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MINISTÉRIO PÚBLICO DE SANTA CATARINA

MANUAL DE INVESTIGAÇÃO
Moralidade Administrativa

CENTRO DE APOIO OPERACIONAL DA


MORALIDADE ADMINISTRATIVA

2019

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO........................................................................................................ 7

PREFÁCIO................................................................................................................... 9

1. ASPECTOS GERAIS DA INVESTIGAÇÃO MINISTERIAL....................................11


1.1 NOÇÕES GERAIS DE INVESTIGAÇÃO..................................................... 12
1.2 ATIVIDADE INVESTIGATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO.......................... 17

2. O BEM JURÍDICO: A MORALIDADE ADMINISTRATIVA..................................... 25


2.1 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - PODERES, AGENTES E RECURSOS...... 26
2.2 TUTELA PENAL - CRIMES CONTRA ADMINISTRAÇÃO........................... 31
2.3 TUTELA CÍVEL - MORALIDADE ADMINISTRATIVA .................................. 34
2.3.1 Moralidade Administrativa e Direito à Gestão Proba........................ 35
2.3.2 Moralidade, Improbidade e Irregularidade Administrativa................ 37

3. OS INSTRUMENTOS DE INVESTIGAÇÃO.......................................................... 43
3.1 NOTÍCIA DE FATO....................................................................................... 45
3.2 INQUÉRITO CIVIL....................................................................................... 49
3.3 COMPROMISSO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA................................ 58
3.4 RECOMENDAÇÃO...................................................................................... 63
3.5 PROCEDIMENTO PREPARATÓRIO........................................................... 65
3.6 PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO......................................................... 67
3.7 PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO CRIMINAL...................................... 69

4. TÉCNICAS DE INVESTIGAÇÃO E PROVAS....................................................... 77


4.1 PLANEJAMENTO E FASES DA INVESTIGAÇÃO...................................... 78
4.1.1 Definição do Objeto.......................................................................... 78
4.1.2 Meios de Investigação...................................................................... 82
4.1.3 Individualização dos Atos................................................................. 83
4.1.4 Consequências Jurídicas................................................................. 85
4.2 VERIFICAÇÃO DA PROCEDÊNCIA DA INFORMAÇÃO............................ 87
4.3 LEVANTAMENTO BÁSICO DE DADOS ..................................................... 93
4.3.1 Pesquisa inicial................................................................................. 93

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4.3.2 Diligências de Campo...................................................................... 99
4.3.3 Dados Financeiros......................................................................... 100
4.4 MEIOS DE OBTENÇÃO DE PROVA ........................................................ 105
4.4.1 Requisição de informações e documentos ................................... 105
4.4.2 Busca e Apreensão........................................................................ 107
4.4.3 Prova Testemunhal......................................................................... 108
4.4.4 Inquirição do Investigado............................................................... 109
4.4.5 Quebra de sigilos bancário, fiscal e financeiro............................... 110

4.4.6 Interceptação de sinais (telefônicos, telemáticos) e captação am-


biental ..................................................................................................117
4.4.7 Colaboração premiada................................................................... 121

5. CASUÍSTICA........................................................................................................ 136
5.1 LICITAÇÕES.............................................................................................. 137
5.1.1 Dispensa Indevida de Licitação...................................................... 137
5.1.2 Inexigibilidade de Licitação ........................................................... 141
5.1.3 Irregularidades Relacionadas ao Edital e ao Objeto Licitado......... 146
5.1.4 Irregularidades relativas aos participantes..................................... 152
5.2 CONTRATOS ADMINISTRATIVOS........................................................... 156
5.2.1 Inexecução Fraudulenta - Bens, Obras e Serviços........................ 157
5.2.2 Recebimento de Materiais e Controle de Estoque......................... 157
5.2.3 Execução do Contrato por Agentes Públicos................................. 158
5.2.4 Contratação Fictícia de Serviços.................................................... 158
5.2.5 Alterações Contratuais, Termos Aditivos e Prorrogações............... 159
5.2.6 Subcontratação Indevida................................................................ 161
5.3 CONCURSOS PÚBLICOS........................................................................ 161
5.3.1 Empresa Organizadora.................................................................. 162
5.3.2 Edital e Publicidade........................................................................ 164
5.3.3 Procedimento e Aplicação das Provas........................................... 164
5.3.4 Lista e Convocação dos Aprovados............................................... 165
5.4 CONTRATAÇÕES TEMPORÁRIAS.......................................................... 165
5.4.1 Atendimento a Situações Ordinárias.............................................. 166
5.4.2 Ausência ou Vagueza dos Dispositivos Legais.............................. 166

4
5.4.3 Prorrogação Indevida dos Contratos.............................................. 167
5.4.4 Processo Seletivo - Títulos e Favorecimento................................. 167
5.4.5 Programas Federais....................................................................... 168
5.4.6 Violação a Resultado de Concurso Público................................... 169
5.5 BENS PÚBLICOS, MÁQUINAS E VEÍCULOS.......................................... 169
5.5.1 Doação de Imóveis e Programas de Fomento Econômico............ 169
5.5.2 Uso de Edificações e Espaços Públicos........................................ 171
5.5.3 Veículos Oficiais e Combustíveis................................................... 171
5.5.4 Máquinas e Equipamentos Pesados.............................................. 172
5.6 PODER DE POLÍCIA................................................................................. 172
5.6.1 Ordenamento Urbano, Construções e Meio Ambiente................... 173
5.6.2 Serviços e Atividades Fiscalizadas................................................ 173
5.7 TRIBUTAÇÃO E RESPONSABILIDADE FISCAL...................................... 174
5.7.1 Obrigações contraídas nos dois últimos quadrimestres do
mandato........................................................................................ 174
5.7.2 Descumprimento dos limites de gastos com pessoal.................... 175
5.7.3 Aumento da despesa com pessoal nos últimos 180 dias do
mandato........................................................................................ 176
5.7.4 Realização de despesa sem prévio empenho............................... 176
5.7.5 Fraudes Contábeis......................................................................... 177
5.7.6 Omissão do Poder de Tributar....................................................... 178
5.7.7 Benefícios Fiscais Indevidos.......................................................... 178
5.8 SERVIDORES PÚBLICOS, CARGOS E REMUNERAÇÃO...................... 179
5.8.1 Utilização de Servidores em Empreendimentos Particulares........ 179
5.8.2 Funcionários “fantasmas” e “informais”.......................................... 179
5.8.3 Acumulação Indevida de Cargos Públicos Remunerados............. 180
5.8.4 Inadequação Constitucional dos Cargos Comissionados.............. 180
5.8.5 Transposições................................................................................ 181
5.8.6 Remuneração e Gratificação Indevida........................................... 181
5.8.7 Diárias............................................................................................ 183
5.9 NEPOTISMO............................................................................................. 183
5.9.1 Agentes Políticos............................................................................ 184
5.9.2 Subordinação Hierárquica.............................................................. 184

5
5.9.3 Nepotismo Cruzado........................................................................ 185
5.10 TERCEIRO SETOR................................................................................. 185
5.10.1 Chamamento Público, Dispensa e Inexigibilidade....................... 186
5.10.2 Monitoramento, Avaliação e Correção de Desvios....................... 186
5.10.3 Prestação de Contas e Controle.................................................. 187

6. OPERAÇÕES GAECO........................................................................................ 188

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................ 190

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APRESENTAÇÃO
A corrupção, em suas mais variadas formas, surge como a principal preo-
cupação do cidadão brasileiro neste início de século. Alçado à condição de obje-
tivo primaz do Ministério Público de Santa Catarina pelo Plano Geral de Atuação
2016/2017, renovado no biênio 2018/2019, e, portanto, abraçado transversalmente
por todas as áreas da Instituição, o combate à corrupção, ou, de forma mais ampla,
a tutela e a efetivação dos valores da Moralidade Administrativa advogam a adoção
imediata de formas mais eficazes de agir, necessariamente coordenadas em rede
com outros órgãos e instituições parceiras.
Pleito reiterado formulado pelos Colegas Promotores nos foros internos da
Instituição, a criação de um “manual técnico” de investigação reflete a premente
preocupação quanto à eficiência da atuação ministerial, especialmente no tocante
à defesa do patrimônio público. Segundo o Relatório de Gestão Institucional (RGI)
de 2017, os Promotores de Justiça da Moralidade Administrativa instauraram 8.192
novos procedimentos inquisitivos (notícias de fato, procedimentos preparatórios, in-
quéritos civis) afetos à defesa do patrimônio público, sem contar os feitos criminais.
Não por acaso, os procedimentos inquisitivos relacionados à Moralidade Adminis-
trativa correspondem a cerca de 50% dos feitos analisados todos os anos pelo
Conselho Superior do Ministério Público. Para cada procedimento instaurado, há,
por consequência, a justa expectativa do representante - e da sociedade, como um
todo - no sentido da célere resolução da questão; e a não menos legítima espera do
representado quanto ao justo desfecho da investigação.
Na verdade, o clamor social pela moralização no trato da res pública não se
restringe à identificação de esquemas ilícitos e a punição de seus responsáveis,
tendo por modelo grandes operações nacionais nesta seara. Para além disso, é ne-
cessário aprimorar os mecanismos de transparência e controle social; fortalecer as
instâncias de controle interno da Administração, especialmente talhadas para ado-
ção de medidas preventivas contra a corrupção; promover a rápida tramitação dos
processos judiciais e a racionalização pública de suas decisões; e, no que toca di-
retamente aos objetivos deste trabalho, construir procedimentos investigativos con-

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sistentes e céleres, a bem do interesse social, mas também aptos a encaminhar o
rápido arquivamento de investigações frágeis, no melhor interesse da comunidade.
Assim, a busca pela otimização dos procedimentos de investigação ministe-
riais denota o compromisso de nossa Instituição com o atendimento das expectati-
vas sociais dirigidas ao Ministério Público e a maximização dos resultados atingidos
pelo trabalho dedicado de cada Promotor de Justiça.

SANDRO JOSÉ NEIS


Procurador-Geral de Justiça

FÁBIO DE SOUZA TRAJANO


Subprocurador-Geral de Justiça para Assuntos Institucionais

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PREFÁCIO
O presente Manual tem por objetivo oferecer ao Colega Promotor de Justiça
um conjunto de orientações básicas acerca dos métodos, técnicas e instrumentos
de investigação na área da Moralidade Administrativa, além da indicação dos ilícitos
mais comuns relacionados à Administração Pública, conforme revelado pela recen-
te experiência do Ministério Público de Santa Catarina.
No plano estritamente investigativo, despontam duas necessidades urgentes.
Nas investigações sob seu comando, o membro do Ministério Público deparar-se-á
tanto com fatos administrativos incontroversos quanto com tramas nebulosas, a exi-
gir diligências complementares para identificação dos fatos e individualização das
condutas. Espera-se do Representante Ministerial a capacidade de, diante das ati-
vidades administrativas sob seu crivo, formular seu juízo acerca do melhor caminho
para a realização, in concreto, do macroprincípio da Moralidade Administrativa; e
exige-se, da mesma forma, a expertise para conduzir procedimentos tipicamente in-
vestigativos, voltados para elucidação de práticas criminosas, tarefas para os quais,
como regra, nossos Promotores não foram adequadamente preparados.
Assim, o presente trabalho intenta contribuir na busca de respostas a estas
duas grandes demandas. Vale-se, para tanto, da experiência acumulada na Institui-
ção em mais de duas décadas de atuação na tutela da moralidade administrativa,
condensada no acervo do Centro de Apoio Operacional. Utiliza-se dos valiosos re-
latos dos colegas participantes da recente empreitada do Grupo Especial Anticor-
rupção (GEAC) e na já consolidada iniciativa dos Grupos de Atuação Especial de
Combate ao Crime Organizado (GAECO) em Santa Catarina, portadores de vasto
know-how nas investigações relacionadas ao patrimônio público, especialmente de
matiz criminal. Por fim, colhe-se a perspectiva do Conselho Superior do Ministério
Público barriga-verde, repositório final de parte de nosso labor investigativo no pla-
no cível, que pode fornecer valiosos apontamentos para o aprimoramento da atua-
ção ministerial. Agradecemos a todos estes órgãos e a seus integrantes pelo apoio
decisivo, sem o qual este trabalho não poderia ser concluído.
A concepção do Manual segue a lógica que nos parece mais adequada para

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compreensão do fenômeno do ilícito administrativo. Parte-se da noção geral de
investigação e sua vinculação às funções essenciais do Ministério Público, no con-
texto do regime constitucional pós-1988. Definem-se os contornos gerais da Admi-
nistração Pública e os valores republicanos que a informam para precisa caracteri-
zação dos bens jurídicos que, ao final, protegemos.
Na sequência, serão apresentados os principais instrumentos formais de in-
vestigação do Ministério Público, de acordo com os novos Atos regulatórios produzi-
dos por nossa Instituição no ano de 2018; e os métodos e técnicas mais modernos
para apuração de ilícitos, relacionados a casos práticos e experiências investigati-
vas concretas. Nestes tópicos, desenvolvidos nos Capítulos 3 e 4 do Manual, hou-
ve a fundamental colaboração dos colegas João Carlos Teixeira Joaquim, Marina
Modesto Rebelo, Andreza Borinelli, Guilherme André Pacheco Zattar e Pedro Lucas
de Vargas, que incorporaram seu saber jurídico e experiência prática a este levan-
tamento. Registro e agradeço também a colaboração dos Colegas Coordenadores
de Centro, sempre solícitos no compartilhamento de materiais; e da Coordenadoria
de Comunicação Social e Gerência de Pesquisa, Extensão e Revisão, pelo apoio na
formatação final do texto.
Ao final, tendo por base o histórico e o acervo do Ministério Público catari-
nense, serão feitos apontamentos concretos a respeito das irregularidades mais
comuns encontradas em diversos segmentos da atividade administrativa - e as for-
mas mais eficazes de combatê-las. Culmina-se com a reunião das operações do
GAECO no âmbito da defesa do patrimônio público, a descrição dos fatos apurados
e os esquemas ilícitos enfrentados por nossos Promotores.
Longe de ser obra exclusiva do CMA, o Manual procurou compilar e contem-
plar o conjunto de iniciativas que, nos últimos anos, fez de nossa Instituição, por sua
criatividade e eficiência, modelo nacional de atuação eficaz na defesa do patrimônio
público. Que esta obra esteja à altura desta nobre tradição.

SAMUEL DAL-FARRA NASPOLINI

Coordenador do Centro de Apoio Operacional da Moralidade Administrativa

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1. ASPECTOS GERAIS
DA INVESTIGAÇÃO
MINISTERIAL

11
1.1 NOÇÕES GERAIS DE INVESTIGAÇÃO

Há pouco mais de 30 anos, a Lei da Ação Civil Pública (art. 8º, §1º) conferia
ao Ministério Público a prerrogativa da instaurar, sob sua presidência, o inquérito
civil - instrumento cujo nome, por si só, já causaria certo desconforto aos ouvidos
mais afeitos ao inquérito policial - destinado à coleta de informações para subsidiar
a atuação ministerial, em juízo e fora dele, em defesa dos interesses transindivi-
duais enumerados no início da LACP.
Materialização do poder requisitório do Ministério Público, pouco depois con-
firmado pela Constituição Federal de 1988 (CF, art. 129, III e VI), o surgimento do
inquérito civil ilustra, de forma significativa, a transmutação sofrida pela Instituição,
sobretudo a partir da década de 80 do último século. Para além da característica
atuação criminal, como regra balizada pelos elementos colhidos e as conclusões
esboçadas pela Autoridade Policial no curso do inquérito policial, o Ministério Públi-
co, ao atender à sua nova missão constitucional, apresentava-se para a defesa dos
interesses coletivos, marcadamente no plano civil.
Importa, portanto, resgatar alguns elementos essenciais da noção da investi-
gação, hoje central para atuação do Ministério Público, e traçar as etapas evolutivas
desta atividade administrativa na estrutura pública brasileira. No plano científico, o
conceito de investigação conecta-se ao processo de produção do conhecimento,
etapa inicial de coleta e avaliação dos dados que poderão vir a tornar-se conheci-
mento científico, desencadeada pelo pesquisador diante da realidade objetiva que
procura aprender ou explicar. Na explanação de Carmelza Rosário et alli:
Investigar é bem mais do que encontrar respostas para os problemas,
investigar é colocar problemas aos problemas ingenuamente ou pregui-
çosamente julgados resolvidos, investigar é criar problemas às fórmulas
prontas-a-consumir, é criar mecanismos sempre cada vez mais profundos
e rigorosos no sentido de analisar a realidade social para além das formas
e das fórmulas crédulas e superficiais pelas quais julgamos ter resolvido o
problema ou os problemas de análise. E para além, também, de dois riscos:
o da crença ingênua no cientifismo positivista e neutral e o da crença na im-
possibilidade do conhecimento científico. (ROSÁRIO, Carmelza; GRANJO,
Paulo; CAHEN, Michel. O que é investigar? Caderno de Ciências Sociais/
Coleção dirigida por Carlos Serra. Editora: Escolar Editora, 2013, 88p.).

Se o conhecimento da realidade objetiva é a finalidade última do procedimen-


to de investigação científica, tal postulado, ao menos em sua definição essencial,
é plenamente aplicável à atuação oficial dos órgãos de Estado, quando a ação ad-

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ministrativa busca apurar a ocorrência de determinado fato, as circunstâncias sob
as quais o fenômeno ocorreu e suas principais consequências. Em sentido amplo,
considerando que a resposta estatal às demandas sociais depende, sempre, do
prévio conhecimento da realidade sobre a qual incidirá a ação, traços mínimos de
“investigação” estarão presentes em todo procedimento levado a efeito pelo Poder
Público.
As políticas públicas, por exemplo, dependem para sua execução da fase
prévia de planejamento e do controle concomitante às ações realizadas, formas de
atuação que, em larga medida, guardam fortes componentes de ação investigativa.
Nesta linha, considerando que a eficácia da ordem jurídica depende da concretiza-
ção normativa derivada do processo de subsunção de fatos a normas, pode-se afir-
mar que a ação cognoscitiva que marca o procedimento investigativo está presente
em todo processo de realização do Direito.
Outrossim, o termo investigação guarda íntima relação no senso comum com
a persecução criminal. Atente-se para a noção de investigação trazida por Bruno
Calabrich, que relaciona o procedimento às atividades finalísticas do Estado: re-
pressão ao crime e proteção aos direitos fundamentais de seus cidadãos:
Estando entre as funções do Estado a proteção de direitos fundamentais
e a promoção da Justiça, a notícia de prática de um ilícito penal faz surgir
para este o dever de, por meio de seus órgãos constitucional e legalmente
legitimados, apurar o fato, de modo a confirmá-lo ou não, e de promover a
ação penal correspondente, se for o caso. (CALABRICH, Bruno. Investiga-
ção criminal pelo Ministério Público: fundamentos e limites constitucionais.
São Paulo: RT, 2007, p. 50).

No mesmo sentido, o conceito de investigação de Aury Lopes Júnior:


[…] podemos conceituar investigação como o conjunto de atividades rea-
lizadas concatenadamente por órgãos do Estado; a partir de uma notícia-
-crime ou atividade de ofício; com caráter prévio e de natureza preparató-
ria com relação ao processo penal; que pretende averiguar a autoria e as
circunstâncias de um fato aparentemente delitivo, com o fim de justificar o
exercício da ação penal ou o arquivamento (não processo). (LOPES JÚ-
NIOR, Aury. Sistemas de Investigação preliminar no processo penal. 4. ed.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 40)

Um pouco mais adiante, na mesma obra, referido autor explica que os sis-
temas jurídicos no Ocidente contemplam a investigação, no plano criminal, sob
dois modelos distintos: a) como procedimento administrativo pré-processual, isto é,
quando a investigação estiver a cargo de um órgão estatal não vinculado ao Poder

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Judiciário, sendo presidida, pois, por agente não revestido de jurisdição – exempli-
fica-se como tal procedimento o inquérito policial, bem como, no Brasil, a investiga-
ção levada a cabo pelo Ministério Público; b) como procedimento judicial pré-pro-
cessual; “quando a investigação preliminar está a cargo de um órgão que pertence
ao Poder Judiciário e dirige a investigação com base na potestas que emana de per-
tencer ao Poder Judiciário [...]”, categoria da qual os exemplos mais conhecidos são
os modelos italiano e português, nos quais a investigação preliminar é incumbência
do Ministério Público, constitucionalmente vinculado ao Poder Judiciário. (LOPES
JÚNIOR, Aury., op. cit. p. 41-43).
Tome-se, assim, o conceito de investigação apropriado para a persecução cri-
minal. Na sistemática tradicional do Direito Processual Penal brasileiro, a atividade
investigativa criminal está sob os cuidados da Polícia Judiciária (Polícia Civil, nos
Estados; Polícia Federal, nos crimes relacionados a interesses da União) e desen-
volve-se sob a moldura formal do inquérito policial, procedimento disciplinado entre
os artigos 4º e 23 do Código de Processo Penal. Embora não prime pela qualidade
técnica, o CPP parece observar a seguinte lógica na disciplina do procedimento in-
vestigativo: a) normas quanto à instauração do feito e a legitimidade para provocar
a atuação oficial (arts. 4º e 5º); b) diligências investigativas propriamente ditas e
formalização do procedimento (arts. 6º e 7º); c) providências relacionadas ao encer-
ramento dos trabalhos (arts. 8º e seguintes), que culminam com o relatório emitido
pela Autoridade Responsável, com suas conclusões acerca do fato e da respectiva
autoria (art. 13).
Permanece, assim, patente a aproximação entre o procedimento oficial de in-
vestigação criminal e a investigação científica propriamente dita, unificados pelo es-
copo comum de busca da verdade. A aproximação dos conceitos é explicitada por
Denilson Feitoza:
A pesquisa científica, as atividades e as operações de inteligência, a inves-
tigação criminal e o processo penal buscam a verdade. A evolução de seus
métodos, técnicas e instrumentos de busca da verdade, portanto, podem
ser conduzidos a um modelo único de comparação. Por exemplo, a técnica
de pesquisa denominada observação (participante ou não) utilizada na pes-
quisa científica, é uma ideia básica que se denomina respectivamente vigi-
lância, na inteligência, e campana, na investigação criminal. As diferenças
fundamentais são os critérios de aceitabilidade da verdade, os objetivos, os
marcos teóricos e as regras formais específicas de produção. Por exemplo,
no processo penal, objetiva-se uma verdade processual, necessária à to-

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mada de decisão judicial, enquanto, numa atividade de inteligência destina-
da a um “processo político”, o grau de aceitabilidade do caráter de verdade
de um fato é o necessário para uma decisão política. Os métodos, as técni-
cas e os instrumentos das atividades e das operações de inteligência e da
investigação criminal podem ser reconduzidos ao modelo geral do método
científico. Todos estabelecem um problema, hipótese, objetivo, justificativa/
relevância, situação do tema/problema, marco teórico, métodos/técnicas/
instrumentos de pesquisa, população/amostra, cronograma, conclusão,
produção do relatório de pesquisa, etc. As terminologias podem ser diferen-
tes, mas a ideia básica é a mesma. (Direito processual penal: teoria crítica
e práxis. 5ª ed., Niterói: Impetus, 2008, p. 160).

Cumpre destacar que, ao menos no modelo tradicional de persecução crimi-


nal prefigurado pelo CPP, o Ministério Público figura como destinatário dos trabalhos
investigativos a cargo da Polícia Judiciária de modo que, a partir deles, o titular da
ação penal pública forma sua convicção quanto a ocorrência do delito e a viabilida-
de do ajuizamento da demanda contra o investigado / indiciado. Ao Parquet caberia
provocar a instauração da investigação (CPP, art. 5º, II) e postular a realização de
novas diligências (CPP, art. 16), mas não presidir diretamente o procedimento ou
realizar, por mote próprio, as diligências de seu interesse.
Eis a razão pela qual a doutrina tradicional, ao menos na seara processual
penal, praticamente vincula as práticas investigativas criminais à Polícia Civil. Ilus-
trativa a passagem de Fernando da Costa Tourinho Filho:
Apurar a infração penal é colher informações a respeito do fato criminoso.
Para tanto, a Polícia Civil desenvolve laboriosa atividade, ouvindo testemu-
nhas que presenciaram o fato ou que dele tiveram conhecimento por ouvi-
rem a outrem, tomando declarações da vitima, procedendo a exames de
corpo de delito, exames de instrumento do crime, determinando buscas e
apreensões, acareações, reconhecimentos, ouvindo o indiciado, colhendo
informações sobre todas as circunstâncias que circunvolveram o fato tido
como delituoso, buscando tudo, enfim que possa influir no esclarecimento
do fato. Apurar a autoria significa que a Autoridade Policial deve desenvolver
a necessária atividade visando a descobrir, conhecer o verdadeiro autor do
fato infringente da norma[…]. (TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Pro-
cesso Penal, vol. 1. 29 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 194).

Entretanto, o desiderato da atividade investigativa - a produção de elemen-


tos de convicção acerca do fato - volta-se tanto para formação do convencimento
do Julgador, durante a demanda judicial, como, em momento antecedente, para
formação do juízo do órgão acusador, a formação da opinio delicti. As evidências,
em primeiro lugar desafiam a análise dos órgãos persecutórios, e não há qualquer
contradição lógica na realização direta das diligências probatórias pelo órgão res-
ponsável por sua avaliação a posteriori, no caso, o Ministério Público.

