudo, não significa o indeferimento de toda e qualquer Notícia
de Fato apócrifa ou anônima, uma vez que, como é sabido, muitas das grandes
operações investigativas do Parquet tiveram início em provocações desta nature-
za, recomendando-se apenas que se diligencie pela busca de outros indícios que
corroborem as informações, a fim de sustentar a validade da investigação posterior.
Recentemente, aliás, o tema foi objeto de debates no Conselho Superior do
Ministério Público catarinense que concluiu, na linha traçada pela jurisprudência
e pelo paradigma de atuação de outros órgãos investigativos, pela aceitabilidade
das comunicações anônimas, apenas passíveis de rejeição preliminar quando nada
reportarem de relevo sobre os interesses protegidos pela Instituição. Ao Promotor
de Justiça cabe avaliar se a comunicação anônima pode ensejar a coleta de dados
aptos a subsidiar eventual iniciativa ministerial e, em caso positivo, a investigação
deve ser aberta, cumprindo ao Representante Ministerial diligenciar para comple-
mentar as informações que lhe foram noticiadas.
Da mesma forma, a lógica investigativa que envolve a tutela do patrimônio
público pode obedecer à metodologia proativa do órgão de execução, que ao tomar
conhecimento de determinada irregularidade, traça suas estratégias e inicia a inves-
tigação formal.
A Notícia de Fato recebida, mesmo com o noticiante devidamente identifica-
do, pode carecer de elementos de convicção. Assim, deverá o Promotor de Justiça
diligenciar para reuni-los, pelo que pode o Membro do Ministério Público valer-se da
previsão contida no art. 4º do Ato 395/2018/PGJ, que prevê a possibilidade de pror-
rogação, fundamentadamente, pelo prazo de 90 dias, da decisão acerca da neces-
sidade ou não de instauração de procedimento próprio a partir da Notícia de Fato.
46
Neste período, pode o membro do Ministério Público instar o noticiante a
complementar as informações iniciais, efetuar pesquisa em bancos de dados ou so-
licitar esclarecimentos e documentos ao noticiado, a terceiros ou a órgãos públicos,
a fim de esclarecer a existência de ameaça ou lesão a interesse ou direito passível
de tutela do Ministério Público, apurar se os fatos já foram objeto de ação judicial ou
apurar se os fatos já foram solucionados (Art. 5º do Ato 395/2018/PGJ).
Nesse sentido, indica-se a permanente consulta aos bancos de dados dispo-
níveis à instituição ou mesmo mediante ferramentas de consultas genéricas dispo-
níveis na internet, todas úteis à arrecadação de dados e informações aptas a deli-
mitar com clareza e objetividade o fato a ser investigado. Para mais detalhes acerca
desses levantamentos preliminares, veja-se no Capítulo 4 deste Manual as técnicas
e os instrumentos básicos para a coleta inicial de dados.
Essa cautela é importante para evitar a instauração de Notícia de Fato ou
inquérito civil sem que existam indícios suficientes para investigação, o que pode
dificultar, inclusive, eventual promoção de arquivamento por ausência de objeto a
ser investigado.
O prazo para a conclusão da Notícia de Fato e o consequente indeferimento
ou a instauração de ICP ou PP, ou ainda, o ajuizamento de ação, é de 30 dias (art.
4º), o que deve ser observado rigorosamente, podendo ser prorrogado uma única
vez pelo prazo de 90 dias. A inobservância do prazo para conclusão da Notícia de
Fato pode constituir falta funcional do Promotor responsável, porém não invalida ou
de qualquer forma conspurca os dados coletados na representação.
Após referido prazo, outras diligências para esclarecimento dos fatos devem
ser realizadas em procedimento próprio (PP, IC, PA ou PIC). Caso constatada a
impertinência da investigação, indeferir-se-á a instauração de procedimento, provi-
dência que prescinde de remessa para apreciação do Conselho Superior do Minis-
tério Público, sendo o arquivamento de sua pasta-arquivo (caso existente) feito no
próprio órgão após o decurso dos prazos de notificação dos interessados acerca do
indeferimento (art. 6º do Ato 395/2018/PGJ).
O indeferimento de instauração poderá ser parcial ou integral, fundado nos
seguintes motivos (art. 7º, Ato 395/2018/PGJ):
47
A cientificação do indeferimento é obrigatória ao noticiante, feita de forma
pessoal, mas se admite a comunicação por meio eletrônico (correio eletrônico, apli-
cativos de troca de mensagem, portal virtual, etc.). Caso exista nos autos indicação
expressa de endereço eletrônico para recebimento de comunicações, é dispensável
a comprovação do recebimento.
Quando o noticiante for anônimo, a sua cientificação dar-se-á por meio de
edital. É dispensada a notificação acerca do indeferimento quando a comunicação
tenha sido enviada ao Ministério Público por força de dever de ofício (por exemplo,
expedientes encaminhados pelo Poder Judiciário), conforme § 2º do Art. 4º da Re-
solução 174 do CNMP. A cientificação dos demais interessados é facultativa, caso
em que também é admitida a cientificação por meio eletrônico.
Assim, a Notícia de Fato é importante ferramenta no cotidiano das curadorias
da moralidade administrativa, uma vez que o Órgão de Execução deve levar em
consideração a necessidade de adoção de soluções rápidas, efetivas e equilibra-
das. A recente flexibilização da Notícia de Fato, que passa a comportar a realização
de diligências instrutórias mínimas para certificação dos fatos, evita a instauração
desnecessária de procedimentos formalmente mais complexos e contribui para di-
namizar a atuação da Promotoria de Justiça.
48
3.2 INQUÉRITO CIVIL
Embora não seja essencial à propositura da ação civil pública, o inquérito civil
é, sem dúvida, o expediente mais utilizado pelos órgãos de execução do Ministério
Público para a apuração de atos lesivos ao patrimônio público na esfera extrapenal.
Previsto expressamente na Lei 7.347/85 (arts. 8º e 9º), é também menciona-
do na Constituição Federal, sendo a sua promoção uma das funções institucionais
do Ministério Público, e seu objeto, conforme apontado pela Magna Carta, a prote-
ção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos
e coletivos (art. 129, inciso III, CF).
De acordo com o art. 1º, §2º, do Ato PGJ 395/2018, “o inquérito civil, de natu-
reza unilateral, preparatória e facultativa, destina-se a apurar fato que constitua lesão
ou ameaça a interesses ou direitos tutelados pelo Ministério Público, nos termos da
legislação aplicável”. A Resolução 23/2007 do CNMP descreve o escopo do instru-
mento:
Art. 1º. O inquérito civil, de natureza unilateral e facultativa, será instaurado
para apurar fato que possa autorizar a tutela dos interesses ou direitos a
cargo do Ministério Público nos termos da legislação aplicável, servindo
como preparação para o exercício das atribuições inerentes às suas fun-
ções institucionais.
49
A própria Lei 8.249/92 contém também dispositivo que indica a inexistên-
cia de indispensabilidade do inquérito civil, para embasar ações aforadas
pelo Ministério Público. É o que se infere do parágrafo 6º do art. 17. (DE-
COMAIN, Pedro Roberto. Improbidade Administrativa. São Paulo: Dialética,
2007, p. 242).
50
O objeto da investigação deve ser delimitado em sua portaria de instauração,
(art. 10 do Ato 395/2018/PGJ). O ato de abertura deve descrever efetivamente o
fato a ser investigado já em sua peça inaugural, evitando-se o emprego de expres-
sões vagas e imprecisas. Tal providência privilegia a resolutividade do procedimen-
to, uma vez que objetos bem delimitados norteiam de forma precisa a investigação
iniciada e facilitam sua conclusão.
A delimitação do objeto, inclusive, é orientada pelo art. 5º, XII, da Recomen-
dação de Caráter Geral 02/2018, do Conselho Nacional do Ministério Público, que
trata dos parâmetros para avaliação da resolutividade e qualidade da atuação de
membros e das unidades do Ministério Público Brasileiro. Sobre o tema, o ato de-
termina que seja avaliada na atuação a “delimitação do objeto da investigação, com
a individualização dos fatos investigados e das demais circunstâncias relevantes,
garantindo, assim, a duração razoável da investigação”.
Aliás, também no tocante à resolutividade, inovação interessante trazida pelo
§6º do art. 10 do Ato 395/2018/PGJ é a vedação da instauração do Inquérito Civil
sem a indicação na portaria de diligências investigatórias iniciais, que apontarão
para onde a investigação deve caminhar.
Antes de instaurar o Inquérito Civil, o Promotor de Justiça deve ter clara no-
ção do fato investigado e, na medida do possível, das possíveis conclusões a que
poderá chegar ao final da investigação. Tal avaliação permite projetar o potencial de
êxito do feito, não sendo aconselhável a instauração de inquérito civil para o simples
diagnóstico de situação. A formalização do inquérito civil e sua correta instrução é
importante para garantir a continuidade da investigação, nas hipóteses de substitui-
ção do Promotor de Justiça.
Reitera-se que a Recomendação de Caráter Geral 02/2018, do CNMP, pres-
creve a imperiosa necessidade de “análise consistente das notícias de fato, de modo
a ser evitada a instauração de procedimentos ineficientes ou inúteis ou a instaura-
ção em situações em que seja visível a inviabilidade da investigação” (Art. 5º, XI).
Após a confecção da portaria, dá-se início à fase instrutória propriamente dita,
iniciando-se com as diligências apontadas na instauração do inquérito civil, e sendo
possível a colheita de todas as provas permitidas pelo ordenamento jurídico para a
51
formação do convencimento sobre os fatos objeto da investigação. A respeito dessa
fase, no Capítulo 4 deste Manual, serão esmiuçadas as formas de coleta de provas
mais efetivas.
Prova bastante utilizada na instrução do inquérito civil é a testemunhal. Ha-
vendo a necessidade de produção dessa prova, as notificações para compareci-
mento na Promotoria devem ser feitas com antecedência mínima de 24 horas (art.
11, § 4º, Ato 395/2018/PGJ, aplicando-se no que couber o disposto no art. 455, §5º,
do Código de Processo Civil). Por evidente, se a testemunha dispensar a notifica-
ção formal e atender ao convite da Promotoria de Justiça, feito por via telefônica ou
pessoalmente, por exemplo, não haverá mácula ao depoimento assim colhido.
No que diz respeito às declarações e aos depoimentos, devem sempre ser
tomados pelo membro do Ministério Público, não sendo possível a tomada de decla-
rações ou os depoimentos sob compromisso realizados por servidores/assistentes.
Considerando a prática já utilizada com certa frequência, notadamente nos casos
envolvendo investigações de atos de improbidade administrativa, o Ato 395/2018/
PGJ regulamentou o registro audiovisual de depoimentos em seu Capítulo IV.
A realização de depoimento audiovisual deve ser documentada por termo
de audiência, assinado pelo membro do Ministério Público responsável pelo ato. A
assinatura dos depoentes e seus advogados no termo de audiência é facultativa.
Também é opção do Promotor de Justiça, se entender necessária a colheita de
assinatura do depoente e/ou do defensor, a elaboração de termo de depoimento
individual para esse fim, de modo que estes não precisem aguardar o final do ato
para a assinatura do termo de audiência. Somente quando imprescindível deverá
ser feita a transcrição dos depoimentos.
O termo de audiência formalizado para a realização da oitiva audiovisual deve
obrigatoriamente conter:
52
Igualmente, deve o depoente ser informado do dever de comunicar ao Mi-
nistério Público qualquer mudança de endereço, telefone ou e-mail, sendo de bom
alvitre que tal situação conste no termo de audiência.
No caso de depoimentos de testemunhas cuja identidade deva ser preserva-
da, não constará no termo a sua qualificação completa e seu endereço, devendo
tais elementos ser colhidos verbalmente no início das gravações. Os arquivos digi-
tais de depoimentos dessa natureza terão o nome do arquivo iniciado com a palavra
“Sigiloso”.
Ao iniciar o depoimento, o Promotor de Justiça deve informar o número do
procedimento e solicitar que o depoente se identifique (nome completo e filiação).
Quando for o caso, deve ser consignado o compromisso de dizer a verdade que
vincula a testemunha a ser inquirida, sob pena de cometimento do delito de falso
testemunho (CP, art. 342).
É permitida a realização de depoimentos audiovisuais por videoconferência
ou qualquer outro recurso tecnológico que permita a transmissão de sons e imagens
em tempo real. Por exemplo, a tomada de depoimentos por carta precatória pode
ser feita pelo deprecante desde a origem, por meio desses recursos que permitam
a inquirição direta pelo presidente da investigação.
Nos depoimentos ou inquirições nos procedimentos para a apuração de con-
duta ímproba ou lesiva ao patrimônio público, deve-se observar as disposições do
art. 221, caput e § 1º do Código de Processo Penal, que trata das prerrogativas de
algumas autoridades no tocante a sua inquirição.
A pessoa a quem é atribuído o ato ilícito deve ser ouvida, ressalvadas as hi-
póteses nas quais, em razão do sigilo da investigação ou por interesse público, não
seja conveniente ou oportuno a oitiva, o que deve ser motivado nos autos (art. 11, §
1º, Ato 395/2018/PGJ).
De acordo com o art. 8º, § 1º, da Lei 7.347/85, o representante do Ministério
53
Público pode requisitar, de qualquer organismo público ou particular, certidões, infor-
mações, exames ou perícias, dentro do prazo que assinalar, o qual não poderá ser
inferior a 10 dias úteis, salvo quando justificado prazo menor, cumprindo ao órgão
de execução, em obediência aos princípios da celeridade e da eficiência, verificar
se as informações requisitadas podem ser obtidas por consulta a bancos de dados
disponíveis.
É de bom alvitre evitar a requisição excessiva de documentos que possam
confundir ou dificultar a análise futura dos autos. Uma boa prática, já implemen-
tada por muitos órgãos ministeriais, é o pedido de vistas dos documentos origi-
nais para que, a partir de sua análise, faça-se a extração apenas dos documentos
efetivamente importantes à investigação. Por exemplo, em investigação que apura
a regularidade na expedição de cartas-convite aos participantes de procedimento
licitatório, pode ser requisitada vista do processo de licitação investigado para fins
de extração de cópias digitais apenas dos documentos que interessem ao feito
(documentos relativos ao convite aos participantes da licitação), dispensando-se
os demais documentos irrelevantes para a investigação, cuja juntada ao inquérito
tornaria o procedimento mais confuso e dificultaria sua análise futura.
Situação semelhante ocorre com documentos repetidos, que podem ser ime-
diatamente devolvidos ao órgão de origem pelo Presidente do Inquérito Civil, median-
te simples certificação nos autos, evitando-se que ao feito seja incorporado material
já anexado.
Prática relevante é o envio das comunicações no Inquérito Civil por correio
eletrônico, bem como a orientação para que as respostas sejam enviadas pelo mes-
mo meio, providência que facilita a tramitação do procedimento em meio eletrônico,
conforme preconiza o Ato 200/2015/PGJ/CGMP.
No curso da instrução, verificada a necessidade de investigação de objeto
diverso daquele originalmente descrito na portaria, poderá o membro do Ministério
Público optar entre dois caminhos:
54
Muitas vezes, o aditamento de portaria para acréscimo de novos fatos pode
dificultar a compreensão sobre a instrução já realizada. A lógica contemporânea das
investigações ministeriais, verificadas em grandes casos nacionais de corrupção,
pauta-se pela coordenação das atividades paralelamente à segmentação dos fatos
apurados em diversos procedimentos autônomos, que subsidiarão o ajuizamento
de ações penais independentes, relativas a fatos específicos e, assim, com menor
número de réus, o que acelerará sua tramitação no Poder Judiciário. O exemplo
mais cabal do sucesso desta estratégia é a Operação Lava Jato (2014-), conduzida
pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal, na qual, conquanto relacio-
nadas a uma investigação-base original, dezenas de ações penais tramitam sepa-
radamente, muitas das quais já julgadas, ao passo que as investigações continuam.
O desmembramento pode ser utilizado também para saneamento de inqué-
ritos civis em curso que contenham diversos fatos sob investigação, quando tal ca-
racterística esteja a prejudicar o andamento da apuração como um todo.
Outra questão a ser observada diz respeito à publicidade dos atos pratica-
dos, aplicando-se ao inquérito civil e ao procedimento preparatório o princípio da
publicidade (CF, art. 37, caput), com exceção dos casos de sigilo legal ou em que a
publicidade possa acarretar prejuízo às investigações. A decretação do sigilo deve
ser motivada (art. 23 do Ato 395/2018/PGJ), e poderá ser limitada a determinadas
pessoas, provas, informações, dados, períodos ou fases, cessando quanto extinta
a causa que a determinou.
A classificação do feito como “sigiloso” no sistema informatizado deve ser
feita apenas nos casos em que o sigilo tenha sido efetivamente decretado no pro-
cedimento, pois ele impede a análise do feito para qualquer finalidade, inclusive
por parte dos órgãos da administração para fins de consulta e estatística. Mesmo
55
a classificação como “Restrito” afeta essa análise, mormente para os Centros de
Apoio Operacional, pelo que tal seleção deve ser reservada para procedimentos
que efetivamente a necessitem.
No sistema informatizado, a diferença entre o uso das restrições de acesso
“Restrito” e “Sigiloso” é que, no primeiro, todos os integrantes da lotação onde está
localizado o procedimento poderão acessar a investigação, enquanto que, no segun-
do, apenas terão acesso o Promotor de Justiça e servidor devidamente autorizado.
Documentos resguardados por sigilo legal devem ser autuados na forma pre-
vista no Ato 66/2018/PGJ/CGMP.
O prazo para a conclusão do inquérito civil é de 1 (um) ano, e pode ser pror-
rogado pelo mesmo período quantas vezes forem necessárias, sempre por decisão
fundamentada, à vista da imprescindibilidade da realização ou conclusão de dili-
gências, dando-se ciência ao Conselho Superior do Ministério Público, por correio
eletrônico ou sistema informatizado.
O Ato 395/2018/PGJ dispõe que a prorrogação deve ser fundamentada, em
decisão que contenha relatório pormenorizado do procedimento, à vista da im-
prescindibilidade da realização ou conclusão de diligências, necessariamente es-
pecificadas no despacho de prorrogação. Tal providência é aconselhada pela Re-
comendação de Caráter Geral 02/2018/CNMP, que a “avaliação contínua da real
necessidade de novas diligências e de medidas nos procedimentos extrajurisdicio-
nais, justificando, inclusive, a necessidade de novas prorrogações, em especial por
ocasião da renovação dos prazos” (Art. 5º, XIII).
Se, esgotadas todas as diligências, o membro do Ministério Público conven-
cer-se da inexistência de fundamento para a propositura de ação civil pública, ou
ainda, se for celebrado termo de ajustamento de conduta que implique a ausência
circunstancial do interesse de agir, o órgão de execução do Ministério Público pro-
moverá, de forma fundamentada, o arquivamento do inquérito civil, o qual será sub-
metido a exame e deliberação do Conselho Superior do Ministério Público (LACP,
art. 9º, caput e §§ 1º ao 4º).
A possibilidade de celebração de Compromisso de Ajustamento de Condu-
ta em casos de improbidade administrativa é uma das grandes inovações do Ato
56
395/2018/PGJ – mais precisamente no § 3º do art. 25, que replicou a possibilidade
já trazida no § 2º do Art. 1º da Resolução 179 do CNMP. Para a celebração do TAC,
o ato prevê como requisito a garantia do ressarcimento ao erário e a aplicação de
uma ou algumas das sanções previstas em lei, de acordo com a conduta ou ato
praticado.
O prazo para remessa do inquérito civil ao Conselho Superior é de 3 (três)
dias, contados da comprovação da cientificação efetiva dos interessados acerca do
arquivamento. Esta será realizada, preferencialmente, por correio eletrônico, com a
comprovação do recebimento, o que é dispensado se houve indicação nos autos,
pelos interessados, de endereço eletrônico para recebimento de comunicações.
No caso de impossibilidade de cientificação por correio eletrônico, esta se
dará, preferencialmente, na seguinte ordem: I - por carta, com aviso de recebimen-
to; II - pessoalmente, por ordem de diligência; III - por edital, publicado no Diário
Oficial Eletrônico do Ministério Público, segundo o modelo previsto no Anexo III do
Ato 395/2018, quando não localizados os que devem ser cientificados ou no caso
de noticiante anônimo.
A cientificação é facultativa caso a comunicação ao Ministério Público tenha
decorrido de dever de ofício. A notificação do Governador do Estado, dos membros
da Assembleia Legislativa, dos Desembargadores e dos Conselheiros do Tribunal de
Contas para cientificação acerca do indeferimento de instauração de procedimento
ou do arquivamento do inquérito civil ou procedimento preparatório não necessita
de encaminhamento pelo Procurador-Geral de Justiça, afastando-se a incidência
do §7º do artigo 83 da Lei Complementar 197/2000, pelo que pode, assim, ser feita
pelo próprio Órgão de Execução.
Até a sessão do Conselho Superior que apreciar a promoção de arquivamen-
to, os interessados poderão apresentar razões escritas ou documentos, que serão
juntados aos autos. Nos casos de procedimentos que tramitem integralmente em
meio eletrônico, é dispensado o envio da pasta-arquivo do procedimento ao Conse-
lho Superior, pois o encaminhamento pode ser feito apenas pelo sistema informati-
zado (recomendando-se o envio de e-mail ao órgão para conhecimento do envio).
57
3.3. COMPROMISSO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA
58
bração de compromissos de ajustamento de conduta provisórios ou parciais, hipó-
teses nas quais a investigação deve continuar em relação aos demais aspectos da
questão, ressalvada situação excepcional que enseje arquivamento fundamentado.
O compromisso poderá ser celebrado a qualquer tempo no curso de Inquérito
Civil ou de Procedimento Preparatório, sendo o arquivamento decorrente da pac-
tuação objeto de deliberação pelo Conselho Superior. Acordos feitos no curso de
ação judicial serão submetidos à homologação do juízo competente, sem necessi-
dade de comunicação ao CSMP.
O TAC deve ser assinado por pessoa física ou jurídica que figure na investi-
gação em situação que imponha a celebração do ajuste, com as seguintes possibi-
lidades com relação à representação na assinatura do termo:
59
vos, além de terceiros interessados.
O compromisso de ajustamento de conduta deve conter obrigações certas,
líquidas e exigíveis, salvo peculiaridades do caso concreto. Para cumprimento das
obrigações, deve conter previsão de multa ao compromissário pela inobservância
das obrigações pactuadas nos prazos assumidos, admitindo-se, em casos excep-
cionais e devidamente fundamentados, a previsão de que esta cominação seja fixa-
da judicialmente, se necessária à execução do compromisso.
Além da multa pelo descumprimento prevista na Resolução do CNMP, a fim
de garantir a efetividade do compromisso e da reparação dos danos coletivos cau-
sados, o órgão de execução pode prever, dentre outras, as seguintes cláusulas de
garantia:
60
de caráter sancionatório ou mitigatório, como as multas e as medidas compensa-
tórias, ao menos na recente experiência de emprego do TAC em face de atos de
improbidade em Santa Catarina, também têm sido direcionadas para o ente lesado,
aplicando-se, por analogia, o art. 18 da Lei de Improbidade Administrativa e o art. 24
da Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013). Nada obstaria, no entanto, que ressarcido
integralmente o dano sofrido pelo ente público, ou nas hipóteses em que, a despeito
da violação a interesses transindividuais, não há dano concreto, o eventual produto
de multas e outras medidas fixadas no TAC fosse direcionado ao Fundo para Re-
constituição de Bens Lesados (FRBL).
O TAC deve prever que os valores despendidos com o custeio das perícias
realizadas nos respectivos procedimentos devem ser ressarcidos ao FRBL pelo
causador do dano, salvo justificada impossibilidade. No mais, o órgão de execução
que celebrar o compromisso de ajustamento de conduta tem o dever de fiscalizar
seu cumprimento, podendo valer-se de técnicos especializados, sempre que ne-
cessário e possível; e de informações periódicas remetidas pelo compromissário a
execução do pacto.
O acompanhamento da execução do compromisso deve ser feito em Proce-
dimento Administrativo próprio, devidamente registrado no sistema informatizado,
firmado imediatamente após a celebração do acordo, inclusive com o dever de indi-
cação do número do procedimento no procedimento investigatório quando do envio
para deliberação quanto a homologação do arquivamento pelo Conselho Superior.
Nos termos do art. 36 do Ato 395, os acordos judiciais também fundamentam a
abertura de procedimento administrativo para seu acompanhamento.
Caso se cuide de obrigação de não fazer, o órgão de execução do Ministério
Público deverá instaurar Procedimento Administrativo, a perdurar por prazo razoá-
vel. Por exemplo, obrigação de não fazer consistente em “não realizar contratações
temporárias fora das hipóteses previstas no art. 37, IX, da Constituição”. Para o
acompanhamento regular e eficaz, entende-se que a manutenção do Procedimento
Administrativo pelo prazo de 1 (um) ano é razoável.
O aditamento do compromisso de ajustamento de conduta será processa-
do nos autos da investigação em que ele foi formalizado, juntando-se cópia de tal
61
providência ao respectivo Procedimento Administrativo para prosseguimento do
acompanhamento e fiscalização. O arquivamento dos autos da pasta-arquivo da
investigação após o aditamento sempre será considerado um novo arquivamento
(art. 52, parágrafo único), com a necessidade de remessa ao órgão competente e
adotando-se as medidas de arquivamento na sequência, segundo o Ato 200/2015/
PGJ/CGMP. Em outras palavras, o desarquivamento com aditamento sempre segui-
rá as regras de um novo arquivamento.
Em caso de descumprimento, integral ou parcial, do compromisso, deverá
o órgão de execução proceder no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, salvo em
caso de urgência, em que a execução deverá ser promovida assim que possível, à
execução judicial do título com relação às cláusulas em que se constatar a mora ou
inadimplência. O prazo poderá ser excedido caso o compromissário, após instado
pelo órgão de execução, justificar o descumprimento ou reafirmar a disposição para
o cumprimento, casos em que o órgão de execução deverá decidir: pelo imediato
ajuizamento da execução; pelo aditamento do compromisso; ou pelo acompanha-
mento das providências até o efetivo cumprimento, sem prejuízo da possibilidade
da execução da multa, quando cabível e necessário.
Sem prejuízo da execução judicial, o título poderá ser levado a protesto. Além
dos compromissos firmados pelo órgão em razão da sua atribuição, o Ministério
Público tem legitimidade para executar compromissos de ajustamento de condutas
firmados por outros órgãos públicos, no caso de sua omissão frente ao descum-
primento das obrigações assumidas, sem prejuízo da adoção de outras medidas
cabíveis (de natureza civil ou criminal), inclusive em face da inércia do órgão com-
promitente.
Destaque, por último, que a imposição das sanções da Lei 8.429/92 é impres-
cindível apenas em face da prática de atos de improbidade administrativa. Há um
vasto conjunto de matérias afetas à Moralidade Administrativa nas quais é possível
ao Promotor de Justiça a celebração de TAC, com a estipulação de obrigações de
fazer e não fazer, fixação de multas e outras medidas pecuniárias, sem que tenha
ocorrido, antes, qualquer ato de improbidade. É o típico caso, por exemplo, da atua-
ção preventiva do Parquet e das ações estruturantes desenvolvidas pela Instituição
62
em relação à Administração Pública, como os programas institucionais que versam
sobre a promoção da transparência, a prevenção ao nepotismo, a restrição às con-
tratações temporárias indevidas, o aprimoramento da fiscalização de contratos e o
fortalecimento das unidades administrativas de controle interno.
3.4 RECOMENDAÇÃO
63
ma coisa para salvaguardar interesses ou direitos tutelados pelo Ministério Público.
O ato deve ser dirigido a quem tem poder, atribuição ou competência para adoção
das medidas recomendadas, ou responsabilidade pela reparação ou prevenção do
dano.
Não poderá ser expedida recomendação que tenha como destinatárias as
mesmas partes, e como objeto os mesmos pedidos de ação judicial, ressalvadas as
situações excepcionais, justificadas pelas circunstâncias de fato e de direito e pela
natureza do bem tutelado, devidamente motivadas, e desde que, por evidente, não
contrarie decisão judicial vigente.
O encaminhamento para autoridades previstas no inciso V do artigo 93 da
Lei Orgânica do MPSC (Governador do Estado e Presidentes da Assembleia Le-
gislativa, Tribunal de Justiça e Tribunal de Contas) caberá ao Procurador-Geral de
Justiça ou ao órgão de execução a quem esta atribuição houver sido delegada. O
Chefe do MP deve encaminhar a recomendação no prazo de dez dias úteis, não ca-
bendo à chefia institucional a valoração do conteúdo da recomendação, ressalvada
a possibilidade de, fundamentadamente, negar encaminhamento ao ato expedido
por órgão despido de atribuição, que afrontar a lei ou o disposto no Ato 395/2018
ou, ainda, quando não for observado o tratamento protocolar devido ao destinatário.
A recomendação deve ser assinada pelo órgão de execução com atribuição
para atuar no caso. Admite-se, por analogia à celebração de compromisso de ajus-
tamento de conduta, a expedição em conjunto com outros órgãos de ramos diver-
sos do Ministério Público brasileiro.
O objetivo primaz da recomendação é o respeito e a efetividade dos direitos
e interesses cuja defesa incumbe ao Ministério Público, se for o caso, a edição ou
alteração de normas com a mesma finalidade. Por definição, a efetivação da reco-
mendação depende da adoção de providências por parte de seus destinatários, ra-
zão pela qual o ato recomendatório deve conter a indicação de prazo razoável para
adoção das medidas cabíveis, que devem ser apontadas de forma clara e objetiva.
Quando necessário, especialmente com vistas à efetividade, o Promotor de
Justiça pode requisitar ao destinatário a adequada e imediata divulgação do teor
expedido, incluindo afixação em local de fácil acesso ao público (aqui abrangidos
64
meios eletrônicos de divulgação, como sítios eletrônicos). Ademais, o órgão de exe-
cução pode requisitar, em prazo razoável, que o destinatário responda por escrito, e
de modo fundamentado, sobre o atendimento da recomendação.
Diante de resposta fundamentada quanto ao não atendimento, cabe ao ór-
gão de execução expedidor apreciá-la, também de forma motivada. Se as razões
apresentadas forem plausíveis, nada obriga o Parquet a judicializar a questão, o
que pode inclusive motivar o arquivamento do feito. Do contrário, em caso de não
atendimento à recomendação, falta de resposta ou resposta inconsistente, o órgão
ministerial deve adotar as medidas cabíveis à obtenção do resultado pretendido.
Quando da dedução da pretensão em juízo, caberá ao Promotor de Justiça avaliar
se houve grave violação, por parte da autoridade destinatária, de princípios regen-
tes da Administração, quando a ação cabível, portanto, será a ação de improbidade
administrativa (Lei 8.429/92); ou se o não acatamento da recomendação desafia
apenas o manejo de ação civil pública ordinária (Lei 7.347/85) ou outro instrumento
processual.
O procedimento em que foi expedida a recomendação somente poderá ser
arquivado após a comprovação do cumprimento do ato, salvo perda superveniente
do objeto ou resolução da questão por outro meio. No intuito de evitar a judicia-
lização e fornecer ao destinatário todas as informações úteis à formação de seu
convencimento, poderá o órgão de execução, ao expedir a recomendação, indicar
as medidas que entende cabíveis, em tese, no caso de desatendimento da reco-
mendação, desde que incluídas em sua esfera de atribuições. Tais medidas não
poderão ser tomadas antes do decurso do prazo de resposta, exceto se fato novo
determinar a urgência da providência. Tal providência, aliás, é consentânea com as
novas diretrizes fixadas pela Lei 13.655/2018, que alterou a Lei de Introdução às
Normas do Direito Brasileiro (LINDB) e impôs nova principiologia sobre as relações
entre gestores públicos e órgãos de controle.
65
Resolução 23/2007 do CNMP.
O § 3º do art. 1º do Ato 395/2018/PGJ define o procedimento preparatório
como sendo “[...], de natureza unilateral, preparatória e facultativa, constitui-se em
instrumento administrativo voltado à complementação de informações sobre fato
que constitua lesão ou ameaça a interesses ou direitos tutelados pelo Ministério
Público e à coleta de elementos de identificação dos investigados ou do possível
objeto de eventual inquérito civil”. O § 4º do art. 2º da Resolução 23/2007 do CNMP
estabelece:
O Ministério Público, de posse de informações previstas nos artigos 6º e
7º da Lei 7.347/85 que possam autorizar a tutela dos interesses ou direitos
mencionados no artigo 1º desta Resolução, poderá complementá-las antes
de instaurar o inquérito civil, visando apurar elementos para identificação
dos investigados ou do objeto, instaurando procedimento preparatório.
66
descrita (investigados), quesitos fundamentais à investigação principal e que, em
tese, já deveriam estar delineados quando do ato de abertura do inquérito civil.
67
los para Implementação de Iniciativas em Políticas Públicas e PA de Projetos.
O primeiro instrumento preenche lacuna derivada da seguinte questão: ine-
xistindo norma legal que determine ou especifique a forma de implementação de
política pública ou, existindo a norma legal sem que haja prazo de execução da po-
lítica, qual é o instrumento ministerial adequado para enfrentamento do problema?
O Protocolo destina-se à formalização de iniciativa de construção coletiva, planeja-
mento conjunto ou estabelecimento de critérios e cronogramas para implementação
de iniciativas em políticas públicas com o responsável pela implementação, nos
casos em que não há norma legal a determinar de forma detalhada sua implemen-
tação ou, se existir norma legal, quando o prazo para sua execução não houver sido
atingido ou fixado.
Um exemplo de atuação possível na área da Moralidade Administrativa é o
Programa Unindo Forças do Centro de Apoio da Moralidade Administrativa. Por
meio de Protocolo para Implementação de Iniciativas em Políticas Públicas, pode
o Promotor de Justiça pactuar as providências e o prazo que o administrador do
Município deverá observar para o fortalecimento de sua controladoria interna, sem,
contudo, celebrar um TAC.
Com efeito, criado para suprir lacuna não atendida pelo Compromisso de
Ajustamento de Conduta, o Protocolo para Implementação de Iniciativas em Políti-
cas Públicas não pode ser utilizado em substituição ao TAC. O traço distintivo entre
os instrumentos reside nas hipóteses de cabimento do protocolo: inexistência de
norma legal determinando a implementação da política pública ou, existindo norma
legal, o prazo para sua execução ainda não ter sido atingido ou fixado.
Presentes essas condições, o caso é de aplicação do Compromisso de Ajus-
tamento de Conduta, no qual serão disciplinadas para o caso concreto a especifica-
ção das obrigações adequadas e necessárias, em especial o modo, tempo e lugar
de cumprimento, bem como a mitigação, compensação e indenização dos danos
que não possam ser recuperados.
O Protocolo para Implementação de Iniciativas em Políticas Públicas possui
natureza jurídica semelhante à “Carta de Intenções” (instructions to proceed), e não
constitui título executivo extrajudicial, razão pela qual não cabe estipulação de multa
68
ou de cláusula de garantia por seu descumprimento, ou a fixação de qualquer tipo
de medida compensatória ou reparatória.
O Ato 398 prevê a participação do Conselho Municipal temático na formali-
zação do Protocolo (art. 8º, § 2º). Na defesa do patrimônio público, é relevante que
ações pactuadas com a Administração contemplem a participação das controlado-
rias internas, procuradores e entidades da sociedade civil (ex., Observatórios So-
ciais) vinculados à implementação da nova política.
Já o PA de Projetos pode auxiliar na consecução dos objetivos estabelecidos
no Planejamento Estratégico do MPSC. Sua finalidade precípua é documentar e
sistematizar projetos desenvolvidos pelos órgãos de execução, possibilitando me-
lhor gerenciamento e continuidade das iniciativas. Assim, por exemplo, caso a Pro-
motoria desenvolva o Projeto Cultivando Atitudes, poderá acompanhar seu desen-
volvimento por meio deste instrumento, registrando as ações realizadas, de forma
a permitir a continuidade do projeto quando da alteração da titularidade da Promo-
toria. A Gerência de Informações e Projetos do MPSC auxiliará os Promotores de
Justiça na construção de iniciativas próprias, materializadas em Termo de Abertura
do Projeto.
69
de um instrumento sumário e desburocratizado. Cita-se:
O procedimento investigatório criminal é instrumento sumário e desburo-
cratizado de natureza administrativa e investigatória, instaurado e presidido
pelo membro do Ministério Público com atribuição criminal, e terá como
finalidade apurar a ocorrência de infrações penais de iniciativa pública, ser-
vindo como preparação e embasamento para o juízo de propositura, ou
não, da respectiva ação penal.
70
Os atos instrutórios estão previstos no art. 9º do Ato 397 e vige, aqui, ampla
liberdade na produção probatória. Além dos poderes constitucionais de requisição e
notificação, o Ato menciona a possibilidade de o Promotor determinar a realização
de vistorias e inspeções (I), acessar bancos de dados de caráter público ou relativos
a serviços de relevância pública (X) e requisitar auxílio de força policial, inclusive
para execução de diligências (XI).
Nenhuma autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de
função pública poderá opor ao Ministério Público, sob qualquer pretexto, a exceção
de sigilo, ressalvadas as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição. Assim,
informações cadastrais não resguardadas pela reserva de jurisdição podem ser re-
quisitadas diretamente. As respostas às requisições deverão ser encaminhadas,
sempre que assim determinado, em meio informatizado. O prazo geral para cumpri-
mento é de até 10 (dez) dias úteis (art. 9º, § 3º).
É possível a realização de depoimentos e interrogatórios na forma audiovi-
sual. Ressalvadas as hipóteses de urgência, as notificações devem ser efetivadas
com antecedência mínima de 48 horas. A missiva deve mencionar o fato investigado
e a faculdade de o notificado fazer-se acompanhar por defensor.
71
Permite-se a realização da oitiva de testemunhas ou informantes por outros
servidores da Instituição, policiais civis, militares ou federais, guardas municipais
ou qualquer outro servidor público que tenha como atribuições fiscalizar atividades
cujos ilícitos possam também caracterizar delito (art. 14). Qualquer que seja o re-
quisitado para cumprimento da diligência, esta deve cumprir os seguintes critérios:
72
com a sua documentação nos autos principais somente após sua conclusão, se for
o caso, a fim de resguardar o sigilo. No SIG-MP, o anexo autônomo é um cadastro
do tipo 07. (xxx), criado especificamente para esse fim.
O Ato 397/2018/PGJ, em respeito à Súmula Vinculante 14 do STF, previu o
acesso do defensor aos autos, sendo que as previsões constantes nos §§ 3º a 6º do
art. 11 seguem as determinações da Resolução 181/CNMP (art. 9º):
73
G-MP, o anexo autônomo é cadastro do tipo 07. (xxx), criado especificamente para
esse fim.
Essa investigação autônoma pode prosseguir mesmo após o ajuizamento da
ação penal derivada da investigação principal, até que ultimadas as diligências de
persecução patrimonial. Caso a investigação sobre a materialidade e a autoria da
infração penal já esteja concluída, procedimento investigatório específico poderá
ser instaurado com o objetivo principal de realizar a persecução patrimonial.
Uma relevante inovação do Ato 397/2018/PGJ foi o acordo de não persecução
penal, instrumento que se aproxima do instituto plea bargaining utilizado em vários
países como instrumento negocial entabulado com autores de infrações criminais. O
Ato disciplina o instituto de forma convergente ao Capítulo VII da Resolução 181 do
CNMP.
O acordo será formalizado nos autos, com a qualificação completa do in-
vestigado, e estipulará de modo claro suas condições, eventuais valores a serem
restituídos e as datas para cumprimento, e será firmado pelo membro do Ministério
Público, pelo investigado e por seu defensor. Os autos deverão ser submetidos à
homologação judicial. Se o magistrado considerar o acordo cabível e as condições
adequadas e suficientes, devolverá os autos ao Ministério Público para sua imple-
mentação - circunstância que impõe a fiscalização do cumprimento dos termos do
acordo ao Ministério Público. Se o magistrado considerar incabível o acordo, bem
como inadequadas ou insuficientes as condições celebradas, fará remessa dos au-
tos ao Procurador-Geral de Justiça, que poderá adotar as seguintes providências:
74
mento da investigação. Descumprido o acordo, no prazo e nas condições estabele-
cidas, ou não observado o dever de comunicação de alteração de endereço ou de
dados de comunicação, o membro do Ministério Público deverá, se for o caso, ime-
diatamente, oferecer denúncia. O descumprimento do acordo de não persecução
pelo investigado também poderá ser utilizado pelo membro do Ministério Público
como justificativa para o eventual não oferecimento de suspensão condicional do
processo (art. 23, §§ 9º a 11).
Os requisitos normativos para celebração do acordo estão previstos no art.
23, caput, e § 1º:
75
Além dos requisitos atinentes à pessoa do autor do delito e das caracterís-
ticas do crime, a normativa aplicável também disciplina as condições do acordo,
fixadas de forma cumulada ou alternativa:
76
4. TÉCNICAS DE
INVESTIGAÇÃO E
PROVAS
77
Após traçar as principais características dos instrumentos formais de investi-
gação à disposição do Ministério Público, importa agregar ao Manual tópicos espe-
ciais concernentes à finalidade dos instrumentos ministeriais, ou seja, a produção
de investigações efetivas. Para tanto, o presente Capítulo aborda técnicas de inves-
tigação e de condução do procedimento inquisitivo e os principais meios de prova
empregados pelo Ministério Público.
78
dade da investigação, questionando-se quais resultados poderão ser alcançados
a partir da intervenção ministerial. Algumas vezes, procedimentos são instaurados
para averiguar fatos descritos em representações que, comprovados ao final da
apuração, não viabilizam qualquer forma de atuação do Ministério Público, em con-
siderável desperdício de tempo e recursos. Portanto, pressuposto lógico a uma boa
investigação é a precisa consciência acerca de quando atuar.
Quando se inicia uma investigação, deve-se ter em vista o objetivo final por
meio de algumas perguntas simples:
Não se está a afirmar que, logo no início do feito, deva o membro do Minis-
tério Público ter respostas a todas essas perguntas. Do contrário, se assim fosse,
desnecessária seria a investigação. Esses questionamentos, presentes em todas
as fases do procedimento, devem ser o mapa, o roteiro do investigador, constante-
mente submetido à revisão. Sabe-se que um procedimento aparentemente simples,
após algumas diligências, pode tornar-se uma complexa e ramificada investigação,
sem que o representante do Parquet possa prever tais desdobramentos desde o
início. Não obstante a ausência de previsibilidade, é fundamental que haja um ob-
jetivo delimitado e que o investigador esteja preparado para ampliar os horizontes
investigativos se necessário – no mesmo procedimento, mediante aditamento da
portaria inaugural, ou em autos apartados.
A experiência mostra que, para manter esse planejamento dentro do controle
adequado, os procedimentos – seja o Inquérito Civil (IC), para apurar possível ato
de improbidade, seja o Procedimento Investigatório Criminal (PIC), para desvendar
supostos crimes contra a Administração Pública – devem ter um objeto específi-
co e delimitado, imprescindível inclusive para eventual controle, a posteriori, do
79
arquivamento do feito. Entre os apontamentos feitos pelos membros do Conselho
Superior do MPSC a respeito dos principais problemas nos procedimentos inqui-
sitivos ministeriais, a vagueza das portarias de instauração é um dos temas mais
recorrentes. É totalmente desaconselhável, por exemplo, a instauração de procedi-
mentos com assuntos genéricos, tais como: “Apurar irregularidades nas licitações
do Município X”.
Isso porque, por maior que seja o esforço do investigador, mostra-se inviável
a instauração sem justificativa e com objeto vasto em busca de hipotéticas irregu-
laridades. É necessário foco e delimitação de objetivos, até para avaliação ulterior
quanto ao sucesso do procedimento. A pesquisa deve ser refinada e restrita à deter-
minada área, sem prejuízo de expansão posterior depois que as primeiras notícias
de irregularidades forem constatadas.
Tal assertiva não impede a instauração de procedimentos para apuração de
irregularidades, específicas ou “despersonalizadas”, ainda não restritas a um fato,
como são, por exemplo, inquéritos destinados a apurar a ocorrência de práticas de
nepotismo na Administração, ou, ainda, avaliar a atuação do sistema de controle in-
terno ou os mecanismos de fiscalização de contratos. Atente-se, nestes casos, que,
conquanto ainda não haja um fato ilícito presente, há a precisa delimitação do tema
e a fixação de uma hipótese, que poderá ser confirmada ao final do feito.
Assim, é preciso que se definam quais irregularidades ou setores estão sendo
investigados, um lastro material específico e, sempre que possível, uma delimitação
de tempo. Assim, à guisa de exemplo, no caso acima mencionado sobre licitações,
formas mais adequadas de delimitação do objeto seriam: “Apurar possível fracio-
namento de despesa para dispensa de licitação nas contratações da empresa X
pelo Município Y no ano de Z” ou “apurar possíveis violações ao art. 24, II, da Lei
8.666/93 nas compras diretas de material de construção no quadriênio X no Muni-
cípio Y”.
Definida a premissa inicial, cumpre discorrer sobre os questionamentos an-
teriormente levantados de modo a esclarecer sua real importância. A primeira per-
gunta que deve nortear a avaliação inicial do membro do Ministério Público sobre
o caso concreto é: O que é possível desvendar com essa investigação, a partir da
80
identificação de seu objeto? Significa avaliar a utilidade da apuração, considerando
as nuances concretas do objeto definido.
No exemplo trazido, a resposta parece simples: o descumprimento do limite
legal para compra direta. A Constituição Federal determina que todas as compras
da Administração devem ser feitas mediante procedimento licitatório, salvo nas ex-
ceções previstas em lei (art. 37, XXI). Ao regular essas exceções, a Lei de Licitações
estabelece uma série de hipóteses, entre elas compras de valor até 10% do limite
previsto para licitações na modalidade convite que não sejam obras ou serviços
de engenharia, desde que não se refiram a parcelas de um mesmo serviço (arts.
23, II, “a”, e 24, II, Lei 8.666/93). Contudo, comumente, diversos entes municipais
excedem o limite sob os mais diversos argumentos, fracionando suas compras e
beneficiando certos fornecedores.
Assim, nesse caso, a investigação deverá buscar desvendar se há ou não
compra em valor superior ao limite legal e quais foram as circunstâncias dessas
aquisições e, principalmente, o elemento subjetivo dos agentes – dolo ou culpa.
Pretende-se, portanto, descobrir se a Constituição Federal, a Lei 8.666/93 e os prin-
cípios da legalidade, da impessoalidade e da moralidade estão sendo respeitados e
avaliar a motivação dos indivíduos relacionados ao fato.