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De toda forma, já na apuração preliminar dos fatos estão presentes os traços
básicos da relação entre o Estado, por seu órgão investigador, e o investigado, vín-
culo este que será reformatado em decorrência da coleta e análise das evidências,
até ulterior dedução da pretensão punitiva em juízo e formação da relação jurídica-
-processual. Para Marcelo Mendroni:
O conteúdo dos atos de averiguação e de comprovação do Procedimento
Preliminar é configurado pelo direito constitutivo da relação entre o Estado,
detentor dos direitos de acusar e punir, com o imputado. São exatamente
os atos de averiguação que, direcionados para tomar em consideração que
um determinado fato se revista das características de um delito, servem de
base para a formação da relação entre o Estado e o imputado. (MENDRO-
NI, Marcelo B. Curso de Investigação Criminal. 3.ed., SP, Atlas, 2013, p. 77).

Na lição de Júlio Fabrini Mirabete atinente à prova judicial, mas plenamente


aplicável aos elementos coligidos durante o procedimento inquisitivo:
Para que o juiz declare a existência da responsabilidade criminal e imponha
sanção penal a uma determinada pessoa é necessário que adquira a certe-
za de que se foi cometido um ilícito penal e que seja ela a autora. Para isso
deve convencer-se de que são verdadeiros determinados fatos, chegando
à verdade quando a ideia que forma em sua mente se ajusta perfeitamente
com a realidade dos fatos. Da apuração dessa verdade trata a instrução,
fase do processo em que as partes procuram demonstrar o que objetivam,
sobretudo para demonstrar ao juiz a veracidade ou falsidade da imputação
feita ao réu e das circunstâncias que possam influir no julgamento da res-
ponsabilidade e na individualização das penas. Essa demonstração que
deve gerar no juiz a convicção de que necessita para o seu pronunciamen-
to é o que constitui a prova. Nesse sentido, ela se constitui em atividade
probatória, isto é, no conjunto e atos praticados pelas partes, por terceiros
(testemunhas, peritos etc.) e até pelo juiz para averiguar a verdade e formar
a convicção deste último (...) Objeto da prova é o que se deve demonstrar,
ou seja, aquilo sobre o que o juiz deve adquirir o conhecimento necessário
para resolver o litígio. Abrange, portanto, não só o fato criminoso e sua
autoria, como todas as circunstâncias objetivas e subjetivas que possam
influir na responsabilidade penal e na fixação da pena ou na imposição de
medida de segurança. Refere-se, pois, aos fatos relevantes para a decisão
da causa, devendo ser excluídos aqueles que não apresentam qualquer
relação com o que é discutido e que, assim, nenhuma influência podem ter
na solução do litígio. (Processo penal. 9. ed. SP: Atlas, 1999, p. 257)

A vinculação vulgar entre a investigação criminal e a atuação da Polícia Civil


suscitou sérias controvérsias quando, nos últimos anos, o Ministério Público passou
a desempenhar papel mais ativo, não apenas na persecução criminal, mas também
na investigação de outras formas de ilícito. Felizmente superadas, tais controvér-
sias, de certa forma, poderiam ter sido evitadas com leitura atenta do próprio Código
de Processo Penal, que já em 1941 dispunha que a competência das autoridades
policiais na condução de investigações “não excluirá a de autoridades administrati-

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vas, a quem por lei seja cometida a mesma função” (CPP, art. 4º, parágrafo único).
Foi, com efeito, a partir da ampliação de suas funções e da necessidade de ma-
ximizar a tutela dos bens jurídicos confiados à sua guarda que se desenvolveu a
atividade investigativa do Ministério Público.

1.2 ATIVIDADE INVESTIGATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO

O marco histórico mais relevante da atividade investigativa do Ministério Pú-


blico é a Lei da Ação Civil Pública (Lei 7347/85), que conferiu à instituição, além do
instrumento processual para salvaguarda de interesses transindividuais em juízo,
também o mecanismo administrativo para apuração de eventuais ilícitos, o inquérito
civil (Lei 7347/85, art. 8º, §1º). Nos termos da LACP, o Inquérito Civil seria instaurado
e presidido pelo Ministério Público, e destinado à coleta de informações para sub-
sidiar a ação coletiva. O arquivamento do procedimento inquisitivo promovido pelo
Promotor natural sujeitar-se-ia à revisão e homologação dentro da própria Instituição
Ministerial, a cargo do Conselho Superior do Ministério Público (LACP, art. 9º, §1º).
O inquérito civil, assim como os demais procedimentos investigativos sob a
presidência do Parquet, constituirão o objeto do Capítulo 3 deste Manual. Vale aqui,
no entanto, trazer a definição doutrinária do feito. Para Hugo Nigro Mazzili:
(...) inquérito civil é o instrumento administrativo de cunho investigatório e
inquisitivo utilizado e presidido pelo Ministério Público. O que se pretende
com esta peça é somar elementos de indícios para a atuação processual
ou extraprocessual.” (“O inquérito civil e o poder investigatório do Ministério
Público”. In: Ação civil pública após 20 anos: efetividade e desafios. Coord.
Edis Milaré. São Paulo: RT, 2005. Pág. 223).

Não é casual a criação do inquérito civil no Diploma base para atuação minis-
terial na tutela dos interesses transindividuais. A LACP atribui ao Ministério Público
o meio necessário para consecução da finalidade que ela mesmo estipula, qual
seja, a proteção judicial dos interesses coletivos nominados na própria Lei. Aprimo-
ra, de certa forma, o então nascente sistema de proteção aos direitos transindivi-
duais, à medida que, por exemplo, a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei
6.938/81), já conferia ao Ministério Público legitimidade para a ação civil decorrente
de danos ambientais, porém sem delinear procedimento investigativo prévio ao ajui-
zamento da demanda (art. 14, §1º).

17
A Constituição Federal vigente destacou os poderes investigatórios do Par-
quet, ao incluir entre as funções institucionais do Ministério Público a promoção do
inquérito civil e da ação civil pública para proteção de interesses difusos e coletivos,
destacando expressamente, dentre estes, o patrimônio público (art. 129, III); e ao
reconhecer a prerrogativa da Instituição de expedir notificações e requisitar infor-
mações e documentos, a autoridades públicas e agentes privados, para “instruir” os
“procedimentos administrativos” sob sua presidência (art. 129, VI). Embora o termo
“investigação” não conste do Texto, a condução de procedimentos inquisitivos pelo
Parquet é legitimada pela Carta Política.
Na perspectiva de Anna Cândida da Cunha Ferraz sobre o poder requi-
sitório da Instituição:
A expedição de notificações e requisições não é exatamente uma atribuição
do Ministério Público. Trata-se, na verdade, de instrumento de sua atuação.
No entanto, como a finalidade deste instrumento é justamente viabilizar o
exercício das funções ministeriais, o tratamento foi conjunto no texto cons-
titucional.
Tanto na atuação cível como no âmbito criminal, pode o Ministério Público
lançar mão desse meio para ter acesso a informações que permitam a for-
mação de sua convicção e colher elementos probatórios. (FERRAZ, Anna
Cândido da Cunha (coord.). Constituição Federal Interpretada,. Barueri:
Manole, 2010, p. 791).

A legislação organizacional do Ministério Público, produzida nos anos que se


seguiram à Constituição, passou a disciplinar a instauração e condução de proce-
dimentos investigativos lato sensu. Vide, por exemplo, o disposto nos arts. 25, IV e
26, I, da Lei 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público); e arts. 82, VI, e
83, I, da Lei Complementar Estadual 197/2000 (Lei Orgânica do Ministério Público
de Santa Catarina). Atos internos da Instituição e resoluções expedidas pelo Con-
selho Nacional do Ministério Público regulam os procedimentos investigativos cíveis
e criminais, como se verá a seguir. Em todos esses diplomas, há menção expressa
à defesa do patrimônio público e da moralidade administrativa como bens jurídicos
de caráter transindividual, cuja tutela pode ser alicerçada sobre os procedimen-
tos investigativos instaurados pelo Ministério Público (Lei 8.625/93, art. 25, IV, ‘b’;
LOMPSC, art. 82, VI, ‘d’).
Neste cenário, marcado pela ampliação das atribuições confiadas pela or-
dem jurídica ao Ministério Público e a criação de novos institutos pré-processuais
para subsidiar sua atuação, é curioso que a Lei de Improbidade Administrativa

18
(Lei 8.429/92), hoje um dos principais diplomas utilizados pelo Parquet na prote-
ção ao patrimônio coletivo, não mencione o inquérito civil, ao contrário, por exem-
plo, na área da infância e juventude, do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei
8.069/90, art. 201, V). Em termos literais, na sistemática da LIA, a investigação de
supostos atos de improbidade administrativa caberia em primeiro lugar à própria
Administração, mediante instauração de sindicâncias e procedimentos disciplinares
(art. 14), remetendo-se o feito ao Ministério Público apenas após a conclusão do
procedimento (art. 16) ou quando necessário o ajuizamento de medida cautelar (art.
15). Em outras palavras, o diploma que densifica a tutela dos princípios maiores da
Administração (CF, art. 37), e regulamenta os aspectos materiais e processuais da
punição dos autores do ilícito (CF, art. 37, §4º), limitaria, em primeira aproximação,
a atuação do Ministério Público à etapa subseqüente à conclusão do processo ad-
ministrativo disciplinar.
A aparente omissão da LIA e o fato do instrumento legal desenhado para sub-
sidiar a atuação do Ministério Público ser o inquérito civil ensejaram duas grandes
controvérsias atinentes ao poder investigatório da Instituição na tutela do patrimônio
coletivo:

o Ministério Público poderia apresentar-se em juízo para


defesa do patrimônio público, valendo-se do inquérito civil
e da ação civil pública, dado que a LIA não versa sobre
1º o procedimento inquisitivo, e a LACP, em seu art. 1º, não
estipula claramente o patrimônio público como interesse tu-
telável pela ação? Ademais, o Erário já não seria defendido,
em juízo, pela advocacia pública (CF, art. 131)?;

considerando a natureza civil (não-criminal) do inquérito a


que alude o art. 129, III, da CF, a Instituição disporia dos
2º mesmos poderes investigatórios para condução de investi-
gações criminais, tradicional atribuição da Polícia Judiciária
(CF, art. 144, §§1º e 4º)?

Ambas as questões foram ao final resolvidas de forma a prestigiar a atuação


investigativa, cível e criminal, do Ministério Público. Já no final dos anos 90, o Poder
Judiciário reconhecia o patrimônio público e a moralidade administrativa como bens
jurídicos tuteláveis pelo Parquet, via ação civil pública ou ação de improbidade,
destacando os julgados a pertinência entre a finalidade constitucional do Ministério

19
Público e os meios e instrumentos colocados à sua disposição pela ordem jurídica:
PROCESSUAL CIVIL. MINISTERIO PUBLICO. AÇÃO CIVIL PUBLICA.
DANO AO ERARIO. LEGITIMAÇÃO ATIVA RECONHECIDA. 1. AO MINIS-
TERIO PUBLICO E RECONHECIDA LEGITIMAÇÃO ATIVA PARA, POR
VIA DE AÇÃO CIVIL PUBLICA, PROTEGER OS DANOS COMETIDOS
CONTRA O PATRIMONIO PUBLICO POR MEIO DE AÇÕES ILICITAS
DOS AGENTES PUBLICOS. 2. INTERPRETAÇÃO DO ART. 1., IV, DA LEI
NUM. 7.347/85, EM COMBINAÇÃO COM O ART. 25, INC. IV, “B”, A LEI
NUM. 8.625/93. 3. A AÇÃO CIVIL PUBLICA TEM POR OBJETO, TAM-
BEM, PROTEÇÃO DO PATRIMONIO PUBLICO. 4. UMA DAS FUNÇÕES
ESPECIFICAS DO MINISTERIO PUBLICO E A DE PROMOVER INQUE-
RITO CIVIL E AÇÃO CIVIL PUBLICA PARA A PROTEÇÃO DO PATRIMO-
NIO PUBLICO. (ART. 129, III, DA CF/88). 5. HA DE SE FAZER COM QUE
PRODUZA EFICACIA A AMPLITUDE DO CAMPO DE ATUAÇÃO DO MI-
NISTERIO PUBLICO, CONFORME PRETENDE A CARTA MAGNA. 6. NÃO
SE CONCEBE HAVER LIMITAÇÃO IMPOSTA PELO ART. 1., DA LEI NUM.
7.347/85, NÃO SO POR FORÇA DO CONTIDO NA LEI NUM. 8.625/93, RT.
25, IV, MAS, TAMBEM, POR NÃO EXAUSTIVA A FIXAÇÃO DA LEGITIMI-
DADE REGULADA PELO REFERIDO DISPOSITIVO PARA A PROPOSI-
TURA DA AÇÃO. 7. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. (REsp 166.848/MG,
Rel. Min. José Delgado, Primeira Turma, j. em 12/05/1998).

Quanto aos poderes investigatórios do Ministério Público no plano criminal,


tema mais acerbo e apenas recentemente enfrentado pela jurisprudência, o debate
estendeu-se durante anos no Supremo Tribunal Federal, ao passo que o assunto foi
objeto inclusive de Proposta de Emenda Constitucional - a malfadada PEC 37 - que
intentava proibir a Instituição de conduzir investigações criminais. Síntese dos acir-
rados debates do período pode ser encontrada na obra de Mauro Fonseca Andrade,
que assim resume os argumentos contrários e favoráveis ao poder investigatório
ministerial:

Argumentos contrários: atividade investigativa é prerrogativa cons-


titucional exclusiva dos órgãos relacionados à segurança pública (CF,
art. 144, §§ 1º e 4º); investigação ministerial representaria retorno ao
sistema inquisitivo, em detrimento do sistema acusatório, prestigia-
do pelo regime constitucional; viola-se o princípio da “paridade de
armas” no processo, pois o órgão investigativo é o titular da ação pe-
nal; compromete-se a imparcialidade e a impessoalidade do próprio
Ministério Público e desrespeita-se o devido processo legal (CF, art.
5º, LIV); favorece-se o exibicionismo dos Promotores de Justiça, que
conduziriam investigações parciais, com risco de condenações ba-
seadas apenas na etapa investigativa, ainda que o Parquet não pos-
sua estrutura para abraçar estas novas funções; em contrapartida, o
inquérito policial e as Polícias Judiciárias seriam completamente es-
vaziadas, ao passo que o Ministério Público presidiria procedimentos
persecutórios sem qualquer controle externo.

20
Argumentos favoráveis: segundo a Teoria dos Poderes Implícitos,
prestigiada no constitucionalismo norte-americano, a titularidade da
ação penal (CF, art. 129, I) garantiria ao Parquet a prerrogativa de co-
letar elementos indispensáveis para o exercício de seu mister cons-
titucional; a interpretação sistemática das normas que conferem ao
MP o poder r equisitório e e a presidência do inquérito civil (CF, art.
129, II, VI e IX), fundamentam a condução de procedimentos inves-
tigativos criminais; as leis orgânicas do Ministério Público dispõem
sobre procedimentos inquisitivos, assim como diplomas como o ECA
e o Estatuto do Idoso; o CPP não exclui a competência investigativa
de outras autoridades administrativas, além das autoridades policiais
(art. 4º, parágrafo único) e reserva ao MP o poder de “complementar”
o inquérito policial (art. 47); a investigação ministerial é reconhecida
em outras nações que adotam o sistema acusatório; maior indepen-
dência do Ministério Público, realçada pela dependência da Polícia
Judiciária em relação ao Poder Executivo. (ANDRADE, Mauro Fon-
seca. Ministério Público e sua investigação criminal. 2.ed. Curitiba,
Juruá, 2008).

A rejeição da PEC 37 pelo Congresso Nacional e a posição consolidada do


Pretório Excelso acerca do tema, hoje, não deixam dúvidas quanto a possibilidade
do Ministério Público conduzir procedimentos inquisitivos de natureza penal, inde-
pendente do concurso da Polícia Judiciária. Lícito transcrever parte da ementa da
decisão do STF no julgamento do Recurso Extraordinário 593.727, que veio a ser
consagrado como paradigma da Corte com a edição do Tema 184:
Repercussão geral. Recurso extraordinário representativo da controvérsia.
Constitucional. Separação dos poderes. Penal e processual penal. Poderes
de investigação do Ministério Público. (...) 4. Questão constitucional com
repercussão geral. Poderes de investigação do Ministério Público. Os arti-
gos 5º, incisos LIV e LV, 129, incisos III e VIII, e 144, inciso IV, § 4º, da
Constituição Federal, não tornam a investigação criminal exclusivida-
de da polícia, nem afastam os poderes de investigação do Ministério
Público. Fixada, em repercussão geral, tese assim sumulada: “O Ministério
Público dispõe de competência para promover, por autoridade própria, e
por prazo razoável, investigações de natureza penal, desde que respeita-
dos os direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado ou a qual-
quer pessoa sob investigação do Estado, observadas, sempre, por seus
agentes, as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição e, também,
as prerrogativas profissionais de que se acham investidos, em nosso País,
os Advogados (Lei 8.906/94, artigo 7º, notadamente os incisos I, II, III, XI,
XIII, XIV e XIX), sem prejuízo da possibilidade – sempre presente no Esta-
do democrático de Direito – do permanente controle jurisdicional dos atos,
necessariamente documentados (Súmula Vinculante 14), praticados pelos
membros dessa instituição”. Maioria. 5. Caso concreto. Crime de responsa-
bilidade de prefeito. Deixar de cumprir ordem judicial (art. 1º, inciso XIV, do
Decreto-Lei nº 201/67). Procedimento instaurado pelo Ministério Público a
partir de documentos oriundos de autos de processo judicial e de precató-

21
rio, para colher informações do próprio suspeito, eventualmente hábeis a
justificar e legitimar o fato imputado. Ausência de vício. Negado provimento
ao recurso extraordinário. Maioria. (RE 593727, rel. Min. Cezar Peluso, rel.
p/ Ac. Min. Gilmar Mendes, Pleno, j. 14/05/2015).

Tema 184 - Poder de investigação do Ministério Público.


Tese: O Ministério Público dispõe de competência para promover, por
autoridade própria, e por prazo razoável, investigações de natureza
penal, desde que respeitados os direitos e garantias que assistem a qual-
quer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado, observa-
das, sempre, por seus agentes, as hipóteses de reserva constitucional de
jurisdição e, também, as prerrogativas profissionais de que se acham inves-
tidos, em nosso País, os Advogados (Lei 8.906/1994, art. 7º, notadamente
os incisos I, II, III, XI, XIII, XIV e XIX), sem prejuízo da possibilidade – sem-
pre presente no Estado democrático de Direito – do permanente controle
jurisdicional dos atos, necessariamente documentados (Súmula Vinculante
14), praticados pelos membros dessa Instituição.

Depreende-se do voto do Ministro Gilmar Mendes, relator designado pela


maioria para composição do acórdão, a íntima relação entre os fins da Instituição
Ministerial e o reconhecimento de sua prerrogativa de conduzir procedimentos in-
quisitivos próprios:
Dessa forma, considerando o poder-dever conferido ao Ministério Público
na defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais
e individuais indisponíveis (art. 127, da CF), afigura-me indissociável às
suas funções relativa autonomia para colheita de elementos de prova
como, de fato, lhe confere a legislação infraconstitucional. É ínsito ao
sistema dialético de processo, concebido para o estado democrático
de direito, a faculdade de a parte colher, por si própria, elementos de
prova hábeis para defesa de seus interesses. E, ipso facto, não poderia
ser diferente com relação ao MP que tem, friso, o poder-dever da defesa da
ordem jurídica. E não se confundem eventuais diligências realizadas pelo
Ministério Público em procedimento por ele instaurado com o inquérito po-
licial. E essa atividade preparatória, consentânea com a responsabilidade
do poder acusatório, não interfere na relação de equilíbrio entre acusação
e defesa, na medida em que não está imune ao controle judicial simultâneo
ou posterior.

Na trilha deste leading case, o Supremo Tribunal Federal decidiu que a par-
ticipação do membro do Ministério Público na etapa investigativa, inclusive como
condutor do procedimento, não o impede ou o torna suspeito para o ulterior ajuiza-
mento da denúncia e correlata atuação processual:
HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. PO-
DER DE INVESTIGAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. POSSIBILIDADE.
IMPEDIMENTO OU SUSPEIÇÃO DE MEMBRO DO ÓRGÃO MINISTERIAL
QUE PARTICIPOU DA FASE INVESTIGATÓRIA. INOCORRÊNCIA. (...) 2.
A jurisprudência do STF é no sentido de que a participação de membro
do Ministério Público na fase investigatória não acarreta, por si só,
seu impedimento ou sua suspeição para o oferecimento da denúncia,

22
e nem poderia ser diferente à luz da tese firmada pelo Plenário, mormente
por ser ele o dominus litis e sua atuação estar voltada exatamente à forma-
ção de sua convicção. (...) (HC N. 85.011-RS, RED. P/ O ACÓRDÃO: MIN.
TEORI ZAVASCK).

No Superior Tribunal de Justiça:


RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PODERES INVESTIGA-
TÓRIOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE. ALEGAÇÃO DE NU-
LIDADE DA INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. MÚLTIPLAS PRORROGA-
ÇÕES. FATOS COMPLEXOS. POSSIBILIDADE. NULIDADE AFASTADA.
INÉPCIA DA DENÚNCIA. ALEGAÇÃO NÃO FORMULADA AO TRIBUNAL
A QUO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO
DESPROVIDO. 1. O Ministério Público dispõe de atribuição para pro-
mover, por autoridade própria, e por prazo razoável, investigações de
natureza penal, desde que observados os direitos individuais do in-
vestigado e as prerrogativas do seu defensor. (...) (RHC 66.081/MG,
Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julga-
do em 02/08/2016, DJe 09/08/2016)

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PODE-


RES INVESTIGATÓRIOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO. RECURSO EXTRA-
ORDINÁRIO Nº 593.727. CRIME DE RESPONSABILIDADE. CO-AUTORIA
OU PARTICIPAÇÃO DE TERCEIROS. POSSIBILIDADE. ARTIGOS 514 DO
CPP E 21 DO CP. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/
STJ. RECURSO DESPROVIDO. 1. O Tribunal Pleno do Supremo Tribunal
Federal, por ocasião do recente julgamento do Recurso Extraordinário nº
593.727, submetido ao rito do artigo 543-B do Código de Processo Civil, pa-
cificou o entendimento de que o Ministério Público dispõe de atribuição
para promover, por autoridade própria, e por prazo razoável, investi-
gações de natureza penal (ut, REsp 1525437/PR, Rel. Ministra MARIA
THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, DJe 10/03/2016) (...) 5.
Agravo regimental não provido.
(AgRg no AREsp 651.699/MG, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA
FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 24/05/2016, DJe 01/06/2016)

Em Santa Catarina, no contexto de investigação criminal conduzida pelo


MPSC através do GAECO:
(..) MINISTÉRIO PÚBLICO. PODERES INVESTIGATIVOS. ARTIGO 129,
VI e VIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. JURISPRUDÊNCIA DESTA
CORTE E DOS TRIBUNAIS SUPERIORES. PROCEDIMENTO INVESTI-
GATIVO INSTAURADO NO ÂMBITO ADMINISTRATIVO DO MINISTÉRIO
PÚBLICO. CONDUÇÃO PELO ÓRGÃO MINISTERIAL. VIABILIDADE. IR-
REGULARIDADE. INOCORRÊNCIA. (...) DILIGÊNCIAS INVESTIGATIVAS.
REALIZAÇÃO PELA POLÍCIA MILITAR. PROVIDÊNCIA ADOTADA EM
CONJUNTO COM A POLÍCIA CIVIL. SITUAÇÃO VERIFICADA EM GRUPO
ORGANIZADO DE COMBATE À CRIMINALIDADE. IRREGULARIDADE.
AUSÊNCIA. ORDEM DENEGADA. “O art. 144 da Constituição Federal, ao
tratar dos órgãos da segurança pública, estabelece exclusividade das fun-
ções de polícia judiciária tão-somente para a Polícia Federal em relação à
União, o que não ocorre no âmbito estadual, não havendo falar-se em nu-
lidade, portanto, caso a Polícia Militar realize investigações, inclusive com
a elaboração de escutas telefônicas e relatórios, mormente quando estes
são entregues à Polícia Civil” (Apelação Criminal 2010.048030-2, de Xan-

23
xerê, Rel. Des. Salete Silva Sommariva, Segunda Câmara Criminal, j. em 3
de maio de 2011). (TJSC, Habeas Corpus 2014.025652-1, de Palhoça, rel.
Des. Jorge Schaefer Martins, Quarta Câmara Criminal, j. 29-05-2014).

Por conseguinte, o embasamento jurídico para as investigações ministeriais,


cíveis ou criminais, na área do patrimônio público é, acima de tudo, material: a pro-
teção máxima a bem jurídico de relevo, destacado pela Constituição Federal como
alicerce e diretriz da organização do Poder Público: a moralidade administrativa.
Cumpre, portanto, definir os contornos do valor constitucional tutelado pelo Ministé-
rio Público em suas investigações e ações.