Se a resposta ao questionamento for esclarecer fato ou circunstância que não
configure ofensa ou ilícito que justifique a atuação do Ministério Público na área da
moralidade administrativa (art. 3º, I, Ato 486/2017/PGJ), não há justa causa para o
início da investigação, devendo ser arquivada de plano a documentação ou enca-
minhada para quem possua atribuição (no mesmo ou em outro ramo do Ministério
Público ou a outro órgão distinto).
Esse filtro prévio à instauração de procedimentos investigativos ganhou re-
levância em razão da abertura de nossa Instituição a representações oriundas da
comunidade. O papel da Ouvidoria do MP, a interação com outras instituições e o
conhecimento crescente da população acerca das atividades do Ministério Público
provocaram, nos últimos anos, o aumento exponencial das representações dirigidas
às Promotorias de Justiça. Avaliar os fatos noticiados e ponderar cuidadosamente
a necessidade de abertura de investigação são providências indispensáveis para
81
racionalização dos trabalhos do Ministério Público.
82
rifique a utilização de meios especiais de investigação, de caráter sigiloso, será por
certo necessário complementar a representação original com informações adicio-
nais e lastro documental. Como proceder?
Mesmo que as respostas a essas perguntas não sejam definitivas, pois pode-
rão mudar à medida que a investigação tomar rumo, essa avaliação inicial é impor-
tante para definição das primeiras estratégias, como a escolha do procedimento a
ser instaurado (PP ou IC e/ou PIC); o esboço das pesquisas e a definição de quais
diligências iniciais serão adotadas e a verificação da possível necessidade de de-
cretação do sigilo de todo o procedimento ou, se for o caso, somente de determina-
das diligências em andamento etc.
Nesse momento, de acordo com o objeto da investigação, sua gravidade e
sua complexidade, é interessante avaliar a possibilidade de atuação em conjunto
com o Grupo Especial Anticorrupção (GEAC), na forma do Ato 760/2015/PGJ, e/ou
com o Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (GAE-
CO), na forma do Ato 172/2016/PGJ.
83
sobre como identificar os responsáveis.
Seguindo o exemplo em questão, a estrutura administrativa dos Municípios,
em geral, conta com um Setor de Licitações, o qual normalmente está vinculado a
determinada Secretaria Municipal. Não obstante, as compras diretas, contínuas,
das demais Secretarias Municipais que não ultrapassam o limite legal (art. 24, I e
II, Lei 8.666/93) algumas vezes são feitas isoladamente e sem comunicação entre
os órgãos. Deve-se, portanto, analisar em qual Secretaria estão sendo efetuadas
essas compras e de quem partiram as ordens para aquisição dos bens, isto é, quem
praticou as condutas, quem participou e quem, conforme o caso concreto, possuía o
domínio dos fatos e das ações praticadas. É fundamental, portanto, que se busque
averiguar a conduta de todas as pessoas que intervieram na referida compra, já
que, possivelmente, poderão fornecer informações sobre a cadeia de comando e o
elemento subjetivo que move a ação de cada um dos envolvidos.
Destaca-se, a esse respeito, um ponto fundamental: na análise dos possí-
veis agentes responsáveis pelo ilícito, deve o membro do Ministério Público atuar
com cuidadoso bom senso de modo a imputar a cada um dos investigados as con-
sequências que lhe são devidas. A prática de incluir todos os agentes da cadeia
administrativa no polo passivo de eventual ação judicial mostra-se temerária e con-
traproducente, prolongando indefinidamente o desfecho da demanda. É essencial,
pois, a análise responsável e criteriosa do elemento subjetivo, dolo e culpa, com
fundamento nas provas colhidas no curso da investigação. Não há espaço para
presunções, isto é, não basta mera suspeita, conjectura ou mesmo convencimento
íntimo do investigador, mas sim, convicção objetivamente motivada para justificar o
início da ação judicial.
O viver cotidiano na defesa da moralidade administrativa pode trazer senti-
mentos sobre a disseminação da corrupção, porém o Promotor de Justiça não se
pode deixar contagiar pela ideia de generalização. É preciso agir com responsa-
bilidade, observando criteriosamente os preceitos legais para imputação da res-
ponsabilidade, sob pena de incorrer em injustiças e até mesmo desmoralização da
atuação. No âmbito específico da imposição de sanções por ato de improbidade
administrativa, vale lembrar do conhecido preceito de que a norma não visa punir
84
o agente despreparado ou simplesmente incauto, mas sim, a conduta desonesta,
atentatória aos princípios vetores da Administração.
Erros que não caracterizam culpa grave, sem malícia do servidor, não são
abarcados pela Lei de Improbidade Administrativa, que prevê sanções relacionadas
às condutas desonestas, mas podem ser passíveis de punição no âmbito admi-
nistrativo. Por isso, uma solução justa e adequada pode ser a não instauração ou
arquivamento da investigação ministerial, com remessa de cópia ao órgão público
de origem do servidor para avaliação de eventual falta funcional.
Nesses casos, o trabalho de individualização das condutas e imputação das
respectivas responsabilidades deve ser feito com cuidado, levando em conta fa-
tores como os deveres básicos do cargo do agente; a intensidade do dolo; o grau
de conhecimento e participação na trama ilícita; a posição hierárquica e eventual
subordinação a ordens irregulares; a consciência acerca do ilícito; e a qualificação
técnica do agente. O Superior Tribunal de Justiça consolidou entendimento de que
o litisconsórcio passivo, nas ações de improbidade, é facultativo. Em muitas situa-
ções, agentes formalmente vinculados à prática irregular desconhecerão por com-
pleto o alcance e a repercussão de seus atos – como os muitas vezes desprepara-
dos membros de comissões de licitações – e auxiliarão a investigação ministerial na
qualidade de testemunhas.
É neste processo preliminar de delimitação da investigação que o Promotor
deve avaliar, também, a extensão das atividades das empresas e pessoas envol-
vidas. Não raro, ilícitos investigados em uma Comarca podem ter sido perpetrados
pelos mesmos implicados em outras cidades e regiões. Os bancos de dados dispo-
níveis ao MP permitirão dimensionar se as fraudes averiguadas possuem caráter
estadual ou nacional, o que demandará a provocação de outros órgãos do Ministé-
rio Público.
85
agente.
Nas investigações criminais, não se pode olvidar o foro por prerrogativa de
função estabelecido na Constituição Federal e sua modulação dada pelo Supremo
Tribunal Federal em maio de 2018, no julgamento da questão de ordem na Ação
Penal 937. Isto é, especial cuidado para avaliar e considerar criticamente o caso
concreto conforme as normas e jurisprudência atual sobre o assunto.
Demais disso, as consequências jurídicas são fundamentais para definir o
ferramental que estará à disposição do Promotor de Justiça durante a investigação,
além da forma de produção de prova que se mostre necessária. A medida cautelar
de interceptação telefônica, por exemplo, cabível apenas na investigação de crimes
punidos com reclusão (art. 2º, III, Lei 9.296/96), não pode ser utilizada em apura-
ções que tratem exclusivamente de crimes licitatórios (arts. 89 e ss., Lei 8.666/93),
punidos com pena de detenção. Deve ser avaliada, por exemplo, a concomitância
com outros delitos comumente presentes nessas hipóteses, como associação cri-
minosa (art. 288, CP), corrupção ativa e passiva (arts. 317 e 333, CP), concussão
(art. 316, CP), crimes contra a ordem econômica (art. 4, Lei 8.137/90) e promover,
constituir, financiar ou integrar organização criminosa (art. 2º, Lei 12.850/13).
No caso utilizado como paradigma, os consectários lógicos da violação do art.
24, II, da Lei 8.666/93 são: 1) ato de improbidade, que poderá incorrer nas modali-
dades do enriquecimento ilícito, dano ao erário ou violação a princípio, conforme o
caso concreto; e 2) crime previsto no art. 89 da Lei 8.666/93.
Por fim, deve sempre ponderar o membro do Ministério Público sobre os be-
nefícios à coletividade que sua atuação deve trazer. Por evidência, a defesa do
patrimônio público é orientada pelos princípios da indisponibilidade e da obrigato-
riedade, pelo que, diante de elementos concretos acerca do ilícito e da identificação
de seus responsáveis, deve o Promotor de Justiça adotar as medidas para res-
ponsabilização dos implicados. Todavia, conforme explanado nos Capítulos II e III,
muitas vezes a defesa do direito transindividual à gestão proba passa pelo emprego
de instrumentos extrajudiciais e judiciais não punitivos. Em situações envolvendo a
admissão irregular de servidores, por exemplo, ao lado da responsabilização dos
implicados, deve o Ministério Público preservar a prestação de serviços administra-
86
tivos fundamentais. Cabe ao Promotor de Justiça, a partir dessa ponderação, definir
as medidas judiciais a serem tomadas no caso concreto, inclusive eventuais medi-
das cautelares, e delimitar os pedidos a serem formulados nas ações principais.
Não se pode conceber a investigação como um fim em si mesmo. No caso
em comento, atinente à fraude licitatória, os benefícios da investigação são claros.
Possível recuperação de valores desviados, punição de agentes corruptos, obriga-
toriedade de a pessoa jurídica de direito público respeitar regras especificadas pelo
Poder Judiciário, com o fim de observar a Lei de Licitações, de modo a possibilitar a
participação de todos os interessados nas compras de bens pela Administração. A
presença dos órgãos de controle e a atuação eficaz do Ministério Público, inclusive
por meio de seus programas institucionais e do fomento à adoção de medidas pre-
ventivas, tendem a contribuir para o aprimoramento progressivo da gestão pública.
Seguindo essas premissas básicas, ainda que não expressas em qualquer
ato formal, o caminhar da investigação será, com certeza, mais adequado e eficien-
te. Não se pode olvidar que a missão do Promotor de Justiça é solucionar o caso
posto sob sua análise, seja no plano judicial, seja no extrajudicial, naturalmente no
âmbito de suas atribuições. O fim certo e as diligências estritamente necessárias
são o caminho para o prosseguimento adequado de uma investigação.
87
último caso, é importante especificar as informações faltantes, pois solicitações ge-
néricas de complementação em regra não trazem bons resultados.
De toda forma, deve-se evitar apenas a notificação formal do representante
para complementar as informações deduzidas, sem esclarecer o comunicante acer-
ca da necessidade do ato. Trazer informações a respeito de atos ilícitos ao conheci-
mento do Ministério Público provoca compreensível receio em muitas pessoas, não
habituadas ao cotidiano dos fóruns e à praxe das investigações. Assim, o Promo-
tor de Justiça não deve “alienar” o representante mediante exigências exageradas
quanto à documentação comprobatória de fatos, por exemplo, quando esses dados
puderem ser obtidos por diligências realizadas pela própria Promotoria de Justiça.
Ao receber a notícia sobre atos de corrupção e ilícitos administrativos, deve
ser avaliada com cautela a pertinência de, inicialmente, “solicitar informações e do-
cumentos a órgãos públicos e privados” (art. 5º, caput, Ato 395/2018/PGJ). Tal prá-
tica pode ser útil quando esclarecimentos fornecidos pelo órgão interessado ou por
terceiros desde logo elucidem o caso. No entanto, muitas vezes, em casos sensí-
veis ou complexos, atribuir prévio conhecimento da representação ao órgão público
envolvido ou a terceiro pode aniquilar futura investigação, já que, em muitas situa-
ções, haverá necessidade de decretar o sigilo, e o elemento surpresa é essencial
para o sucesso desse tipo de atuação ministerial.
Antes da instauração de Procedimento Preparatório (PP), Inquérito Civil (IC)
ou Procedimento Investigatório Criminal (PIC), de ofício ou por provocação, interes-
sante pesquisar se já existiu, ou há em curso, procedimento no âmbito do Ministério
Público, da Polícia Judiciária e do Tribunal de Contas Estadual ou ação judicial com
o mesmo assunto ou com objeto mais abrangente, atentando-se também para a
possibilidade de eventual ação civil pública ajuizada pela pessoa jurídica interessa-
da.
A busca simplificada pode ser realizada nos sistemas informatizados do Mi-
nistério Público do Estado de Santa Catarina (SIG/SIAMP), da Secretaria de Estado
da Segurança Pública (SISP), da Secretaria Nacional de Segurança Pública (SI-
NESP), do Tribunal de Contas (TCE Virtual e sítio eletrônico) e do Poder Judiciário
(SAJ e sítio eletrônico) e também em fontes abertas, pelos nomes das partes envol-
88
vidas, assunto, período e publicações de notícias na imprensa. Caso bem-sucedida,
a diligência evitará inútil dispêndio de esforços e tempo do membro do Ministério
Público.
Além do mais, é importante esse dado para definição da medida a ser adota-
da, lembrando que a existência de procedimento em curso ou já arquivado não im-
pedirá necessariamente a investigação, mediante aditamento, desarquivamento ou
instauração de novo procedimento, conforme o caso concreto, consoante dispõem
os regramentos legais e administrativos a respeito (art. 52, Ato 395/2018/PGJ; art.
25, Ato 397/2018/PGJ). Não existe, por certo, “coisa julgada” derivada do arquiva-
mento ministerial. É de relevo, inclusive, que o colega Promotor de Justiça disponha
de plena ciência a respeito das investigações instauradas e arquivadas no âmbito
da Promotoria de Justiça, mesmo antes de sua chegada à Comarca, visto que este
acervo pode revelar indícios a respeito de práticas ilícitas ainda em andamento ou
mesmo evitar desnecessário trabalho duplicado.
Não raro, interesses espúrios ou temores por represálias permeiam iniciativas
89
que levam informações sobre ilícitos aos Órgãos de Execução que atuam na tutela
da moralidade administrativa. Em algumas oportunidades, em vez de solicitar o sigi-
lo, a vontade do noticiante de omitir sua identidade é dissimulada pelo uso indevido
do nome de outra pessoa ou mesmo são utilizados nomes e dados falsos. Logo,
ainda que tais fatos não obstem a atuação do Ministério Público na investigação
do fato, é muito importante realizar pesquisa a bases de dados e fontes abertas
para averiguar a identidade do representante, confrontando nome, assinatura e ou-
tros documentos de identificação – ou notificando-o para confirmar sua identidade.
Tratando-se do uso indevido dos dados de outra pessoa ou não existindo aquela
identidade, além das possíveis providências para apuração criminal, é essencial o
registro da notícia de fato como representante anônimo. Evita-se, assim, tratar o
chamado fake como se parte verdadeira fosse a partir da prática de crime, inclusive
notificando-o dos atos realizados, valorizando ainda mais sua atuação maliciosa.
Quando a representação for entregue pessoalmente, por exemplo, é impor-
tante confirmar se quem protocola é o próprio representante ou mandatário, me-
diante o simples e rápido ato de identificá-lo por meio de cópia do documento de
identidade; quando remetida por meio postal, vale digitalizar e guardar na pasta-ar-
quivo o original da representação e o seu envelope – no qual há informações sobre
o local e data da postagem – para, se necessário futuramente, esclarecer, por meios
próprios de investigação, o verdadeiro emitente do documento.
Essas simples providências, portanto, além de desvendarem eventual prática
de crime, evitam consequências indesejáveis e danosas, como o cadastro indevi-
do no sistema informatizado, incluindo-se como representante pessoa que de fato
não é, inclusive com risco de divulgação do nome em publicações oficiais. Implica
também que a documentação seja analisada conforme a realidade, pois se trata de
representação anônima e, portanto, maiores cautelas são bem-vindas.
Além disso, quando chegar ao conhecimento do membro do Ministério Públi-
co notícia de fato ilícito civil ofensivo à moralidade administrativa ou penal que te-
nha como sujeito passivo principal ou secundário a Administração Pública, antes da
instauração de procedimento investigatório, é prudente a verificação da veracidade
da informação por meio de levantamentos preliminares. Essas diligências iniciais
90
devem buscar esclarecer a verossimilhança da informação no plano da existência
do fato.
Citando clássico precedente do Supremo Tribunal Federal no âmbito criminal,
Eugênio Pacelli bem pondera os motivos, igualmente aplicáveis para as demais hi-
póteses antecedentes à investigação cível:
É dizer: o órgão persecutório deve promover diligências para apurar se foi
ou não, ou se está ou não, sendo praticada a alegada infração penal. O que
não se deve é determinar a imediata instauração de inquérito policial sem
que se tenha demonstrada a infração penal nem mesmo qualquer indicativo
idôneo de sua existência. Em duas palavras, utilizadas, aliás, pelo Min. Cel-
so de Mello, com fundamento da doutrina de Frederico Marques, deve-se
agir com prudência e discrição, sobretudo para evitar a devassa indevida no
patrimônio moral de quem tenha disso, levianamente, apontado na delação
anônima (Curso de Processo Penal. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 57).
91
tigativos criminais e implementação de medidas cautelares com base em notícias
anônimas, desde que precedidos de diligências preliminares para averiguar mini-
mamente os fatos noticiados e avaliar a necessidade das medidas investigativas:
92
4.3 LEVANTAMENTO BÁSICO DE DADOS
93
Atualmente, o Portal do Promotor de Justiça2, inovadora ferramenta à dispo-
sição dos membros do Ministério Público, facilita sobremaneira a coleta de infor-
mações mediante navegação nos portais dos Centros de Apoio. O Painel E-Sfinge
abarca conteúdo do sistema usado pelo Tribunal de Contas do Estado de Santa
Catarina e, por meio de pesquisa fácil e lógica, permite acesso rápido às contas
públicas dos entes municipais e estaduais, trazendo detalhes úteis como compras
realizadas, contratos e empenhos. Pode-se fazer a busca por CNPJ, de modo a
indicar, por exemplo, todas as vendas diretas realizadas pela pessoa jurídica no
Estado, as licitações de que participou (ganhou ou perdeu), seus concorrentes fre-
quentes, indicando eventuais empresas de fachada e possível amplitude regional
ou estadual da irregularidade.
94
95
No final de 2018, o MPSC disponibilizou a seus Promotores acesso ao Siste-
ma de Dados Cadastrais e ao novíssimo Sistema Harpia, aplicações que permitem
a consulta unificada a mais de 20 bancos de dados federais e estaduais, tais como
a Junta Comercial, DETRAN, Receita Federal, Polícia Civil, dentre outros, com in-
96
formações valiosas para identificação e individualização de possíveis investigados,
seus acervos patrimoniais e vínculos jurídicos. Sugere-se, assim, compulsar o Guia
de Bancos de Dados do CMA e a relação do CAT já no planejamento e também na
fase de pesquisa, pois, a partir desse rol, certamente surgirão ideias antes sequer
cogitadas para otimizar a pesquisa e coletar elementos relevantes para sua inves-
tigação.
Paralelamente à pesquisa às bases de dados, instrumentos simples como as
fontes abertas disponíveis na rede mundial de computadores podem ser definitivos
na pesquisa. Além dos tradicionais sites de pesquisa (Google, Yahoo etc.), podem
ser exploradas inúmeras redes sociais com informações relevantes (Facebook, Ins-
tagram, Twitter, Flickr, Linkedin, MySpace, Pinterest, Snapchat, Youtube, WhatsApp
etc.).
O cadastro de um número de WhatsApp na lista de contatos do celular, por
exemplo, é uma maneira lícita e discreta de confirmar quem faz uso daquela linha
telefônica, informação que pode ser usada como meio de prova ao imprimir a tela do
aplicativo e, se necessário, requisitar a realização de ata notarial a respeito.
Aliás, a ata notarial é instrumento valioso nas investigações, pois, de forma
simples e rápida, pode ser requisitada pelo Ministério Público ao Tabelião, sempre
que necessário registrar fatos, atos ou circunstâncias de relevância jurídica que
passam a ter presunção de veracidade para todos os efeitos (NCPC, art. 384). Em
outras hipóteses, pode-se requisitar a emissão de certidão elaborada por servidor
público dotado de fé pública (cf. art. 11, § 13, Ato 395/2018/PGJ).
Os Portais da Transparência dos entes públicos, construídos por força da Lei
de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011), podem ser muito úteis no levantamento
de informações que ainda não estão no E-Sfinge, quando o fato investigado for re-
cente ou atual, por exemplo. Os Portais trazem dados úteis: comprovação de víncu-
lo de pessoas com a Administração, tipo de vínculo (comissionado ou efetivo), datas
de admissão e saída, remuneração, informações sobre diárias (datas, finalidades,
valores) etc. O Diário Oficial Eletrônico do Estado de Santa Catarina (http://www.
doe.sea.sc.gov.br) e o Diário Oficial dos Municípios de Santa Catarina (https://www.
diariomunicipal.sc.gov.br) também são importantes fontes de pesquisa.
97
[
98
de possível coincidência de endereços entre empresas, eventualmente evidencian-
do que há apenas uma empresa de fato.
Diversos dados sobre pessoa jurídica registrada no país podem ser obtidos
mediante rápida consulta aberta no site da Receita Federal (http://www.receita.fa-
zenda.gov.br/pessoajuridica/cnpj/cnpjreva/cnpjreva_solicitacao.asp), como as infor-
mações de data do registro da pessoa jurídica, nome empresarial, nome fantasia,
atividades econômicas principais e secundárias, natureza jurídica, endereço e en-
dereço eletrônico, telefone, situação cadastral ativa ou inativa, capital social e só-
cios atuais.
São exemplos de outros mecanismos úteis de acesso público para levanta-
mento de informações: a) busca de imagens: procurar imagens parecidas que este-
jam na rede mundial de computadores, os locais onde aquela imagem se encontra
hospedada ou nomes de pessoas/lugares/definições para aquela imagem; acessar
“Google Imagens” (images.google.com) > “Pesquisa por imagem” (símbolo de uma
câmera fotográfica) > colar URL da imagem ou fazer upload da imagem; b) consulta
de protestos: Instituto de Estudos de Protesto de Títulos do Brasil: www.ieptb.com.br;
c) consulta de postos de combustíveis autorizados pela ANP: www.anp.gov.br/pos-
tos; d) pesquisa de domínios: https://registro.br/2/whois, http://cqcounter.com/whois/,
https://www.whois.com.au/whois/; e) pesquisa da operadora de telefonia celular:
http://www.qualoperadora.net/; f) consulta IMEI: https://www.consultaaparelhoimpe-
dido.com.br/public-web/welcome; g) consulta IBGE: https://ww2.ibge.gov.br/home.
99
ser requisitadas à Polícia Civil, nos termos do art. 129, VIII, da Constituição Federal.
No âmbito da moralidade administrativa, a diligência de campo é comumen-
te utilizada na fase de verificação da procedência da informação – principalmente
quando se tratar de representação anônima –, no levantamento básico de dados e
também no curso de outros atos de investigação, por meio de ações de reconheci-
mento, vigilância e captação ambiental. Por exemplo:
4 Intranet > Sistemas > Qlikview > Portal do Promotor de Justiça > Geoanálise (com possibilidade de visualização por
meio de diferentes mapas de base, medição de áreas e inclusão de indicadores).
100
4.3 .3 Da do s Financeir os
101
Outra ferramenta que deve ser explorada é o Sistema Eletrônico de Inter-
câmbio (SEI), organizado pelo Conselho de Controle das Atividades Financeiras
(COAF), com fundamento na Lei de Lavagem de Capitais (Lei 9.613/98). Consoante
esclarecido no Guia de Bancos de Dados do CMA, o SEI “tem por objetivo permitir
o intercâmbio de informações, de maneira ágil e segura, com as autoridades com-
petentes para investigação de ilícitos penais, em especial os crimes de lavagem de
dinheiro e financiamento ao terrorismo (Lei 9.613, de 3/3/1998, parcialmente modi-
ficada pela Lei 12.683/12)” (p. 37).
Basta realizar o cadastro conforme as orientações constantes no referido Guia
e remeter a solicitação das informações financeiras por meio eletrônico (http://www.
coaf.sei.fazenda.gov.br/web_pedidos/default.asp). Normalmente, em poucos dias,
o COAF disponibiliza ao solicitante documento chamado Relatório de Inteligência
Financeira (RIF), que indica movimentações financeiras suspeitas e m relação às
pessoas investigadas, respectivos sócios e pessoas físicas e jurídicas com quem é
verificado relacionamento financeiro duvidoso.
O RIF pode ser encaminhado ex officio, ou seja, por iniciativa do COAF, ou
a partir de solicitação do membro do Ministério Público condutor da investigação. A
possibilidade de remessa do RIF diretamente pelo COAF aos órgãos de persecução
criminal sem prévia autorização judicial – espontaneamente ou por provocação –
encontra fundamento incontestável no art. 15 da Lei de Lavagem de Capitais.
Por esse motivo, a solicitação deve ser elaborada com dados precisos e deta-
lhados que demonstrem fundados indícios da prática de crime, não sendo suficien-
tes somente informações gerais como o número do procedimento e a tipificação do
delito. Para alcançar melhores resultados, o pedido deve conter, ainda que resumi-
damente, informações sobre o modus operandi, os fundados indícios da prática do
crime e outros dados que possam ser úteis para nortear o COAF na coleta de dados
de interesse da investigação.
Para elaboração do RIF, o COAF utiliza dados provenientes não apenas de
intercâmbio com outras instituições (por exemplo, Receita Federal, Ministério da
Justiça, Controladoria-Geral da União, Incra, SINESP-Infoseg etc.), mas também
de denúncias recebidas do público externo, bem como das comunicações realiza-
102
das pelas entidades relacionadas no art. 9º da Lei 9.613/98. Por isso, pode trazer
elementos importantes para a investigação, muitas vezes nem sequer cogitados na
fase de planejamento e que não poderiam ser obtidos de outra forma senão pela
avaliação das operações financeiras.
Para constatar a abrangência das movimentações financeiras comunicadas
ao COAF e avaliar sua utilidade para a investigação nesta fase inicial de levanta-
mento de dados, vale a pena a leitura do rol das entidades obrigadas (art. 9º, Lei
9.613/98) e das normativas que fixam as Comunicações de Operações em Espécie
(COE) e as Comunicações de Operações Suspeitas (COS) (http://www.coaf.fazen-
da.gov.br/menu/legislacao-e-normas e http://www.coaf.fazenda.gov.br/menu/pld-ft/
menu/pld-ft/publicacoes).
Por ser documento informativo, compreendido por alguns como decorrente
do sistema de inteligência financeira, ainda existe, na atualidade, discussão sobre
a possibilidade de utilização do RIF como fundamento para requerimentos cautela-
res no curso de investigação. Questiona-se até a possibilidade de juntada do RIF
a procedimentos investigatórios e processos judiciais. Contudo, entendimento mais
moderno e condizente com os mecanismos atuais de enfrentamento da criminalida-
de considera o RIF como peça de informação, capaz de sustentar o início de inves-
tigação e medidas judiciais tendentes a confirmar e aprofundar os fatos suspeitos
expostos nas informações apresentadas pelo COAF.
Nessa esteira, no “II Encontro Nacional do Ministério Público para a Tute-
la Penal da Administração Municipal: Crimes Praticados por Prefeitos”, organizado
pela Comissão do Sistema Prisional, Controle Externo da Atividade Policial e Se-
gurança Pública do Conselho Nacional do Ministério Público, ocorrido em 6 de abril
de 2017, foi aprovado o seguinte enunciado: “É possível a utilização do RIF (COAF)
como um elemento inicial para a investigação de delitos econômicos e conexos”5.
A 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu, por maioria, que é legal a
quebra de sigilo determinada apenas com base no relatório do COAF, ou seja, sem
necessidade de outros elementos de prova (HC 349.945/PE, Rel. Ministro Nefi Cor-
deiro, Rel. p/ Acórdão Ministro Rogerio Schietti Cruz, j. 6/12/2016, DJe 2/2/2017).
Considerando a credibilidade e a precisão das informações, mais a possibili-
5 Ver: http://www.cnmp.mp.br/portal/sistema-prisional/10257-conclusoes-do-entpam. Acesso em: 11/12/17.
103
dade de produção de prova no curso da ação penal, o Superior Tribunal de Justiça
já admitiu exclusivamente o RIF como justa causa para o oferecimento de denúncia,
afirmando expressamente que “não há nulidade em denúncia oferecida pelo Minis-
tério Público cujo supedâneo foi relatório do COAF, que, minuciosamente, identifi-
cou a ocorrência de crimes vários e a autoria de diversas pessoas” (RHC 45.207/
PA, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Rel. p/ Acórdão Min. Rogerio Schietti Cruz,
Sexta Turma, j. 26/8/2014, DJe 3/2/2015).
Contra essa decisão, foi impetrado habeas corpus no Supremo Tribunal Federal,
o qual não foi conhecido pelo relator, Min. Roberto Barroso, sob o seguinte fundamento:
[...] as peças que instruem este processo não evidenciam nenhuma ilegalidade flagrante
ou abuso de poder que autorize o acolhimento da pretensão defensiva, especialmente se
atentarmos para o fato de que ‘não é indispensável o inquérito policial para fundamentar
uma peça acusatória em processo penal, visto que o próprio Código de Processo Penal
dispõe que, reunindo o Ministério Público ou o acusador privado elementos informativos su-
ficientes para dar início à ação penal, dispensa-se a investigação policial. Não há nulidade
em denúncia oferecida pelo Ministério Público cujo supedâneo foi relatório do COAF, que,
minuciosamente, identificou a ocorrência de crimes vários e a autoria de diversas pessoas’.
Ademais, para dissentir do entendimento perfilhado nas instâncias de origem, seria neces-
sário o revolvimento de prova, inviável na via do habeas corpus (HC 126.826/PA, 3/3/2015).
104
para prova do fato ou fundamento de medida cautelar, algumas vezes é mais inte-
ressante manter os dados somente sob tutela do condutor da investigação.
105
Especial atenção para a vedação ao Promotor de Justiça expedir diretamen-
te notificações e requisições a determinadas autoridades, devendo fazer por inter-
médio do Chefe do Ministério Público (artigo 8°, § 4°, LC 75/93/ art. 26, § 1°, Lei.
8.625/93; art. 6º, § 8º, Resolução CNMP 23/07; art. 7º, §§ 6º e 7º, Resolução CNMP
181/17), matéria disciplinada no âmbito do Ministério Público de Santa Catarina:
106
início da apuração dos fatos objeto da investigação e, por certo, o acervo constituirá
prova determinante em eventual ação judicial. A Administração Pública é orientada
pelo princípio do formalismo moderado, pelo qual os atos, provimentos e procedi-
mentos de gestão, como regra, são documentados, registrados e arquivados em
meio escrito, à disposição do Ente, e, parte deles, remetidos periodicamente aos
órgãos de controle. Esse arcabouço constitui a principal fonte dos documentos bus-
cados nas investigações ministeriais, mormente em razão do peso da prova docu-
mental no sistema judiciário brasileiro.
Hoje, todavia, há outras formas rápidas e eficientes de obtenção de dados,
consoante explanado acima (item 4.3, Levantamento Básico de Dados). Em muitas
situações, não é necessário, por exemplo, requisitar, já no início da investigação, a
integralidade de procedimento administrativo, pois os dados mais relevantes estão
disponíveis em bancos de dados, especialmente no Portal do Promotor de Justiça,
no Sistema de Fiscalização Integrada de Gestão (E-Sfinge) e nos Portais de Trans-
parência dos órgãos públicos.
Por esses caminhos, podem ser alcançados, por exemplo, a íntegra do edital
da licitação e informações detalhadas sobre empenho, liquidação e pagamento.
Esses dados, muitas vezes, são suficientes para demonstrar a ocorrência ou não
do ilícito apurado ou mesmo possibilitar a continuidade da investigação, por outros
meios, como a coleta de prova oral. Contudo, deve ser avaliada, com muita cautela,
a conveniência, a necessidade e o momento para expedir requisições, sob pena de
frustrar o bom resultado da apuração.
107
mento; logo, desde o início, dar conhecimento da investigação ao suspeito ou ao
órgão público envolvido pode embaraçar a coleta de provas. Nessas situações, que
desaconselham a requisição formal de documentos, a busca pode ser relevante no
momento oportuno, especialmente quando não houver modo menos gravoso e dis-
creto para obtenção dos dados.
Considerando a natural repercussão que o cumprimento da ordem judicial em
órgãos públicos ou estabelecimentos privados provoca, recomenda-se ao Promotor
de Justiça avaliar se deve estar presente ao ato, o qual pode ser executado, confor-
me o caso, por agentes do GAECO ou da Polícia Civil ou por Oficial de Justiça. De
qualquer forma, sempre em conjunto com o executor da ordem, é essencial planejar
com antecedência seu cumprimento, avaliando o local a ser visitado, os horários de
funcionamento e as pessoas que lá frequentam, solicitando a presença também, se
entender necessário, de Oficial do Ministério Público e auxiliares que possam pre-
senciar e auxiliar no cumprimento da diligência. Diante da possibilidade de represá-
lias ou de impedimento à diligência, a força policial pode ser previamente acionada.
No momento da execução, de modo a racionalizar os trabalhos, sugere-se
que a avaliação prévia do material seja feita no próprio local da busca, promoven-
do-se o recolhimento apenas do material relevante para investigação. Deve ser ela-
borada certidão circunstanciada a detalhar o cumprimento da medida e quais bens
foram apreendidos, atentando-se para o registro cuidadoso da cadeia de custódia.
Uma vez na posse de documentos, por exemplo, sugere-se promover a digitaliza-
ção imediata das peças mais relevantes, a análise e, sempre que possível, a devo-
lução dos originais. A devolução do material apreendido deve ser acompanhada de
relatório minucioso e certidão descritiva.
108
perquirição.
A identificação espontânea de possíveis testemunhas pelo próprio condutor
da investigação é uma forma útil e isenta de esclarecer os fatos. É interessante
avaliar se existem pessoas sem relação com os envolvidos, mas que podem es-
clarecer circunstâncias, como, por exemplo, servidores públicos concursados que
já atuaram no mesmo setor do ente público em que os fatos se desenvolveram ou
membros da comissão de licitação.
Nos procedimentos extrajudiciais, aplicam-se as regras processuais gerais
sobre a admissão de pessoas como testemunhas, impedimentos e suspeições pre-
vistas no Código de Processo Civil e no Código de Processo Penal. Por isso, na
instrução de Inquérito Civil, Procedimento Preparatório ou Procedimento Investi-
gatório Criminal, merecem especial atenção do membro do Ministério Público as
disposições legais que tratam da matéria de forma diferente, especialmente quanto
ao compromisso de falar a verdade (arts. 442 a 449, CPC e arts. 202 a 225, CPP).
Vale destacar que, no processo penal, é relevante que a testemunha esclareça as
relações com qualquer das partes (art. 203, caput, CPP).
Sendo o caso, a testemunha deve ser alertada acerca do dever de dizer a
verdade e não omitir dados de relevo para a investigação, sob pena de cometimen-
to de delito (art. 342, CP). Antes da inquirição sobre os fatos em si, observados os
regulamentos próprios inclusive quanto ao registro audiovisual dos depoimentos
(arts. 17 a 22, Ato 395/2018/PGJ e art. 11, Ato 397/2018/PGJ), recomenda-se que a
testemunha seja instada a esclarecer sua ocupação profissional e, em se tratando
de agentes públicos – para auxiliar na delimitação das responsabilidades –, a ex-
plorar seu conhecimento sobre a estrutura administrativa do ente público, buscando
esclarecer as funções, os vínculos e os relacionamentos dos investigados também
servidores públicos.
109
ma ser produtivo para o esclarecimento dos fatos. Na audiência, os fatos podem ser
mais bem esclarecidos por perguntas sequenciais e correspondentes às respostas
apresentadas.
Ademais, a experiência indica que é útil antecipar possível tese defensiva e
que, nesse momento, há grande possibilidade de surgir novo e inesperado viés na
investigação, com a apresentação de outros fatos, circunstâncias e pessoas, a mu-
dar o rumo e o foco da apuração. É possível, até mesmo, a confissão e o início de
tratativas para eventual colaboração premiada. Também na inquirição do investiga-
do, é fundamental buscar esclarecimentos sobre as atribuições de seu cargo, seus
deveres funcionais e a estrutura administrativa do ente público.
Oportunizar ao investigado a apresentação de defesa é cuidado relevante
para evitar o cometimento de possível injustiça, pois – por mais que o exame das
proas até então produzidas possa indicar a participação de determinada pessoa –
fatos e provas por ela apresentados podem convencer o investigador em sentido
diametralmente oposto e/ou demonstrar ausência de má-fé ou mesmo o não envol-
vimento do implicado na trama.
O membro do Ministério Público deve combater a corrupção ponderando vi-
gor e zelo, ser firme e também cauteloso, ajuizar ações não quando convencido inti-
mamente, mas conforme os elementos de prova existentes nos autos. É essencial a
análise responsável e criteriosa dos fatos – como dito anteriormente, não há espaço
para presunções –, por isso, a oitiva do investigado mostra-se medida de equidade.
Em regra, o melhor momento para oitiva do investigado é ao final da investi-
gação, quando o membro do Ministério Público já está de posse das informações
pertinentes ao fato e, com isso, poderá explorar melhor os fatos e formular os ques-
tionamentos com mais detalhes, objetividade e eficiência.
110
Lei do Crime Organizado (art. 3º, VI, Lei 12.850/13).
É providência admissível em qualquer fase da persecução, sendo mais comu-
mente utilizada na fase extrajudicial, depois do levantamento dos dados financeiros
(cf. item 4.3.3) e outros atos instrutórios. Também pode ser bastante útil requerimen-
to cautelar no curso da ação judicial cível ou criminal, quando surgirem elementos
que indiquem que determinado dado pode ser capaz de elucidar o fato em voga.
De qualquer forma, por precaução, é importante sempre avaliar com cautela
a adequação da medida e fundamentar o requerimento sob o ponto de vista da ne-
cessidade, considerando que há entendimento minoritário quanto à impossibilidade
de pedido cautelar sem a realização prévia de outros atos de investigação, o que
ocasionaria a nulidade da prova. Nesse sentido: HC 191.378/DF, Rel. Ministro Se-
bastião Reis Junior, 6ª Turma, j. 15/9/2011, DJe 5/12/2011. Em sentido contrário, HC
349.945/PE, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, Rel. p/ Acórdão Ministro Rogerio Schietti
Cruz, j. 6/12/2016, DJe 2/2/2017.
O acesso aos dados bancários, fiscais e financeiros é relevante também para
a efetivação da medida de ressarcimento ao erário, talvez um dos mais importantes
resultados almejados na tutela jurídica da probidade administrativa. Portanto, mes-
mo nos casos mais simples, é prudente que o membro do Ministério Público avalie a
pertinência de buscar a quebra dos sigilos – de fatos passados ou em tempo real – e
realizar levantamento patrimonial concomitante com a apuração do fato ou paralela-
mente, quando aventar a possibilidade da prática de lavagem de dinheiro.
As informações relativas a operações bancárias, fiscais e financeiras são pro-
tegidas por sigilo em vista dos direitos constitucionais à intimidade, à vida privada e
à inviolabilidade dos dados (art. 5º, X e XII, CF). Todavia, é evidente que tais direitos
são relativos à medida que não podem constituir salvaguarda para práticas ilícitas.
Assim, podem ser quebrados, quando necessário, para proteção e promoção de ou-
tros direitos constitucionais igualmente relevantes, dentre os quais o direito coletivo
à preservação do patrimônio e à responsabilização criminal dos delinquentes.
O Ministério Público é parte legítima para requerer a quebra dos sigilos ban-
cário, fiscal e financeiro na defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos
interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127, CF). A legislação infraconsti-
111
tucional é clara ao prever que a autoridade judiciária poderá decretar a quebra dos
sigilos bancário (art. 1º, § 4º, Lei Complementar 105/2011), fiscal e financeiro (art.
198, § 1º, I, Código Tributário Nacional).
Matéria de relevo é a ausência de restrições relativas ao sigilo bancário nas mo-
vimentações financeiras realizadas por órgãos públicos. Tratando-se de patrimônio
público, aplicam-se os princípios da Administração Pública (CF, art. 37), especialmen-
te a publicidade e a moralidade, o que elide a proteção à intimidade, que é garantia
constitucional das pessoas naturais. Merecem destaque os seguintes precedentes:
Supremo Tribunal Federal
DIREITO ADMINISTRATIVO. CONTROLE LEGISLATIVO FINANCEIRO. CONTROLE EX-
TERNO. REQUISIÇÃO PELO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO DE INFORMAÇÕES
ALUSIVAS A OPERAÇÕES FINANCEIRAS REALIZADAS PELAS IMPETRANTES. RECU-
SA INJUSTIFICADA. DADOS NÃO ACOBERTADOS PELO SIGILO BANCÁRIO E EMPRE-
SARIAL. 1. O controle financeiro das verbas públicas é essencial e privativo do Parlamento
como consectário do Estado de Direito (IPSEN, Jörn. Staatsorganisationsrecht. 9. Auflage.
Berlin: Luchterhand, 1997, p. 221). 2. O primado do ordenamento constitucional democrá-
tico assentado no Estado de Direito pressupõe uma transparente responsabilidade do Es-
tado e, em especial, do Governo. (BADURA, Peter. Verfassung, Staat und Gesellschaft in
der Sicht des Bundesverfassungsgerichts. In: Bundesverfassungsgericht und Grundgesetz.
Festgabe aus Anlass des 25jähringe Bestehens des Bundesverfassungsgerichts. Weiter
Band. Tübingen: Mohr, 1976, p. 17.) 3. O sigilo de informações necessárias para a pre-
servação da intimidade é relativizado quando se está diante do interesse da sociedade de
se conhecer o destino dos recursos públicos. 4. Operações financeiras que envolvam
recursos públicos não estão abrangidas pelo sigilo bancário a que alude a Lei Com-
plementar nº 105/2001, visto que as operações dessa espécie estão submetidas aos
princípios da administração pública insculpidos no art. 37 da Constituição Federal.
Em tais situações, é prerrogativa constitucional do Tribunal [TCU] o acesso a informações
relacionadas a operações financiadas com recursos públicos. 5. O segredo como “alma do
negócio” consubstancia a máxima cotidiana inaplicável em casos análogos ao sub judice,
tanto mais que, quem contrata com o poder público não pode ter segredos, especialmente
se a revelação for necessária para o controle da legitimidade do emprego dos recursos
públicos. É que a contratação pública não pode ser feita em esconderijos envernizados por
um arcabouço jurídico capaz de impedir o controle social quanto ao emprego das verbas
públicas. 6. “O dever administrativo de manter plena transparência em seus comportamen-
tos impõe não haver em um Estado Democrático de Direito, no qual o poder reside no povo
(art. 1º, parágrafo único, da Constituição), ocultamento aos administrados dos assuntos
que a todos interessam, e muito menos em relação aos sujeitos individualmente afetados
por alguma medida.” (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo.
27ª edição. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 114) (MS 33340, Relator(a): Min. LUIZ FUX,
Primeira Turma, julgado em 26/05/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-151 DIVULG 31-
07-2015 PUBLIC 03-08-2015).
112
as informações referentes a contas bancárias destinadas exclusivamente ao repasse e à
movimentação de verbas públicas federais, no prazo de 10 (dez) dias (art. 8°, § 1°, da Lei
7.347/85), prorrogáveis a critério do órgão ministerial”. II - O recurso especial versa sobre
decisão do Tribunal a quo que reformou decisão do juízo monocrático, ao reconhecer a ile-
gitimidade do Ministério Público Federal para requisitar diretamente à instituição financeira
as informações preservadas pelo sigilo bancário. Alega-se violação ao disposto no art. 1º,
§ 4º, da Lei Complementar 105/2001, posto que o dispositivo não proíbe o parquet de re-
quisitar diretamente às instituições financeiras as informações bancárias relativas a contas
destinadas, exclusivamente, a repasses de verbas públicas. III - A temática diz respeito à
legitimidade do Ministério Público para requisitar a quebra do sigilo de contas públicas sem
autorização judicial. IV - Conforme entendimento pacificado pelo Superior Tribunal de
Justiça, é possível a quebra do sigilo bancário, sem autorização judicial, quando se
tratar de interesse público e defesa do patrimônio público. Precedentes: HC 308.493/
CE, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 20/10/2015,
DJe 26/10/2015; RMS 31.362/GO, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado
em 17/8/2010, DJe 16/9/2010. V - Reconhece-se a legitimidade do Ministério Público para
requisitar diretamente às instituições financeiras as informações bancárias relativas à mo-
vimentação de recursos públicos. VI - Agravo interno improvido. (AgInt no REsp 1650853/
AL, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 7/11/2017, DJe
10/11/2017)
113
sa e simplifica o acesso aos dados. O resultado da quebra pode ser retrabalhado
pelos aplicativos usados no Portal do Promotor de Justiça, com fácil visualização
das informações transmitidas pelos bancos, inclusive por gráficos.
A utilização do SIMBA torna muito prática a postulação quanto à complemen-
tação de informações, pois não será preciso acionar novamente o Poder Judiciário.
Com uma prévia autorização judicial, a equipe do Lab-LD pode realizar o pedido de
documentação suporte das movimentações financeiras diretamente ao banco ou à
cooperativa de crédito, como a remessa de microfilmagem de cheque (permitindo
identificar informações anotadas na frente e no verso do cheque, letra, assinatura,
endosso etc.) e a exibição de fita de caixa (contendo o histórico das transações
realizadas em determinado dia e horário durante um mesmo atendimento bancário,
capaz de esclarecer, por exemplo, se, após um saque em dinheiro, houve, na mes-
ma oportunidade, depósito em outra conta bancária e quem foi o beneficiário).
A quebra do sigilo fiscal permite acesso aos dados em poder das Receitas
Federal, Estadual e Municipal. A depender do objeto da investigação e das pessoas
envolvidas, a escolha desse meio de prova e o momento de realizá-lo podem causar
embaraço à instrução ou mesmo quebra do sigilo, pois a requisição de informações
fiscais pode ser direcionada justamente ao órgão a que o investigado está vinculado
ou com o qual possui relações próximas.
A Receita Federal gerencia uma série enorme de dados que podem ser úteis
para apuração de atos de corrupção e para garantir a efetividade das sanções apli-
cadas. Não somente as instituições financeiras mas também as pessoas físicas e
diversas categorias de pessoas jurídicas, públicas e privadas, são obrigadas a for-
necer informações fiscais à administração tributária da União, sobre elas próprias e
terceiros.
A legislação da Receita Federal que regulamenta e especifica essas obriga-
ções é bastante dinâmica, pois constantemente há alterações na nomenclatura e
nas informações a serem prestadas. Portanto, já na fase inicial de planejamento da
investigação e antes do requerimento judicial, sugere-se consultar o site da Receita
Federal, onde consta o rol atualizado das obrigações, para levantar os dados de
interesse para a investigação7.
7 http://idg.receita.fazenda.gov.br/acesso-rapido/legislacao/legislacao-por-assunto/legislacao-por-assuntos Acesso em:
114
O Dossiê Integrado da Receita Federal consolidava grande parte das infor-
mações, porém, com o passar dos anos, alguns dados foram excluídos do sistema
ou não mais foram atualizados. Por essa razão, não é mais suficiente postular ao
Juízo que determine somente a remessa do Dossiê Integrado, sob pena de algumas
informações relevantes não chegarem ao conhecimento do investigador.