24
2. O BEM JURÍDICO:
A MORALIDADE
ADMINISTRATIVA

25
Pressuposto lógico a uma investigação bem-sucedida é a consciência prévia
acerca de quando e como atuar - que passa, necessariamente, pela compreensão
dos bens jurídicos, os valores sociais protegidos pelo Ministério Público na vasta
área de atuação que se convencionou chamar, em Santa Catarina, de moralidade
administrativa.
A experiência do Centro de Apoio Operacional derivada da apreciação das
solicitações de auxílio formuladas pelos Colegas Promotores de Justiça revela,
curiosamente, que uma das dúvidas mais presentes no cotidiano do Representante
Ministerial é a caracterização, diante de um fato provado ou mesmo incontroverso,
de ato de improbidade administrativa. Certas vezes, a representação que motivou
a instauração é comprovada pela investigação ministerial, mas o fato, em si, não
justifica a atuação do Parquet. Não raro, da mesma forma, fatos devidamente pro-
vados constituem objeto de ações judiciais julgadas, ao final, improcedentes pelo
Poder Judiciário, sob argumentos relacionados não à demonstração da conduta em
si, mas à intenção que a moveu ou ao seu impacto lesivo.
Desta forma, ainda que de forma breve, por se tratar de um Manual Operacio-
nal, importa refletir sobre o que, efetivamente, protege o Ministério Público quando
seus Promotores atuam na seara da Moralidade Administrativa. Para tanto, cumpre
traçar os contornos gerais da Administração Pública e precisar, ao final, quais as-
pectos da atuação administrativa desafiam a ação ministerial.

2.1 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - PODERES, AGENTES E RECURSOS

A premissa básica deste Manual é a de que a fiscalização exercida pelo Mi-


nistério Público deve partir da compreensão finalística da Administração, entendida
como complexo de agentes, poderes, atribuições e bens juridicamente vinculados à
persecução de objetivos coletivos.
É ponto comum nas obras de Direito Administrativo a apresentação da Admi-
nistração Pública sob dupla perspectiva, subjetiva ou orgânica e objetiva ou funcio-
nal. Na lição de Mara Sylvia Zanella Di Pietro:

26
Convergem as duas perspectivas no sentido de que a Administração Pública
é a exteriorização visível do exercício da função administrativa, o conjunto ordenado
de órgãos e agentes que, juridicamente revestidos de certos poderes, opera para
realização de objetivos coletivos. No Estado Democrático de Direito, os poderes
administrativos, a estrutura organizacional da Administração e a conduta de seus
agentes são todos disciplinados por normas jurídicas, das quais, por evidência, des-
taca-se a Constituição Federal, por suas regras e princípios, a maior parte deles ex-
pressa no Capítulo VII (“Da Administração Pública”), do Título III (“Da Organização
do Estado”), da Carta Política.
O conjunto de prerrogativas e limites juridicamente impostos à atuação ad-
ministrativa conforma o que Celso Antônio Bandeira de Mello denomina regime ju-
rídico-administrativo, marcado pelos princípios da supremacia do interesse público
sobre o privado e da indisponibilidade, pela Administração, do interesse público. Em
termos sucintos, o mestre paulista assim define esses vetores:

Supremacia do Interesse Público


a) posição privilegiada do órgão encarregado de zelar pelo interesse público
e de exprimi-lo, nas relações com os particulares;
b) posição de supremacia do órgão nas mesmas relações;
c) restrições ou sujeições especiais no desempenho da atividade de natu-
reza pública.
Esta posição privilegiada encarna os benefícios que a ordem jurídica confere
a fim de assegurar conveniente proteção aos interesses públicos instrumen-
tando os órgãos que os representam para um bom, fácil, expedito e resguar-
dado desempenho de sua missão. Traduz-se em privilégios que lhes são atri-

27
buídos. Os efeitos desta posição são de diversa ordem e manifestam-se em
diferentes campos.

Indisponibilidade do Interesse Público


A indisponibilidade dos interesses públicos significa que, sendo interesses
qualificados como próprios da coletividade – internos ao setor público -, não
se encontram à livre disposição de quem quer que seja, por inapropriáveis. O
próprio órgão administrativo que os representa não tem disponibilidade sobre
eles, no sentido de que lhes incumbe apenas curá-los – o que é também um
dever – na estrita conformidade do que predispuser a intentio legis. (Curso
de Direito Administrativo. 29ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2011; págs. 70 e 76).

O conjunto de tarefas confiado pela sociedade à atuação administrativa varia


de acordo com o modelo de Estado adotado (intervencionista, social, liberal, etc.).
Em todos os casos, agora sob a perspectiva subjetiva, tais tarefas são assumidas
pela Administração e repartidas entre suas diversas entidades, órgãos e agentes,
em uma construção hierárquica marcada para supra-infra ordenação de funções,
que parte do mais simples agente administrativo e chega à cúpula de cada Poder ou
Instituição. No trato com os administrados, o Poder Público apresenta-se em posição
privilegiada, munido da capacidade de interferir sobre a esfera jurídica de cada cida-
dão. Nesta perspectiva, a Administração é, acima de tudo, uma estrutura de poderes.
A máquina administrativa, por sua vez, demanda o aporte permanente de
recursos financeiros para seu custeio e a remuneração de seus agentes, recursos
estes, como regra, retirados coercitivamente do corpo social através da tributação.
Parte considerável deste numerário retorna ao mercado, mediante contratação de
bens e serviços. A Administração vale-se ainda de seu acervo patrimonial mobiliário
e imobiliário, cujo uso, ainda que restrito a órgãos específicos, não se afasta das
finalidades do ente. Sob esta visão, a Administração é, também, uma grande con-
glomerado de bens.
Os processos administrativos internos e as relações com particulares somen-
te são possíveis porque a abstração “Administração Pública” materializa-se no com-
portamento de seus agentes, admitidos segundo critérios específicos, remunerados
de acordo com padrões legais pré-determinados e cujas funções são desempenha-
das conforme normas disciplinares próprias. Por este viés, a Administração é um
colegiado de pessoas.

28
Por último, o Leviatã surgido pela conjugação de recursos, poderes e pessoas
seria de todo inútil e ilegítimo se a tal estrutura não fosse confiada um conjunto de
tarefas, demandas sociais reconhecidas por lei e submetidas à atuação administra-
tiva. Em sentido amplo, tais obrigações referem-se à organização interna da própria
Administração; ao fomento de atividades privadas de interesse social; à limitação de
direitos individuais, em prol do bem coletivo; e à prestação e regulação dos serviços
públicos. É a Administração Pública como bloco de atribuições.

Em síntese, a Administração Pública é uma amálgama de agentes e formas


jurídico-institucionais, vinculados e apenas legitimados pela persecução de certas
finalidades, em nome das quais a estrutura política exerce um conjunto de poderes
e retira do corpo social o seu financiamento, predominantemente através de tribu-
tos. Entes, órgãos, cargos, agentes, poderes, funções e bens são, pois, elementos
constitutivos do Estado, em sua feição moderna. Em aproximação bastante simples,
a moralidade administrativa, em sentido amplo, é o conjunto de princípios jurídicos
e políticos, expressos e implícitos, que orienta as atividades desta máquina gigan-
tesca, conectados, indelevelmente, à noção de finalidade. Regras procedimentais e
objetivos materiais atingidos pela Administração, por consequência, remetem todos
a certos valores básicos, de interesse coletivo e fundamentais à estrutura política.
A diversificação das tarefas administrativas impôs a paulatina ampliação
do regime jurídico-administrativo e tornou mais problemática, especialmente para
fins de controle, a exata delimitação do alcance da Administração Pública. Há, por
exemplo, o vasto conjunto de entidades privadas que recebem recursos públicos

29
e que, mesmo parcialmente, submetem-se às regras gerais de controle, como as
organizações sociais (OSs); as organizações da sociedade civil de interesse público
(OSCIPs); as organizações da sociedade civil (OSCs) financiadas com fulcro na Lei
13.019/14; os serviços sociais autônomos e mesmo os particulares em geral, quan-
do envolvidos em alguma forma de relação jurídica com a Administração.
É certo que as ações de fiscalização e controle do MP alcançam estas enti-
dades e pessoas na medida de seu envolvimento com a atividade administrativa.
Também é incontroverso, na moderna concepção finalística de Poder Público, que
as omissões administrativas são passíveis de controle, inclusive mediante sancio-
namento dos agentes omissos.
Breve apanhado das iniciativas do Ministério Público no âmbito da Moralida-
de Administrativa revela que os Promotores de Justiça já orientam seu labor tendo
por norte esta concepção finalística de Administração. Pense-se, em relação aos
poderes, todas as ações ministeriais coibitivas do abuso ou desvio de poder e das
omissões ou excessos dos agentes e órgãos detentores de poder de polícia, como
fiscais e auditores. Em relação aos bens públicos, a pugna ministerial acerca dos
desvios, superfaturamento de obras e serviços, escorreita execução orçamentária e
pelo regime isonômico de uso e fruição dos bens públicos imóveis.
No tocante aos agentes públicos, basta recordar que a fiscalização sobre os
concursos públicos e contratações temporárias representa, há anos, um de nossos
principais nichos de atuação na área da Moralidade Administrativa, sem descurar
iniciativas de relevo também relacionadas ao tema, como o combate a toda forma
indevida de remuneração; o questionamento das ascensões funcionais indevidas e
dos cargos comissionados criados ao arrepio das disposições constitucionais.
No que concerne às atribuições da Administração, além do rígido acompa-
nhamento das licitações e da prestação dos serviços públicos, o Ministério Públi-
co desenvolve programas estruturantes, estratégias de atuação pautadas pelo for-
talecimento estrutural do ente público, essencial para prevenção ao ilícito. Neste
sentido, programas hoje executados em Santa Catarina, como o Transparência e
Cidadania, voltado para o aprimoramento da transparência na gestão pública; e o
Unindo Forças, dedicado ao fortalecimento das controladorias internas dos órgãos

30
públicos, ilustram que tão relevante quanto combater o ilícito é promover a boa ges-
tão.
Contudo, a observação da realidade indica que, não raro, em todas as esfe-
ras e Poderes, a Administração Pública opera em desacordo aos parâmetros cons-
titucionais. No desempenho de seu mister, os agentes púbicos incorrem em erros e
desvios. É, pois, na análise do ilícito, seu alcance e mecanismos de correção, que a
abordagem inicial da Administração poderá redundar na conformação de um efetivo
perfil institucional de atuação.

2.2 TUTELA PENAL - CRIMES CONTRA ADMINISTRAÇÃO

No plano criminal, no qual a definição do ilícito obedece aos imperativos da


tipicidade e da taxatividade, a questão é simples: atuará o Ministério Público diante
de todos os crimes sujeitos à ação penal pública.
O Título XI do Código Penal reúne os “Crimes contra a Administração Públi-
ca”, e define os contornos de delitos clássicos contra o Poder Público, praticados por
agente público ou particular, como o peculato (CP, art. 312) e a corrupção ativa e pas-
siva (CP, arts. 317 e 333). Sobre a objetividade jurídica relacionada a tais infrações, e
abeberando-se da doutrina italiana, assinalam Paulo José da Costa Júnior e Antonio
Pagliaro:
Doutrina Manzini que o objeto genérico da tutela penal dos crimes contra a
Administração Pública “é o interesse público concernente ao normal funcio-
namento e ao prestígio da administração pública em sentido lato, naquilo
que diz respeito à probidade, ao desinteresse, à capacidade, à competên-
cia, à disciplina, à fidelidade, à segurança, à liberdade, ao decoro funcional
e ao respeito devido à vontade do Estado em relação a determinados atos
ou relações da própria administração”. (...) Como se vê, o legislador, ao pre-
ver os crimes contra a Administração Pública, visou a tutelar a normalidade
funcional, a probidade, o prestígio e o decoro da Administração Pública,
entendida em sentido amplo. (PAGLIARO, Antonio. COSTA JR, Paulo José
da. Dos crimes contra a administração pública. 4. ed.- São Paulo: Atlas,
2009, p.13).

A exegese dos delitos tradicionais contra a Administração enxerga como fun-


damento da tutela criminal não apenas a coibição de desvios patrimoniais, mas, so-
bretudo, o regular funcionamento do aparato estatal e, de forma correlata, a probi-
dade dos agentes públicos e particulares em relação à res publica, o que expande a
objetividade dos crimes para além da questão pecuniária. Ao descrever o peculato,

31
Cesar Roberto Bittencourt adverte:
A eficiência do Estado está diretamente relacionada com a credibilidade,
honestidade e probidade de seus agentes, pois a atuação do corpo fun-
cional reflete-se na coletividade, influenciando decididamente na formação
ético-moral e política dos cidadãos, especialmente no conceito que fazem
da organização estatal. (...) A tutela penal pretende, na realidade, abranger
dois aspectos distintos: em primeiro lugar, objetiva garantir o bom funciona-
mento da Administração Pública, bem como o dever do funcionário público
de conduzir-se com lealdade e probidade; em segundo, visa proteger o pa-
trimônio mobiliário do Poder Público. (Tratado de Direito Penal, vol. 5, 9.ed.,
SP, Saraiva, 2015).

Fenômeno interessante teve lugar na ampliação da objetividade jurídica dos


delitos catalogados como crimes contra a Administração, à medida que se estendeu
o feixe de atividades sob gestão do Poder Público e novos valores sociais e diretrizes
políticas foram reconhecidas e protegidas sob o leque o Direito Penal. Nestes casos,
o Ministério Público deparou-se com desafios imprevistos, porquanto os novos delitos
relacionavam-se a aspectos específicos da atividade administrativa, e, como conse-
quência, eram traduzidos em tipos penais mais refinados, repletos de terminologia
técnica.
O primeiro exemplo pode ser buscado na inserção dos crimes licitatórios no
segmento final da Lei 8.666/93 (arts 89 a 98). Tais delitos, hoje entre os principais
instrumentos de atuação do Ministério Público, ilustram a preocupação do legislador
com a higidez de princípios administrativos como a impessoalidade, a moralidade e
a publicidade em uma etapa específica da ação estatal - o processo de contratação
de bens e serviços. Em relação a tais crimes, a principal batalha do Ministério Públi-
co tem sido pelo entendimento de que a juridicidade da licitação é um bem jurídico
tutelável por si, o que dispensa, para configuração dos delitos, a ocorrência de dano
ao Erário ou a demonstração de que o agente intentava desviar recursos públicos.
Em 2016, o MPSC aprovou tese institucional sobre o tema, lavrada nos seguintes
termos: “Os crimes previstos no art. 89 (“Dispensar ou inexigir licitação fora das
hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à
dispensa ou à inexigibilidade) e no art. 90 (“Frustrar ou fraudar, mediante ajuste,
combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento
licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da
adjudicação do objeto da licitação”) da Lei de Licitações (Lei 8.666/93) dispensam,
para sua consumação, a ocorrência de prejuízo ao Erário.”

32
Em 2000, concomitante à promulgação da Lei de Responsabilidade Fiscal, o
Código Penal recebeu um novo capítulo destinado à repressão dos “Crimes contra
as Finanças Públicas” (art.s 359-A a 359-H), enquanto o Decreto-Lei 201/67, que
versa sobre os crimes praticados por Prefeitos Municipais, recebia 8 novos tipos
penais (art. 1º, incs. XVI a XXIII), relacionados à proteção do equilíbrio fiscal e à re-
gularidade da despesa pública. O fato de que estes delitos dispensam o prejuízo ao
Erário para sua consumação denota que o equilíbrio orçamentário-fiscal, estranho
à redação original do Código Penal, hoje integra a objetividade jurídica “Administra-
ção Pública” tutelada pelo Diploma Repressivo.
Outros exemplos de “modernização” dos crimes contra Administração são a
inserção no Código Penal de tipos relacionados à proteção de sistemas de informa-
ção gerenciados pelo Poder Público (CP, arts. 313-A e 313-B); a repressão a ilícitos
perpetrados contra a Administração Pública estrangeira (CP, arts. 337-B e 337-C);
a especialização do Direito Penal para coibir condutas lesivas vinculadas a certos
órgãos ou atividades da Administração, como a Previdência Social (CP, art. 337-A)
e os certames de interesse público (CP, art. 311-A).
Nos últimos anos, a atuação firme dos órgãos de persecução tem contribuído
para o desenvolvimento de exegese mais moderna inclusive no tocante aos delitos
“clássicos” contra a Administração. Antigos debates doutrinários receberam nova
conformação jurisprudencial, sobretudo no curso das grandes operações nacionais
de repressão a esquemas organizados de corrupção. Na Ação Penal 470, por exem-
plo, cujo objeto era o esquema criminoso do “mensalão”, e que foi julgada pelo
Supremo Tribunal Federal de 2012, prestigiou-se a chamada Teoria do Domínio do
Fato, que ampliava os contornos dogmáticos do conceito penal de autoria do delito;
nos processos judiciais derivados da Operação Lava Jato, por sua vez, consolidou-
-se a tese de que o crime de corrupção passiva dispensa, para sua configuração,
prova de um ato de ofício “específico”, comercializado pelo agente público com o
corruptor.
De forma esquemática, os delitos contra a Administração Pública concentram-
-se no Título XI da Parte Especial do Código Penal (arts. 312 a 359-H), subdividido
em 5 capítulos - praticados por funcionário público; praticados por particular; contra

33
a Administração Pública estrangeira; contra a Administração da Justiça e contra as
Finanças Públicas, além de diversos outros delitos capitulados na legislação extra-
vagante.
Todas essas infrações atentam contra princípios jurídicos e interesses sociais
de monta. No entanto, até para fins de construção argumentativa e para o êxito da
ação penal, o Promotor de Justiça deve estar atento para as nuances específicas
de cada delito, sempre fundamentado sobre o macrobem moralidade administrati-
va. Importa saber o que estamos defendendo e porque o estamos defendendo. Do
contrário, continuaremos a enfrentar as estranhas armadilhas hermenêuticas que
a prática forense impõe à efetividade destas normas penais, como a exigência de
prova de dano nos crimes licitatórios; a excludente do “estado de necessidade” nas
infrações contra as Finanças Públicas; e a aplicação indevida do princípio da insig-
nificância nos crimes contra a Administração.

2.3 TUTELA CÍVEL - MORALIDADE ADMINISTRATIVA

É no plano cível que surge com maior intensidade a controvérsia sobre o al-
cance da atuação ministerial. Aqui, sem os limites rígidos do Código Penal, a ação
ministerial pode expandir-se, impulsionada pelo caráter principiológico da Lei de
Improbidade Administrativa; mas também pode perder-se em investigações inúteis
e questões comezinhas, em prejuízo da eficácia institucional. Apenas no ano de
2017, os Promotores catarinenses abriram 8.198 procedimentos investigativos na
área da Moralidade Administrativa, tendo promovido 3.351 arquivamentos; firmado
148 termos de compromisso de ajustamento de conduta; e deduzido em juízo 623
ações civis públicas. Depreende-se, assim, que anualmente, o Ministério Público lo-
gra encerrar número de procedimentos inferior a 60% do número de novos feitos, o
que aponta para o crescimento vertiginoso dos acervos das Promotorias de Justiça.
Condutas representativas de crimes graves constituem, simultaneamente,
atos de improbidade administrativa, e obrigam o infrator a responder por sua prá-
tica nas duas esferas, penal e cível. As dúvidas surgem quando o suposto ilícito
não corresponde a qualquer figura penal e, em muitos casos, não pode sequer ser
enquadrado sob os incisos dos artigos 9º, 10, 10-A e 11 da Lei de Improbidade - e,

34
mais recentemente, sob o artigo 5º da Lei Anticorrupção. Diante do caso concreto, o
Representante Ministerial é confrontado com três questões fundamentais:

São estas perguntas que definem o perfil da atuação ministerial. Como tal,
somente podem ser respondidas se o Promotor de Justiça compreender a natureza
do bem por ele protegido.

2.3 .1 M oralidade A dm inistr a t i v a e Di r e i t o à G e s t ã o P r o b a

É intuitivo que o “patrimônio público” ou melhor, a “moralidade administrativa”,


como valor tutelado pelo MP, possui conotação ampla, que não se limita ao aspec-
to patrimonial da atividade pública. Susana Henriques da Costa rememora a lição
clássica de Maurice Hariou sobre moralidade administrativa:
O conjunto de regras de conduta tiradas da disciplina interior da Adminis-
tração; implica saber distinguir não só o bem e o mal, o legal e o ilegal, o
justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente, mas também entre o
honesto e o desonesto; há uma moral institucional, contida na lei, imposta
pelo Poder Legislativo, e há moral administrativa, que é imposta de dentro
e que vigora no próprio ambiente institucional e condiciona a utilização de
qualquer poder jurídico.

E completa, ao destacar que a noção de moralidade administrativa transcende


a perspectiva da mera legalidade do ato e aproxima-se da noção de desvio de poder:
[...] seus limites [da moralidade administrativa] são fixados pelos princípios
e regras que regem a Administração Pública, e sua observância é apurada
pelo confronto entre o ato do administrador e referidos parâmetros. Trata-
-se de uma moralidade jurídica. [...] Segundo essa teoria, a Administração
tem por finalidade buscar o interesse público. Essa finalidade é suprema e
não pode ser afastada. Se o ato administrativo foi realizado com finalidade
outra, ele padece de vício insanável. Dá-se, portanto, conteúdo teleológico
ao ato administrativo. Nesse sentido, se o administrador agir em desacor-
do com a finalidade pública prevista para determinado ato administrativo,
agirá de forma imoral, pois está utilizando-se de meios lícitos para atingir
finalidades não previstas pelo direito. (COSTA, Susana Henriques da. O
Processo Coletivo na Tutela do Patrimônio Público e da Moralidade Admi-
nistrativa. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 67-68).

35
A moralidade administrativa, sob este viés, é não apenas um dos princípios
positivados na Carta Política, mas, por excelência, o princípio magno a unificar e le-
gitimar todas as demais diretrizes relativas à gestão pública. No escólio de Wallace
de Paiva Martins Neto sobre a configuração constitucional da moralidade adminis-
trativa:
O enfoque principal é do princípio da moralidade na medida em que ele
constitui verdadeiro superprincípio informador dos demais (ou um
princípio dos princípios), não se podendo reduzi-lo a mero integrante do
princípio da legalidade. A moralidade administrativa tem relevo singular e é
o mais importante desses princípios, porque é pressuposto informativo dos
demais (legalidade, impessoalidade, publicidade, razoabilidade, proporcio-
nalidade, motivação), muito embora devam coexistir no ato administrativo.
Exsurge a moralidade administrativa como precedente lógico de toda con-
duta administrativa, vinculada ou discricionária, derivando também às ativi-
dades legislativas e jurisdicionais, consistindo no assentamento de que “o
Estado define o desempenho da função administrativa segundo uma ordem
ética acordada com os valores sociais prevalentes e voltada à realização
de seus fins”, tende como elemento a honestidade, a boa-fé e a lealdade
e visando a uma boa administração. (MARTINS JUNIOR, Wallace Paiva.
Probidade administrativa. Ed. 4ª. Saraiva. São Paulo, 2009; pág. 31).

Alicerce da moralidade administrativa são os princípios e regras plasmados


na Constituição. A partir destes vetores, conforma-se para os agentes públicos o
dever de observância dos valores constitucionais em cada aspecto da atividade pú-
blica. É o dever de probidade, assim definido por Fábio Medina Osório:
O dever de probidade dos agentes públicos no tratamento da coisa pública,
na prestação de serviços públicos ou, mais genericamente, no exercício
das funções públicas está plasmado no sistema constitucional que tutela a
Administração Pública brasileira, projetando diretrizes fundamentais do Es-
tado Democrático de Direito, orientando o tratamento da res publica como
um todo, alcançando frontalmente os agentes públicos. (Teoria da improbi-
dade administrativa, 2013, p 76).

Se há um dever de probidade inato aos agentes que operam a máquina púbi-


ca, e se os padrões de atuação desta, a partir dos quais pode ser definida a Admi-
nistração bem-sucedida, podem ser derivados da Constituição e das leis, há para
a coletividade, de forma correlata, um direito fundamental, de natureza transindivi-
dual, ao correto exercício dos poderes administrativos ou, em síntese, à Administra-
ção proba. No escólio de Juarez de Freitas:
(...) trata-se do direito fundamental à administração pública eficiente e efi-
caz, proporcional cumpridora de seus deveres, com transparência, motiva-
ção, imparcialidade e respeito à moralidade, à participação social e à plena
responsabilidade por suas condutas omissivas e comissivas. A tal direito
corresponde o dever de a administração pública observar; nas relações ad-
ministrativas, a cogência da totalidade dos princípios constitucionais que

36
a regem. (Discricionariedade administrativa: e o direito fundamental à boa
administração pública, 2007, p 20).

E novamente com Fábio Medina Osório:


O imperativo de boa gestão pública se aplica, pois, a todos os Poderes de
Estado, a todo o setor público, não se importam a natureza nem a qualidade
do órgão ou de seus titulares. Tem-se um panorama de obrigações cada
vez mais intensas aos gestores públicos, os quais não se tornam menos
responsáveis apenas por cumprirem ditames burocráticos das regras e pro-
cedimentos legais. (Op. cit., p. 46).