Portanto, para evitar omissão de dados, propõe-se requerimento nos seguin-
tes termos:
“[...] a quebra do sigilo fiscal dos requeridos identificados no quadro abaixo, a fim de que
a) a Receita Municipal de * encaminhe; b) a Receita Estadual encaminhe ; e c) a Receita
Federal encaminhe todos os dados existentes em sua base de dados sobre os investigados,
nos formatos .pdf pesquisável e .xls, quando constarem na condição de declarante ou na
declaração apresentada por terceiro, referentes aos anos-calendários * e * [delimitar o pe-
ríodo da investigação por ano], incluindo * [conforme o caso concreto, especificar os dados
imprescindíveis; ex. “a Declaração Anual do Simples Nacional (DAns) e a Declaração Anual
do Simples Nacional – Microempreendedor Individual (DASN SIMEI)”] e todos os demais
dados contidos no Dossiê Integrad”.
6/3/2018
115
A análise das operações realizadas com cartões de crédito por pessoa física
ou jurídica pode ser de grande utilidade para a investigação, pois é capaz de revelar
desde uma compra específica e um gasto elevado em período próximo ao recebi-
mento da vantagem indevida, até mesmo dispêndios habituais incompatíveis com a
renda declarada. Essas situações apontadas como exemplos não são necessaria-
mente detectadas pela quebra de sigilo bancário, uma vez que os pagamentos das
faturas podem ser feitos em dinheiro, sem transitar por conta bancária.
Na DECRED, remetida pelas administradoras de cartões de crédito à Recei-
ta Federal, somente constam a identificação do usuário do cartão e os montantes
globais mensalmente movimentados – acima de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), para
pessoas físicas, e acima de R$ 10.000,00 (dez mil reais), para pessoas jurídicas8.
Portanto, se o objetivo é identificar compras e pagamentos determinados, é impor-
8 Instrução Normativa SRF n. 341/2003.
116
tante buscar os dados diretamente com as empresas administradoras dos cartões
de crédito. Em razão da divergência existente acerca da possibilidade de requisição
direta pelo Ministério Público, especialmente considerando o expresso nos recentes
art. 17-B da Lei 9.613/98 (incluído pela Lei 12.683/12), art. 15 da Lei 12.850/13 e art.
13-B do Código de Processo Penal (incluído pela Lei 13.344/16)9, sugere-se que a
medida seja postulada judicialmente para evitar eventual decretação de nulidade e
prejuízo à investigação.
9 Art. 17-B, Lei n. 9.613/98. A autoridade policial e o Ministério Público terão acesso, exclusivamente, aos dados cadas-
trais do investigado que informam qualificação pessoal, filiação e endereço, independentemente de autorização judicial,
mantidos pela Justiça Eleitoral, pelas empresas telefônicas, pelas instituições financeiras, pelos provedores de internet
e pelas administradoras de cartão de crédito; art. 15, Lei n. 12.850/13. O delegado de polícia e o Ministério Público terão
acesso, independentemente de autorização judicial, apenas aos dados cadastrais do investigado que informem exclusi-
vamente a qualificação pessoal, a filiação e o endereço mantidos pela Justiça Eleitoral, empresas telefônicas, instituições
financeiras, provedores de internet e administradoras de cartão de crédito; art. 13-A, CPP. Se necessário à prevenção e
à repressão dos crimes relacionados ao tráfico de pessoas, o membro do Ministério Público ou o delegado de polícia po-
derão requisitar, mediante autorização judicial, às empresas prestadoras de serviço de telecomunicações e/ou telemática
que disponibilizem imediatamente os meios técnicos adequados – como sinais, informações e outros – que permitam a
localização da vítima ou dos suspeitos do delito em curso.
Em sentido contrário muito bem fundamentado, defendendo o poder requisitório do Ministério Público: “Não há
previsão legal expressa a respeito de eventual obrigatoriedade de manutenção de sigilo em relação às operações reali-
zadas através das administradoras de cartões de créditos. A Lei n. 4.595/64 refere-se a ‘Instituições Financeiras’ – e as
Administradoras de cartões não o são. Há que se considerar então que elas não têm a mesma natureza das operações
bancárias. As transações realizadas por instituições financeiras são caracterizadas pelo ingresso e saída de dinheiro ou
aplicações e resgates no mercado financeiro. Já as operações realizadas através da utilização dos cartões de crédito
decorrem sempre de aquisição de produtos com pagamento a posteriori e/ou a prazo. Referem-se, portanto, à concessão
de linha de crédito que não é prestada por Instituição Financeira, mas por Entidades privadas diversas. Tampouco há sigi-
lo protegido pela intimidade das pessoas decorrente da aquisição de produtos. Por tudo isso, não se justifica a aplicação
por analogia do artigo 38 da Lei n. 4.595/64 para as operações realizadas por intermédio dos cartões de crédito, o que
torna desnecessária a ordem judicial e viabiliza a sua requisição direta do Ministério Público nos termos do artigo 26, I
e II, da Lei n. 8.625/93. Por outro lado, ainda que se considere comparável a situação das instituições financeiras e das
administradoras de cartões de créditos, a fundamentação acima referida com relação às pessoas físicas elimina qualquer
dúvida a respeito da possibilidade de o Ministério Público, com base na sistemática legislativa atual, ter poderes para
requisitar-lhes qualquer informação a respeito de operações, transações, dados cadastrais etc.” (MENDRONI, Marcelo
Batlouni. Crime Organizado: aspectos gerais e mecanismos legais. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 237).
117
Na interceptação telemática, a ordem judicial deve ser dirigida ao provedor
que administra o conteúdo, que cria uma “conta-espelho”, a qual passa a ser aces-
sada pelo investigador, possibilitando o acesso em tempo real às mensagens troca-
das, mas sem possibilidade de manipular o conteúdo.
Modo interessante de se descobrir o endereço de e-mail utilizado para trata-
tivas ilícitas é pesquisar dados cadastrais dos investigados nos bancos abertos e
fechados disponibilizados ao Ministério Público ou mesmo requisitar o cadastro a
118
determinadas entidades – como companhias aéreas e empresas de milhagens, pois
o endereço eletrônico comumente é aquele acessado pelo agente com maior prati-
cidade no smartphone e utilizado para armazenamento e apresentação dos cartões
de embarque em viagens aéreas.
A captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos é
meio especial de obtenção de prova previsto expressamente no art. 3º, II, da Lei
12.850/13. Pode ser implementada com o apoio do GAECO ou de agentes da polí-
cia judiciária, conforme avaliação do condutor da investigação.
Sobre a captação ambiental, é importante pontuar as três hipóteses relacio-
nadas pela doutrina:
119
das como provas processuais lícitas, podem servir como notitia criminis, impondo
às autoridades responsáveis o dever-poder de investigar” (STF, HC 87.341/PR, rel.
Min. Eros Grau, j. 07/02/2006); e b) Escuta ambiental e gravação ambiental: se o
agente demonstrar justa causa para proceder – sozinho ou com a ajuda de terceiro
– à captação de imagem/som ou mesmo estiver sob o amparo de alguma excluden-
te de ilicitude, a prova é admitida sem prévia autorização judicial.
Não somente a interceptação em tempo real das comunicações telefônicas e
telemáticas mas também o acesso aos registros passados podem ser de extrema
relevância na atividade investigatória de natureza cível ou criminal.
Os registros telefônicos atestam todas as ligações feitas pelo usuário no pe-
ríodo, recebidas e efetuadas, os interlocutores e a Estação Rádio Base (ERB) que
foi utilizada para a conexão com a companhia telefônica. Assim, a análise desses
dados, por exemplo, pode demonstrar contatos entre pessoas que alegam total des-
conhecimento ou mesmo apontar a posição do implicado em determinado momento
crucial do enredo ilícito investigado, indicando, por exemplo, que duas pessoas en-
contravam-se na mesma região da cidade em determinado dia e horário.
O acesso às localizações – atualmente realizado por meio das ERBs – pode
ser a peça faltante para confirmar o relato de uma testemunha ou corroborar a nar-
rativa apresentada pelo investigado no curso da colaboração premiada. Especial
cuidado merecem os possíveis “falsos negativos”, pois o sistema pode não registrar
a ERB em algumas ligações; além disso, o fato de não haver registro, em ERB, em
determinado horário e local, não quer dizer que lá o alvo não esteve, pois ele pode
apenas não ter realizado/recebido qualquer chamada naquele momento.
No site da Associação Brasileira de Telecomunicações (Telebrasil10), pode ser
pesquisada, em mapa, a relação das ERBs no Brasil, identificadas por operadora e
endereço. No sistema de telefonia celular, eventualmente a ERB de uma operadora
pode ser utilizada por usuários vinculados a uma outra empresa.
No site da Associação Brasileira de Recursos em Telecomunicações (ABR Te-
lecom11), pode ser consultada a operadora atual de determinada linha, o que facilita
a investigação, especialmente a preservação do seu sigilo, se for o caso, evitando-
10 Ver: http://www.telebrasil.org.br/panorama-do-setor/mapa-de-erbs-antenas
11 Ver: http://consultanumero.abrtelecom.com.br
120
-se a requisição dos dados a todas as operadoras.
No Ministério Público de Santa Catarina, o Sistema de Investigação de Re-
gistros Telefônicos e Telemáticos (SITTEL12) pode ser utilizado pelo condutor da
investigação para operacionalizar: a) as requisições diretas de dados cadastrais às
operadoras de telefonia celular; e b) os requerimentos judiciais de quebra de sigilo
telefônico.
Assim como o SIMBA, o uso do SITTEL possibilita a obtenção ágil das infor-
mações e facilita a análise dos dados pelo membro do Ministério Público, que pode
contar ainda com o apoio da equipe do Laboratório de Tecnologia Contra Lavagem
de Dinheiro (Lab-LD). O Centro de Apoio Operacional Técnico disponibiliza na intra-
net material de apoio explicativo sobre o uso dessa importante ferramenta.
Os requerimentos de quebra de sigilo de comunicação telemática podem ser
em tempo real ou por registros armazenados e devem ser destinados ao provedor
do e-mail utilizado pelo alvo, com pedido específico quanto ao conteúdo postulado
(caixa de entrada, enviados, lixeira, rascunhos, demais pastas, arquivos anexados
etc.) e delimitação do período investigado.
121
sado” (El coimputado que colabora con la justicia penal. Revista Eletrônica
de Ciência Penal y Criminologia, n. 7-5, 2005. Disponível em: http://criminet.
ugr.es/recpc/07/recpc07-05.pdf. Acesso em 5 mar. 2015, in MASSON, Cle-
ber; MARÇAL, Vinícius. Crime Organizado. 3. ed. rev. atual. e ampl. Rio de
122
descrever toda a extensão do instituto:
[...] talvez no propósito de marcar o instituto com uma nódoa odiosa, pro-
curam assimilar a colaboração premiada a uma simples delação, lançando
sobre o colaborador a pecha de ‘delator’, ‘dedo-duro’ ou ‘alcaguete’. Esse
é um grave equívoco, que não honra a honestidade intelectual que deve
balizar o exame crítico desse polêmico instrumento processual, útil para
a sociedade e para pessoas envolvidas em graves ocorrências criminais”
(https://vladimiraras.blog/2015/01/07/a-tecnica-de-colaboracao-premiada/>
Acesso em: 6/12/17).
123
butária, Econômica e Relações de Consumo (art. 16, parágrafo único, Lei 8.137/90;
cf. Lei 9.080/95); Lei dos Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional (art. 25, §
2º, Lei 7.492/86, cf. Lei 9.080/95), Lei dos Crimes de Lavagem de Dinheiro (art. 1º, §
5º, Lei 9.613/98); Lei de Proteção às Vítimas e Testemunhas Ameaçadas (arts. 13 e
14, Lei 9.807/99); Lei de Drogas (art. 41, Lei 11.343/06); e Lei do Crime Organizado
(arts. 4º a 7º, Lei 12.850/13).
A pluralidade legislativa pode ser sintetizada no seguinte quadro:
Denunciar o bando ou
quadrilha que pratica crime
Crimes 8º, pará-
Lei 8.072/90 hediondo, tortura, tráfico ou * 1/3 a 2/3
Hediondos grafo único
terrorismo, possibilitando
seu desmantelamento.
Crimes Contra a
Coautor ou partícipe revelar
Ordem Tributária, Lei 8.137/90 16, pará-
à autoridade policial ou judi- * 1/3 a 2/3
Econômica e Con- (Lei 9.080/95) grafo único
cial toda a trama delituosa.
sumo
124
Normas Pressupostos Benefícios
Colaborar efetiva e volun-
tariamente com a investi-
gação / processo criminal
para:
I - identificação dos demais * perdão
13 coautores ou partícipes; judicial
II - localização da vítima
com a sua integridade física
preservada; e
Proteção às Víti- III - recuperação total ou
mas e Testemunhas Lei 9.807/99 parcial do produto do crime.
Ameaçadas
Colaborar voluntariamente
com a investigação / pro-
cesso criminal para: * 1/3 a 2/3
I - identificação dos demais * medidas
14 coautores ou partícipes; especiais de
II - localização da vítima segurança e
com vida; e proteção
III - recuperação total ou
parcial do produto do crime.
colaborar efetiva e volunta-
riamente para:
I - identificação dos demais
coautores e partícipes da
organização criminosa e
Antes da
das infrações penais por
sentença:
eles praticadas;
* perdão
II - revelação da estrutura
judicial
hierárquica e da divisão
* até 2/3
de tarefas da organização
* restritiva
criminosa;
de direitos
4º a 7º III - prevenção de infrações
penais decorrentes das
Depois da
atividades da organização
Crime Organizado Lei 12.850/13 sentença:
criminosa;
* até 1/2
IV - recuperação total ou
* progressão
parcial do produto ou do
sem requisi-
proveito das infrações pe-
tos objetivos
nais praticadas pela organi-
zação criminosa; e
V - localização de eventual
vítima com sua integridade
física preservada.
125
O procedimento da colaboração, positivado com a Lei 12.850/13 (Lei do Crime
Organizado), ainda é matéria tormentosa e apresenta inúmeros pontos polêmicos.
Por isso, ao tempo em que é importante acompanhar a consolidação jurisprudencial
sobre o tema, deve-se atuar em defesa da aplicação do instituto na atividade in-
vestigatória conduzida pelo Ministério Público, valorizando a colaboração premiada
como eficiente meio de enfrentamento da corrupção.
Tratando-se de instituto de direito material, a cada nova legislação trazen-
do requisitos próprios para admissibilidade e quantificação do benefício, a solução
para o conflito aparente de normas passa pelas regras de aplicação da lei penal
no tempo, conforme o critério cronológico e respeitando o princípio da especialida-
de. Portanto, “há de prevalecer a lei específica em análise conglobada com a Lei
9.807/1999 – que funciona como a normal geral material da delação premiada – e
a Lei 12.850/2013, sobretudo no que importa ao(s) crime(s) conexo(s) ao delito de
organização criminosa por natureza”14.
Quanto às regras processuais, é recomendável a aplicação dos preceitos da
Lei 12.850/13, mais recente e detalhada, a todas as hipóteses de utilização da co-
laboração premiada, ainda que não presentes na investigação as atividades de or-
ganização criminosa.
Hipótese comum ocorre quando, em decorrência da colaboração premiada,
são revelados fatos não conexos com a investigação principal e de competência
de Juízo diverso. Primeiro, deve ser observado que será competente para a ho-
mologação o Juízo mais graduado, observadas as prerrogativas de funções do
colaborador e dos delatados – e, em consequência, terá atribuição para formalizar
o acordo também o órgão do Ministério Público respectivo.
Segundo, considerando que colaboração premiada não é causa de conexão
ou prevenção, sendo os Juízos de mesma graduação, a providência ideal é atuar
em conjunto com o membro do Ministério Público com atribuição para apurar os no-
vos fatos trazidos à colação, formalizando um único termo de colaboração premiada
a ser homologado nos Juízos competentes, cada um no limite de sua competên-
cia, porém estabelecendo-se benefício único que diga respeito a todos os ilícitos
14 MASSON, Cleber; MARÇAL, Vinícius. Crime Organizado. 3. ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, São
Paulo: Método, 2017. p. 139.
126
confessados. Nessa circunstância, se for inviável a atuação conjunta, diante da ur-
gência que o caso usualmente requer, admite-se constar no termo de colaboração
premiada que as sanções pertinentes àqueles fatos novos não estão incluídas na
proposta do benefício, mas que, na oportunidade da homologação, será postulada
a cisão pertinente ao Anexo de competência de outro Juízo para remessa ao Órgão
de Execução com atribuição. O membro do Ministério Público que receber a docu-
mentação, depois de avaliar o caso concreto, poderá: a) formalizar, em consenso
com o colaborador, termo de ratificação visando a a.i) aderir ao acordo na íntegra,
mantendo-se o mesmo benefício proposto; ou a.ii) aderir ao acordo parcialmente,
acrescentando medida sancionatória em razão dos novos fatos; ou b) não aderir
ao acordo, hipótese em que a documentação recebida deixará de integrar a co-
laboração premiada e, portanto, não poderá ser utilizada como prova para fins de
investigação.
Em decorrência do sigilo legal (art. 7º, Lei 12.850/13), enquanto não finali-
zadas todas as etapas com a devida homologação judicial do ajuste, nenhum re-
gistro deve ser feito no Procedimento Investigatório Criminal, sendo tratado como
diligência sigilosa em curso, documentada em anexo autônomo, na forma do Ato
397/2018/PGJ:
Art. 13. As diligências serão documentadas em autos de modo sucinto e
circunstanciado.
Parágrafo único. As diligências sigilosas serão realizadas em anexo autô-
nomo do procedimento investigatório, devendo ser documentadas nos au-
tos principais após sua conclusão, se for o caso.
127
colaboração premiada. A Lei anterior que tratava das organizações criminosas fa-
lava em “colaboração espontânea do agente” (art. 6º, Lei 9.034/95), porém as Leis
de Proteção às Vítimas e Testemunhas Ameaçadas e do Crime Organizado utili-
zam o termo voluntariedade (arts. 13 e 14, Lei 9.807/99 e art. 4º, caput e § 7º, Lei
12.850/13), que diz respeito à liberdade psíquica, e não à iniciativa.
Assim, o que vale é a livre disposição de vontade do autor do crime de falar
a verdade, independentemente de quem primeiro sugeriu o ajuste. De qualquer for-
ma, diante da discussão e para não expor eventual fragilidade da prova até então
colhida na investigação, recomenda-se cautela quanto à iniciativa, evitando-se, por
exemplo, notificação escrita do investigado para audiência extrajudicial destinada a
discutir o assunto.
Por outro lado, pode ser interessante que, antes de iniciar o interrogatório ex-
trajudicial, ao tratar do direito ao silêncio, o membro do Ministério Público aproveite
a oportunidade para explicitar a existência do instituto da colaboração premiada e
de seus benefícios, observando a necessidade de participação de advogado cons-
tituído ou da Defensoria Pública.
2. Reuniões preliminares: Nesta etapa ainda informal, por vezes chamada
de “pré-colaboração”, os dois lados buscam avaliar a oportunidade e a conveniên-
cia da formulação do acordo. Para um bom resultado, é necessário já nesta fase o
conhecimento pleno da investigação e a superação das etapas de planejamento,
verificação de pendências e levantamento básico de dados.
Dois pontos de partida são cruciais para o bom resultado. Primeiro, o membro
do Ministério Público deve buscar exercer com naturalidade a postura negocial, vi-
sando ao bem maior para a sociedade, por mais que não seja simples, inicialmente,
afastar dos debates a repulsa característica suscitada pelos atos de corrupção.
Segundo, o Promotor de Justiça deve ter consciência de estar lidando com
o autor de um ou mais crimes, que não necessariamente se transformou em pes-
soa honesta porque optou por negociar a colaboração premiada. É possível que a
narrativa do agente nos convença de que foi envolvido na trama por motivos varia-
dos ou que não enriqueceu com a conduta. De qualquer forma, o arrependimento
– sincero ou não – não é requisito para celebração da colaboração; ao assumir o
128
compromisso de falar a verdade, surgem como pressupostos mínimos a confissão
e a apresentação de provas ou indícios.
Nessa fase inicial, é comum que o colaborador omita determinados fatos e
apresente informações gradativamente, até que perceba que o condutor da inves-
tigação esteja satisfeito. Por essa razão, sugere-se ouvir primeiro, isto é, é impor-
tante que o defensor e o investigado manifestem-se sobre o que pretendem com a
colaboração, quais crimes – seus e alheios – pretendem revelar e quais indícios e
provas de corroboração são capazes de apresentar. Essa fase deve ser bastante
objetiva e serve para o membro do Ministério Público verificar se há interesse e se
estão presentes os requisitos legais mínimos para a colaboração, descartando as
moções inadmissíveis de plano, quando o investigado não pretende confessar a
prática do ilícito, por exemplo.
Isso porque, para ser considerada válida, a colaboração deve ser voluntá-
ria (liberdade psíquica), eficaz (com resultados práticos: identificação dos demais
envolvidos e infrações; revelação da estrutura hierárquica; prevenção ou recupe-
ração do produto ou proveito do crime; localização de vítima com integridade física
preservada); e vir acompanhada de confissão, na presença de advogado, com o
comprometimento de falar a verdade e manter atitude colaborativa durante toda
investigação e ulterior processo, sem omitir fatos.
Somente relatos isolados de fatos trazidos pelo colaborador não são sufi-
cientes para condenação, assim como a confissão sozinha não o é. Trata-se da
busca pelos “elementos externos à colaboração” ou “elementos de corroboração”.
Nas investigações de crimes complexos, são detalhes que, em seu conjunto, trarão
certeza suficiente para a condenação, pois os delitos são cometidos com tamanha
sofisticação que evitam rastros a serem apurados. Não se pode exigir uma prova
que não existe. Por essa razão, aliás, cada vez mais, a prova indireta deve ser acei-
ta para demonstração de crimes complexos como os atos de corrupção.
Como, de um lado, estará sempre o investigado e seu advogado, para facilitar
as tratativas e por cautela, mostra-se adequado que o membro do Ministério Público
esteja acompanhado de outra pessoa, como o Assistente de Promotoria de Justiça
ou integrante do GAECO ou do GEAC que participa da apuração dos fatos.
129
As reuniões preliminares não são atos processuais formais documentados,
não há registro de áudio e vídeo nem colheita de declarações ou depoimentos. É
possível, contudo, elaborar ata com a listagem dos presentes e breve resumo do
ocorrido, porém, em razão do sigilo legal, é importante que referido documento fique
sob custódia exclusiva do Ministério Público.
3. Termo de Confidencialidade: Verificado interesse do órgão de persecu-
ção e da defesa quanto ao prosseguimento das tratativas, sugere-se a formalização
de termo de confidencialidade, documento no qual as partes se comprometem a
manter sigilo a respeito de tudo o que for dito e tratado, não podendo utilizar as
informações e os documentos apresentados pelo colaborador se não houver forma-
lização do acordo. O documento deve fixar prazo para cumprimento da etapa se-
guinte (apresentação de anexos), ajustado conforme a complexidade e a amplitude
da colaboração.
4. Apresentação do Sumário dos Anexos: O investigado, por intermédio de
seu advogado ou defensor público, apresenta apontamentos por escrito, em forma
de resumo, de cada um dos fatos que irá tratar na pretendida colaboração, cada um
deles constituindo um documento separado, chamado Anexo, numerado sequen-
cialmente e intitulado com o respectivo assunto. O resumo, além da descrição do
fato, suas circunstâncias e todos os envolvidos, deve apontar objetivamente quais
provas de corroboração apresentará a respeito ou indicar onde e como o condutor
da investigação poderá obtê-las.
Trata-se de forma eficaz de organizar o procedimento da colaboração pre-
miada, que muitas vezes envolve grande quantidade de delitos. Cada Anexo, em
regra, trata de um fato ou de um conjunto de fatos que estariam descritos na mesma
denúncia, organizado em comum acordo pelas partes, de modo a otimizar a investi-
gação. Por exemplo, faz-se a divisão por local da prática do crime, por tipo de delito,
por períodos, por grupo de pessoas etc. Normalmente, o Anexo 1 apresentará a
narrativa geral da organização criminosa e, em cada um dos demais, constará o re-
lato das infrações penais cometidas pelo grupo. Nada obsta que, ao final, concluída
a investigação, uma mesma denúncia trate de condutas criminosas reveladas em
mais de um anexo.
130
A divisão por anexos, além de facilitar a compreensão da narrativa, normal-
mente longa e complexa, possibilita posterior cisão da investigação se surgirem
fatos não conexos ou de competência de outro Juízo, sem prejudicar o sigilo dos
demais fatos narrados. Apontados desde logo os delatados, evitam-se também sur-
presas no momento da coleta do depoimento quanto à narrativa de fato cuja atri-
buição não é do órgão do Ministério Público que conduz a investigação. Há aqui,
também, a quebra parcial do sigilo dos anexos, na medida em que a restrição à
publicidade não mais for necessária ou as denúncias forem ajuizadas.
5. Verificação de Credibilidade: Recebidos os anexos, para formação de
seu convencimento, o membro do Ministério Público deve avaliar a eficácia da su-
posta colaboração mediante verificação da credibilidade dos fatos narrados, a prova
apontada e a possibilidade de sua obtenção (pesquisas em bancos de dados, dili-
gências de campo, análise documental, confirmação de datas, horários, autenticida-
de de documento etc.), bem como a possibilidade de serem alcançadas as exigên-
cias legais (identificação dos demais autores e partícipes, revelação da estrutura
hierárquica e divisão de tarefas, prevenção de novas infrações penais, recuperação
do produto do crime e localização da vítima).
6. Definição da estratégia: Superadas as fases anteriores, havendo interes-
se na continuidade das tratativas, faz-se o estudo cuidadoso do material, oportuni-
dade em que são relacionados os crimes apresentados pelo pretenso colaborador,
classificando-os pela gravidade e pelo ineditismo, e é calculada a provável pena em
caso de condenação. Com isso, o investigador elege o escalonamento da premia-
ção, ou seja, qual benefício adequado ao caso concreto e até onde pode chegar na
negociação para efetivar o acordo no que diz respeito à pena privativa de liberdade,
à forma de ressarcimento ao erário e ao valor da multa, ou seja, define seus objeti-
vos e prevê alternativas aceitáveis (B.A.T.N.A.15).
7. Entrevista pessoal: Podem ser necessárias, neste momento, entrevistas
pessoais com o pretenso colaborador – sempre na presença do advogado – para
ratificação e/ou esclarecimento de eventuais dúvidas pontuais sobre as informa-
ções prestadas, principalmente quando, nas reuniões preliminares, ele não esteve
15 B.A.T.N.A, sigla para “Best Alternative to a Negotiated Agreement”, ou seja, a melhor alternativa para a parte caso
haja algum impasse na negociação, cf. FISHER, Roger, URY, Willian e PATTON, Bruce. Como Chegar ao Sim – A Ne-
gociação de Acordos Sem Concessões. Projeto de Negociação da “Harvard Law School”. 2. ed. Rev. e ampl. trad. Vera
Ribeiro e Ana Luiza Borges. Rio de Janeiro: Imago, 1994.
131
presente ou quando o sumário dos anexos foi elaborado pelo defensor sem a parti-
cipação efetiva do investigado.
8. Negociação: Mais uma vez, sugere-se nesta etapa crucial a paridade no
número de pessoas de cada lado da mesa de negociação, estando o Promotor de
Justiça, sempre que possível, acompanhado de Assistente de Promotoria de Jus-
tiça ou integrante do GAECO ou do GEAC que participa da apuração dos fatos,
facilitando a tomada de decisões, a discussão das propostas e a apresentação de
contrapropostas.
Sem revelar os parâmetros elencados pelos investigadores, as negociações
são iniciadas com a oitiva da proposta da defesa e são feitas tantas reuniões quan-
tas forem necessárias, preferencialmente, não apenas com o advogado, mas com a
presença do investigado. As respostas não precisam ser apresentadas de imediato,
possibilitando reuniões reservadas para deliberação.
Como baliza para a atuação ministerial, também no curso da negociação de-
ve-se agir com ética e seriedade, avaliando os momentos oportunos para agir com
firmeza e serenidade, buscando o melhor termo para a defesa da sociedade em
cada caso concreto. Sobre a postura resolutiva e protagonista do Ministério Pú-
blico na resolução consensual de controvérsias, a potencialidade e os limites da
negociação e das técnicas de negociação, recomenda-se a leitura do Manual de
Negociação e Mediação para Membros do Ministério Público, editado em 2015 pelo
Conselho Nacional do Ministério Público16.
9. Pré-acordo: Não obstante o termo de confidencialidade, conforme a gra-
vidade dos fatos que serão revelados, algumas vezes, a defesa mostra-se insegura
em gravar depoimentos e apresentar provas antes da assinatura do termo, princi-
palmente se os depoimentos forem longos e o acordo não for assinado no mesmo
dia. Portanto, neste momento, é possível formalizar um pré-acordo de colaboração
premiada, no qual o investigado compromete-se a especificar os anexos e apresen-
tar as provas, e o Ministério Público, por outro lado, a formalizar o acordo e propor
o benefício negociado.
10. Depoimentos: Sempre que possível, os depoimentos formais do cola-
borador devem ser registrados “pelos meios ou recursos de gravação magnética,
16 Ver: http://www.cnmp.mp.br/portal/images/Publicacoes/manual_mediacao_negociacao_membros_mp_2_edicao.pdf
132
estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive audiovisual, destinados a obter maior
fidelidade das informações” (art. 4º, § 13, Lei 12.850/13).
No termo de depoimento, deve constar expressamente a renúncia, na pre-
sença do defensor, ao direito ao silêncio e o compromisso legal de dizer a verdade
(art. 4º, § 14, Lei 12.850/13). Para facilitar a organização, sugere-se que os depoi-
mentos sejam divididos por anexos, intitulados e numerados observando a mesma
sequência dos sumários apresentados anteriormente. À medida que os fatos são
revelados, conforme o que for negociado, fixa-se prazo para o colaborador entregar
as provas e os indícios em seu poder – ou faz imediatamente – ou aponta onde
e como aquelas poderão ser obtidas, ficando a documentação pertinente ao fato
apensa ao anexo específico.
11. Assinatura do Acordo: O termo de colaboração premiada nada mais é
do que um contrato entre as partes, que será assinado se, de fato, os depoimentos
alcançarem os objetivos traçados na fase de negociação. Nos termos do art. 6º da
Lei 12.850/13, o acordo deverá ser feito por escrito e conter:
I - o relato da colaboração e seus possíveis resultados;
II - as condições da proposta do Ministério Público ou do delegado de po-
lícia;
III - a declaração de aceitação do colaborador e de seu defensor;
IV - as assinaturas do representante do Ministério Público ou do delegado
de polícia, do colaborador e de seu defensor; e
V - a especificação das medidas de proteção ao colaborador e à sua família,
quando necessário.
133
ao juiz para homologação, “o qual deverá verificar sua regularidade, legalidade e
voluntariedade, podendo para este fim, sigilosamente, ouvir o colaborador, na pre-
sença de seu defensor” (art. 4º § 7º, Lei 12.850/13).
Sugere-se que, nesta oportunidade, sejam também formulados, conforme o
caso, pedidos de manutenção ou levantamento do sigilo, desmembramento da in-
vestigação e autorização de troca de informações, mediante compartilhamento de
todas as provas produzidas no curso da investigação, para possibilitar a adoção
das providências cabíveis em outros Juízos competentes, inclusive, envolvendo a
apuração da responsabilização administrativa e a prática de atos de improbidade.
13. Continuidade da Investigação ou Denúncia: Com a homologação do
acordo de colaboração premiada, conforme o momento da investigação e as provas
até então colhidas, há três possibilidades: a investigação seguirá seu curso nos
autos do Procedimento Investigatório Criminal; poderá ser oferecida imediatamente
a denúncia; ou será juntada a documentação pertinente na ação penal já em curso
para a produção da prova correspondente. Caso já finalizada a apuração dos fatos,
nada impede que a denúncia seja oferecida na mesma oportunidade da homolo-
gação da colaboração, porém em autos apartados, para preservar o sigilo ainda
existente.
Merece atenção a regra de que “o prazo para oferecimento de denúncia ou
o processo, relativos ao colaborador, poderá ser suspenso por até 6 (seis) meses,
prorrogáveis por igual período, até que sejam cumpridas as medidas de colabora-
ção, suspendendo-se o respectivo prazo prescricional” (art. 4º, § 3º, Lei 12.850/13).
14. Situações supervenientes: Depois de assinado o termo de acordo de
colaboração premiada e antes da sua homologação judicial, as partes podem retra-
tar-se da proposta ajustada. Trata-se de vontade manifestada pelos signatários de
não mais dar seguimento à avença. Há importante divergência doutrinária a respei-
to das consequências jurídicas da retratação, decorrente da interpretação dada ao
§ 10º do art. 4º da Lei 12.850/13.
Assim, sugere-se pactuar no próprio acordo as hipóteses, assim sugeridas:
como consequência jurídica da retratação por iniciativa do colaborador antes da
homologação, as provas até então colhidas são válidas somente contra os delata-
134
dos, não podendo ser utilizadas contra o colaborador. Por outro lado, se o Ministério
Público, antes da homologação judicial, retratar-se da proposta, por certo que não
poderá fazer uso de quaisquer provas apresentadas pelo colaborador, sob pena de
colher os frutos da colaboração sem comprometer-se com o benefício negociado
anteriormente.
Depois de homologado o acordo, admite-se a rescisão pelo descumprimento
das obrigações legais e daquelas pactuadas voluntariamente pelas partes. Nesse
caso, se a rescisão se der por responsabilidade do colaborador, perderão efeito
todos os benefícios pactuados, permanecendo hígidas e válidas todas as provas
produzidas, inclusive depoimentos prestados e documentos apresentados, assim
como serão mantidos quaisquer valores pagos a título de multa ou indenização.
Rescindido o acordo por responsabilidade exclusiva do Ministério Público, o colabo-
rador poderá, a seu critério, cessar a colaboração, assegurada a manutenção dos
benefícios já concedidos e provas já produzidas.
Se, depois da homologação, forem revelados fatos que indiquem omissão
ou contradição do colaborador ou mesmo surgirem indícios da prática de ato que
possa levar à revogação do acordo, deverá ser instaurado procedimento para ve-
rificação do fato, observado o contraditório. É interessante, portanto, consignar no
termo que a rescisão não é obrigatória, mas cada caso concreto será avaliado pelo
Ministério Público e, ao final, o condutor da investigação decidirá sobre a possibili-
dade de repactuação ou rescisão. Quando a repactuação for a medida mais ade-
quada ao caso concreto, suas causas devem ser ponderadas em nova negociação
com o colaborador, de forma a justificar a alteração das obrigações e a mitigação
do benefício inicialmente ajustado. Em qualquer caso – rescisão ou repactuação – a
providência deve ser informada e submetida ao Juízo homologatório.
Por fim, chamam-se informalmente de recall as situações nas quais, até mes-
mo depois da sentença condenatória, o colaborador é instado a comparecer para
esclarecer fatos, justificar eventuais omissões, prestar novos depoimentos, entregar
novas documentações, cooperar na análise documentos e provas, reconhecer pes-
soas e auxiliar na análise pericial que seja objeto da presente colaboração.
135
5. CASUÍSTICA
136
Expostos os fundamentos teóricos e jurídicos da investigação ministerial na
seara da moralidade administrativa e os instrumentos e técnicas utilizáveis, importa
agora destacar casos frequentes enfrentados pelos Colegas Promotores de Justiça.
As situações foram reunidas de acordo com “macrotemas” relacionados à atividade
estatal, com a indicação pontual das normas jurídicas aplicáveis, das fraudes mais
comuns, e de tópicos argumentativos e providências práticas que podem ser adota-
das pelo Investigador.
5.1 LICITAÇÕES
137
nistração, compras estas que poderiam ser reunidas em um objeto único e licitadas.
Em Prefeituras, tal vício é bastante comum na aquisição de materiais de constru-
ção, peças, pneus, óleos e lubrificantes, entre outros insumos.
Além da burla à obrigação de licitar, há desrespeito ao imperativo de planeja-
mento das despesas, visto que as necessidades regulares da Administração devem
ser projetadas pelo Administrador e atendidas de acordo com dotações previstas no
orçamento (LRF, art. 1º, §1º; Decreto-Lei 200/67, art. 6º, I). Para fornecimento de
bens sobre os quais a Administração não possui estimativa precisa de utilização, o
Poder Público pode valer-se da licitação por registro de preços (Lei 8.666/93, art.
15), na qual a competição define o preço de venda do produto, porém os pagamen-
tos somente são feitos à medida que os pedidos são realizados, de acordo com as
necessidades da Administração.
138
tar atento para que a pesquisa não seja realizada sempre nas mesmas empresas.
139
f) Compra e Locação de Imóvel - art. 24, X
A contratação direta é justificada apenas se o imóvel possuir características
específicas que o tornem imprescindível para atendimento da finalidade pública,
o que deve ser demonstrado em procedimento administrativo prévio, que conterá
também a avaliação do bem.
Os problemas mais comuns consistirão na ausência ou na precariedade do
procedimento prévio, o que poderá ensejar negócios em valores superiores àqueles
praticados no mercado. Haverá dispensa indevida se, considerada a realidade do
Município, outros imóveis puderem atender a necessidade da Administração. Há
situações nas quais o Administrador promove “chamamento público” ou “processo
de manifestação de interesse” com a intenção de adquirir imóvel com certas carac-
terísticas, porém direciona a realização do negócio, estabelecendo minuciosamente
as características do imóvel no ato convocatório.
140
a entidade represente, na prática, o meio de vida e a atividade econômica desen-
volvida por seus gestores. Há segmentos nos quais pode haver competição entre
instituições deste naipe (p.ex., as fundações universitárias), ou ainda entre estas e
empresas privadas, como nos serviços de organização de concursos. Nestes ca-
sos, a licitação deve ser realizada.
141
xigibilidade não sejam exaustivas, não se pode olvidar que a regra constitucional é
a realização de licitação e a exceção, mesmo em pequenos Municípios, é a contra-
tação direta. Eis alguns casos:
142
ração de estudos técnicos, perícias e pareceres. Mesmo nesses casos, a contra-
tação direta somente seria possível se os serviços não pudessem ser realizados
por agentes da própria Administração e não fossem oferecidos no mercado, com o
mesmo grau de qualidade, por mais de uma empresa, o que permitiria a “competi-
ção entre especialistas”.
Exige-se, ainda, a “notória especialização” do profissional ou empresa con-
tratada, quesito que, a despeito de sua subjetividade, deve ser demonstrado no
procedimento administrativo prévio à contratação. Não basta a especialização, mas
exige-se que a expertise seja reconhecida pelo mercado.
Quanto aos serviços jurídicos, tais préstimos devem ser de tal forma extraor-
dinários que não possam ser executados pela Procuradoria do ente público; além
disso, caso exista mais de um escritório de renome especializado na área em ques-
tão, o procedimento licitatório deve ser realizado, como já decidiu o TCE/SC:
Prejulgado 1304. A existência de diversos escritórios de advocacia especia-
lizados na recuperação tributária, todos com excelente qualificação e expe-
riência, demonstra que há viabilidade de competição e, consequentemente,
obriga a Administração a realizar licitação nos termos da Lei Federal nº
8.666/93.
143
única data ou região são artifícios usados para justificar a inexigibilidade, frequente-
mente combatidos em ações do MPSC.
A exigência de que o artista deve ser “consagrado pela crítica especializada
ou pela opinião pública”, conquanto carregada de subjetivismo, implica certas obri-
gações ao gestor. Para contratação de bandas locais, por exemplo, é possível a
realização do certame. É questionável a inserção no contrato de itens que poderiam
ser licitados separadamente e que não demandam qualquer especialização, como
iluminação, sonorização e montagem de palco.
144
e) Credenciamento Irregular de Prestadores de Serviços
Credenciamento é modalidade de inexigibilidade licitatória não prevista na Lei
8.666/93, porém frequentemente utilizada para contratar, em igualdade de condi-
ções, todos habilitados a prestar certa atividade visada pela Administração. O traço
principal do credenciamento é a possibilidade de prestação concomitante do objeto
por múltiplos agentes, sem exclusão. Muito utilizada na área da saúde (laborató-
rios, clínicas), o credenciamento é admitido pelo TCE/SC (Prejulgados 1994, 2090
e 0579) e a remuneração do prestador se dá, em geral, de acordo com o número de
procedimentos realizados, seguindo tabela pré-fixada.
O método usual de fraude consiste no credenciamento sem a correlata de-
manda que justificaria a atuação de vários prestadores, ou seja, quando o contrato
poderia, após procedimento competitivo, ser adjudicado a apenas um prestador,
com exclusividade. Houve caso em que o gestor contratou serviços de retroescava-
deira por meio desta modalidade, o que torna a irregularidade patente. É irregular,
portanto, o credenciamento que outorgue exclusividade do serviço ao credenciado.
Em um programa estadual de regularização fundiária, por exemplo, o “credencia-
mento” das empresas implicava a atuação exclusiva do credenciado nos Municípios
que lhe haviam sido conferidos, o que fere a essência do instituto.
A Administração deve promover a rígida fiscalização do número de procedi-
mentos realizados pelo credenciado (Lei 8.666/93, art. 67), o que corresponde, a
bem da verdade, à liquidação do contrato, prévia indispensável ao pagamento.
A definição do objeto a ser licitado constitui uma das mais importantes de-
cisões da fase interna do processo licitatório, porque especifica a necessidade da
Administração e baliza a concorrência entre eventuais interessados. Deve o Admi-
nistrador descrever o bem visado, de modo a preservar sua qualidade, porém sem
perder-se em minúcias que possam comprometer a competitividade do certame.
São comuns os seguintes ilícitos:
145
tar, a fim de utilizar modalidade de licitação menos rígida do que aquela prevista em
Lei. A Lei de Licitações exige que o gestor público proceda à divisão da execução
do contrato, sempre que houver, cumulativamente, benefícios à competitividade e
melhor aproveitamento dos recursos disponíveis no mercado (art. 23, §1º), ou seja,
aliando economicidade, eficiência e preservação de oportunidades iguais aos lici-
tantes.
Atenta também contra a competitividade do certame o agrupamento indevido,
em um único objeto, ou em lotes licitados em conjunto, de itens que poderiam ser
adquiridos separadamente. Na aquisição de medicamentos, a inserção de um in-
sumo fornecido com exclusividade por determinada empresa em um lote maior ter-
mina por definir a adjudicação de todo lote pela licitante. Na jurisprudência do TCU:
Súmula 247. Não havendo prejuízo do ponto de vista técnico ou econômico,
é obrigatório parcelar o objeto se ele for divisível, com o objetivo de ampliar
a competitividade, devendo as exigências de habilitação adequar-se a essa
divisibilidade.
146
147
b) Aquisições Desnecessárias
Embora mascare dolo de desvio de recursos público, o lançamento de edital
para compras exageradas ou desnecessárias pode ser classificado como vício li-
citatório, à medida que a aquisição não poderia ser concretizada sem a montagem
prévia do certame.
A principal dificuldade do Ministério Público é a falta de conhecimento da rea-
lidade administrativa e operacional do ente fiscalizado, pois a escolha dos bens a
adquirir recai, a princípio, sob a discricionariedade do Administrador. Como regra, os
Promotores não dispõem de conhecimento minucioso acerca dos entes fiscalizados
para aferir se os quantitativos de um edital de licitação são realmente necessários.
Nos Seminários do Programa Unindo Forças, que trata do fortalecimento das
controladorias municipais, um Prefeito Municipal relatou que, ao assumir o manda-
to, verificou que todas as compras de material de limpeza para escolas municipais
eram superestimadas na quantidade, do detergente ao papel higiênico. Na Opera-
ção Bola de Neve (2012), funcionários de oficina municipal relataram perplexos que
a quantidade de pneus adquirida em certa licitação – e jamais entregues – atende-
riam às necessidades do Município por duas décadas.
A prova a ser produzida passa pelas seguintes avaliações:
1. Evolução das despesas do ente com determinado insumo;
2. Comparação com as despesas realizadas por outros entes públicos;
3. Oitiva dos funcionários envolvidos na cadeia de compras.
Cabe ao Ministério Público exigir das autoridades a precisa formulação de
fluxo de compras, com individualização de responsabilidades quanto ao pedido,
recebimento e uso de materiais.
c) Direcionamento do Edital
A Lei 8.666/93 veda restringir a competitividade do certame no edital (art. 3º,
§1º, I). Todavia, a relevância do ato convocatório torna esta peça o cenário ideal
para fulminar ab initio qualquer competição. Especificações muito detalhadas no
tocante ao produto, suas características, procedência e estrutura podem conduzir
a licitação para a vitória de fornecedor pré-determinado, único capaz de suprir a
exigência editalícia.
148
O cartel estadual de empresas fornecedoras de maquinário, desbaratado na
Operação Patrola (2016), operava segundo esta estratégia. O vício é muito comum
em licitações para aquisição de veículos e equipamentos de informática. Em ra-
zão dos dados colhidos na Operação Patrola, o MPSC produziu nota técnica (NT
02/2017/CMA/GEAC), com indicações quanto à prevenção de fraudes na confec-
ção dos editais para aquisição de máquinas. Mesmo que não demonstrado o dolo
dos envolvidos, restará a utilização da ação civil pública para invalidação dos atos
lesivos à moralidade administrativa (LOMPSC, art. 82, VI, ‘d’).
Considerando a complexidade das compras e contratos realizados pela Ad-
ministração, é de bom alvitre que, em investigações deste naipe, o órgão ministerial
solicite informações a entidades de classe e corporações empresariais que, muitas
vezes, poderão esclarecer se, para determinado produto, havia possibilidade de
competição entre vários fornecedores.
149
O Ministério Público deve estar atento para os quesitos ilegais travestidos de preo-
cupação com o Erário, como as exigências de certidão negativa de protestos (TCU,
Ac. 1336/2010) e de infrações trabalhistas (TCU, Ac. 697/2006 e 3088/2010).
f) Visitas Técnicas
Alguns editais exigem que representantes das empresas interessadas, antes
da apresentação da proposta, visitem o local da prestação de serviços, em alguns
casos, em data e horário agendados pela Administração.
A visita técnica como condição para participação no certame deve ser reser-
vada para situações excepcionais, que demandem prova de que o futuro disputante
conhece as características do projeto licitado. A visita deve ser dispensada quando
o interessado atestar que já conhece o local. O período da visita técnica deve, no
mínimo, compreender alguns dias e permitir a presença do maior número possível
de interessados. É de todo indevido que a visita seja agendada na mesma hora para
todos os licitantes - o que, por si só, favoreceria eventual conluio; ou ainda, que a
comunicação acerca da designação da visita seja enviada pouco tempo antes do
ato, inviabilizando a participação de licitantes de outras cidades.