Como ente legitimado para defesa de interesses sociais, dentre os quais o


direito fundamental à Administração proba e eficiente, cabe ao Ministério Público
implementar medidas, judiciais e extrajudiciais, que impulsionem a concretização
deste direito, que tem na Administração Pública seu locus por excelência. Como co-
rolário, o poder investigatório do Ministério Público na esfera cível adequadamente
utilizado quando os dados coletados puderem embasar:

2.3 .2 M oralidade, Im pr obida d e e I r r e g u l a r i d a d e Ad m i n i s t r a t i v a

A improbidade administrativa é conceito relacionado a última tarefa acima


enumerada, adstrita ao combate a condutas altamente lesivas à moralidade, como
denota, aliás, a gravidade das sanções cominadas pela Constituição aos atos de
improbidade, como a suspensão de direitos políticos e a perda da função pública,
além da obrigação imprescritível de ressarcir o Erário (CF, art. 37, §§ 4º e 5º). Por
improbidade, compreende Marino Pazzaglini Filho:
“(...) o designativo técnico para a chamada corrupção administrativa, que,
sob diversas formas, promove o desvirtuamento da Administração Pú-

37
blica e afronta aos princípios nucleares da ordem jurídica (Estado de
Direito, Democrático e Republicano), revelando-se pela obtenção de vanta-
gens patrimoniais indevidas às expensas do erário, pelo exercício nocivo
das funções e empregos públicos, pelo tráfico de influência nas esferas da
Administração e pelo favorecimento de poucos em detrimento dos interes-
ses da sociedade (...).” (PAZZAGLINI, Marino, Aspectos jurídicos da defesa
do patrimônio público, SP, Atlas, 1997, p.25).

A atuação ministerial não se resume à repressão da improbidade administrati-


va, nada obstante a relevância da Lei 8.429/92 para atuação cotidiana dos Promoto-
res de Justiça. Além da ação punitiva propriamente dita, há um amplo espaço para o
desenvolvimento de investigações ministeriais voltadas para a “proteção, prevenção
e reparação dos danos causados ao patrimônio público e social” e para “anulação
ou declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio público ou à moralidade
administrativa”, nas locuções empregadas pela LOMPSC (art. 82, VI, ‘b’ e ‘d’).
Em contrapartida, pequenos defeitos na prestação de serviços públicos, falhas
comezinhas na atividade administrativa, atos de gestão relacionados apenas a inte-
resses particulares individualizáveis, equívocos no trato da coisa pública e mesmo
irregularidades incapazes de lesar interesses coletivos relacionados à boa Adminis-
tração não devem constituir objeto de procedimentos ministeriais. Sobre a distinção
entre atos de ímprobos e irregularidades administrativas, verbera Waldo Fazzio Ju-
nior:

A Lei 8.429/92 está situada num plano em que o jurídico, o deontológico e


o axiológico se imbricam, de modo que a quebra da legalidade só ingressa
no território da improbidade, quando a conduta ilegal esbarra nos valores e
deveres que, a partir do caput do art. 11, iluminam seus incisos. Ao apagar
essas luzes, o agente público se faz ímprobo. […]Desse benfazejo atrevi-
mento legislativo, contudo, advém sempre o perigo de que práticas sem
maiores repercussões no universo administrativo, ditadas eventualmente
pelo despreparo intelectual e pela ausência de habilidade do agente públi-
co, se examinadas à luz de um preciosismo normativo, possam assumir a
configuração de atos de improbidade, quando, de fato, não encerram tanta
gravidade. As deficiências pessoais, culturais e profissionais de agentes pú-
blicos podem promover irregularidades e, até mesmo, ilegalidades formais,
mas é só o desvio de caráter que torna a ilegalidade sinônima de improbida-
de. (FAZZIO Junior, Waldo. Improbidade administrativa: doutrina, legislação
e jurisprudência. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 307)

Para Fernando Gajardoni:

38
A inobservância do princípio da legalidade não implica necessariamente em
improbidade administrativa, na medida em que um determinado ato admi-
nistrativo pode ter sido praticado sem observância da prescrição legal, mas
não decorrer propriamente de qualquer conduta imoral, muito menos dolo-
sa, além de não causar qualquer prejuízo ao erário e nem implicar em enri-
quecimento ilícito do agente público. (GAJARDONI, Fernando da Fonseca et
alli. Comentários à Lei de Improbidade Administrativa. 2º, São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2012, p. 59).

A distinção repercute no plano jurisprudencial. Colhe-se do repertório do STJ:

A exegese das regras insertas no art. 11 da Lei 8.429/92, considerada a


gravidade das sanções e restrições impostas ao agente público, deve ser
realizada cum granu salis, máxime porque uma interpretação ampliativa po-
derá acoimar de ímprobas condutas meramente irregulares, suscetíveis de
correção administrativa, posto ausente a má-fé do administrador público,
preservada a moralidade administrativa e, a fortiori, ir além de que o legis-
lador pretendeu. A má-fé, consoante cediço, é premissa do ato ilegal e ím-
probo e a ilegalidade só adquire o status de improbidade quando a conduta
antijurídica fere os princípios constitucionais da Administração Pública co-
adjuvados pela má-intenção do administrador. (REsp 909446/RN, Rel. Minis-
tro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06/04/2010, DJe 22/04/2010)

Ainda que a conduta investigada subsuma-se a um dos incisos da Lei 8.429/92,


não se poderá falar em ato de improbidade administrativa sem análise acurada do
elemento subjetivo a mover o agente e a lesividade de seu comportamento, contra-
posta aos princípios constitucionais. É a passagem da improbidade formal para a
improbidade material, elucidada no excerto de Emerson Garcia e Rogério Pacheco
Alves, descritivo do iter que deve percorrer o Promotor na análise da conduta su-
postamente ímproba:
Hodiernamente, o iter a ser percorrido para a identificação do ato de impro-
bidade haverá de ser iniciado com a comprovação da incompatibilidade da
conduta com os princípios regentes da atividade estatal, vale dizer, com a
inobservância do princípio da juridicidade, no qual avultam em importância
os princípios da legalidade e da moralidade. A norma, consubstanciada em
regras ou princípios, haverá de ser observada, sendo a violação desta o
principal prisma dos atos de improbidade. [...]
Ainda sob a ótica da tipificação dos atos de improbidade, deve ser anali-
sado, em um segundo momento, o elemento volitivo do agente. Todos os
atos emanados dos agentes públicos e que estejam em dissonância com
os princípios norteadores da atividade estatal serão informados por um ele-
mento subjetivo, o qual veiculará a vontade do agente com a prática do ato.
[...]
Ante o teor da Lei nº 8.429/92, constata-se que apenas os atos que acarre-
tem lesão ao erário (art. 10) admitem a forma culposa, pois somente aqui
tem-se a previsão de sancionamento para tal elemento volitivo. Na hipótese
de enriquecimento ilícito (art. 9º) e violação aos princípios administrativos

39
(art. 11), o ato deve ser doloso. [...]
Constatada a violação aos princípios que legitimam a atividade estatal e
identificado o elemento volitivo do agente, deve ser aferido se a sua condu-
ta gerou efeitos outros, o que importará em modificação da tipologia legal e
alcançará o ato.
Assim, havendo unicamente violação aos princípios, ter-se-á a subsunção
da conduta ao tipo do art. 11 da Lei nº 8.429/92; tratando-se de ato que
tenha igualmente acarretado dano ao patrimônio público, as atenções se
voltarão para o art. 10; e em sendo divisado o enriquecimento ilícito, a ma-
téria será regida pelas figuras do art. 9º. [...]
Dispõe o art. 1º da Lei nº 8.429/92 que somente estarão sujeitos às san-
ções previstas nesta lei aqueles atos praticados por agentes públicos em
detrimento das entidades ali enumeradas. Neste passo, devem ser analisa-
das as características dos sujeitos passivo e ativo do ato, os quais devem
encontrar plena adequação ao disposto nos arts. 1º e 2º da Lei de Improbi-
dade [...].
Ultrapassados os quatro momentos anteriormente referidos, ter-se-á o que
se pode denominar de ‘improbidade formal’. [...] Constatada a dissonância,
passou-se a uma operação mecânica de subsunção da conduta à tipologia
legal, sendo que esta etapa deve ser complementada com a utilização do
princípio da proporcionalidade, o que permitirá que coexistam, lado a lado,
a ‘improbidade formal’ e a ‘improbidade material’. [...] este quinto momento
do iter de identificação da improbidade afastará a aplicação desarrazoada
da Lei nº 8.429/92, não permitindo o enfraquecimento de sua credibilidade.
(GARCIA, Emerson. ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade administrati-
va. 3ª, ed. rev. e amp. 2ª, tiragem. Rio de Janeiro: Lumen Júris. 2010, pg.
361/364)

Raciocínio semelhante é aplicável ao processo de responsabilização de pes-


soas jurídicas envolvidas em atos lesivos contra a Administração, disciplinado pela
Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013). Traço distintivo deste moderno Diploma, inse-
rido no direito pátrio por força de tratados internacionais, é a responsabilidade obje-
tiva das pessoas jurídicas, empresas em especial, flagradas em práticas lesivas ao
Erário, previstas no art. 5º da Lei, isto independente da responsabilidade subjetiva
correlata dos indivíduos envolvidos na trama ilícita. No entanto, a gravidade das
punições cominadas - que se desdobram em processos administrativos e judiciais
que podem levar à extinção da empresa - induz a conclusão de que pequenas irre-
gularidades nos contratos administrativos, por exemplo, ainda que enquadradas no
referido art. 5º, devem receber resposta proporcional da ordem jurídica.
Para correção de ilícitos administrativos de pequena monta, a revisão de atos
ilegais e a fixação de procedimentos preventivos, a esfera adequada é a própria
instância administrativa. A atividade administrativa está adstrita ao princípio da le-
galidade, cumprindo a seus agentes, inclusive os agentes políticos, o adequado co-

40
nhecimento da Lei regente de suas respectivas tarefas e funções. A Administração
detém o poder-dever de autotutela, o que lhe dá os meios e a obrigação de corrigir
atos irregulares perpetrados por seus agentes ou pelos administrados em relação
ao Poder Público. Para José dos Santos Carvalho Filho:
A Administração Pública comete equívocos no exercício de suas atividades,
o que não é nem um pouco estranhável em vista das múltiplas tarefas a
seu cargo. Defrontando-se com esses erros, no entanto, pode ela mesma
revê-los para restaurar a situação de regularidade. Não se trata apenas de
uma faculdade, mas também de um dever, pois que não se pode admitir
que, diante de situações irregulares, permaneça inerte e desinteressada.
Na verdade, só restaurando a situação de regularidade é que a Administra-
ção observa o princípio da legalidade, do qual a autotutela é um dos mais
importantes corolários. (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de
Direito administrativo. Ed. 23, ver. e ampl. e atual. Lumen Juris. Rio de Ja-
neiro, 2010, pág.36).

Nos últimos anos, a ampliação das atividades do Ministério Público e a abertu-


ra irrestrita da Instituição aos reclames da cidadania permitiram que diversas comu-
nicações a respeito de fatos que deveriam ser resolvidos pela própria Administração
chegassem antes ao conhecimento do Parquet. É inadequado que estes todos fatos
sejam tratados pelo Ministério Público como atos de improbidade, a desafiar me-
didas judiciais punitivas, e não apenas porque, para ilícitos menos graves, a Admi-
nistração dispõe de mecanismos internos de controle, mas também porque, nestas
situações, os ritos e as formalidades do processo judicial são o caminho mais longo
e menos eficiente para solução do problema.
Por esta razão, sem descurar da instrução apurada dos procedimentos inves-
tigativos e da qualificação do debate em juízo visando a procedência de suas ações,
é fundamental que o Promotor de Justiça impulsione práticas extrajudiciais de tutela
da moralidade administrativa e de promoção do direito coletivo à boa gestão, muitas
vezes de cunho preventivo (transparência, fiscalização de contratos, controle inter-
no, câmaras de autocomposição, etc.), valendo-se de ferramentas como os termos
de ajuste de conduta, recomendações, audiências públicas, etc. É o que assinalam
os Promotores catarinenses Henrique da Rosa Ziesemer e Vinícius Secco Zoponi:
Em muitas situações, independentemente da configuração de um ilícito em
atos, processos ou atividades do administrador público em violação à le-
galidade, verifica-se um espaço interinstitucional entre MP e administração
Pública para que se fomente a adequação e o aperfeiçoamento da prá-
xis administrativa adotada por um órgão ou ente público, visando ao pleno
respeito à legalidade. (ZIESEMER, Henrique da Rosa e ZOPONI, Vinícius
Secco. Ministério Público - Desafios e Diálogos Interinstitucionais. Editora

41
Lume Juris. Rio de Janeiro, 2017; pág. 83).

Desta forma, considerando os contornos do bem jurídico tutelado e a natureza


da infração verificada, a investigação ministerial no plano cível pode ser instaurada:

Eis que, melhor definido o Valor protegido pelo Ministério Público no âmbito
da Moralidade Administrativa, cumpre perquirir as regras e os procedimentos for-
mais que balizam a investigação ministerial.

42
3. OS INSTRUMENTOS
DE INVESTIGAÇÃO

43
Conforme já destacado, foi na década de 1980 que a legislação pátria passou
a contemplar procedimentos investigatórios cujo escopo seria a proteção de direi-
tos transindividuais. A criação desses instrumentos marca a evolução do sistema
de tutela jurisdicional, que avançou da proteção exclusiva dos direitos individuais
para a tutela de interesses difusos e coletivos. Atento a essa evolução, Teori Albino
Zavascki destaca:
Uma primeira onda de reformas, iniciada em 1985, foi caracterizada pela
introdução, no sistema, de instrumentos até então desconhecidos do direito
positivo, destinados (a) a dar curso a demandas de natureza coletiva, (b) a
tutelar direitos e deveres transindividuais, e (c) a tutelar, com mais amplitu-
de, a própria ordem jurídica abstratamente considerada. (ZAVASCKI, Teori
Albino. Processo Coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de
direitos. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 14).

A nova dinâmica de tutela judicial dos interesses transindividuais no Brasil


acompanhava a “onda” de acesso à Justiça que também ocorria em outros países,
conforme observado por Capelletti e Bryant:
No particular, a onda reformadora, tendente a aperfeiçoar as condições de
acesso à justiça, acompanhou movimento no mesmo sentido em outros pa-
íses, especialmente na Europa e nos Estados Unidos das Américas, preo-
cupados, também, com a inaptidão das concepções tradicionais do proces-
so para fazer frente a tutela de interesses transindividuais. (CAPELLETTI,
Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre: 1988, p. 49-50).

Dentre os instrumentos criados para a tutela de direitos coletivos latu sensu,


destaca-se importante mecanismo de investigação posto à disposição do Ministério
Público para a persecução de fatos relacionados à violação de direitos transindivi-
duais, qual seja, o inquérito civil público, materializado em nosso ordenamento
pela Lei de Ação Civil Pública e que constitui, hoje, ferramenta amplamente utilizada
para investigar, entre outras situações, a lesão ao patrimônio público (arts. 8º e 9º
da LACP).
Assim, no bojo da criação de novos instrumentos de defesa dos direitos cole-
tivos latu sensu, a proteção ao erário passou a integrar o rol de interesses tutelados,
pois “a preservação do patrimônio público deve ser enquadrada na categoria dos
direitos difusos, assim como a preservação da moralidade administrativa e da pro-
bidade administrativa de modo geral.” (DECOMAIN, Pedro Roberto. Improbidade
Administrativa. São Paulo: Dialética, 2007, p. 231).
Consequentemente, com o aprimoramento das investigações realizadas pelo

44
Ministério Público na proteção dos interesses difusos e coletivos e diante da neces-
sidade de solucionar os conflitos em dimensão coletiva, outros instrumentos pas-
saram a fazer parte do dia- a- dia do representante do Parquet, como por exemplo:
Notícias de Fato; Procedimentos Preparatórios; Inquéritos Civis e ainda, no que diz
respeito à persecução penal, os Procedimentos Investigatórios Criminais.
Dessa forma, em atenção aos preceitos constitucionais e legais acerca do
tema, bem como às orientações do Conselho Nacional do Ministério Público, o Mi-
nistério Público de Santa Catarina possui Atos internos que disciplinam a instaura-
ção e a tramitação desses procedimentos:

3.1 NOTÍCIA DE FATO

A notícia de fato, segundo o art. 1º, § 1º, do Ato 395/2018/PGJ: “é qualquer


demanda dirigida aos órgãos da atividade-fim do Ministério Público, submetida à
apreciação das Procuradorias e Promotorias de Justiça, conforme as atribuições
das respectivas áreas de atuação, podendo ser formulada presencialmente ou não,
entendendo-se como tal a realização de atendimentos, bem como a entrada de
notícias, documentos, requerimentos ou representações”. Assim, toda e qualquer
demanda que chegar ao conhecimento do Ministério Público pode ser considerado
notícia de fato.
O Capítulo I do Ato 395/2014/PGJ disciplina a tramitação deste expediente, as-
sim como a Resolução 174 do CNMP, evidenciando a Notícia de Fato como qualquer
demanda dirigida aos órgãos da atividade-fim, prescindindo de qualquer formalida-
de, podendo aportar ao órgão ministerial por qualquer meio, devendo, independen-

45
temente da forma de apresentação, sempre ser registrada no sistema informatizado.
Ressalta-se, de pronto, a relevância da checagem preliminar e informal do
fato noticiado, mediante uso dos bancos de dados abertos para a confirmação da
verossimilhança da narrativa trazida, verificando-se assim a credibilidade ou não
dos fatos eventualmente narrados de forma apócrifa e a viabilidade e verossimilhan-
ça de continuidade da notícia de fato e a sua conversão em outros procedimentos
administrativos investigatórios.
Tal cautela, contudo, não significa o indeferimento de toda e qualquer Notícia
de Fato apócrifa ou anônima, uma vez que, como é sabido, muitas das grandes
operações investigativas do Parquet tiveram início em provocações desta nature-
za, recomendando-se apenas que se diligencie pela busca de outros indícios que
corroborem as informações, a fim de sustentar a validade da investigação posterior.
Recentemente, aliás, o tema foi objeto de debates no Conselho Superior do
Ministério Público catarinense que concluiu, na linha traçada pela jurisprudência
e pelo paradigma de atuação de outros órgãos investigativos, pela aceitabilidade
das comunicações anônimas, apenas passíveis de rejeição preliminar quando nada
reportarem de relevo sobre os interesses protegidos pela Instituição. Ao Promotor
de Justiça cabe avaliar se a comunicação anônima pode ensejar a coleta de dados
aptos a subsidiar eventual iniciativa ministerial e, em caso positivo, a investigação
deve ser aberta, cumprindo ao Representante Ministerial diligenciar para comple-
mentar as informações que lhe foram noticiadas.
Da mesma forma, a lógica investigativa que envolve a tutela do patrimônio
público pode obedecer à metodologia proativa do órgão de execução, que ao tomar
conhecimento de determinada irregularidade, traça suas estratégias e inicia a inves-
tigação formal.
A Notícia de Fato recebida, mesmo com o noticiante devidamente identifica-
do, pode carecer de elementos de convicção. Assim, deverá o Promotor de Justiça
diligenciar para reuni-los, pelo que pode o Membro do Ministério Público valer-se da
previsão contida no art. 4º do Ato 395/2018/PGJ, que prevê a possibilidade de pror-
rogação, fundamentadamente, pelo prazo de 90 dias, da decisão acerca da neces-
sidade ou não de instauração de procedimento próprio a partir da Notícia de Fato.

46
Neste período, pode o membro do Ministério Público instar o noticiante a
complementar as informações iniciais, efetuar pesquisa em bancos de dados ou so-
licitar esclarecimentos e documentos ao noticiado, a terceiros ou a órgãos públicos,
a fim de esclarecer a existência de ameaça ou lesão a interesse ou direito passível
de tutela do Ministério Público, apurar se os fatos já foram objeto de ação judicial ou
apurar se os fatos já foram solucionados (Art. 5º do Ato 395/2018/PGJ).
Nesse sentido, indica-se a permanente consulta aos bancos de dados dispo-
níveis à instituição ou mesmo mediante ferramentas de consultas genéricas dispo-
níveis na internet, todas úteis à arrecadação de dados e informações aptas a deli-
mitar com clareza e objetividade o fato a ser investigado. Para mais detalhes acerca
desses levantamentos preliminares, veja-se no Capítulo 4 deste Manual as técnicas
e os instrumentos básicos para a coleta inicial de dados.
Essa cautela é importante para evitar a instauração de Notícia de Fato ou
inquérito civil sem que existam indícios suficientes para investigação, o que pode
dificultar, inclusive, eventual promoção de arquivamento por ausência de objeto a
ser investigado.
O prazo para a conclusão da Notícia de Fato e o consequente indeferimento
ou a instauração de ICP ou PP, ou ainda, o ajuizamento de ação, é de 30 dias (art.
4º), o que deve ser observado rigorosamente, podendo ser prorrogado uma única
vez pelo prazo de 90 dias. A inobservância do prazo para conclusão da Notícia de
Fato pode constituir falta funcional do Promotor responsável, porém não invalida ou
de qualquer forma conspurca os dados coletados na representação.
Após referido prazo, outras diligências para esclarecimento dos fatos devem
ser realizadas em procedimento próprio (PP, IC, PA ou PIC). Caso constatada a
impertinência da investigação, indeferir-se-á a instauração de procedimento, provi-
dência que prescinde de remessa para apreciação do Conselho Superior do Minis-
tério Público, sendo o arquivamento de sua pasta-arquivo (caso existente) feito no
próprio órgão após o decurso dos prazos de notificação dos interessados acerca do
indeferimento (art. 6º do Ato 395/2018/PGJ).
O indeferimento de instauração poderá ser parcial ou integral, fundado nos
seguintes motivos (art. 7º, Ato 395/2018/PGJ):

47
A cientificação do indeferimento é obrigatória ao noticiante, feita de forma
pessoal, mas se admite a comunicação por meio eletrônico (correio eletrônico, apli-
cativos de troca de mensagem, portal virtual, etc.). Caso exista nos autos indicação
expressa de endereço eletrônico para recebimento de comunicações, é dispensável
a comprovação do recebimento.
Quando o noticiante for anônimo, a sua cientificação dar-se-á por meio de
edital. É dispensada a notificação acerca do indeferimento quando a comunicação
tenha sido enviada ao Ministério Público por força de dever de ofício (por exemplo,
expedientes encaminhados pelo Poder Judiciário), conforme § 2º do Art. 4º da Re-
solução 174 do CNMP. A cientificação dos demais interessados é facultativa, caso
em que também é admitida a cientificação por meio eletrônico.
Assim, a Notícia de Fato é importante ferramenta no cotidiano das curadorias
da moralidade administrativa, uma vez que o Órgão de Execução deve levar em
consideração a necessidade de adoção de soluções rápidas, efetivas e equilibra-
das. A recente flexibilização da Notícia de Fato, que passa a comportar a realização
de diligências instrutórias mínimas para certificação dos fatos, evita a instauração
desnecessária de procedimentos formalmente mais complexos e contribui para di-
namizar a atuação da Promotoria de Justiça.

48
3.2 INQUÉRITO CIVIL

Embora não seja essencial à propositura da ação civil pública, o inquérito civil
é, sem dúvida, o expediente mais utilizado pelos órgãos de execução do Ministério
Público para a apuração de atos lesivos ao patrimônio público na esfera extrapenal.
Previsto expressamente na Lei 7.347/85 (arts. 8º e 9º), é também menciona-
do na Constituição Federal, sendo a sua promoção uma das funções institucionais
do Ministério Público, e seu objeto, conforme apontado pela Magna Carta, a prote-
ção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos
e coletivos (art. 129, inciso III, CF).
De acordo com o art. 1º, §2º, do Ato PGJ 395/2018, “o inquérito civil, de natu-
reza unilateral, preparatória e facultativa, destina-se a apurar fato que constitua lesão
ou ameaça a interesses ou direitos tutelados pelo Ministério Público, nos termos da
legislação aplicável”. A Resolução 23/2007 do CNMP descreve o escopo do instru-
mento:
Art. 1º. O inquérito civil, de natureza unilateral e facultativa, será instaurado
para apurar fato que possa autorizar a tutela dos interesses ou direitos a
cargo do Ministério Público nos termos da legislação aplicável, servindo
como preparação para o exercício das atribuições inerentes às suas fun-
ções institucionais.

Para Waldo Fazzio Júnior:


O inquérito civil, no âmbito da persecução dos atos de improbidade admi-
nistrativa, é procedimento administrativo de caráter investigatório, cujo ob-
jeto é coletar subsídios para a ação civil destinada a responsabilizar os au-
tores de atos de improbidade. Eventualmente promover o ressarcimento do
erário lesado ou a recuperação de produtos de enriquecimento ilícito e, de
forma geral, vindicar a aplicação das sanções estipuladas na Lei 8.429/92.
(Waldo Fazzio Júnior, op.cit., p. 395).

É instrumento de investigação privativo do Ministério Público, ou seja, mesmo


os demais órgãos e entidades, públicas e privadas, legitimados ativos para ação
civil pública não dispõem do inquérito civil para coleta de dados relacionados à
defesa de interesses transindividuais. Contudo, sua instauração não é obrigatória,
pois, se o Ministério Público já detiver as provas necessárias à propositura da ação,
poderá fazê-lo sem a prévia instauração de inquérito civil, aplicando-se a mesma
lógica vigente no âmbito do Direito Processual Penal no tocante às relações entre o
inquérito policial e a ação penal. Ademais:

49
A própria Lei 8.249/92 contém também dispositivo que indica a inexistên-
cia de indispensabilidade do inquérito civil, para embasar ações aforadas
pelo Ministério Público. É o que se infere do parágrafo 6º do art. 17. (DE-
COMAIN, Pedro Roberto. Improbidade Administrativa. São Paulo: Dialética,

2007, p. 242).

Pode ser instaurado de ofício, por provocação de qualquer pessoa, ou por


designação do PGJ nas hipóteses legais, conforme art. 9º do Ato 395/2018/PGJ.
Assim, reunidos elementos suficientes, o Promotor converterá a Notícia de Fato em
inquérito civil, mediante expedição de portaria.
Quanto à instauração do Inquérito Civil, algumas inovações do Ato 395/2018/
PGJ visaram desburocratizar o procedimento, com a alteração de algumas provi-
dências antes exigidas. Citam-se:

50
O objeto da investigação deve ser delimitado em sua portaria de instauração,
(art. 10 do Ato 395/2018/PGJ). O ato de abertura deve descrever efetivamente o
fato a ser investigado já em sua peça inaugural, evitando-se o emprego de expres-
sões vagas e imprecisas. Tal providência privilegia a resolutividade do procedimen-
to, uma vez que objetos bem delimitados norteiam de forma precisa a investigação
iniciada e facilitam sua conclusão.
A delimitação do objeto, inclusive, é orientada pelo art. 5º, XII, da Recomen-
dação de Caráter Geral 02/2018, do Conselho Nacional do Ministério Público, que
trata dos parâmetros para avaliação da resolutividade e qualidade da atuação de
membros e das unidades do Ministério Público Brasileiro. Sobre o tema, o ato de-
termina que seja avaliada na atuação a “delimitação do objeto da investigação, com
a individualização dos fatos investigados e das demais circunstâncias relevantes,
garantindo, assim, a duração razoável da investigação”.
Aliás, também no tocante à resolutividade, inovação interessante trazida pelo
§6º do art. 10 do Ato 395/2018/PGJ é a vedação da instauração do Inquérito Civil
sem a indicação na portaria de diligências investigatórias iniciais, que apontarão
para onde a investigação deve caminhar.
Antes de instaurar o Inquérito Civil, o Promotor de Justiça deve ter clara no-
ção do fato investigado e, na medida do possível, das possíveis conclusões a que
poderá chegar ao final da investigação. Tal avaliação permite projetar o potencial de
êxito do feito, não sendo aconselhável a instauração de inquérito civil para o simples
diagnóstico de situação. A formalização do inquérito civil e sua correta instrução é
importante para garantir a continuidade da investigação, nas hipóteses de substitui-
ção do Promotor de Justiça.
Reitera-se que a Recomendação de Caráter Geral 02/2018, do CNMP, pres-
creve a imperiosa necessidade de “análise consistente das notícias de fato, de modo
a ser evitada a instauração de procedimentos ineficientes ou inúteis ou a instaura-
ção em situações em que seja visível a inviabilidade da investigação” (Art. 5º, XI).
Após a confecção da portaria, dá-se início à fase instrutória propriamente dita,
iniciando-se com as diligências apontadas na instauração do inquérito civil, e sendo
possível a colheita de todas as provas permitidas pelo ordenamento jurídico para a

51
formação do convencimento sobre os fatos objeto da investigação. A respeito dessa
fase, no Capítulo 4 deste Manual, serão esmiuçadas as formas de coleta de provas
mais efetivas.
Prova bastante utilizada na instrução do inquérito civil é a testemunhal. Ha-
vendo a necessidade de produção dessa prova, as notificações para compareci-
mento na Promotoria devem ser feitas com antecedência mínima de 24 horas (art.
11, § 4º, Ato 395/2018/PGJ, aplicando-se no que couber o disposto no art. 455, §5º,
do Código de Processo Civil). Por evidente, se a testemunha dispensar a notifica-
ção formal e atender ao convite da Promotoria de Justiça, feito por via telefônica ou
pessoalmente, por exemplo, não haverá mácula ao depoimento assim colhido.
No que diz respeito às declarações e aos depoimentos, devem sempre ser
tomados pelo membro do Ministério Público, não sendo possível a tomada de decla-
rações ou os depoimentos sob compromisso realizados por servidores/assistentes.
Considerando a prática já utilizada com certa frequência, notadamente nos casos
envolvendo investigações de atos de improbidade administrativa, o Ato 395/2018/
PGJ regulamentou o registro audiovisual de depoimentos em seu Capítulo IV.
A realização de depoimento audiovisual deve ser documentada por termo
de audiência, assinado pelo membro do Ministério Público responsável pelo ato. A
assinatura dos depoentes e seus advogados no termo de audiência é facultativa.
Também é opção do Promotor de Justiça, se entender necessária a colheita de
assinatura do depoente e/ou do defensor, a elaboração de termo de depoimento
individual para esse fim, de modo que estes não precisem aguardar o final do ato
para a assinatura do termo de audiência. Somente quando imprescindível deverá
ser feita a transcrição dos depoimentos.
O termo de audiência formalizado para a realização da oitiva audiovisual deve
obrigatoriamente conter:

52
Igualmente, deve o depoente ser informado do dever de comunicar ao Mi-
nistério Público qualquer mudança de endereço, telefone ou e-mail, sendo de bom
alvitre que tal situação conste no termo de audiência.
No caso de depoimentos de testemunhas cuja identidade deva ser preserva-
da, não constará no termo a sua qualificação completa e seu endereço, devendo
tais elementos ser colhidos verbalmente no início das gravações. Os arquivos digi-
tais de depoimentos dessa natureza terão o nome do arquivo iniciado com a palavra
“Sigiloso”.
Ao iniciar o depoimento, o Promotor de Justiça deve informar o número do
procedimento e solicitar que o depoente se identifique (nome completo e filiação).
Quando for o caso, deve ser consignado o compromisso de dizer a verdade que
vincula a testemunha a ser inquirida, sob pena de cometimento do delito de falso
testemunho (CP, art. 342).
É permitida a realização de depoimentos audiovisuais por videoconferência
ou qualquer outro recurso tecnológico que permita a transmissão de sons e imagens
em tempo real. Por exemplo, a tomada de depoimentos por carta precatória pode
ser feita pelo deprecante desde a origem, por meio desses recursos que permitam
a inquirição direta pelo presidente da investigação.
Nos depoimentos ou inquirições nos procedimentos para a apuração de con-
duta ímproba ou lesiva ao patrimônio público, deve-se observar as disposições do
art. 221, caput e § 1º do Código de Processo Penal, que trata das prerrogativas de
algumas autoridades no tocante a sua inquirição.
A pessoa a quem é atribuído o ato ilícito deve ser ouvida, ressalvadas as hi-
póteses nas quais, em razão do sigilo da investigação ou por interesse público, não
seja conveniente ou oportuno a oitiva, o que deve ser motivado nos autos (art. 11, §
1º, Ato 395/2018/PGJ).
De acordo com o art. 8º, § 1º, da Lei 7.347/85, o representante do Ministério

53
Público pode requisitar, de qualquer organismo público ou particular, certidões, infor-
mações, exames ou perícias, dentro do prazo que assinalar, o qual não poderá ser
inferior a 10 dias úteis, salvo quando justificado prazo menor, cumprindo ao órgão
de execução, em obediência aos princípios da celeridade e da eficiência, verificar
se as informações requisitadas podem ser obtidas por consulta a bancos de dados
disponíveis.
É de bom alvitre evitar a requisição excessiva de documentos que possam
confundir ou dificultar a análise futura dos autos. Uma boa prática, já implemen-
tada por muitos órgãos ministeriais, é o pedido de vistas dos documentos origi-
nais para que, a partir de sua análise, faça-se a extração apenas dos documentos
efetivamente importantes à investigação. Por exemplo, em investigação que apura
a regularidade na expedição de cartas-convite aos participantes de procedimento
licitatório, pode ser requisitada vista do processo de licitação investigado para fins
de extração de cópias digitais apenas dos documentos que interessem ao feito
(documentos relativos ao convite aos participantes da licitação), dispensando-se
os demais documentos irrelevantes para a investigação, cuja juntada ao inquérito
tornaria o procedimento mais confuso e dificultaria sua análise futura.
Situação semelhante ocorre com documentos repetidos, que podem ser ime-
diatamente devolvidos ao órgão de origem pelo Presidente do Inquérito Civil, median-
te simples certificação nos autos, evitando-se que ao feito seja incorporado material
já anexado.
Prática relevante é o envio das comunicações no Inquérito Civil por correio
eletrônico, bem como a orientação para que as respostas sejam enviadas pelo mes-
mo meio, providência que facilita a tramitação do procedimento em meio eletrônico,
conforme preconiza o Ato 200/2015/PGJ/CGMP.
No curso da instrução, verificada a necessidade de investigação de objeto
diverso daquele originalmente descrito na portaria, poderá o membro do Ministério
Público optar entre dois caminhos:

54
Muitas vezes, o aditamento de portaria para acréscimo de novos fatos pode
dificultar a compreensão sobre a instrução já realizada. A lógica contemporânea das
investigações ministeriais, verificadas em grandes casos nacionais de corrupção,
pauta-se pela coordenação das atividades paralelamente à segmentação dos fatos
apurados em diversos procedimentos autônomos, que subsidiarão o ajuizamento
de ações penais independentes, relativas a fatos específicos e, assim, com menor
número de réus, o que acelerará sua tramitação no Poder Judiciário. O exemplo
mais cabal do sucesso desta estratégia é a Operação Lava Jato (2014-), conduzida
pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal, na qual, conquanto relacio-
nadas a uma investigação-base original, dezenas de ações penais tramitam sepa-
radamente, muitas das quais já julgadas, ao passo que as investigações continuam.
O desmembramento pode ser utilizado também para saneamento de inqué-
ritos civis em curso que contenham diversos fatos sob investigação, quando tal ca-
racterística esteja a prejudicar o andamento da apuração como um todo.
Outra questão a ser observada diz respeito à publicidade dos atos pratica-
dos, aplicando-se ao inquérito civil e ao procedimento preparatório o princípio da
publicidade (CF, art. 37, caput), com exceção dos casos de sigilo legal ou em que a
publicidade possa acarretar prejuízo às investigações. A decretação do sigilo deve
ser motivada (art. 23 do Ato 395/2018/PGJ), e poderá ser limitada a determinadas
pessoas, provas, informações, dados, períodos ou fases, cessando quanto extinta
a causa que a determinou.
A classificação do feito como “sigiloso” no sistema informatizado deve ser
feita apenas nos casos em que o sigilo tenha sido efetivamente decretado no pro-
cedimento, pois ele impede a análise do feito para qualquer finalidade, inclusive
por parte dos órgãos da administração para fins de consulta e estatística. Mesmo

55
a classificação como “Restrito” afeta essa análise, mormente para os Centros de
Apoio Operacional, pelo que tal seleção deve ser reservada para procedimentos
que efetivamente a necessitem.
No sistema informatizado, a diferença entre o uso das restrições de acesso
“Restrito” e “Sigiloso” é que, no primeiro, todos os integrantes da lotação onde está
localizado o procedimento poderão acessar a investigação, enquanto que, no segun-
do, apenas terão acesso o Promotor de Justiça e servidor devidamente autorizado.
Documentos resguardados por sigilo legal devem ser autuados na forma pre-
vista no Ato 66/2018/PGJ/CGMP.
O prazo para a conclusão do inquérito civil é de 1 (um) ano, e pode ser pror-
rogado pelo mesmo período quantas vezes forem necessárias, sempre por decisão
fundamentada, à vista da imprescindibilidade da realização ou conclusão de dili-
gências, dando-se ciência ao Conselho Superior do Ministério Público, por correio
eletrônico ou sistema informatizado.
O Ato 395/2018/PGJ dispõe que a prorrogação deve ser fundamentada, em
decisão que contenha relatório pormenorizado do procedimento, à vista da im-
prescindibilidade da realização ou conclusão de diligências, necessariamente es-
pecificadas no despacho de prorrogação. Tal providência é aconselhada pela Re-
comendação de Caráter Geral 02/2018/CNMP, que a “avaliação contínua da real
necessidade de novas diligências e de medidas nos procedimentos extrajurisdicio-
nais, justificando, inclusive, a necessidade de novas prorrogações, em especial por
ocasião da renovação dos prazos” (Art. 5º, XIII).
Se, esgotadas todas as diligências, o membro do Ministério Público conven-
cer-se da inexistência de fundamento para a propositura de ação civil pública, ou
ainda, se for celebrado termo de ajustamento de conduta que implique a ausência
circunstancial do interesse de agir, o órgão de execução do Ministério Público pro-
moverá, de forma fundamentada, o arquivamento do inquérito civil, o qual será sub-
metido a exame e deliberação do Conselho Superior do Ministério Público (LACP,
art. 9º, caput e §§ 1º ao 4º).
A possibilidade de celebração de Compromisso de Ajustamento de Condu-
ta em casos de improbidade administrativa é uma das grandes inovações do Ato

56
395/2018/PGJ – mais precisamente no § 3º do art. 25, que replicou a possibilidade
já trazida no § 2º do Art. 1º da Resolução 179 do CNMP. Para a celebração do TAC,
o ato prevê como requisito a garantia do ressarcimento ao erário e a aplicação de
uma ou algumas das sanções previstas em lei, de acordo com a conduta ou ato
praticado.
O prazo para remessa do inquérito civil ao Conselho Superior é de 3 (três)
dias, contados da comprovação da cientificação efetiva dos interessados acerca do
arquivamento. Esta será realizada, preferencialmente, por correio eletrônico, com a
comprovação do recebimento, o que é dispensado se houve indicação nos autos,
pelos interessados, de endereço eletrônico para recebimento de comunicações.
No caso de impossibilidade de cientificação por correio eletrônico, esta se
dará, preferencialmente, na seguinte ordem: I - por carta, com aviso de recebimen-
to; II - pessoalmente, por ordem de diligência; III - por edital, publicado no Diário
Oficial Eletrônico do Ministério Público, segundo o modelo previsto no Anexo III do
Ato 395/2018, quando não localizados os que devem ser cientificados ou no caso
de noticiante anônimo.
A cientificação é facultativa caso a comunicação ao Ministério Público tenha
decorrido de dever de ofício. A notificação do Governador do Estado, dos membros
da Assembleia Legislativa, dos Desembargadores e dos Conselheiros do Tribunal de
Contas para cientificação acerca do indeferimento de instauração de procedimento
ou do arquivamento do inquérito civil ou procedimento preparatório não necessita
de encaminhamento pelo Procurador-Geral de Justiça, afastando-se a incidência
do §7º do artigo 83 da Lei Complementar 197/2000, pelo que pode, assim, ser feita
pelo próprio Órgão de Execução.
Até a sessão do Conselho Superior que apreciar a promoção de arquivamen-
to, os interessados poderão apresentar razões escritas ou documentos, que serão
juntados aos autos. Nos casos de procedimentos que tramitem integralmente em
meio eletrônico, é dispensado o envio da pasta-arquivo do procedimento ao Conse-
lho Superior, pois o encaminhamento pode ser feito apenas pelo sistema informati-
zado (recomendando-se o envio de e-mail ao órgão para conhecimento do envio).

57
3.3. COMPROMISSO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA

Uma das maiores inovações do Ato 395/2018/PGJ, por força de previsão no


§2º do Art. 1º da Resolução 179 do CNMP, é o cabimento de compromisso de ajus-
tamento de conduta nas hipóteses configuradoras de improbidade administrativa.
Exige-se a garantia do ressarcimento ao erário e a aplicação de uma ou algumas
das sanções previstas em lei, no caso, a Lei 8.429/92, de acordo com a conduta ou
ato praticado.
O conceito de compromisso de ajustamento de conduta previsto no artigo 25
do Ato 395/2018/PGJ foi trazido integralmente do artigo 1º da Resolução 179 do
CNMP:
O compromisso de ajustamento de conduta é instrumento de garantia dos
direitos e interesses difusos e coletivos, individuais homogêneos e outros
direitos de cuja defesa está incumbido o Ministério Público, com natureza
de negócio jurídico que tem por finalidade a adequação da conduta às exi-
gências legais e constitucionais, com eficácia de título executivo extrajudi-
cial a partir da celebração.

Também seguindo previsão da Resolução 179 do CNMP, foi consignada ex-


pressamente a impossibilidade de o membro do Ministério Público fazer concessões
que impliquem a renúncia aos direitos e interesses difusos, coletivos ou individuais
homogêneos objeto da negociação, devendo o Promotor de Justiça ater-se à inter-
pretação do direito ao caso concreto, à especificação das obrigações adequadas e
necessárias, em especial, o modo, o tempo e o lugar de cumprimento, bem como à
mitigação, compensação e indenização dos danos que não possam ser recuperados.
A celebração de compromisso de ajustamento de conduta com o Ministério
Público não afasta, necessariamente, a eventual responsabilidade penal ou admi-
nistrativa pelo mesmo fato, de mesma forma que não importa, automaticamente, o
reconhecimento da responsabilidade para outros fins que não os estabelecidos no
compromisso.
É facultado ao membro do Ministério Público decidir, de acordo com a neces-
sidade, a conveniência e a oportunidade, sobre a realização de audiências públicas
ou reuniões com a participação dos titulares dos direitos, entidades que os repre-
sentem ou demais interessados antes da celebração do compromisso.
Além dos termos definitivos e totais, faculta-se ao Promotor de Justiça a cele-

58
bração de compromissos de ajustamento de conduta provisórios ou parciais, hipó-
teses nas quais a investigação deve continuar em relação aos demais aspectos da
questão, ressalvada situação excepcional que enseje arquivamento fundamentado.
O compromisso poderá ser celebrado a qualquer tempo no curso de Inquérito
Civil ou de Procedimento Preparatório, sendo o arquivamento decorrente da pac-
tuação objeto de deliberação pelo Conselho Superior. Acordos feitos no curso de
ação judicial serão submetidos à homologação do juízo competente, sem necessi-
dade de comunicação ao CSMP.
O TAC deve ser assinado por pessoa física ou jurídica que figure na investi-
gação em situação que imponha a celebração do ajuste, com as seguintes possibi-
lidades com relação à representação na assinatura do termo:

Em todas as hipóteses, os compromissários poderão ser acompanhados ou


representados por seus advogados, desde que devidamente habilitados por procu-
ração. Faculta-se ao órgão de execução a colheita de assinatura, como testemu-
nha, de outras pessoas que tenham acompanhado as negociações ou de terceiros
interessados.
O TAC deve ser assinado pelo órgão de execução com atribuição para atuar
no caso. A assinatura pode ser feita em conjunto com outros órgãos de ramos diver-
sos do Ministério Público ou outros órgãos públicos legitimados, bem como contem-
plar a participação da sociedade civil, por suas associações e grupos representati-

59
vos, além de terceiros interessados.
O compromisso de ajustamento de conduta deve conter obrigações certas,
líquidas e exigíveis, salvo peculiaridades do caso concreto. Para cumprimento das
obrigações, deve conter previsão de multa ao compromissário pela inobservância
das obrigações pactuadas nos prazos assumidos, admitindo-se, em casos excep-
cionais e devidamente fundamentados, a previsão de que esta cominação seja fixa-
da judicialmente, se necessária à execução do compromisso.
Além da multa pelo descumprimento prevista na Resolução do CNMP, a fim
de garantir a efetividade do compromisso e da reparação dos danos coletivos cau-
sados, o órgão de execução pode prever, dentre outras, as seguintes cláusulas de
garantia:

Em seu regramento geral, sobre a destinação dos valores relativos a indeni-


zações pecuniárias referentes a danos a direitos ou interesses difusos e coletivos,
quando não for possível a reconstituição específica do bem lesado, e as liquidações
de multas, o Ato trouxe previsões seguindo a orientação firmada no Assento 1/2013/
CSMP – revisado em maio de 2017 – que é mais específico do que a própria previ-
são da Resolução 179 do CNMP (Artigo 5º).
Na área da Moralidade Administrativa, as disposições referentes ao destino
das medidas pecuniárias devem ser interpretadas com cautela, pois, como regra,
os prejuízos decorrentes da conduta ilícita foram suportados por ente público devi-
damente individualizado (Município, Estado, autarquia etc.). Nesses casos, a res-
tituição do dano deve ser feita em favor do ente lesado, o que também é aplicável
para o ressarcimento de danos extrapatrimoniais. As demais medidas pecuniárias

60
de caráter sancionatório ou mitigatório, como as multas e as medidas compensa-
tórias, ao menos na recente experiência de emprego do TAC em face de atos de
improbidade em Santa Catarina, também têm sido direcionadas para o ente lesado,
aplicando-se, por analogia, o art. 18 da Lei de Improbidade Administrativa e o art. 24
da Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013). Nada obstaria, no entanto, que ressarcido
integralmente o dano sofrido pelo ente público, ou nas hipóteses em que, a despeito
da violação a interesses transindividuais, não há dano concreto, o eventual produto
de multas e outras medidas fixadas no TAC fosse direcionado ao Fundo para Re-
constituição de Bens Lesados (FRBL).
O TAC deve prever que os valores despendidos com o custeio das perícias
realizadas nos respectivos procedimentos devem ser ressarcidos ao FRBL pelo
causador do dano, salvo justificada impossibilidade. No mais, o órgão de execução
que celebrar o compromisso de ajustamento de conduta tem o dever de fiscalizar
seu cumprimento, podendo valer-se de técnicos especializados, sempre que ne-
cessário e possível; e de informações periódicas remetidas pelo compromissário a
execução do pacto.
O acompanhamento da execução do compromisso deve ser feito em Proce-
dimento Administrativo próprio, devidamente registrado no sistema informatizado,
firmado imediatamente após a celebração do acordo, inclusive com o dever de indi-
cação do número do procedimento no procedimento investigatório quando do envio
para deliberação quanto a homologação do arquivamento pelo Conselho Superior.
Nos termos do art. 36 do Ato 395, os acordos judiciais também fundamentam a
abertura de procedimento administrativo para seu acompanhamento.
Caso se cuide de obrigação de não fazer, o órgão de execução do Ministério
Público deverá instaurar Procedimento Administrativo, a perdurar por prazo razoá-
vel. Por exemplo, obrigação de não fazer consistente em “não realizar contratações
temporárias fora das hipóteses previstas no art. 37, IX, da Constituição”. Para o
acompanhamento regular e eficaz, entende-se que a manutenção do Procedimento
Administrativo pelo prazo de 1 (um) ano é razoável.
O aditamento do compromisso de ajustamento de conduta será processa-
do nos autos da investigação em que ele foi formalizado, juntando-se cópia de tal

61
providência ao respectivo Procedimento Administrativo para prosseguimento do
acompanhamento e fiscalização. O arquivamento dos autos da pasta-arquivo da
investigação após o aditamento sempre será considerado um novo arquivamento
(art. 52, parágrafo único), com a necessidade de remessa ao órgão competente e
adotando-se as medidas de arquivamento na sequência, segundo o Ato 200/2015/
PGJ/CGMP. Em outras palavras, o desarquivamento com aditamento sempre segui-
rá as regras de um novo arquivamento.
Em caso de descumprimento, integral ou parcial, do compromisso, deverá
o órgão de execução proceder no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, salvo em
caso de urgência, em que a execução deverá ser promovida assim que possível, à
execução judicial do título com relação às cláusulas em que se constatar a mora ou
inadimplência. O prazo poderá ser excedido caso o compromissário, após instado
pelo órgão de execução, justificar o descumprimento ou reafirmar a disposição para
o cumprimento, casos em que o órgão de execução deverá decidir: pelo imediato
ajuizamento da execução; pelo aditamento do compromisso; ou pelo acompanha-
mento das providências até o efetivo cumprimento, sem prejuízo da possibilidade
da execução da multa, quando cabível e necessário.
Sem prejuízo da execução judicial, o título poderá ser levado a protesto. Além
dos compromissos firmados pelo órgão em razão da sua atribuição, o Ministério
Público tem legitimidade para executar compromissos de ajustamento de condutas
firmados por outros órgãos públicos, no caso de sua omissão frente ao descum-
primento das obrigações assumidas, sem prejuízo da adoção de outras medidas
cabíveis (de natureza civil ou criminal), inclusive em face da inércia do órgão com-
promitente.
Destaque, por último, que a imposição das sanções da Lei 8.429/92 é impres-
cindível apenas em face da prática de atos de improbidade administrativa. Há um
vasto conjunto de matérias afetas à Moralidade Administrativa nas quais é possível
ao Promotor de Justiça a celebração de TAC, com a estipulação de obrigações de
fazer e não fazer, fixação de multas e outras medidas pecuniárias, sem que tenha
ocorrido, antes, qualquer ato de improbidade. É o típico caso, por exemplo, da atua-
ção preventiva do Parquet e das ações estruturantes desenvolvidas pela Instituição

62
em relação à Administração Pública, como os programas institucionais que versam
sobre a promoção da transparência, a prevenção ao nepotismo, a restrição às con-
tratações temporárias indevidas, o aprimoramento da fiscalização de contratos e o
fortalecimento das unidades administrativas de controle interno.

3.4 RECOMENDAÇÃO

A recomendação não é instrumento novo na proteção ao patrimônio público,


sendo comum a sua utilização pelos órgãos de execução como forma de demonstrar
a ciência da autoridade destinatária acerca de determinada situação ilícita e, desta
forma, constituir de forma mais concreta o dolo necessário para a caracterização do
ato de improbidade. O Ato 395/2018/PGJ trouxe nova disciplina sobre o instituto. O
conceito (art. 37) abebera-se no art. 1º da Resolução 164/CNMP:
A recomendação é instrumento de atuação extrajudicial do Ministério Públi-
co por intermédio do qual este expõe, em ato formal, razões fáticas e jurídi-
cas sobre determinada questão, com o objetivo de persuadir o destinatário
a praticar ou deixar de praticar determinados atos em benefício da melhoria
dos serviços públicos e de relevância pública ou do respeito aos interesses,
direitos e bens defendidos pela instituição, atuando, assim, como instru-
mento de prevenção de responsabilidades ou correção de condutas.