150
g) Publicidade do Edital - art. 21
A publicação restrita é um dos meios mais simples de fraudar a competitivi-
dade da licitação, pois impede que potenciais interessados tenham conhecimento
do certame. A exigência de publicidade varia conforme as modalidades licitatórias,
mas hoje a publicação prévia do edital na internet e do aviso em jornais de circula-
ção regional ou estadual pode ser considerada obrigatória (Lei de Acesso à Infor-
mação, art. 8º, §1º, IV e §2º). Há diversas soluções tecnológicas, a custo reduzido,
que garantem ampla publicidade dos editais de licitação, como o Diário Eletrônico
dos Municípios de SC. Entidades dedicadas ao controle da Administração, como os
Observatórios Sociais, trabalham para que os editais cheguem ao conhecimento
de empresas eventualmente interessadas sediadas em outras cidades ou Estados.
Há fraudes materializadas na publicação de informações falsas, como en-
dereços incorretos e números de telefone inexistentes. É recorrente a ausência
das informações prometidas nos sítios eletrônicos, reservando-se, por exemplo, o
acesso ao edital apenas para quem comparecer à repartição pública. Frise-se que a
Administração pode cobrar apenas para expedir cópias dos documentos editalícios,
sem qualquer cobrança adicional.
151
dadas era, simultaneamente o representante comercial da empresa “adversária”.
O modo de execução deste tipo de fraude é variável. Pode consistir na apre-
sentação de propostas em licitação fadadas à derrota, em virtude do preço muito
acima do valor de mercado; no não atendimento aos convites, por parte de empre-
sas reiteradamente convidadas ou na interrupção abrupta dos lances nos pregões;
e na desclassificação forçada na fase de habilitação, em virtude de “equívocos” ou
omissões documentais em suas propostas. A modalidade convite estimula a prática
deste tipo de fraude, razão pela qual sua utilização deve ser desestimulada, em
benefício do pregão, especialmente na forma eletrônica. Em situações extremas, as
empresas conformam cartéis permanentes, que dominam certo setor econômico.
Hoje, felizmente, o Portal do Promotor / Painel E-Sfinge, do MPSC, permite pes-
quisar as empresas que rotineiramente se apresentam em conjunto para “disputar”
licitações.
152
b) Empresas “Fantasmas” ou “Cartorárias”
A empresa sequer existe no plano fático, mas apenas no mundo jurídico, e
adentra ao procedimento tão somente para simular competição. Por vezes, a em-
presa existe, mas cedeu seus documentos para compor o número mínimo de parti-
cipantes. Para averiguar se é hipótese de empresa fantasma, sugere-se diligência
junto à Receita Federal e à Junta Comercial, levantando-se o contrato social e a
data de sua criação. Indicado também verificar o banco de dados de empresas ini-
dôneas e suspensas da Controladoria-Geral da União.
O histórico de participação da empresa em licitações, caso repleto de derro-
tas, também é indicativo de ilícito. Particularmente suspeitas são firmas criadas no
início de mandato de novo gestor, muitas vezes por pessoas sem qualquer relação
com a área empresarial. Aconselha-se investigar aumentos de preço súbitos, sem
153
explicação mercadológica aparente, e de modo idêntico ou padronizado, entre as
empresas de mesmo nicho. Também devem ser observados casos em que a mar-
gem de preço entre a proposta vencedora e as outras propostas sejam significati-
vamente distantes. Por fim, declarações suspeitas como “preços sugeridos pelo se-
tor”, “tabelas de preços do setor” e “preços padrão do mercado” também merecem
atenção.
A prática descrita configura não apenas crime previsto na Lei de Licitações
(art. 90), mas também ato lesivo, previsto na nova Lei Anticorrupção (art. 5º), pelo
qual as empresas envolvidas podem ser responsabilizadas objetivamente, como
pessoas jurídicas, mediante manejo de ação civil a cargo do ente lesado ou do Mi-
nistério Público.
d) Licitação Fictícia
154
Agentes públicos e privados simulam organizar e participar de licitação ine-
xistente, lançada apenas para regularizar uma compra já efetuada em benefício de
certo fornecedor. Muitas vezes, o produto já foi entregue e o serviço prestado, e a
licitação de “fancaria” apenas serve para “esquentar” os pagamentos “devidos” ao
fornecedor.
Embora o fato pareça comezinho, trata-se de situação gravíssima, pois além
da compra direta ilícita, do conluio entre empresários e agentes públicos e da falsi-
dade documental, houve total perversão da lógica de Direito Financeiro, que reserva
para depois da licitação as etapas do empenho, celebração de contrato, liquidação
e pagamento. A fraude, infelizmente, não se resume a valores de pequeno vulto: em
SC, há registros de obras de construção e reformas de escola executadas e, ape-
nas após concluídas, “licitadas”.
e) Jogo de Planilha
Mácula comum em licitações de vários itens e lotes realizada por registro de
preços (art. 15). Previamente ajustado com o Administrador, o proponente sabe
quais itens dos lotes serão efetivamente adquiridos durante o exercício, e fabrica
proposta vencedora, cotando os itens que não serão adquiridos por preço bastante
reduzido, e elevando o preço dos insumos que serão, de fato, vendidos. A investi-
gação deve buscar a série histórica de compras do ente público, de modo a elucidar
que o portifólio da licitação era, desde o início, irreal, e demonstrar os ganhos injus-
tificados auferidos pelo fornecedor.
155
5.2 .1 Ine x ecução Fr audulen t a - Be n s , O b r a s e S e r v i ç o s
156
garantia contratual e os poderes exorbitantes da Administração não forem aciona-
dos.
Em se tratando de bens de consumo duráveis, a incorporação ao patrimônio
público demanda registro e tombamento, com acompanhamento permanente de al-
moxarifado, estoque e destinação. A Administração deve introduzir rotinas de acom-
panhamento do uso dos bens, sem as quais surge, novamente, a possibilidade de
responsabilidade culposa do administrador. Estoques sem movimentação consti-
tuem indício de possível crime de subtração da mercadoria ou atestam a inutilidade
da aquisição.
157
A proliferação destes casos motivou a criação do Programa Serviço Prestado,
Contrato Fiscalizado, centrado na fiscalização deste tipo de avença. A prova a ser
buscada em eventual investigação necessariamente partirá dos documentos que a
própria Administração deve exigir para efetivação dos pagamentos aos prestadores
de serviços. A Instrução Normativa 20/2015 do TCE/SC exige para validação dos
pagamentos em favor de agência de publicidade: “I - memorial descritivo da campa-
nha de publicidade, quando relativa a criação ou produção; II - cópia da autorização
de divulgação e/ou do contrato de publicidade; III - indicação da matéria veiculada,
com menção de datas, horários e tempos de divulgação; IV - cópia do material
impresso, em se tratando de publicidade escrita, e gravação da matéria veiculada,
quando se tratar de publicidade radiofônica, em meios eletrônicos ou televisiva;
V - cópia da tabela oficial de preços do veículo de divulgação e demonstrativo da
procedência dos valores cobrados” (art. 42).
Já em relação aos contratos de consultoria, a IN 20 demanda: “I - indicação
dos profissionais que efetivamente realizaram os serviços e sua qualificação; II -
discriminando a quantidade de horas técnicas trabalhadas, valor unitário e total; III
- as datas da realização dos serviços para cada profissional envolvido; IV - produtos
resultantes dos serviços, tais como relatórios, estudos, registros fotográficos, mate-
rial de divulgação, medição de área contratada de stand” (art. 43).
158
como aumento da demanda no curso da execução do contrato; e 2) modificação
qualitativa (alteração de características do objeto), em caso de necessidade técni-
ca, com o intuito de resguardar o interesse público, consoante previsto no art. 58, I,
c/c art. 65, I, “a”, da Lei 8.666/93. Para Marçal Justen Filho:
A Administração tem o dever de motivar sua decisão de modificar o contrato
administrativo. Assim se impõe tendo em vista os princípios norteadores
da atividade administrativa e, especialmente, da licitação. Sem motiva-
ção, será inválida a unilateral alteração do contrato administrativo. Porém,
a motivação não poderá consistir na simples invocação da necessidade
ou de algum ‘interesse público’, de conteúdo material indeterminado. A Ad-
ministração deverá indicar o motivo concreto, real e definido que impõe a
modificação. Ademais, deverá demonstrar que esse motivo não existia ao
tempo da contratação. Também é inegável que a modificação introduzida
no contrato deverá guardar proporcionalidade com a modificação verificada
nas circunstâncias subjacentes. Poderá ser exercido amplo controle juris-
dicional sobre a modificação unilateralmente introduzida. Será nula a mo-
dificação quando: a) desmotivada; b) fundada em motivo já existente (e co-
nhecido); em data anterior à contratação; c) fundada em motivo inexistente;
d) desproporcional em face do motivo invocado. Aplicam-se, de resto, as
concepções vigentes relativamente ao controle do mérito do ato administra-
tivo.” (JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos
administrativos. 14ª ed., SP, Editora Dialética, 2010, p. 737).
159
concreta, tudo sob a mira do interesse público. Isso significa que todas as
alterações qualitativas devem ter por escopo o atendimento ao interesse
público. Mais do que isso, é necessário demonstrar que o interesse público
seria desatendido se a Administração fosse impedida de realizar o aditivo.
Nessa linha, os agentes administrativos devem motivar o ato que promove
o aditivo qualitativo, indicando os prejuízos que seriam suportados pela Ad-
ministração caso esse aditivo não pudesse ser realizado. [NIEBUHR, Joel
de Menezes. Licitação pública e contrato administrativo. Ed. Zênite, 2008,
p. 518].
160
5.3 .1 Emp r esa Or ganiz ador a
Nada impede que a própria Administração, por seus agentes, organize o cer-
tame. É praxe, todavia, que estes serviços sejam contratados no mercado, em ra-
zão da complexidade do concurso. Os problemas advêm tanto do procedimento de
contratação quanto dos caracteres da empresa contratada.
a) Licitação e Contratação
Diversas empresas organizam concursos públicos no Estado, o que torna
viável a realização de licitação. Entretanto, determinadas firmas constituem “nichos”
161
de clientela entre os Municípios, com os quais atuam durante vários anos. Editais
vagos ou imprecisos podem ser indicativos de que o intento das autoridades muni-
cipais é repetir contratação já realizada com empresa organizadora que já atuou na
cidade.
Contratos abaixo de R$ 8 mil podem ser realizados mediante dispensa, jus-
tificada formalmente a escolha do prestador e o valor. Em contratos de vulto, é co-
mum que o Administrador invoque o permissivo do art. 24, XIII, para contratação de
instituições de renome, impondo-se demonstrar, nestes casos, o conceito público, a
expertise e a notoriedade da instituição. O uso do convite como modalidade licitató-
ria suscita preocupação, sobretudo se verificada a reiteração de convocações para
empresas usualmente derrotadas, de regiões distantes ou que não acorrem ao cer-
tame, o que pode ser indicativo de conluio. Concursos realizados por associações
municipais, embora a priori lícitos, devem ser recebidos com reserva, à medida que
a organização destes certames foge ao objeto das entidades municipalistas.
b) Habilitação e Qualificação
Dois deveres sobressaem nesta fase para o Administrador: a) verificar se a
empresa contratada, por si ou por seus sócios, já foi punida e encontra-se impos-
sibilitada de organizar novos certames, relembrando que o roteiro de consulta Ca-
dastros de Empresas Punidas, produzido pelo CMA, foi distribuído a todos os Muni-
cípios de SC; b) exigir qualificação mínima da contratada para organizar as provas,
de acordo com os cargos em disputa. Causa perplexidade que a organização de
concursos visando o preenchimento de cargos de nível superior seja contratada
com empresas limitadas a uma sala e seus poucos sócios.
c) Remuneração
Embora o assunto provoque controvérsia, crê-se que as receitas advindas
da inscrição dos candidatos constituem receita pública e devem ser registradas
como tal, o que impede sua utilização para remuneração da empresas contratada.
Deve-se combater a “fábula do concurso a custo zero”, ou seja, a contratação sem
licitação da organizadora, remunerada pela taxa de inscrição, sob o argumento de
que o Município “nada gastou com o certame” (TJSC, Ap. Cível 2011.089880-1).
162
5.3 .2 Edital e P ublicidade
b) Cartões-resposta em branco
Prática ilícita que conjuga a participação de candidatos, representantes da
empresa organizadora e agentes públicos. Os cartões-resposta são entregues pe-
los candidatos em branco, e, na sequência, preenchidos de acordo com o gabarito
163
por profissionais da empresa organizadora, o que sela o resultado do certame.
c) Questões “Clonadas”
O mesmo conjunto de questões é reiteradamente aplicado em concursos su-
cessivos, organizados pela mesma empresa. Embora para a prática não concorra,
muitas vezes, o dolo ou a ciência dos candidatos, o fato representa, no mínimo,
inadimplemento dos deveres contratuais da empresa em prejuízo da Administração
e pode comprometer o sigilo e validade das questões.
164
Houve um programa institucional do MPSC destinado a combater os abusos
na contratação temporária de servidores públicos (2009). Considerando a amplitu-
de do problema, o Promotor de Justiça deve agir para promover a regularização do
quadro funcional do ente público, sem porém comprometer, com medidas radicais,
a oferta de serviços básicos. A partir do repertório de ações do MPSC, podem ser
apontados os problemas mais comuns relacionados ao tema.
165
da ADI 2009.040965-2:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. (...) INCONSTITUCIONA-
LIDADE MATERIAL. DEMANDA DE PESSOAL QUE CONSUBSTANCIA
NECESSIDADE PERMANENTE DO ESTADO, SENDO, POIS, PERFEITA-
MENTE PREVISÍVEL. HIPÓTESE QUE NÃO REVELA CIRCUNSTÂNCIA
EXCEPCIONAL, IMPREVISÍVEL E TEMPORÁRIA (ARTS. 16, CAPUT, E 21,
INC. I E § 2º, DA CESC). PRECEDENTES DA CORTE E DO STF. DECLA-
RAÇÃO DE INVALIDADE DA EXPRESSÃO “E À DEMANDA COMPROVA-
DA DE SECRETARIAS DE ESTADO E ENTIDADES DA ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA” CONSTANTE DO INC. III DO ART. 2º DA LEI COMPLEMENTAR
260, DE 22.01.2004. (...) PEDIDO PARCIALMENTE ACOLHIDO.
166
naquilo que não interfira com a necessária publicidade, igualdade dos concorrentes
e possibilidade de aferirem a lisura do certame”. (MELLO, Celso Antônio. Curso
de direito administrativo. 22ª. ed. ver. e atual. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 266
e 267). Como regra, o seletivo deve ser realizado mediante aplicação de prova, ou
ainda, mediante aplicação de prova mais ponderação de títulos (CF, art. 37, II).
Seletivos que apenas ponderem os títulos devem ser admitidos apenas em
situações emergenciais, nas quais há necessidade imediata de ingresso de novos
colaboradores no serviço público. Mesmo nesse caso, a ponderação de títulos deve
ser orientada pelo princípio da isonomia (CF, art. 5º), evitando-se atribuir pontos
excessivos para o tempo de serviço prestado ao ente organizador do certame ou
qualquer outro critério discriminatório.
167
5.4 .6 Viola ção a R esultado d e Co n c u r s o P ú b l i c o
168
cargo (art. 17).
Nos programas de desenvolvimento econômico, nos quais a transferência do
bem é realizada em favor de empresas, é fundamental que a motivação do ato ex-
plicite, objetivamente, as razões públicas que motivaram o negócio e as obrigações
do donatário, tais como:
5.5 .2 Us o de E dificações e E s p a ç o s P ú b l i c o s
169
Assunto presente em ações do Ministério Público que já versaram sobre uso
de boxes em mercados públicos; espaços comerciais em repartições oficiais; con-
sultórios e equipamentos médicos privados em hospitais públicos; colocação de
mesas e cadeiras de bares no passeio coletivo e em praias; e uso de centros de
evento para festas privadas.
A regra é bastante simples: a utilização destes bens deve ser formalmente
anuída pela Administração, através de permissão ou autorização. Se o gozo do bem
for exclusivo ou limitado, como o espaço para estandes em feiras livres, deve ser
organizado procedimento seletivo, de caráter competitivo, público e aberto a todos
os interessados. A permissão outorgada é, necessariamente, provisória, e a Admi-
nistração deve fiscalizar o prazo de duração dos atos permissivos.
170
diretamente do Portal do Promotor / Painel E-Sfinge, mediante inserção dos códigos
30 (elemento de despesa) e 01 (especificação do elemento de despesa).
171
atividades de polícia administrativa são sensíveis a práticas corruptas, mais sofisti-
cadas à medida que avultam os interesses em jogo.
172
do, regulamentar a fiscalização e cobrar as taxas estabelecidas por lei. Nes-
sa regulamentação se incluem a fixação de horário do comércio em geral e
das diversificações para certas atividades ou estabelecimentos bem como
o modo de apresentação das mercadorias, utilidades e serviços oferecidos
ao público. Tal poder é inerente ao Município para a ordenação da vida
urbana, nas suas exigências de segurança, higiene, sossego e bem-estar
da coletividade.” (MEIRELLES. Hely Lopes, Direito Municipal Brasileiro, 15ª
ed., 2007, p. 504-505).
Nesta seara, os bens jurídicos violados são a higidez fiscal do Erário; o es-
correito emprego dos ativos financeiros incorporados ao patrimônio público; e a
adequação constitucional do poder de tributar, a preservar o interesse público na
obtenção de receita e a isonomia entre os contribuintes.
A Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/200) proíbe que, nos dois últimos
quadrimestres do mandato do dirigente de Poder, sejam contraídas obrigações que
não possam ser integralmente cumpridas dentro dele ou que tenham parcelas a ser
pagas no exercício seguinte sem que haja suficiente disponibilidade de caixa (art.
42). O objetivo é evitar que o mandato subsequente seja dificultado em virtude de
despesas excessivas realizadas pelo antecessor. A conduta motiva a responsabili-
dade do agente em diferentes instâncias (Lei 8.429/92, art. 10, IX; CP, art. 359-C).
Não se proíbe a emissão de novos empenhos decorrentes de obrigações
contraídas antes dos dois últimos quadrimestres, mas a assunção de “novas obriga-
173
ções de despesa” desprovidas de planejamento. Não são vedadas despesas para
enfrentamento de calamidades públicas e outras situações emergenciais. Conforme
o TCE/SC:
Prejulgado 1619. É possível ao Prefeito, nos últimos oito meses que an-
tecedem o término de seu mandato, contrair obrigação relativa a serviços
de natureza contínua que supere um exercício financeiro, desde que haja
previsão de disponibilidade financeira em caixa para satisfazer a obrigação
do exercício em que a despesa foi contraída, devendo adimplir as parcelas
que se vencerem até o final de seu mandato ou deixar recursos em caixa
para pagamento dessas parcelas no exercício seguinte (art. 42 da Lei Com-
plementar nº 101/00).
174
art. 5º da Lei 10.028/2000.
5.7 .3 Aumento da despesa com pessoal nos últimos 180 dias do mandato
O parágrafo único do art. 21 da LRF estabelece ser nulo de pleno direito o ato
que acarrete aumento de despesa com pessoal expedido nos 180 dias anteriores
ao final do mandato do titular do Poder ou órgão. Busca-se evitar a cooptação de
apoio político por intermédio de nomeações, razão pela qual o órgão de execução
deve estar atento para qualquer crescimento atípico e não-sustentável da despesa,
sobretudo em período eleitoral. O descumprimento dessa norma enseja não ape-
nas a incidência da Lei 8.429/92 (art. 10, IX), mas também do art. 359-G do Código
Penal.
Novas contratações são admitidas desde que para repor a vacância de car-
gos (aposentadoria, morte, exoneração, demissão etc.) ou mediante proporcional
compensação decorrente do aumento de receita ou de diminuição de despesa. Se-
gundo o TCE/SC:
Prejulgado 1252. [...] estariam fora da vedação legal os atos que conferem
direitos aos servidores à percepção de adicionais por tempo de serviço e
progressões funcionais horizontais na tabela de vencimentos do quadro de
cargos e vencimentos do Poder ou órgão, decorrentes de aplicação de leis
aprovadas antes do início do 180º (centésimo octogésimo) dia anterior ao
final do mandato, bem como os que viessem a atender às situações decor-
rentes de fatos que provocam estado de emergência ou de calamidade pú-
blica, e, ainda, os que tivessem a proporcional compensação em relação ao
aumento da despesa com pessoal, seja pelo aumento da receita corrente
líquida, seja pela diminuição de outras despesas com pessoal.
175
(art. 10, IX), trata-se de despesa não autorizada em lei e, por conseguinte, punida
na esfera penal (CP, art. 359-D).
176
tituição, previsão e efetiva arrecadação” de todos os tributos de competência do
Ente. Na prática, o ingresso de receitas é prejudicado não apenas pela sonegação,
mas também pela atitude leniente das autoridades encarregadas da exação.
O Centro de Apoio da Ordem Tributária (COT) do MPSC, no curso do Progra-
ma Saúde Fiscal, lançou o Painel da Receita Pública, instrumento que revela quadro
preocupante: dezenas de Municípios catarinenses não agem a contento para colher
os tributos de sua competência, por razões que perpassam deficiências estruturas;
falta de autonomia dos fiscais; omissão na cobrança da dívida ativa; desatualização
da planta imobiliária, dentre outros. Ações estruturantes como os Programas do
COT podem ser acompanhadas de medidas repressivas, quando necessário, visto
que a negligência na arrecadação de tributos constitui improbidade (LIA, art. 10, X).
177
5.8 SERVIDORES PÚBLICOS, CARGOS E REMUNERAÇÃO
178
parte do quadro era composta por profissionais de saúde “informais”.
179
por meio de ações declaratórias de inconstitucionalidade, e também in concreto,
como nos bem-sucedidos casos de Termos de Ajuste de Conduta firmados para
redução de comissionados em Câmaras de Vereadores de grandes cidades catari-
nenses.
180
classificadas como ex facto temporis (pela decorrência do tempo de serviço) e ex
facto officii (pelo desempenho de funções especiais) – constituindo essas os adi-
cionais (o primeiro de vencimento e o segundo de função) –, bem como propter
laborem (em razão de condições anormais em que se realiza o serviço) e propter
personam (em razão de condições pessoais do servidor) – categorizadas como
gratificações (de serviço e pessoais, respectivamente) (MEIRELLES, Hely L. Direito
Administrativo Brasileiro. 35ª. São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p. 492-493).
A criação de vantagens pecuniárias deve ser feita por lei e atender aos pre-
ceitos norteadores da Administração, evitando-se vantagens “anômalas”, classifica-
das como “liberalidades ilegítimas que o legislador faz à custa do erário, com o só
propósito de cortejar o servidor público” (MEIRELLES, op.cit., p. 494). As vantagens
pecuniárias transitórias apenas se incorporam aos vencimentos do servidor com
previsão expressa de Lei.
Questão comum é o impacto sobre os vencimentos de eventual redução da
jornada de trabalho. Quando a redução ocorrer por iniciativa da Administração, com
vistas a melhor atender ao interesse público, os vencimentos dos servidores não
devem ser alterados; por outro lado, quando facultada em Lei a redução da jornada
por interesse/iniciativa particular do servidor, a redução proporcional dos vencimen-
tos é premente.