Por depender do convencimento do destinatário decorrente de sua funda-


mentação fática e jurídica para ser atendida e, assim, alcançar plena eficácia, a
recomendação não possui caráter coercitivo. Pode ser expedida, de maneira pre-
ventiva ou corretiva, preliminar ou definitiva, de ofício ou mediante provocação, nos
autos de Inquérito Civil, Procedimento Preparatório ou Procedimento Administrativo.
A expedição de recomendação em Notícia de Fato apenas ocorrerá quando houver
urgência. Nesses casos de urgência, pode o Ministério Público expedir, de ofício, a
recomendação antes da instauração do procedimento (IC, PP ou PA), sendo obriga-
tória, posteriormente, a sua devida instauração.
Preliminarmente à expedição da recomendação à autoridade pública, serão
requisitadas informações ao órgão destinatário sobre a situação e o caso concreto,
exceto em casos de impossibilidade devidamente motivada. Quando cabível, a re-
comendação deve ser manejada antes e preferencialmente à ação judicial.
O destinatário da recomendação pode ser qualquer pessoa, física ou jurídica,
de direito público ou privado, que tenha condições de fazer ou deixar de fazer algu-

63
ma coisa para salvaguardar interesses ou direitos tutelados pelo Ministério Público.
O ato deve ser dirigido a quem tem poder, atribuição ou competência para adoção
das medidas recomendadas, ou responsabilidade pela reparação ou prevenção do
dano.
Não poderá ser expedida recomendação que tenha como destinatárias as
mesmas partes, e como objeto os mesmos pedidos de ação judicial, ressalvadas as
situações excepcionais, justificadas pelas circunstâncias de fato e de direito e pela
natureza do bem tutelado, devidamente motivadas, e desde que, por evidente, não
contrarie decisão judicial vigente.
O encaminhamento para autoridades previstas no inciso V do artigo 93 da
Lei Orgânica do MPSC (Governador do Estado e Presidentes da Assembleia Le-
gislativa, Tribunal de Justiça e Tribunal de Contas) caberá ao Procurador-Geral de
Justiça ou ao órgão de execução a quem esta atribuição houver sido delegada. O
Chefe do MP deve encaminhar a recomendação no prazo de dez dias úteis, não ca-
bendo à chefia institucional a valoração do conteúdo da recomendação, ressalvada
a possibilidade de, fundamentadamente, negar encaminhamento ao ato expedido
por órgão despido de atribuição, que afrontar a lei ou o disposto no Ato 395/2018
ou, ainda, quando não for observado o tratamento protocolar devido ao destinatário.
A recomendação deve ser assinada pelo órgão de execução com atribuição
para atuar no caso. Admite-se, por analogia à celebração de compromisso de ajus-
tamento de conduta, a expedição em conjunto com outros órgãos de ramos diver-
sos do Ministério Público brasileiro.
O objetivo primaz da recomendação é o respeito e a efetividade dos direitos
e interesses cuja defesa incumbe ao Ministério Público, se for o caso, a edição ou
alteração de normas com a mesma finalidade. Por definição, a efetivação da reco-
mendação depende da adoção de providências por parte de seus destinatários, ra-
zão pela qual o ato recomendatório deve conter a indicação de prazo razoável para
adoção das medidas cabíveis, que devem ser apontadas de forma clara e objetiva.
Quando necessário, especialmente com vistas à efetividade, o Promotor de
Justiça pode requisitar ao destinatário a adequada e imediata divulgação do teor
expedido, incluindo afixação em local de fácil acesso ao público (aqui abrangidos

64
meios eletrônicos de divulgação, como sítios eletrônicos). Ademais, o órgão de exe-
cução pode requisitar, em prazo razoável, que o destinatário responda por escrito, e
de modo fundamentado, sobre o atendimento da recomendação.
Diante de resposta fundamentada quanto ao não atendimento, cabe ao ór-
gão de execução expedidor apreciá-la, também de forma motivada. Se as razões
apresentadas forem plausíveis, nada obriga o Parquet a judicializar a questão, o
que pode inclusive motivar o arquivamento do feito. Do contrário, em caso de não
atendimento à recomendação, falta de resposta ou resposta inconsistente, o órgão
ministerial deve adotar as medidas cabíveis à obtenção do resultado pretendido.
Quando da dedução da pretensão em juízo, caberá ao Promotor de Justiça avaliar
se houve grave violação, por parte da autoridade destinatária, de princípios regen-
tes da Administração, quando a ação cabível, portanto, será a ação de improbidade
administrativa (Lei 8.429/92); ou se o não acatamento da recomendação desafia
apenas o manejo de ação civil pública ordinária (Lei 7.347/85) ou outro instrumento
processual.
O procedimento em que foi expedida a recomendação somente poderá ser
arquivado após a comprovação do cumprimento do ato, salvo perda superveniente
do objeto ou resolução da questão por outro meio. No intuito de evitar a judicia-
lização e fornecer ao destinatário todas as informações úteis à formação de seu
convencimento, poderá o órgão de execução, ao expedir a recomendação, indicar
as medidas que entende cabíveis, em tese, no caso de desatendimento da reco-
mendação, desde que incluídas em sua esfera de atribuições. Tais medidas não
poderão ser tomadas antes do decurso do prazo de resposta, exceto se fato novo
determinar a urgência da providência. Tal providência, aliás, é consentânea com as
novas diretrizes fixadas pela Lei 13.655/2018, que alterou a Lei de Introdução às
Normas do Direito Brasileiro (LINDB) e impôs nova principiologia sobre as relações
entre gestores públicos e órgãos de controle.

3.5 PROCEDIMENTO PREPARATÓRIO

Assim como a Notícia de Fato e o Inquérito Civil, a instauração e a tramitação


do Procedimento Preparatório também estão regradas no Ato 395/2018/PGJ e na

65
Resolução 23/2007 do CNMP.
O § 3º do art. 1º do Ato 395/2018/PGJ define o procedimento preparatório
como sendo “[...], de natureza unilateral, preparatória e facultativa, constitui-se em
instrumento administrativo voltado à complementação de informações sobre fato
que constitua lesão ou ameaça a interesses ou direitos tutelados pelo Ministério
Público e à coleta de elementos de identificação dos investigados ou do possível
objeto de eventual inquérito civil”. O § 4º do art. 2º da Resolução 23/2007 do CNMP
estabelece:
O Ministério Público, de posse de informações previstas nos artigos 6º e
7º da Lei 7.347/85 que possam autorizar a tutela dos interesses ou direitos
mencionados no artigo 1º desta Resolução, poderá complementá-las antes
de instaurar o inquérito civil, visando apurar elementos para identificação
dos investigados ou do objeto, instaurando procedimento preparatório.

O Procedimento Preparatório é instrumento administrativo que pode preceder


a instauração de inquérito civil, quando houver a necessidade de complementação
de informações afetas aos elementos de identificação do investigado ou do objeto
de eventual inquérito civil.
O prazo para a conclusão do procedimento preparatório é de 90 dias, pror-
rogável uma única vez em caso de motivo justificável, sendo que, ao término de
tal prazo, o órgão de execução promoverá o seu arquivamento, ajuizará ação civil
pública ou fará a sua conversão em inquérito civil. (art. 16, caput e Parágrafo Único
do Ato 395/2018/PGJ).
Aplica-se ao procedimento preparatório, todo o regramento referente à publi-
cidade do Inquérito Civil, assim como toda a sistemática de arquivamento deste ins-
trumento de investigação, sendo a única diferença prática efetiva a diferença quanto
à duração dos procedimentos (90 dias, no caso de procedimento preparatório; e 1
ano, no caso do inquérito civil).
Na prática, o procedimento preparatório tem sido pouco utilizado, em razão
da preferência atribuída pelos Promotores de Justiça ao inquérito civil, com prazo
dilatado. Tecnicamente, a distinção entre os dois procedimentos mantém nítida: o
procedimento preparatório, como o próprio nome indica, visa ampliar as informa-
ções de posse da Promotoria de Justiça no tocante à delimitação dos fatos investi-
gados (objeto) e à identificação preliminar das pessoas envolvidas com a situação

66
descrita (investigados), quesitos fundamentais à investigação principal e que, em
tese, já deveriam estar delineados quando do ato de abertura do inquérito civil.

3.6 PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO

O Ato 398/2018/CGMP trouxe inúmeras inovações quanto ao uso do Pro-


cedimento Administrativo (PA). Uma das mais importantes foi a possibilidade de
apuração de fato relacionado à tutela de direitos individuais indisponíveis por meio
de PA. Entretanto, na esfera da Moralidade Administrativa, sempre haverá a tutela
de interesse transindividual, o que implica investigações por meio de Inquérito Civil,
até por força de vedação prevista no artigo 8º, parágrafo único, da Resolução 174/
CNMP.
Nada obstante, vislumbram-se outras aplicações do Procedimento Adminis-
trativo nas curadorias da moralidade administrativa. A primeira delas é a finalidade
prevista no artigo 1º, I, do Ato 398/2018/PGJ, qual seja, a fiscalização do cumpri-
mento de ajustamentos de conduta. Por certo, se há autorização para a celebração
de TAC inclusive para fixação de sanções cominadas na Lei 8.429/92, a utilização
do PA deve ser ampliada.
De pronto, em relação à instauração do procedimento, observa-se que o Ato
398/2018 previu as seguintes medidas desburocratizadoras:

Outras duas significativas inovações do Procedimento Administrativo podem


incrementar a atuação dos órgãos de execução: o PA para elaboração de Protoco-

67
los para Implementação de Iniciativas em Políticas Públicas e PA de Projetos.
O primeiro instrumento preenche lacuna derivada da seguinte questão: ine-
xistindo norma legal que determine ou especifique a forma de implementação de
política pública ou, existindo a norma legal sem que haja prazo de execução da po-
lítica, qual é o instrumento ministerial adequado para enfrentamento do problema?
O Protocolo destina-se à formalização de iniciativa de construção coletiva, planeja-
mento conjunto ou estabelecimento de critérios e cronogramas para implementação
de iniciativas em políticas públicas com o responsável pela implementação, nos
casos em que não há norma legal a determinar de forma detalhada sua implemen-
tação ou, se existir norma legal, quando o prazo para sua execução não houver sido
atingido ou fixado.
Um exemplo de atuação possível na área da Moralidade Administrativa é o
Programa Unindo Forças do Centro de Apoio da Moralidade Administrativa. Por
meio de Protocolo para Implementação de Iniciativas em Políticas Públicas, pode
o Promotor de Justiça pactuar as providências e o prazo que o administrador do
Município deverá observar para o fortalecimento de sua controladoria interna, sem,
contudo, celebrar um TAC.
Com efeito, criado para suprir lacuna não atendida pelo Compromisso de
Ajustamento de Conduta, o Protocolo para Implementação de Iniciativas em Políti-
cas Públicas não pode ser utilizado em substituição ao TAC. O traço distintivo entre
os instrumentos reside nas hipóteses de cabimento do protocolo: inexistência de
norma legal determinando a implementação da política pública ou, existindo norma
legal, o prazo para sua execução ainda não ter sido atingido ou fixado.
Presentes essas condições, o caso é de aplicação do Compromisso de Ajus-
tamento de Conduta, no qual serão disciplinadas para o caso concreto a especifica-
ção das obrigações adequadas e necessárias, em especial o modo, tempo e lugar
de cumprimento, bem como a mitigação, compensação e indenização dos danos
que não possam ser recuperados.
O Protocolo para Implementação de Iniciativas em Políticas Públicas possui
natureza jurídica semelhante à “Carta de Intenções” (instructions to proceed), e não
constitui título executivo extrajudicial, razão pela qual não cabe estipulação de multa

68
ou de cláusula de garantia por seu descumprimento, ou a fixação de qualquer tipo
de medida compensatória ou reparatória.
O Ato 398 prevê a participação do Conselho Municipal temático na formali-
zação do Protocolo (art. 8º, § 2º). Na defesa do patrimônio público, é relevante que
ações pactuadas com a Administração contemplem a participação das controlado-
rias internas, procuradores e entidades da sociedade civil (ex., Observatórios So-
ciais) vinculados à implementação da nova política.
Já o PA de Projetos pode auxiliar na consecução dos objetivos estabelecidos
no Planejamento Estratégico do MPSC. Sua finalidade precípua é documentar e
sistematizar projetos desenvolvidos pelos órgãos de execução, possibilitando me-
lhor gerenciamento e continuidade das iniciativas. Assim, por exemplo, caso a Pro-
motoria desenvolva o Projeto Cultivando Atitudes, poderá acompanhar seu desen-
volvimento por meio deste instrumento, registrando as ações realizadas, de forma
a permitir a continuidade do projeto quando da alteração da titularidade da Promo-
toria. A Gerência de Informações e Projetos do MPSC auxiliará os Promotores de
Justiça na construção de iniciativas próprias, materializadas em Termo de Abertura
do Projeto.

3.7 PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO CRIMINAL

O Procedimento Investigatório Criminal (PIC) é o instrumento utilizado para


apuração de fatos conduzida pelo Ministério Público na esfera criminal. Nada obs-
tante o Inquérito Civil ser o instrumento mais utilizado na área da Moralidade Ad-
ministrativa, não raras vezes as condutas investigadas configurarão crimes, o que
possibilita a utilização do PIC. O instrumento é especialmente recomendando para
investigações que demandem medidas mais assertivas, como as diligências sob
resguardo da reserva de jurisdição (interceptação de comunicações telemática e
telefônicas, busca e apreensão, quebras de sigilos bancário e fiscal etc.).
Também esta ferramenta passou por nova regulamentação em âmbito inter-
no, por meio do Ato 397/2018/PGJ, com diversas inovações. Houve, por exemplo,
a atualização do conceito de procedimento investigatório criminal (PIC), replicando
o conceito trazido pelo art. 1º da Resolução 181 do CNMP, com ênfase na previsão

69
de um instrumento sumário e desburocratizado. Cita-se:
O procedimento investigatório criminal é instrumento sumário e desburo-
cratizado de natureza administrativa e investigatória, instaurado e presidido
pelo membro do Ministério Público com atribuição criminal, e terá como
finalidade apurar a ocorrência de infrações penais de iniciativa pública, ser-
vindo como preparação e embasamento para o juízo de propositura, ou
não, da respectiva ação penal.

Outro ponto relevante é a previsão expressa quanto a finalidade de apuração


de infrações penais sujeitas a ação penal pública. Ao mimetizar a Resolução 181/
CNMP, o ato prevê que o PIC não se aplica às autoridades judiciárias, em razão do
disposto no art. 33, parágrafo único, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional:
Quando, no curso de investigação, houver indício da prática de crime por
parte do magistrado, a autoridade policial, civil ou militar, remeterá os res-
pectivos autos ao Tribunal ou órgão especial competente para o julgamen-
to, a fim de que prossiga na investigação.

O novo Ato mantém a previsão da Notícia de Fato Criminal, de natureza pré-


via à investigação propriamente dita, quando necessárias diligências preliminares
à investigação dos fatos. O membro do Ministério Público deverá dar andamento
às Notícias de Fato criminais no prazo de 30 (trinta) dias, podendo este prazo ser
prorrogado, fundamentadamente, por até 90 (noventa) dias, em previsão agora re-
plicada também para as Notícias de Fato de natureza cível.
A instauração pode ocorrer de ofício ou por qualquer meio de provocação,
ainda que informal, e deve ser feita por portaria. Em relação a essa providência ini-
cial, houve a alteração de algumas providências iniciais antes previstas:

Houve também a adequação aos preceitos da Resolução 181 do CNMP, mais


precisamente no seu artigo 6º, que trouxe regras concernentes às atuações conjun-
tas:

70
Os atos instrutórios estão previstos no art. 9º do Ato 397 e vige, aqui, ampla
liberdade na produção probatória. Além dos poderes constitucionais de requisição e
notificação, o Ato menciona a possibilidade de o Promotor determinar a realização
de vistorias e inspeções (I), acessar bancos de dados de caráter público ou relativos
a serviços de relevância pública (X) e requisitar auxílio de força policial, inclusive
para execução de diligências (XI).
Nenhuma autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de
função pública poderá opor ao Ministério Público, sob qualquer pretexto, a exceção
de sigilo, ressalvadas as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição. Assim,
informações cadastrais não resguardadas pela reserva de jurisdição podem ser re-
quisitadas diretamente. As respostas às requisições deverão ser encaminhadas,
sempre que assim determinado, em meio informatizado. O prazo geral para cumpri-
mento é de até 10 (dez) dias úteis (art. 9º, § 3º).
É possível a realização de depoimentos e interrogatórios na forma audiovi-
sual. Ressalvadas as hipóteses de urgência, as notificações devem ser efetivadas
com antecedência mínima de 48 horas. A missiva deve mencionar o fato investigado
e a faculdade de o notificado fazer-se acompanhar por defensor.

71
Permite-se a realização da oitiva de testemunhas ou informantes por outros
servidores da Instituição, policiais civis, militares ou federais, guardas municipais
ou qualquer outro servidor público que tenha como atribuições fiscalizar atividades
cujos ilícitos possam também caracterizar delito (art. 14). Qualquer que seja o re-
quisitado para cumprimento da diligência, esta deve cumprir os seguintes critérios:

Já as inquirições fora dos limites territoriais da unidade responsável pela in-


vestigação podem ser feitas de duas formas: carta precatória, com fixação de pra-
zo razoável para cumprimento; ou a realização de depoimentos audiovisuais por
videoconferência ou qualquer outro recurso tecnológico que permita a transmissão
de sons e imagens em tempo real.
No caso de oitiva por videoconferência, o membro do Ministério Público pode-
rá optar por realizar diretamente a inquirição com a prévia ciência ao órgão ministe-
rial local, que deverá tomar as providências necessárias para viabilizar a diligência
e colaborar com o cumprimento do ato. A deprecação e a ciência quanto à prática
do ato poderão ser feitas por qualquer meio hábil de comunicação.
Todas as diligências devem ser documentadas de modo sucinto e circunstan-
ciado. As diligências sigilosas devem ser realizadas em anexo autônomo ao PIC,

72
com a sua documentação nos autos principais somente após sua conclusão, se for
o caso, a fim de resguardar o sigilo. No SIG-MP, o anexo autônomo é um cadastro
do tipo 07. (xxx), criado especificamente para esse fim.
O Ato 397/2018/PGJ, em respeito à Súmula Vinculante 14 do STF, previu o
acesso do defensor aos autos, sendo que as previsões constantes nos §§ 3º a 6º do
art. 11 seguem as determinações da Resolução 181/CNMP (art. 9º):

Como uma das hipóteses de publicidade do PIC é a expedição de certidão


quanto à existência de procedimentos, mediante requerimento do suspeito, da víti-
ma ou seu representante legal, do Poder Judiciário, do Ministério Público ou de ter-
ceiro diretamente interessado, consignou-se expressamente a vedação de constar
nessas certidões qualquer referência ou anotação de investigações sigilosas.
Outra inovação trazida no Ato 397/2018/PGJ, também seguindo orientação ins-
culpida na Resolução 181 do CNMP (art. 14), é a previsão de instauração de anexo
autônomo à investigação principal tendo como finalidade a localização de qualquer
benefício derivado ou obtido, direta ou indiretamente, da infração penal, ou de bens
ou valores lícitos equivalentes, com vistas à propositura de medidas cautelares reais,
confisco definitivo e identificação do beneficiário econômico final da conduta. No SI-

73
G-MP, o anexo autônomo é cadastro do tipo 07. (xxx), criado especificamente para
esse fim.
Essa investigação autônoma pode prosseguir mesmo após o ajuizamento da
ação penal derivada da investigação principal, até que ultimadas as diligências de
persecução patrimonial. Caso a investigação sobre a materialidade e a autoria da
infração penal já esteja concluída, procedimento investigatório específico poderá
ser instaurado com o objetivo principal de realizar a persecução patrimonial.
Uma relevante inovação do Ato 397/2018/PGJ foi o acordo de não persecução
penal, instrumento que se aproxima do instituto plea bargaining utilizado em vários
países como instrumento negocial entabulado com autores de infrações criminais. O
Ato disciplina o instituto de forma convergente ao Capítulo VII da Resolução 181 do
CNMP.
O acordo será formalizado nos autos, com a qualificação completa do in-
vestigado, e estipulará de modo claro suas condições, eventuais valores a serem
restituídos e as datas para cumprimento, e será firmado pelo membro do Ministério
Público, pelo investigado e por seu defensor. Os autos deverão ser submetidos à
homologação judicial. Se o magistrado considerar o acordo cabível e as condições
adequadas e suficientes, devolverá os autos ao Ministério Público para sua imple-
mentação - circunstância que impõe a fiscalização do cumprimento dos termos do
acordo ao Ministério Público. Se o magistrado considerar incabível o acordo, bem
como inadequadas ou insuficientes as condições celebradas, fará remessa dos au-
tos ao Procurador-Geral de Justiça, que poderá adotar as seguintes providências:

Cumprido o acordo, o Ministério Público promoverá, judicialmente, o arquiva-

74
mento da investigação. Descumprido o acordo, no prazo e nas condições estabele-
cidas, ou não observado o dever de comunicação de alteração de endereço ou de
dados de comunicação, o membro do Ministério Público deverá, se for o caso, ime-
diatamente, oferecer denúncia. O descumprimento do acordo de não persecução
pelo investigado também poderá ser utilizado pelo membro do Ministério Público
como justificativa para o eventual não oferecimento de suspensão condicional do
processo (art. 23, §§ 9º a 11).
Os requisitos normativos para celebração do acordo estão previstos no art.
23, caput, e § 1º:

75
Além dos requisitos atinentes à pessoa do autor do delito e das caracterís-
ticas do crime, a normativa aplicável também disciplina as condições do acordo,
fixadas de forma cumulada ou alternativa:

76
4. TÉCNICAS DE
INVESTIGAÇÃO E
PROVAS

77
Após traçar as principais características dos instrumentos formais de investi-
gação à disposição do Ministério Público, importa agregar ao Manual tópicos espe-
ciais concernentes à finalidade dos instrumentos ministeriais, ou seja, a produção
de investigações efetivas. Para tanto, o presente Capítulo aborda técnicas de inves-
tigação e de condução do procedimento inquisitivo e os principais meios de prova
empregados pelo Ministério Público.

4.1 PLANEJAMENTO E FASES DA INVESTIGAÇÃO

4.1 .1 De f inição do Objeto

A atuação dos membros do Ministério Público de Santa Catarina com atribui-


ção na defesa da Moralidade Administrativa compreende, como visto, a atuação
penal e civil, assim disciplinadas pelo Ato 528/2013/PGJ:
Art. 3º Para os fins deste Ato, a atuação do Ministério Público por áreas
especializadas compreende:
I - na área da Moralidade Administrativa, ressalvadas, em qualquer caso, as
atribuições específicas das áreas do meio ambiente, do controle externo da
atividade policial, da ordem tributária e do direito militar:
a) promover e oficiar nas ações e medidas tendentes à responsabilização
de ocupantes de cargos, empregos ou funções públicas na administração
pública estadual e municipal, direta, indireta ou fundacional, pela prática de
crimes que tenham como sujeito passivo principal ou secundário a adminis-
tração pública, ainda que perpetrados fora do exercício da função, mas em
razão dela, bem como daqueles que lhes forem conexos;
b) promover e oficiar nas ações e medidas de natureza civil tendentes à
responsabilização dos agentes públicos e dos particulares em face das con-
dutas referidas na alínea anterior;
c) promover e oficiar nas ações e medidas que, independentemente de sua
natureza ou do direito em que se fundem, tenham como causa de pedir ato
que se caracterize, ainda que em tese, como de improbidade administrativa
ou de dano ao erário.

Considerando a pluralidade de linhas de atuação, nos procedimentos de apu-


ração de atos de improbidade e crimes contra a Administração Pública, é fundamen-
tal que o membro do Ministério Público, na qualidade de condutor do feito, planeje
sua investigação considerando essa abrangência. Por planejamento entenda-se,
primordialmente, foco e organização na realização dos atos investigativos, que de-
vem materializar uma série concatenada que irá conduzir a um determinado fim.
Como destacado no Capítulo 2, o primeiro aspecto a ser avaliado é a utili-

78
dade da investigação, questionando-se quais resultados poderão ser alcançados
a partir da intervenção ministerial. Algumas vezes, procedimentos são instaurados
para averiguar fatos descritos em representações que, comprovados ao final da
apuração, não viabilizam qualquer forma de atuação do Ministério Público, em con-
siderável desperdício de tempo e recursos. Portanto, pressuposto lógico a uma boa
investigação é a precisa consciência acerca de quando atuar.
Quando se inicia uma investigação, deve-se ter em vista o objetivo final por
meio de algumas perguntas simples:

Não se está a afirmar que, logo no início do feito, deva o membro do Minis-
tério Público ter respostas a todas essas perguntas. Do contrário, se assim fosse,
desnecessária seria a investigação. Esses questionamentos, presentes em todas
as fases do procedimento, devem ser o mapa, o roteiro do investigador, constante-
mente submetido à revisão. Sabe-se que um procedimento aparentemente simples,
após algumas diligências, pode tornar-se uma complexa e ramificada investigação,
sem que o representante do Parquet possa prever tais desdobramentos desde o
início. Não obstante a ausência de previsibilidade, é fundamental que haja um ob-
jetivo delimitado e que o investigador esteja preparado para ampliar os horizontes
investigativos se necessário – no mesmo procedimento, mediante aditamento da
portaria inaugural, ou em autos apartados.
A experiência mostra que, para manter esse planejamento dentro do controle
adequado, os procedimentos – seja o Inquérito Civil (IC), para apurar possível ato
de improbidade, seja o Procedimento Investigatório Criminal (PIC), para desvendar
supostos crimes contra a Administração Pública – devem ter um objeto específi-
co e delimitado, imprescindível inclusive para eventual controle, a posteriori, do

79
arquivamento do feito. Entre os apontamentos feitos pelos membros do Conselho
Superior do MPSC a respeito dos principais problemas nos procedimentos inqui-
sitivos ministeriais, a vagueza das portarias de instauração é um dos temas mais
recorrentes. É totalmente desaconselhável, por exemplo, a instauração de procedi-
mentos com assuntos genéricos, tais como: “Apurar irregularidades nas licitações
do Município X”.
Isso porque, por maior que seja o esforço do investigador, mostra-se inviável
a instauração sem justificativa e com objeto vasto em busca de hipotéticas irregu-
laridades. É necessário foco e delimitação de objetivos, até para avaliação ulterior
quanto ao sucesso do procedimento. A pesquisa deve ser refinada e restrita à deter-
minada área, sem prejuízo de expansão posterior depois que as primeiras notícias
de irregularidades forem constatadas.
Tal assertiva não impede a instauração de procedimentos para apuração de
irregularidades, específicas ou “despersonalizadas”, ainda não restritas a um fato,
como são, por exemplo, inquéritos destinados a apurar a ocorrência de práticas de
nepotismo na Administração, ou, ainda, avaliar a atuação do sistema de controle in-
terno ou os mecanismos de fiscalização de contratos. Atente-se, nestes casos, que,
conquanto ainda não haja um fato ilícito presente, há a precisa delimitação do tema
e a fixação de uma hipótese, que poderá ser confirmada ao final do feito.
Assim, é preciso que se definam quais irregularidades ou setores estão sendo
investigados, um lastro material específico e, sempre que possível, uma delimitação
de tempo. Assim, à guisa de exemplo, no caso acima mencionado sobre licitações,
formas mais adequadas de delimitação do objeto seriam: “Apurar possível fracio-
namento de despesa para dispensa de licitação nas contratações da empresa X
pelo Município Y no ano de Z” ou “apurar possíveis violações ao art. 24, II, da Lei
8.666/93 nas compras diretas de material de construção no quadriênio X no Muni-
cípio Y”.
Definida a premissa inicial, cumpre discorrer sobre os questionamentos an-
teriormente levantados de modo a esclarecer sua real importância. A primeira per-
gunta que deve nortear a avaliação inicial do membro do Ministério Público sobre
o caso concreto é: O que é possível desvendar com essa investigação, a partir da

80
identificação de seu objeto? Significa avaliar a utilidade da apuração, considerando
as nuances concretas do objeto definido.
No exemplo trazido, a resposta parece simples: o descumprimento do limite
legal para compra direta. A Constituição Federal determina que todas as compras
da Administração devem ser feitas mediante procedimento licitatório, salvo nas ex-
ceções previstas em lei (art. 37, XXI). Ao regular essas exceções, a Lei de Licitações
estabelece uma série de hipóteses, entre elas compras de valor até 10% do limite
previsto para licitações na modalidade convite que não sejam obras ou serviços
de engenharia, desde que não se refiram a parcelas de um mesmo serviço (arts.
23, II, “a”, e 24, II, Lei 8.666/93). Contudo, comumente, diversos entes municipais
excedem o limite sob os mais diversos argumentos, fracionando suas compras e
beneficiando certos fornecedores.
Assim, nesse caso, a investigação deverá buscar desvendar se há ou não
compra em valor superior ao limite legal e quais foram as circunstâncias dessas
aquisições e, principalmente, o elemento subjetivo dos agentes – dolo ou culpa.
Pretende-se, portanto, descobrir se a Constituição Federal, a Lei 8.666/93 e os prin-
cípios da legalidade, da impessoalidade e da moralidade estão sendo respeitados e
avaliar a motivação dos indivíduos relacionados ao fato.
Se a resposta ao questionamento for esclarecer fato ou circunstância que não
configure ofensa ou ilícito que justifique a atuação do Ministério Público na área da
moralidade administrativa (art. 3º, I, Ato 486/2017/PGJ), não há justa causa para o
início da investigação, devendo ser arquivada de plano a documentação ou enca-
minhada para quem possua atribuição (no mesmo ou em outro ramo do Ministério
Público ou a outro órgão distinto).
Esse filtro prévio à instauração de procedimentos investigativos ganhou re-
levância em razão da abertura de nossa Instituição a representações oriundas da
comunidade. O papel da Ouvidoria do MP, a interação com outras instituições e o
conhecimento crescente da população acerca das atividades do Ministério Público
provocaram, nos últimos anos, o aumento exponencial das representações dirigidas
às Promotorias de Justiça. Avaliar os fatos noticiados e ponderar cuidadosamente
a necessidade de abertura de investigação são providências indispensáveis para

81
racionalização dos trabalhos do Ministério Público.

4.1 .2 M e ios de Investigação

Logo após, na segunda etapa do planejamento, deve o membro do Ministé-


rio Público questionar-se: Quais os meios investigatórios necessários? De maneira
concatenada, considerando os possíveis resultados, devem ser avaliadas as me-
didas de investigação à disposição do Ministério Público e a utilidade concreta da
cada uma, definindo quais delas possivelmente serão utilizadas no curso da inves-
tigação, e desde logo identificando as medidas iniciais a serem tomadas quando da
elaboração da portaria de instauração, que já deve conter comandos básicos para
a realização de diligências.
Como regra, considerando que a Administração Pública é orientada pelo prin-
cípio do formalismo moderado, a investigação de fatos relacionados a atos ou proce-
dimentos da Administração será, precipuamente, documental. No entanto, como se
sabe, além da demonstração dos fatos em si, cabe ao investigador apurar, também,
a intensidade da participação dos envolvidos e o elemento subjetivo que move suas
condutas. Como ressaltado no Capítulo I, as investigações ministeriais ora se cen-
tram sobre a avaliação do dolo dos agentes envolvidos em práticas administrativas
cuja existência é incontroversa, ora se desdobram na revelação de fatos ocultos,
tramas que não poderão ser desvendadas a partir do simples exame documental.
Serão suficientes requisições de informações e documentos a órgãos públi-
cos ou privados? Nesse caso, quais órgãos são os detentores das informações
visadas e quais informações efetivamente importam, de modo que não sejam re-
quisitados dados inúteis? Serão utilizados outros meios tradicionais de obtenção
de prova como vistorias, perícias, coleta de prova oral, busca e apreensão? Como,
na rotina da corrupção, a prática delitiva normalmente ocorre de forma dissimulada,
conforme o caso concreto, será preciso lançar mão de algum método mais com-
plexo de investigação, como, por exemplo, quebra de sigilo financeiro, bancário e
fiscal, quebra de sigilo e interceptação das comunicações telefônicas e telemáticas,
captação ambiental de sinais, ação controlada, infiltração de agente e colaboração
premiada. Nesses últimos casos, ainda que o Promotor de Justiça, desde logo, ve-

82
rifique a utilização de meios especiais de investigação, de caráter sigiloso, será por
certo necessário complementar a representação original com informações adicio-
nais e lastro documental. Como proceder?
Mesmo que as respostas a essas perguntas não sejam definitivas, pois pode-
rão mudar à medida que a investigação tomar rumo, essa avaliação inicial é impor-
tante para definição das primeiras estratégias, como a escolha do procedimento a
ser instaurado (PP ou IC e/ou PIC); o esboço das pesquisas e a definição de quais
diligências iniciais serão adotadas e a verificação da possível necessidade de de-
cretação do sigilo de todo o procedimento ou, se for o caso, somente de determina-
das diligências em andamento etc.
Nesse momento, de acordo com o objeto da investigação, sua gravidade e
sua complexidade, é interessante avaliar a possibilidade de atuação em conjunto
com o Grupo Especial Anticorrupção (GEAC), na forma do Ato 760/2015/PGJ, e/ou
com o Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (GAE-
CO), na forma do Ato 172/2016/PGJ.

4.1 .3 Indiv idualiz ação dos At o s

O terceiro questionamento também orienta a investigação de maneira funda-


mental: quem são os responsáveis pelo ilícito e seus beneficiários?
Tanto no Direito Administrativo sancionador quanto no Direito Penal é impres-
cindível que haja uma conduta voluntária, dolosa ou culposa, para responsabilizar
determinado agente. Na atuação de combate à corrupção, o foco da investigação é
esclarecer não somente as pessoas que praticaram a conduta típica – aquelas que
concorreram para o ato e quem possuía o domínio do fato –, mas fundamentalmen-
te seus beneficiários para, ao final, delimitar com justiça e segurança quem será
responsabilizado.
Voltando ao exemplo do fracionamento de compras, de nada adiantaria a in-
vestigação descobrir claras violações à Lei de Licitações sem desvendar quem são
os responsáveis pelo ato e quem foi favorecido pelo ilícito. A responsabilidade não
pode ser presumida e, muitas vezes, é de difícil elucidação. Contudo, o Direito Ad-
ministrativo e a estruturação orgânica dos entes públicos fornecem as pistas iniciais

83
sobre como identificar os responsáveis.
Seguindo o exemplo em questão, a estrutura administrativa dos Municípios,
em geral, conta com um Setor de Licitações, o qual normalmente está vinculado a
determinada Secretaria Municipal. Não obstante, as compras diretas, contínuas,
das demais Secretarias Municipais que não ultrapassam o limite legal (art. 24, I e
II, Lei 8.666/93) algumas vezes são feitas isoladamente e sem comunicação entre
os órgãos. Deve-se, portanto, analisar em qual Secretaria estão sendo efetuadas
essas compras e de quem partiram as ordens para aquisição dos bens, isto é, quem
praticou as condutas, quem participou e quem, conforme o caso concreto, possuía o
domínio dos fatos e das ações praticadas. É fundamental, portanto, que se busque
averiguar a conduta de todas as pessoas que intervieram na referida compra, já
que, possivelmente, poderão fornecer informações sobre a cadeia de comando e o
elemento subjetivo que move a ação de cada um dos envolvidos.
Destaca-se, a esse respeito, um ponto fundamental: na análise dos possí-
veis agentes responsáveis pelo ilícito, deve o membro do Ministério Público atuar
com cuidadoso bom senso de modo a imputar a cada um dos investigados as con-
sequências que lhe são devidas. A prática de incluir todos os agentes da cadeia
administrativa no polo passivo de eventual ação judicial mostra-se temerária e con-
traproducente, prolongando indefinidamente o desfecho da demanda. É essencial,
pois, a análise responsável e criteriosa do elemento subjetivo, dolo e culpa, com
fundamento nas provas colhidas no curso da investigação. Não há espaço para
presunções, isto é, não basta mera suspeita, conjectura ou mesmo convencimento
íntimo do investigador, mas sim, convicção objetivamente motivada para justificar o
início da ação judicial.
O viver cotidiano na defesa da moralidade administrativa pode trazer senti-
mentos sobre a disseminação da corrupção, porém o Promotor de Justiça não se
pode deixar contagiar pela ideia de generalização. É preciso agir com responsa-
bilidade, observando criteriosamente os preceitos legais para imputação da res-
ponsabilidade, sob pena de incorrer em injustiças e até mesmo desmoralização da
atuação. No âmbito específico da imposição de sanções por ato de improbidade
administrativa, vale lembrar do conhecido preceito de que a norma não visa punir

84
o agente despreparado ou simplesmente incauto, mas sim, a conduta desonesta,
atentatória aos princípios vetores da Administração.
Erros que não caracterizam culpa grave, sem malícia do servidor, não são
abarcados pela Lei de Improbidade Administrativa, que prevê sanções relacionadas
às condutas desonestas, mas podem ser passíveis de punição no âmbito admi-
nistrativo. Por isso, uma solução justa e adequada pode ser a não instauração ou
arquivamento da investigação ministerial, com remessa de cópia ao órgão público
de origem do servidor para avaliação de eventual falta funcional.
Nesses casos, o trabalho de individualização das condutas e imputação das
respectivas responsabilidades deve ser feito com cuidado, levando em conta fa-
tores como os deveres básicos do cargo do agente; a intensidade do dolo; o grau
de conhecimento e participação na trama ilícita; a posição hierárquica e eventual
subordinação a ordens irregulares; a consciência acerca do ilícito; e a qualificação
técnica do agente. O Superior Tribunal de Justiça consolidou entendimento de que
o litisconsórcio passivo, nas ações de improbidade, é facultativo. Em muitas situa-
ções, agentes formalmente vinculados à prática irregular desconhecerão por com-
pleto o alcance e a repercussão de seus atos – como os muitas vezes desprepara-
dos membros de comissões de licitações – e auxiliarão a investigação ministerial na
qualidade de testemunhas.
É neste processo preliminar de delimitação da investigação que o Promotor
deve avaliar, também, a extensão das atividades das empresas e pessoas envol-
vidas. Não raro, ilícitos investigados em uma Comarca podem ter sido perpetrados
pelos mesmos implicados em outras cidades e regiões. Os bancos de dados dispo-
níveis ao MP permitirão dimensionar se as fraudes averiguadas possuem caráter
estadual ou nacional, o que demandará a provocação de outros órgãos do Ministé-
rio Público.

4.1 .4 Consequências Jur ídi c a s

O quarto passo na investigação também não é de somenos importância: as


consequências jurídicas dos fatos. Mormente na seara da moralidade administra-
tiva, deve-se ter em mente os consectários jurídicos da investigação para cada

85
agente.
Nas investigações criminais, não se pode olvidar o foro por prerrogativa de
função estabelecido na Constituição Federal e sua modulação dada pelo Supremo
Tribunal Federal em maio de 2018, no julgamento da questão de ordem na Ação
Penal 937. Isto é, especial cuidado para avaliar e considerar criticamente o caso
concreto conforme as normas e jurisprudência atual sobre o assunto.
Demais disso, as consequências jurídicas são fundamentais para definir o
ferramental que estará à disposição do Promotor de Justiça durante a investigação,
além da forma de produção de prova que se mostre necessária. A medida cautelar
de interceptação telefônica, por exemplo, cabível apenas na investigação de crimes
punidos com reclusão (art. 2º, III, Lei 9.296/96), não pode ser utilizada em apura-
ções que tratem exclusivamente de crimes licitatórios (arts. 89 e ss., Lei 8.666/93),
punidos com pena de detenção. Deve ser avaliada, por exemplo, a concomitância
com outros delitos comumente presentes nessas hipóteses, como associação cri-
minosa (art. 288, CP), corrupção ativa e passiva (arts. 317 e 333, CP), concussão
(art. 316, CP), crimes contra a ordem econômica (art. 4, Lei 8.137/90) e promover,
constituir, financiar ou integrar organização criminosa (art. 2º, Lei 12.850/13).
No caso utilizado como paradigma, os consectários lógicos da violação do art.
24, II, da Lei 8.666/93 são: 1) ato de improbidade, que poderá incorrer nas modali-
dades do enriquecimento ilícito, dano ao erário ou violação a princípio, conforme o
caso concreto; e 2) crime previsto no art. 89 da Lei 8.666/93.
Por fim, deve sempre ponderar o membro do Ministério Público sobre os be-
nefícios à coletividade que sua atuação deve trazer. Por evidência, a defesa do
patrimônio público é orientada pelos princípios da indisponibilidade e da obrigato-
riedade, pelo que, diante de elementos concretos acerca do ilícito e da identificação
de seus responsáveis, deve o Promotor de Justiça adotar as medidas para res-
ponsabilização dos implicados. Todavia, conforme explanado nos Capítulos II e III,
muitas vezes a defesa do direito transindividual à gestão proba passa pelo emprego
de instrumentos extrajudiciais e judiciais não punitivos. Em situações envolvendo a
admissão irregular de servidores, por exemplo, ao lado da responsabilização dos
implicados, deve o Ministério Público preservar a prestação de serviços administra-

86
tivos fundamentais. Cabe ao Promotor de Justiça, a partir dessa ponderação, definir
as medidas judiciais a serem tomadas no caso concreto, inclusive eventuais medi-
das cautelares, e delimitar os pedidos a serem formulados nas ações principais.
Não se pode conceber a investigação como um fim em si mesmo. No caso
em comento, atinente à fraude licitatória, os benefícios da investigação são claros.
Possível recuperação de valores desviados, punição de agentes corruptos, obriga-
toriedade de a pessoa jurídica de direito público respeitar regras especificadas pelo
Poder Judiciário, com o fim de observar a Lei de Licitações, de modo a possibilitar a
participação de todos os interessados nas compras de bens pela Administração. A
presença dos órgãos de controle e a atuação eficaz do Ministério Público, inclusive
por meio de seus programas institucionais e do fomento à adoção de medidas pre-
ventivas, tendem a contribuir para o aprimoramento progressivo da gestão pública.
Seguindo essas premissas básicas, ainda que não expressas em qualquer
ato formal, o caminhar da investigação será, com certeza, mais adequado e eficien-
te. Não se pode olvidar que a missão do Promotor de Justiça é solucionar o caso
posto sob sua análise, seja no plano judicial, seja no extrajudicial, naturalmente no
âmbito de suas atribuições. O fim certo e as diligências estritamente necessárias
são o caminho para o prosseguimento adequado de uma investigação.

4.2 VERIFICAÇÃO DA PROCEDÊNCIA DA INFORMAÇÃO

Sempre tendo em vista os atos normativos legais e administrativos regula-


mentares da atuação ministerial, alguns simples cuidados iniciais merecem desta-
que e são essenciais para o sucesso da investigação e para evitar a nulidade do
procedimento e dos atos subsequentes.
De pronto, instar o noticiante a complementar as informações deduzidas é
providência bastante útil, o que, sempre que possível, deve ser feito pessoalmente,
oportunidade em que o membro do Ministério Público poderá colher, com mais se-
gurança, os dados pertinentes ao início da investigação ou, se for o caso, fulminar
desde logo a possibilidade de instauração de procedimento. Não sendo possível a
oitiva do noticiante na Promotoria de Justiça, a complementação poderá ser feita
por carta precatória ou por escrito (postal ou mensagem eletrônica), porém, nesse

87
último caso, é importante especificar as informações faltantes, pois solicitações ge-
néricas de complementação em regra não trazem bons resultados.
De toda forma, deve-se evitar apenas a notificação formal do representante
para complementar as informações deduzidas, sem esclarecer o comunicante acer-
ca da necessidade do ato. Trazer informações a respeito de atos ilícitos ao conheci-
mento do Ministério Público provoca compreensível receio em muitas pessoas, não
habituadas ao cotidiano dos fóruns e à praxe das investigações. Assim, o Promo-
tor de Justiça não deve “alienar” o representante mediante exigências exageradas
quanto à documentação comprobatória de fatos, por exemplo, quando esses dados
puderem ser obtidos por diligências realizadas pela própria Promotoria de Justiça.
Ao receber a notícia sobre atos de corrupção e ilícitos administrativos, deve
ser avaliada com cautela a pertinência de, inicialmente, “solicitar informações e do-
cumentos a órgãos públicos e privados” (art. 5º, caput, Ato 395/2018/PGJ). Tal prá-
tica pode ser útil quando esclarecimentos fornecidos pelo órgão interessado ou por
terceiros desde logo elucidem o caso. No entanto, muitas vezes, em casos sensí-
veis ou complexos, atribuir prévio conhecimento da representação ao órgão público
envolvido ou a terceiro pode aniquilar futura investigação, já que, em muitas situa-
ções, haverá necessidade de decretar o sigilo, e o elemento surpresa é essencial
para o sucesso desse tipo de atuação ministerial.
Antes da instauração de Procedimento Preparatório (PP), Inquérito Civil (IC)
ou Procedimento Investigatório Criminal (PIC), de ofício ou por provocação, interes-
sante pesquisar se já existiu, ou há em curso, procedimento no âmbito do Ministério
Público, da Polícia Judiciária e do Tribunal de Contas Estadual ou ação judicial com
o mesmo assunto ou com objeto mais abrangente, atentando-se também para a
possibilidade de eventual ação civil pública ajuizada pela pessoa jurídica interessa-
da.
A busca simplificada pode ser realizada nos sistemas informatizados do Mi-
nistério Público do Estado de Santa Catarina (SIG/SIAMP), da Secretaria de Estado
da Segurança Pública (SISP), da Secretaria Nacional de Segurança Pública (SI-
NESP), do Tribunal de Contas (TCE Virtual e sítio eletrônico) e do Poder Judiciário
(SAJ e sítio eletrônico) e também em fontes abertas, pelos nomes das partes envol-

88
vidas, assunto, período e publicações de notícias na imprensa. Caso bem-sucedida,
a diligência evitará inútil dispêndio de esforços e tempo do membro do Ministério
Público.

Além do mais, é importante esse dado para definição da medida a ser adota-
da, lembrando que a existência de procedimento em curso ou já arquivado não im-
pedirá necessariamente a investigação, mediante aditamento, desarquivamento ou
instauração de novo procedimento, conforme o caso concreto, consoante dispõem
os regramentos legais e administrativos a respeito (art. 52, Ato 395/2018/PGJ; art.
25, Ato 397/2018/PGJ). Não existe, por certo, “coisa julgada” derivada do arquiva-
mento ministerial. É de relevo, inclusive, que o colega Promotor de Justiça disponha
de plena ciência a respeito das investigações instauradas e arquivadas no âmbito
da Promotoria de Justiça, mesmo antes de sua chegada à Comarca, visto que este
acervo pode revelar indícios a respeito de práticas ilícitas ainda em andamento ou
mesmo evitar desnecessário trabalho duplicado.
Não raro, interesses espúrios ou temores por represálias permeiam iniciativas

89
que levam informações sobre ilícitos aos Órgãos de Execução que atuam na tutela
da moralidade administrativa. Em algumas oportunidades, em vez de solicitar o sigi-
lo, a vontade do noticiante de omitir sua identidade é dissimulada pelo uso indevido
do nome de outra pessoa ou mesmo são utilizados nomes e dados falsos. Logo,
ainda que tais fatos não obstem a atuação do Ministério Público na investigação
do fato, é muito importante realizar pesquisa a bases de dados e fontes abertas
para averiguar a identidade do representante, confrontando nome, assinatura e ou-
tros documentos de identificação – ou notificando-o para confirmar sua identidade.
Tratando-se do uso indevido dos dados de outra pessoa ou não existindo aquela
identidade, além das possíveis providências para apuração criminal, é essencial o
registro da notícia de fato como representante anônimo. Evita-se, assim, tratar o
chamado fake como se parte verdadeira fosse a partir da prática de crime, inclusive
notificando-o dos atos realizados, valorizando ainda mais sua atuação maliciosa.
Quando a representação for entregue pessoalmente, por exemplo, é impor-
tante confirmar se quem protocola é o próprio representante ou mandatário, me-
diante o simples e rápido ato de identificá-lo por meio de cópia do documento de
identidade; quando remetida por meio postal, vale digitalizar e guardar na pasta-ar-
quivo o original da representação e o seu envelope – no qual há informações sobre
o local e data da postagem – para, se necessário futuramente, esclarecer, por meios
próprios de investigação, o verdadeiro emitente do documento.
Essas simples providências, portanto, além de desvendarem eventual prática
de crime, evitam consequências indesejáveis e danosas, como o cadastro indevi-
do no sistema informatizado, incluindo-se como representante pessoa que de fato
não é, inclusive com risco de divulgação do nome em publicações oficiais. Implica
também que a documentação seja analisada conforme a realidade, pois se trata de
representação anônima e, portanto, maiores cautelas são bem-vindas.
Além disso, quando chegar ao conhecimento do membro do Ministério Públi-
co notícia de fato ilícito civil ofensivo à moralidade administrativa ou penal que te-
nha como sujeito passivo principal ou secundário a Administração Pública, antes da
instauração de procedimento investigatório, é prudente a verificação da veracidade
da informação por meio de levantamentos preliminares. Essas diligências iniciais

90
devem buscar esclarecer a verossimilhança da informação no plano da existência
do fato.
Citando clássico precedente do Supremo Tribunal Federal no âmbito criminal,
Eugênio Pacelli bem pondera os motivos, igualmente aplicáveis para as demais hi-
póteses antecedentes à investigação cível:
É dizer: o órgão persecutório deve promover diligências para apurar se foi
ou não, ou se está ou não, sendo praticada a alegada infração penal. O que
não se deve é determinar a imediata instauração de inquérito policial sem
que se tenha demonstrada a infração penal nem mesmo qualquer indicativo
idôneo de sua existência. Em duas palavras, utilizadas, aliás, pelo Min. Cel-
so de Mello, com fundamento da doutrina de Frederico Marques, deve-se
agir com prudência e discrição, sobretudo para evitar a devassa indevida no
patrimônio moral de quem tenha disso, levianamente, apontado na delação
anônima (Curso de Processo Penal. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 57).