Quanto ao pagamento de horas-extras, devem estar presentes as seguintes
condições:
181
5.8 .7 Diá rias
Verba de caráter indenizatório que tem por fito ressarcir o servidor por des-
pesa pessoal excepcional realizada fora de seu local usual de trabalho, porém em
razão dele, as diárias tem sido objeto frequente de malversação no Estado. Na Ope-
ração Iceberg (2015), apurou-se que servidores e legisladores de mais de 20 Câ-
maras de Vereadores receberam diárias para frequência a cursos que, na prática,
não eram realizados; alguns anos antes, Vereadores catarinenses foram flagrados
em reportagem televisiva quando faziam compras no Paraguai, ao tempo em que
deveriam frequentar curso de capacitação em Foz do Iguaçu-PR.
Os valores e o modo de pagamento das diárias são fixados pela legislação do
ente, orientada pelas diretrizes do TCE, que podem ser sintetizadas em três veto-
res: a) finalidade pública da viagem; b) comprovação documental dos gastos e pres-
tação de contas; c) razoabilidade dos valores pagos. A fiscalização pode abarcar
também cursos promovidos por entidades inidôneas ou desconhecidas, ou restritos
a apenas um período do dia; e viagens realizadas tão somente para realização de
“contatos políticos”. O Portal do Promotor / Painel E-Sfinge permite consultar gastos
com diária. Basta, após selecionar o Município, inserir na aba da esquerda o critério
de pesquisa “Diárias”, no campo “Elemento de Despesa”.
5.9 NEPOTISMO
182
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste me-
diante designações recíprocas, viola a Constituição Federal.
183
5.9 .2 Subo r dinação H ier ár q u i c a
184
de Civil (MROSC) e, conquanto afaste expressamente de seus dispositivos alguns
tipos de parceria (art. 3º), pode ser considerada como a lei-base do fomento social
no país. A multiplicidade de entidades da sociedade civil pode ser ilustrada no se-
guinte quadro pode ser ilustrada no seguinte quadro composto pelo Centro de Apoio
de Direitos Humanos e Terceiro Setor:
Certificação de
Organização
Entidades Organização
Título de Utilidade da Sociedade Organização
Beneficentes de da Sociedade
Pública estadual Civil de Interesse Social (OS)
Assistência Social Civil (OSC)
Público (OSCIP)
(CEBAS)
Certificação As entidades de pro- Qualificação ou- Qualificação atri- Trata-se de
concedida com moção educacional, torgada às pes- buída a pessoas pessoa jurídica
fulcro na Lei n. científica, cultural, soas jurídicas de jurídicas de direito de direito pri-
12.101/2009, às artística, esportiva, direito privado privado, sem fins vado sem fins
pessoas jurídi- social ou filantrópica sem fins lucrati- lucrativos, cujas lucrativos que,
cas de direito que prestem servi- vos que tenham atividades se- observando os
privado, sem ços de natureza re- sido constituídas jam dirigidas ao termos da Lei
fins lucrativos, levante e de notório e se encontrem ensino, à pesquisa n. 13.019/2014,
reconhecidas caráter comunitário em funciona- científica, ao de- pode firmar com
como entidades e social, concorren- mento regular senvolvimento tec- o Poder Públi-
beneficentes de tes com aqueles há, no mínimo, 3 nológico, à prote- co duas novas
assistência so- prestados pelo Esta- anos, desde que ção e preservação espécies de
cial que prestem do, com fins não-e- os respectivos do meio ambiente, parceria: termo
serviços nas áre- conômicos, poderão objetivos sociais à cultura e à de colabora-
as de assistência ser declaradas de e normas esta- saúde, atendidos ção e termo de
social, saúde ou utilidade pública es- tutárias atendam aos requisitos fomento.
educação. tadual por iniciativa aos requisitos previstos na Lei n.
de qualquer membro instituídos na Lei 9.637/1998.
da Assembleia Le- n. 9.790/1999.
gislativa do Estado
de Santa Catarina,
nos termos da Lei n.
14.182/2007.
185
da parceria. Os acordos de cooperação, que não incluem repasse de recursos, po-
derão ser celebrados sem chamamento público, desde que não envolvam comoda-
to, doação de bens ou outras formas de compartilhamento de recursos patrimoniais.
O chamamento é o principal instrumento para concretização de princípios
como a impessoalidade e a moralidade na execução do “fomento social”. Sempre
que possível a competição entre entidades interessadas na parceria, o chamamen-
to deve ser realizado. As hipóteses de dispensa são taxativas (art. 30), ao passo
que as situações de inexigibilidade são mais amplas (art. 31), porém, em todos
os casos, as razões da não realização do chamamento devem ser formalizadas,
apontando-se, por exemplo, a natureza singular do objeto da parceria ou se as me-
tas somente puderem ser atingidas por entidade específica. Cabe ao Administrador
avaliar, antes da celebração da parceira, se a entidade interessada possui condi-
ções técnicas, jurídicas e operacionais de gerir recursos públicos.
186
5.1 0 .3 Pre stação de C ontas e Co n t r o l e
187
6. OPERAÇÕES GAECO
188
Neste tópico, buscamos traçar o quadro geral das iniciativas do Grupo de
Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO) no âmbito da Morali-
dade Administrativa em Santa Catarina. Conquanto a força-tarefa não atue exclusi-
vamente em investigações relacionadas ao patrimônio público, é certo que grande
parte das ações do GAECO, especialmente nos últimos anos, voltaram-se para
repressão de práticas ilícitas no seio da Administração Pública.
O quadro a seguir ilustra parte destas iniciativas, reunindo tanto as opera-
ções nominadas quanto diligências não especificamente identificadas, cada uma
das quais acompanhada por resumo breve dos delitos investigados e das Comar-
cas envolvidas.
Construída sobre as informações da COMSO e dos GAECOS, a tabela abar-
ca apenas as operações decorrentes de investigações conduzidas pelo MPSC/
GAECO a partir de 2010. Não estão presentes, portanto, iniciativas de relevo no
Estado capitaneadas por outros órgãos de controle, como as Operações Bola Mur-
cha (conduzida pela Polícia Civil), Ave de Rapina (Polícia Federal) e Águas de Prata
(Polícia Federal e Controladoria-Geral da União).
Órgãos
Operação Cidades Data Fatos Investigados
Lesados
Desdobramento da operação Manobra de Osler, que apurou
Município de desvio de recursos públicos na área da saúde envolvendo
Operação Chapecó e
Chapecó / 20/09/2018 clínica privada e Consórcio Intermunicipal (CIS-Amosc). Na
Patriarcado Xanxerê
SUS operação original houve a condenação dos envolvidos por
crimes de peculato e associação criminosa
Brusque,
Crimes de falsidade ideológica e crimes licitatórios praticados
Operação Balneário Município de
19/09/2018 por representantes de empresas de engenharia responsáveis
Reiteração Camboriú e Brusque
por obras de infraestrutura
Navegantes
Organização criminosa que fraudava a lista de espera por
procedimentos do SUS, de forma a favorecer certos pacientes
Cidades do
simulando situações de emergência, mediante pagamento ou
Meio-Oeste Municípios da
Operação promessa de apoio político. Crimes de organização criminosa,
catarinense, Região Meio- 02/08/2018
Emergência inserção de dados falsos em sistemas de informação,
com centro Oeste e SUS
concussão, corrupção ativa e passiva, falsidade ideológica,
em Caçador
falsidade de atestado médico, entre outros
189
Órgãos
Operação Cidades Data Fatos Investigados
Lesados
Câmara de
Operação Lajeado Fraude em concurso público. Favorecimento de candidatos
Vereadores de 31/01/2018
Concurso Grande em concurso
Lajeado Grande
Crimes de peculato, corrupção ativa e passiva consistentes no
desvio de material de obras públicas em proveito de agentes
Município de Novembro/
Operação Seival Laguna públicos e particulares; fraude a concurso público; fraude nas
Laguna 2017
licitações de obras públicas e aquisição de materiais
190
Órgãos
Operação Cidades Data Fatos Investigados
Lesados
Violação à fila de espera do Sistema Único de Saúde (SUS)
para realização de exames de ressonância e tomografia.
Operação Grande Sistema Único Outubro/
Cobrança irregular de valores dos pacientes. Falsidade
Ressonância Florianópolis de Saúde (SUS) 2016
ideológica, inserção de dados falsos nos sistemas de
informação, corrupção passiva e crimes eleitorais
Facilitação na emissão de Carteira Nacional de Habilitação em
Operação Ciretran de Rio Outubro/
Rio do Sul troca da captação de votos em pleito eleitoral. Captação ilícita
CNH do Sul 2016
de sufrágio e crimes contra a Administração Pública
Cursos e treinamento simulados e fictícios, criados com o
Câmara de propósito de viabilizar o pagamento das taxas de inscrições às
Operação Setembro/
Tijucas Vereadores de empresas e o recebimento de diárias por Vereadores e
Iceberg 2016
Tijucas servidores de Câmaras Municipais. Crimes de organização
criminosa e peculato
Fraudes em licitações e na execução de contratos
Brusque Julho/2016 administrativos da empresa de obras e engenharia
envolvendo 16 municípios
Irregularidades na concessão de licenças ambientais pela
Fundação do
Fundação do Meio Ambiente (FATMA). Corrupção ativa,
Criciúma Meio Ambiente Julho/2016
passiva e associação criminosa, além de atos de improbidade
(FATMA)
administrativa
Servidor público que atuava captação de clientes para sua
empresa de consultoria ambiental em troca de facilidades
Secretaria de
administrativas. Expedição de alvarás para construções em
Planejamento
Laguna Junho/2016 APP. Renegociação de dívidas tributárias mediante propina.
Urbano de
Crimes de corrupção passiva, prevaricação, advocacia
Laguna
administrativa, tráfico de influência, falsidade ideológica e
associação criminosa
Exigência, por parte de vereador, de parte da remuneração de
Município e
seus assessores e de agentes indicados para cargos
Operação Câmara de
Içara Maio/2016 comissionados no Executivo, para pagamento de
Confidentia Vereadores de
fornecedores de campanha eleitoral. Crimes de peculato,
Içara
formação de quadrilha e lavagem de dinheiro
Lages,
Otacílio
Fraudes em concursos públicos organizados pela empresa
Costa, Câmara de
investigada com resultados pré-determinados por agentes
Operação Timbó, Vereadores e
Maio/2016 públicos. Organização criminosa, fraude à licitação, fraude a
Ajuste Ituporanga, Prefeitura de
concurso público, peculato, corrupção ativa e corrupção
Balneário Otacílio Costa
passiva
Camboriú e
Criciúma
Associação
Feminina de Contratação ilegal de servidores comissionados e temporários
Criciúma Maio/2016
Assistência
Social (AFASC)
Direcionamento de licitações para contratação de serviços
Chapecó, mecânicos mediante pagamento de propina a servidores
Operação Patrola Lages, Diversos municipais. Delitos de organização criminosa, fraude em
Maio/2016
3ª fase Tangará e Municípios licitações e crimes contra a administração pública,
Blumenau especialmente atos de corrupção ativa e passiva, além de
peculato
Direcionamento de licitações para contratação de serviços
Municípios
mecânicos mediante pagamento de propina a servidores
da Serra,
Operação Patrola Diversos municipais. Delitos de organização criminosa, fraude em
Meio-Oeste Março/2016
2ª fase Municípios licitações e crimes contra a administração pública,
e Oeste
especialmente atos de corrupção ativa e passiva, além de
Catarinense
peculato
Santa
Cecília, Fraude na realização do concurso para preenchimento de
Operação Curitibanos, Município de cargos públicos, inclusive com repasse de gabarito das
Março/2016
X da Questão Lontras, Santa Cecília provas. Associação criminosa, falsidade ideológica e fraude
Blumenau e em concurso público
Bombinhas
Irregularidade em licitações e contratos de fornecimento de
Município de
Morro da Fevereiro/ saibro e aterro para o Município. Fraude à licitação,
Morro da
Fumaça 2016 organização criminosa, desvio de verba pública, falsidade
Fumaça
ideológica e coação
Direcionamento de licitações, relacionadas à contratação de
serviços mecânicos para maquinário pesado, mediante
Operação Patrola Município de Fevereiro/ pagamento de propina a servidores municipais. Delitos de
Tangará
1ª fase Tangará 2016 organização criminosa, fraude em licitações e crimes contra a
administração pública, especialmente atos de corrupção ativa
e passiva, além de peculato
191
Órgãos
Operação Cidades Data Fatos Investigados
Lesados
Municípios Fraude em concurso público. Peculato, corrupção, posse de
de Entre munição sem autorização, associação criminosa, falsidade
Operação Município de Dezembro/
Rios, ideológica, organização criminosa, dispensa indevida de
Carta Certa Entre Rios 2015
Quilombo e licitação, fraude em concurso público e maus-tratos de
Campo Erê animais
Municípios de Irregularidades em procedimentos licitatórios e
Entre Rios,
Operação Entre Rios, Dezembro/ superfaturamento de obras públicas. Peculato, corrupção,
Quilombo e
Deu Bandeira Quilombo e 2015 associação criminosa, falsidade ideológica, dispensa indevida
Campo Erê
Campo Erê de licitação.
Irregularidades na liberação de alvarás e aprovação de
Município de
projetos por agentes públicos, beneficiando empresários da
Operação Itapema / Dezembro/
Itapema construção civil. Concussão, corrupção ativa e passiva, tráfico
Garoupa Secretaria de 2015
de influência, advocacia administrativa, prevaricação e
Gestão Urbana
associação criminosa
Cobrança do chamado “dízimo” partidário de servidores
Município de Novembro/
Concórdia ocupantes de cargos comissionados e filiados ao partido do
Concórdia 2015
Prefeito Municipal
Município de Irregularidade na contratação de serviços de limpeza de ruas,
Morro da Outubro/
Morro da bocas de lobo e roçada. Apropriação de dinheiro público,
Fumaça 2015
Fumaça crimes da lei de licitações e crimes de falsidade
Irregularidades na concessão de alvarás e licenças.
Operação Dupla Município de Corrupção ativa e passiva, organização criminosa, crimes
Itajaí Agosto/2015
Face Itajaí contra o meio ambiente, advocacia administrativa,
prevaricação e lavagem de dinheiro
Fraude a concurso público mediante repasse de gabaritos
Operação Município de para apadrinhados políticos. Fraude à licitação, fraudes em
Ibiam Agosto/2015
Resposta Certa Ibiam concursos públicos, corrupção passiva e organização
criminosa
Itajaí, Órgãos de
Liberação irregular de veículos apreendidos por órgão de
Operação Parada Brusque, trânsito dos
Julho/2015 trânsito. Corrupção passiva e ativa, peculato, advocacia
Obrigatória II Lages e Municípios
administrativa, formação quadrilha
Florianópolis envolvidos
Itajaí, Órgãos de Liberação irregular de veículos apreendidos por órgão de
Operação Parada Brusque, trânsito dos trânsito. Falsidade ideológica, corrupção passiva e ativa,
Julho/2015
Obrigatória I Lages e Municípios advocacia administrativa, lavagem de dinheiro, associação
Florianópolis envolvidos criminosa e quadrilha
Município de
Operação Dionísio Fraudes com pagamento indevido de horas-extras a
Dionísio Julho/2015
Última Hora Cerqueira servidores municipais e fraude em licitações
Cerqueira
Biguaçu, Diversos órgãos Contratos irregulares para execução de serviços de
Operação
São José, públicos de Maio/2015 impressão. Associação criminosa, corrupção ativa e passiva,
Falsa Impressão
Florianópolis Santa Catarina fraudes em processos licitatórios
Corrupção no sistema prisional, com benefícios e
favorecimentos indevidos conferidos a detentos em troca de
Operação Presídio de
Blumenau Março/2015 propina. Corrupção ativa e passiva, concussão, prevaricação,
Regalia -1ª fase Blumenau
peculato, facilitação de fuga e associação para o tráfico de
drogas
Irregularidades na outorga de concessão para realizar,
Operação Festa Nacional organizar e explorar a Festa Nacional do Pinhão. Crimes
Lages Março/2015
Entrevero do Pinhão contra a administração pública, associação criminosa e fraude
em processo licitatório
Prefeitura
São
Municipal de Dezembro/ Apurou solicitação de vantagens indevidas a contribuintes por
Francisco do
São Francisco 2014 parte de membros da assessoria jurídica do Município
Sul
do Sul
Fraude à licitação na contratação de serviços de operação do
Secretaria
sistema de água e esgoto. Propinas pagas a servidores
Operação Municipal de
Novembro/ públicos municipais visando o direcionamento de editais
Águas Limpas de Lages Águas e
2014 licitatórios. Associação criminosa, fraudes em licitações e
Lages Saneamento de
crimes contra a administração pública com a participação
Lages
direta de servidores públicos municipais e empresários
Câmara de
Fraudes licitatórias. Licitações promovidas pela Câmara de
Palmitos Vereadores de 01/10/2014
Vereadores de Palmitos
Palmitos
Coronel
Freitas, Município de Fraude em concurso público para a Prefeitura Municipal de
19/09/2014
Arabutã e Arabutã Arabutã
Xanxerê.
Irregularidades na execução de contratos de prestação de
Operação Município de Setembro/
Brusque serviços automotivos firmados por oficinas mecânicas.
Revisão Total Brusque 2014
Falsidade ideológica e fraude na execução contratual
192
Órgãos
Operação Cidades Data Fatos Investigados
Lesados
Violação à fila do SUS para realização de cirurgias mediante
Operação Sistema Único Setembro/ pagamento. Inserção de dados falsos em sistema de
Araranguá
Hígia de Saúde (SUS) 2014 informações, corrupção passiva, falsificação de documento
público e particular, quadrilha ou bando
Município de Fraudes em obras públicas. Corrupção ativa e passiva,
Operação Balneário Setembro/
Balneário peculato, lavagem de dinheiro, advocacia administrativa,
Trato Feito Camboriú 2014
Camboriú prevaricação, fraudes e direcionamento em licitações
Crimes de fraudes em licitações, corrupção, desvio de verbas
públicas e formação de quadrilha envolvendo funcionários
Município de
públicos, empresários e prestadores de serviço da região.
Operação Orleans /
Orleans Março/2014 Irregularidades especialmente verificadas na Secretaria de
Colina Limpa Secretarias de
Saúde – pagamento por materiais não entregues – e
Obras e Saúde
Secretaria de Obras – superfaturamento de obras e
pagamento por materiais não entregues
Estado de SC / Concussão. Facilitação ilícita na resolução de problemas
Joaçaba Fundação do 18/11/2013 ambientais oferecida a empresários locais por agente de
Meio Ambiente órgão ambiental estadual
Dezenas de Prefeituras,
Fraude à licitação e desvio de recursos públicos na perfuração
cidades das Secretarias de
de poços artesianos. Conluio entre empresas do setor.
Operação regiões Desenvolviment Novembro/
Pagamento de propina a agentes públicos. Obras realizadas
Fundo do Poço Oeste, Meio- o Regional e 2013
distintas dos contratos firmados. Crimes de corrupção, fraudes
Oeste e associações de
em licitação, associação criminosa, advocacia administrativa
Serrana moradores
Municípios de
Operação Capão Alto, Desdobramento da Operação Bola de Neve, com apuração de
Capão Alto, Outubro/
Bola de Neve — Fraiburgo e novas irregularidades em licitações envolvendo servidores
Fraiburgo e 2013
o Degelo Maravilha públicos e empresário. Corrupção e fraudes em licitação
Maravilha
Município de Fraudes licitatórias. Participação em processos licitatórios de
Xaxim 30/07/2013
Xaxim empresas de mesmo grupo econômico
Operação Município de Comercialização de certificados de cursos de
Criciúma Julho/2013
Magister Criciúma aperfeiçoamento. Quadrilha e falsidade ideológica
Operação Gestão irregular de contratos de prestação de serviço da
Autarquia Águas
Águas de Palhoça Julho/2013 autarquia Águas de Palhoça. Corrupção ativa e corrupção
de Palhoça
Palhoça passiva.
Município de
Paraíso 22/06/2013 Fraude em concurso público no Município de Paraíso
Paraíso
Favorecimentos no agendamento de consultas e exames
Operação Município de através do SUS; desvio de medicamentos e vacinas; utilização
Criciúma Junho/2013
Via Dupla Criciúma de requisições de exames laboratoriais para pagamento de
exames não cobertos pelo sistema
Município de
Direcionamento de licitações e cobrança de propina em
Criciúma /
Operação Criciúma contratos da autarquia de trânsito e do órgão ambiental.
Órgãos de Maio/2013
Trânsito Livre Crimes de fraudes em licitação, corrupção, formação de
Trânsito e
quadrilha e advocacia administrativa
Ambiental
Estado de Santa
Ponte Catarina e Irregularidades no julgamento de recursos contra multas de
04/04/2013
Serrada Município de trânsito, entre outras
Ponte Serrada
Município de Alteração irregular de dados do sistema, realizada por agentes
Operação Balneário Janeiro/
Balneário públicos, com o intuito de excluir infrações de trânsito em
Radar Camboriú 2013
Camboriú benefício de terceiro
Fraudes em licitações para asfaltamento de ruas. Crimes contra a
Operação Município de Dezembro/
Blumenau administração pública, fraudes em licitação, desvio de verbas
Tapete Negro Blumenau 2012
públicas e associação criminosa
Concessão de autorizações e licenças ambientais mediante
Operação Prefeitura de Novembro/
Indaial propina. Corrupção ativa e passiva, falsidade ideológica,
Curupira Indaial 2012
concessão de licença irregular e advocacia administrativa
Câmara de Compra de votos por meio de entrega de dinheiro e
Operação Setembro/
Lauro Muller Vereadores de oferecimento de cirurgias vasculares e medicamentos.
Moralidade II 2012
Lauro Muller Captação ilícita de sufrágio
Operação Municípios do Conluio de empresas para fraude a licitações para aquisição
Licitação Chapecó Oeste e Meio Agosto/2012 de lousas eletrônicas e outros equipamentos didáticos.
Mapeada Oeste de SC Concussão e fraude à licitação
Investiga crimes e concussão e corrupção praticados por
Operação Volta à Campos Município de
Agosto/2012 servidor que fiscalizava o transporte escolar prestado por
Escola Novos Campos Novos
terceirizados
Serviço
Autônomo Fraude a procedimentos licitatórios, superfaturamento de
Operação
Içara Municipal de Junho/2012 contratos e pagamento de propina em faixa entre 10% e 15%
Moralidade I
Água e Esgoto do valor contratual aos agentes públicos envolvidos
de Içara
193
Órgãos
Operação Cidades Data Fatos Investigados
Lesados
Desdobramento da operação Manobra de Osler, que apurou
Município de desvio de recursos públicos na área da saúde envolvendo
Operação Chapecó e
Chapecó / 20/09/2018 clínica privada e Consórcio Intermunicipal (CIS-Amosc). Na
Patriarcado Xanxerê
SUS operação original houve a condenação dos envolvidos por
crimes de peculato e associação criminosa
Brusque,
Crimes de falsidade ideológica e crimes licitatórios praticados
Operação Balneário Município de
19/09/2018 por representantes de empresas de engenharia responsáveis
Reiteração Camboriú e Brusque
por obras de infraestrutura
Navegantes
Organização criminosa que fraudava a lista de espera por
procedimentos do SUS, de forma a favorecer certos pacientes
Cidades do
simulando situações de emergência, mediante pagamento ou
Meio-Oeste Municípios da
Operação promessa de apoio político. Crimes de organização criminosa,
catarinense, Região Meio- 02/08/2018
Emergência inserção de dados falsos em sistemas de informação,
com centro Oeste e SUS
concussão, corrupção ativa e passiva, falsidade ideológica,
em Caçador
falsidade de atestado médico, entre outros
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