Tratando-se de representação anônima, acompanhada ou não de documen-


tos, mesmo considerando o debate doutrinário e jurisprudencial a respeito, suge-
re-se a realização de medidas complementares de apuração antecedentes à ins-
tauração de procedimento investigatório e eventuais cautelares, como quebras de
sigilos, interceptações telefônicas e telemáticas, buscas, entre outras. Com efeito,
nada obstante a facilidade de encaminhamento anônimo de informações ao Mi-
nistério Público dificultar o trabalho nas Promotorias de Justiça – premidas pelo
desafio, muitas vezes, de analisar centenas de expedientes sem fundamento –, a
comunicação apócrifa de fatos é um importantíssimo meio de recebimento de infor-
mações nas investigações relativas à moralidade administrativa, e este canal deve
ser preservado pelo Promotor de Justiça.
Não por acaso, o Conselho Superior do Ministério Público catarinense, em rei-
teradas decisões, firmou entendimento quanto à impossibilidade de indeferimento
de notícia de fato calcado apenas no anonimato do representante, quando o conjun-
to de informações reportadas denota ofensa aos princípios vetores da Administra-
ção. Deve-se avaliar a existência de justificativa razoável para o anonimato, como
expressamente previsto no art. 2º, § 4º, do Ato 395/2018/PGJ: “O conhecimento por
manifestação anônima, justificada, não implicará ausência de providências, desde
que presentes os pressupostos para a investigação”.
No âmbito criminal, há precedentes do Superior Tribunal de Justiça e Supre-
mo Tribunal Federal sobre a possibilidade de instauração de procedimentos inves-

91
tigativos criminais e implementação de medidas cautelares com base em notícias
anônimas, desde que precedidos de diligências preliminares para averiguar mini-
mamente os fatos noticiados e avaliar a necessidade das medidas investigativas:

Penal e Processo Penal. Agravo Regimental em Habeas Corpus. Tráfi-


STF
co e associação para o tráfico de entorpecentes – arts. 33 e 35 da Lei
11.343/2006. Denúncia anônima. Aptidão para deflagrar a investiga-
ção. Escutas telefônicas e prorrogações. [...]

1. A denúncia anônima é apta à deflagração da persecução penal


quando seguida de diligências para averiguar os fatos nela noticiados
antes da instauração de inquérito policial. Precedentes: HC 108.147,
Segunda Turma, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJe de 1º.02.13;
HC 105.484, Segunda Turma, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJe
de 16.04.13; HC 99.490, Segunda Turma, Relator o Ministro Joaquim
Barbosa, DJe de 1º.02.11; HC 98.345, Primeira Turma, Redator para o
acórdão o Ministro Dias Toffoli, DJe de 17.09.10; HC 95.244, Primeira
Turma, Relator o Ministro Dias Toffoli, DJe de 30.04.10. [...]

3. Deveras, a denúncia anônima constituiu apenas o “ponto de parti-


da” para o início das investigações antes da instauração do inquérito
policial e a interceptação telefônica e prorrogações foram deferidas
somente após o surgimento de indícios apontando o envolvimento do
paciente nos fatos investigados, a justificar a determinação judicial de-
vidamente fundamentada, como exige o art. 93, IX, da Constituição
Federal. (HC 120234 AgR, Rel.  Min. Luiz Fux, 1ª Turma, julgado em
11/03/2014, DJe 25-03-2014).

STJ HABEAS CORPUS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS E


ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. IN-
QUÉRITO ORIUNDO DE DENÚNCIA ANÔNIMA. NÃO OCORRÊNCIA.
REPRESENTAÇÃO DE QUEBRA DO SIGILO TELEFÔNICO PELA AU-
TORIDADE POLICIAL. NULIDADE QUE NÃO SE VISLUMBRA.

AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO NA DECISÃO QUE AUTORIZOU A


INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. NÃO OCORRÊNCIA. DECISÃO SU-
CINTA AMPARADA NO PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO E EM
CONSONÂNCIA COM A LEI N. 9.296/1996.

AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL MANIFESTO.

1. Esta Corte Superior de Justiça e o Supremo Tribunal Federal firma-


ram o entendimento de que a notícia anônima sobre eventual prática
criminosa, por si só, não é idônea para a instauração de inquérito poli-
cial ou deflagração da ação penal, prestando-se, contudo, a embasar
procedimentos investigativos preliminares em busca de indícios que
corroborem as informações, os quais tornam legítima a persecução
criminal estatal. Precedentes [...] (HC 413.160/PE, Rel. Ministro Sebas-
tião Reis Júnior, 6ª Turma, julgado em 21/11/2017, DJe 28/11/2017)

92
4.3 LEVANTAMENTO BÁSICO DE DADOS

4.3 .1 Pe s q uisa inicial

Instaurado o procedimento investigatório e definida a estratégia de investi-


gação mediante resposta às perguntas expostas no Item 4.1, é válido realizar pes-
quisas preliminares sobre o fato, utilizando as fontes abertas e bancos de dados
disponíveis ao Ministério Público.
Diferentemente da verificação de procedência da informação (Item 4.2), as
pesquisas iniciais não servem necessariamente para colher subsídios que façam
prova dos fatos, pois são dados colhidos de maneira informal, sem necessária for-
malização. São verdadeiramente o estudo do caso concreto. Buscam esclarecer
elementos que circundam os fatos que possam ser relevantes para o deslinde do
caso, como relações de parentesco e amizade entre os investigados; relacionamen-
tos comerciais da empresa; outras pessoas jurídicas constituídas formalmente ou
não pelos investigados; quem efetivamente exerce a função de administrador da
empresa ou é seu proprietário de fato; outras relações de emprego do noticiante e
dos noticiados; vínculos políticos entre os implicados etc.
Atento à quantidade de informações relevantes para defesa do patrimônio
público, o Centro de Apoio Operacional da Moralidade Administrativa (CMA) man-
tém, na Intranet, o “Guia de Bancos de Dados: Roteiro Explicativo para Acesso a
Bancos de Dados na Área do Patrimônio Público”1.
Trata-se de documento de manuseio indispensável ao membro do Ministério
Público que se propõe a atuar na área. De fácil compreensão, contém a “compila-
ção dos bancos de dados por temas gerais, seguida de breve explanação quanto às
principais características de cada Sistema e de informações básicas para garantir
o acesso do consulente. A ‘navegação’ pelos diversos setores do Guia pode ser
realizada por links, idealizados de forma a facilitar a consulta”. O material também
possui indicações sobre diversos bancos de dados abertos e fechados, esses últi-
mos acessados diretamente pelo integrante do Ministério Público ou por intermédio
dos Centros de Apoio.
1  http://intranet.mp.sc.gov.br/intranet/Conteudo/caos/cma/guia%20de%20bancos%20de%20dados.pdf

93
Atualmente, o Portal do Promotor de Justiça2, inovadora ferramenta à dispo-
sição dos membros do Ministério Público, facilita sobremaneira a coleta de infor-
mações mediante navegação nos portais dos Centros de Apoio. O Painel E-Sfinge
abarca conteúdo do sistema usado pelo Tribunal de Contas do Estado de Santa
Catarina e, por meio de pesquisa fácil e lógica, permite acesso rápido às contas
públicas dos entes municipais e estaduais, trazendo detalhes úteis como compras
realizadas, contratos e empenhos. Pode-se fazer a busca por CNPJ, de modo a
indicar, por exemplo, todas as vendas diretas realizadas pela pessoa jurídica no
Estado, as licitações de que participou (ganhou ou perdeu), seus concorrentes fre-
quentes, indicando eventuais empresas de fachada e possível amplitude regional
ou estadual da irregularidade.

Importante fonte de pesquisa, o Centro de Apoio Técnico (CAT) também dis-


ponibiliza, na intranet, relação atualizada dos bancos de dados acessíveis ao Minis-
tério Público, especificando as formas de acesso, as informações que podem ser
alcançadas e a abrangência3.

2  Intranet > Sistemas > Qlikview


3  http://intranet.mp.sc.gov.br/intranet/conteudo/MaterialApoioCAT/Tabela_CAT_2018.pdf

94
95
No final de 2018, o MPSC disponibilizou a seus Promotores acesso ao Siste-
ma de Dados Cadastrais e ao novíssimo Sistema Harpia, aplicações que permitem
a consulta unificada a mais de 20 bancos de dados federais e estaduais, tais como
a Junta Comercial, DETRAN, Receita Federal, Polícia Civil, dentre outros, com in-

96
formações valiosas para identificação e individualização de possíveis investigados,
seus acervos patrimoniais e vínculos jurídicos. Sugere-se, assim, compulsar o Guia
de Bancos de Dados do CMA e a relação do CAT já no planejamento e também na
fase de pesquisa, pois, a partir desse rol, certamente surgirão ideias antes sequer
cogitadas para otimizar a pesquisa e coletar elementos relevantes para sua inves-
tigação.
Paralelamente à pesquisa às bases de dados, instrumentos simples como as
fontes abertas disponíveis na rede mundial de computadores podem ser definitivos
na pesquisa. Além dos tradicionais sites de pesquisa (Google, Yahoo etc.), podem
ser exploradas inúmeras redes sociais com informações relevantes (Facebook, Ins-
tagram, Twitter, Flickr, Linkedin, MySpace, Pinterest, Snapchat, Youtube, WhatsApp
etc.).
O cadastro de um número de WhatsApp na lista de contatos do celular, por
exemplo, é uma maneira lícita e discreta de confirmar quem faz uso daquela linha
telefônica, informação que pode ser usada como meio de prova ao imprimir a tela do
aplicativo e, se necessário, requisitar a realização de ata notarial a respeito.
Aliás, a ata notarial é instrumento valioso nas investigações, pois, de forma
simples e rápida, pode ser requisitada pelo Ministério Público ao Tabelião, sempre
que necessário registrar fatos, atos ou circunstâncias de relevância jurídica que
passam a ter presunção de veracidade para todos os efeitos (NCPC, art. 384). Em
outras hipóteses, pode-se requisitar a emissão de certidão elaborada por servidor
público dotado de fé pública (cf. art. 11, § 13, Ato 395/2018/PGJ).
Os Portais da Transparência dos entes públicos, construídos por força da Lei
de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011), podem ser muito úteis no levantamento
de informações que ainda não estão no E-Sfinge, quando o fato investigado for re-
cente ou atual, por exemplo. Os Portais trazem dados úteis: comprovação de víncu-
lo de pessoas com a Administração, tipo de vínculo (comissionado ou efetivo), datas
de admissão e saída, remuneração, informações sobre diárias (datas, finalidades,
valores) etc. O Diário Oficial Eletrônico do Estado de Santa Catarina (http://www.
doe.sea.sc.gov.br) e o Diário Oficial dos Municípios de Santa Catarina (https://www.
diariomunicipal.sc.gov.br) também são importantes fontes de pesquisa.

97
[

Merece destaque o Quadro de Sócios e Administradores (QSA). A consulta


ao referido Quadro possibilita a obtenção, por meio digital, dos registros comerciais
de empresas na Junta Comercial do Estado de Santa Catarina (JUCESC), incluindo
o conteúdo completo dos contratos sociais e modificações posteriores. É relevante
para conhecimento de quem são os sócios, sócios-administradores e ex-sócios,
para estabelecer possível relação de proximidade com pessoas investigadas, além

98
de possível coincidência de endereços entre empresas, eventualmente evidencian-
do que há apenas uma empresa de fato.
Diversos dados sobre pessoa jurídica registrada no país podem ser obtidos
mediante rápida consulta aberta no site da Receita Federal (http://www.receita.fa-
zenda.gov.br/pessoajuridica/cnpj/cnpjreva/cnpjreva_solicitacao.asp), como as infor-
mações de data do registro da pessoa jurídica, nome empresarial, nome fantasia,
atividades econômicas principais e secundárias, natureza jurídica, endereço e en-
dereço eletrônico, telefone, situação cadastral ativa ou inativa, capital social e só-
cios atuais.
São exemplos de outros mecanismos úteis de acesso público para levanta-
mento de informações: a) busca de imagens: procurar imagens parecidas que este-
jam na rede mundial de computadores, os locais onde aquela imagem se encontra
hospedada ou nomes de pessoas/lugares/definições para aquela imagem; acessar
“Google Imagens” (images.google.com) > “Pesquisa por imagem” (símbolo de uma
câmera fotográfica) > colar URL da imagem ou fazer upload da imagem; b) consulta
de protestos: Instituto de Estudos de Protesto de Títulos do Brasil: www.ieptb.com.br;
c) consulta de postos de combustíveis autorizados pela ANP: www.anp.gov.br/pos-
tos; d) pesquisa de domínios: https://registro.br/2/whois, http://cqcounter.com/whois/,
https://www.whois.com.au/whois/; e) pesquisa da operadora de telefonia celular:
http://www.qualoperadora.net/; f) consulta IMEI: https://www.consultaaparelhoimpe-
dido.com.br/public-web/welcome; g) consulta IBGE: https://ww2.ibge.gov.br/home.

4.3 .2 Dilig ências de C am po

As diligências de campo são forma de levantamento de informações e coleta


de provas úteis para as investigações cíveis e criminais na defesa do patrimônio
público. Podem ser realizadas diretamente pelo membro do Ministério Público con-
dutor da investigação, quando serão documentadas por termo, certidão ou auto
circunstanciado (art. 11, § 2º, Ato 395/2018/PGJ; art. 13, Ato 397/2018/PGJ).
Sempre que necessário maior aparato e discrição, podem ser levadas a efeito
com a participação do GAECO, observando a regulamentação própria prevista no Ato
172/2016/PGJ. No curso de procedimentos criminais, as diligências também podem

99
ser requisitadas à Polícia Civil, nos termos do art. 129, VIII, da Constituição Federal.
No âmbito da moralidade administrativa, a diligência de campo é comumen-
te utilizada na fase de verificação da procedência da informação – principalmente
quando se tratar de representação anônima –, no levantamento básico de dados e
também no curso de outros atos de investigação, por meio de ações de reconheci-
mento, vigilância e captação ambiental. Por exemplo:

Em caso de urgência, dificuldade de acesso ou extrema necessidade de evitar


o conhecimento da investigação pelos suspeitos, podem ser utilizados outros meios,
como a ferramenta Google Street View e o Portal do Promotor de Justiça4 para cons-
tatação de endereços, características de locais, instalação de estabelecimentos etc.

4  Intranet > Sistemas > Qlikview > Portal do Promotor de Justiça > Geoanálise (com possibilidade de visualização por
meio de diferentes mapas de base, medição de áreas e inclusão de indicadores).

100
4.3 .3 Da do s Financeir os

A depender do objeto da apuração, é indicado, já na fase de levantamento bá-


sico de dados, que o condutor obtenha ciência das informações financeiras básicas
das pessoas físicas e jurídicas suspeitas de atos de improbidade e/ou crimes contra
a Administração Pública.
Será possível, desde logo, constatar a falsidade de afirmações ou confirmar
dados que chegaram ao conhecimento do investigador, evitando malbaratamento
da atuação ministerial. O prévio acesso aos dados financeiros permitirá otimizar a
apuração sem desperdiçar esforços e tempo, evitando desnecessários requerimen-
tos de afastamento de sigilo bancário ou possibilitando que o pedido seja formaliza-
do de forma mais precisa, com vistas a alcançar resultado efetivo.
Citam-se, por exemplo, as seguintes hipóteses: (a) determinada pessoa física
ou jurídica é suspeita de atuar como agente intermediário de transações fraudulen-
tas ocultando a identidade do verdadeiro autor (“laranja”); e (b) para exaurir os de
corrupção, são realizados mensalmente pagamentos de propina, mediante saques
regulares de valores em determinada instituição financeira. Nas duas hipóteses,
respectivamente, é possível verificar sem demora a razoabilidade da informação (a’)
ao apurar em qual instituição financeira aquele indivíduo identificado como possível
“laranja” possui conta bancária; e (b’) ao identificar com quais instituições financei-
ras o responsável pelos saques (pessoa física ou jurídica) possui relacionamento ou
é preposto, a fim de delimitar os rumos de diligências de campo.
O Cadastro de Clientes do Sistema Financeiro Nacional (CCS) traz informa-
ções de correntistas e clientes de instituições financeiras. É possível a identificação
das instituições financeiras nas quais o alvo possui ativos e/ou investimentos e as da-
tas de início e fim de relacionamento. Com base nessas informações, detalhes como
o número da conta bancária, da agência e a identificação de eventual procurador para
movimentar as contas poderão ser obtidos por meio da quebra de sigilo bancário.
Informações sobre a existência de escrituras públicas e procurações em nome
de pessoas físicas e jurídicas podem ser obtidas por meio de pesquisa à Central No-
tarial de Serviços Eletrônicos Compartilhados (CENSEC), a fim de nortear requisição
direta de cópia ao Tabelionato de Notas ou Ofício de Registro Público correspondente.

101
Outra ferramenta que deve ser explorada é o Sistema Eletrônico de Inter-
câmbio (SEI), organizado pelo Conselho de Controle das Atividades Financeiras
(COAF), com fundamento na Lei de Lavagem de Capitais (Lei 9.613/98). Consoante
esclarecido no Guia de Bancos de Dados do CMA, o SEI “tem por objetivo permitir
o intercâmbio de informações, de maneira ágil e segura, com as autoridades com-
petentes para investigação de ilícitos penais, em especial os crimes de lavagem de
dinheiro e financiamento ao terrorismo (Lei 9.613, de 3/3/1998, parcialmente modi-
ficada pela Lei 12.683/12)” (p. 37).
Basta realizar o cadastro conforme as orientações constantes no referido Guia
e remeter a solicitação das informações financeiras por meio eletrônico (http://www.
coaf.sei.fazenda.gov.br/web_pedidos/default.asp). Normalmente, em poucos dias,
o COAF disponibiliza ao solicitante documento chamado Relatório de Inteligência
Financeira (RIF), que indica movimentações financeiras suspeitas e m relação às
pessoas investigadas, respectivos sócios e pessoas físicas e jurídicas com quem é
verificado relacionamento financeiro duvidoso.
O RIF pode ser encaminhado ex officio, ou seja, por iniciativa do COAF, ou
a partir de solicitação do membro do Ministério Público condutor da investigação. A
possibilidade de remessa do RIF diretamente pelo COAF aos órgãos de persecução
criminal sem prévia autorização judicial – espontaneamente ou por provocação –
encontra fundamento incontestável no art. 15 da Lei de Lavagem de Capitais.
Por esse motivo, a solicitação deve ser elaborada com dados precisos e deta-
lhados que demonstrem fundados indícios da prática de crime, não sendo suficien-
tes somente informações gerais como o número do procedimento e a tipificação do
delito. Para alcançar melhores resultados, o pedido deve conter, ainda que resumi-
damente, informações sobre o modus operandi, os fundados indícios da prática do
crime e outros dados que possam ser úteis para nortear o COAF na coleta de dados
de interesse da investigação.
Para elaboração do RIF, o COAF utiliza dados provenientes não apenas de
intercâmbio com outras instituições (por exemplo, Receita Federal, Ministério da
Justiça, Controladoria-Geral da União, Incra, SINESP-Infoseg etc.), mas também
de denúncias recebidas do público externo, bem como das comunicações realiza-

102
das pelas entidades relacionadas no art. 9º da Lei 9.613/98. Por isso, pode trazer
elementos importantes para a investigação, muitas vezes nem sequer cogitados na
fase de planejamento e que não poderiam ser obtidos de outra forma senão pela
avaliação das operações financeiras.
Para constatar a abrangência das movimentações financeiras comunicadas
ao COAF e avaliar sua utilidade para a investigação nesta fase inicial de levanta-
mento de dados, vale a pena a leitura do rol das entidades obrigadas (art. 9º, Lei
9.613/98) e das normativas que fixam as Comunicações de Operações em Espécie
(COE) e as Comunicações de Operações Suspeitas (COS) (http://www.coaf.fazen-
da.gov.br/menu/legislacao-e-normas e http://www.coaf.fazenda.gov.br/menu/pld-ft/
menu/pld-ft/publicacoes).
Por ser documento informativo, compreendido por alguns como decorrente
do sistema de inteligência financeira, ainda existe, na atualidade, discussão sobre
a possibilidade de utilização do RIF como fundamento para requerimentos cautela-
res no curso de investigação. Questiona-se até a possibilidade de juntada do RIF
a procedimentos investigatórios e processos judiciais. Contudo, entendimento mais
moderno e condizente com os mecanismos atuais de enfrentamento da criminalida-
de considera o RIF como peça de informação, capaz de sustentar o início de inves-
tigação e medidas judiciais tendentes a confirmar e aprofundar os fatos suspeitos
expostos nas informações apresentadas pelo COAF.
Nessa esteira, no “II Encontro Nacional do Ministério Público para a Tute-
la Penal da Administração Municipal: Crimes Praticados por Prefeitos”, organizado
pela Comissão do Sistema Prisional, Controle Externo da Atividade Policial e Se-
gurança Pública do Conselho Nacional do Ministério Público, ocorrido em 6 de abril
de 2017, foi aprovado o seguinte enunciado: “É possível a utilização do RIF (COAF)
como um elemento inicial para a investigação de delitos econômicos e conexos”5.
A 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu, por maioria, que é legal a
quebra de sigilo determinada apenas com base no relatório do COAF, ou seja, sem
necessidade de outros elementos de prova (HC 349.945/PE, Rel. Ministro Nefi Cor-
deiro, Rel. p/ Acórdão Ministro Rogerio Schietti Cruz, j. 6/12/2016, DJe 2/2/2017).
Considerando a credibilidade e a precisão das informações, mais a possibili-
5 Ver: http://www.cnmp.mp.br/portal/sistema-prisional/10257-conclusoes-do-entpam. Acesso em: 11/12/17.

103
dade de produção de prova no curso da ação penal, o Superior Tribunal de Justiça
já admitiu exclusivamente o RIF como justa causa para o oferecimento de denúncia,
afirmando expressamente que “não há nulidade em denúncia oferecida pelo Minis-
tério Público cujo supedâneo foi relatório do COAF, que, minuciosamente, identifi-
cou a ocorrência de crimes vários e a autoria de diversas pessoas” (RHC 45.207/
PA, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Rel. p/ Acórdão Min. Rogerio Schietti Cruz,
Sexta Turma, j. 26/8/2014, DJe 3/2/2015).
Contra essa decisão, foi impetrado habeas corpus no Supremo Tribunal Federal,
o qual não foi conhecido pelo relator, Min. Roberto Barroso, sob o seguinte fundamento:
[...] as peças que instruem este processo não evidenciam nenhuma ilegalidade flagrante
ou abuso de poder que autorize o acolhimento da pretensão defensiva, especialmente se
atentarmos para o fato de que ‘não é indispensável o inquérito policial para fundamentar
uma peça acusatória em processo penal, visto que o próprio Código de Processo Penal
dispõe que, reunindo o Ministério Público ou o acusador privado elementos informativos su-
ficientes para dar início à ação penal, dispensa-se a investigação policial. Não há nulidade
em denúncia oferecida pelo Ministério Público cujo supedâneo foi relatório do COAF, que,
minuciosamente, identificou a ocorrência de crimes vários e a autoria de diversas pessoas’.
Ademais, para dissentir do entendimento perfilhado nas instâncias de origem, seria neces-
sário o revolvimento de prova, inviável na via do habeas corpus (HC 126.826/PA, 3/3/2015).

Atualmente, no Ministério Público de Santa Catarina, o Centro de Apoio Ope-


racional Técnico (CAT) é o órgão que primeiro recebe o RIF, quando encaminhado
de ofício pelo COAF, para posterior distribuição ao Órgão de Execução, conforme
regulamentação dada pelo Ato 805/2017/PGJ/CGMP. Assim, ciente da celeuma so-
bre o tema, quando verificado se ainda não há investigação ou ação judicial em
curso, a Coordenação do CAT tem o cuidado de elaborar documento chamado “Re-
latório de Informações” acrescentando outros dados relacionados ao fato, a partir
de informações colhidas em sistemas informatizados e fontes abertas, buscando de
pronto subsidiar a atuação do membro do Ministério Público.
Portanto, como a matéria é ainda bastante controvertida, sugere-se sempre
a utilização de outras atividades investigativas que subsidiem as informações pres-
tadas pelo COAF, para que o RIF não seja a única peça a fundamentar o início da
ação penal. Quanto à utilização do RIF para instauração de procedimento e apre-
sentação de requerimentos judiciais cautelares, também é válido – ainda que não
seja essencial – buscar outros elementos para corroborar a informação.
De todo modo, antes de tudo, deve ser avaliada a conveniência de juntar o
RIF aos autos da investigação ou do processo judicial, pois, se não for essencial

104
para prova do fato ou fundamento de medida cautelar, algumas vezes é mais inte-
ressante manter os dados somente sob tutela do condutor da investigação.

4.4 MEIOS DE OBTENÇÃO DE PROVA

Nas investigações na área da Moralidade Administrativa, o uso exclusivo dos


tradicionais meios de obtenção de prova pode não ser capaz de trazer resultados
efetivos. A corrupção normalmente decorre de condutas reiteradas do agente, parte
de uma trama organizada para dissimular a ilicitude, muitas vezes com a participação
de outros atores. Para desvendar o fato em sua amplitude, portanto, é necessário
lançar mão de técnicas especiais de investigação. O uso da expressão “desvendar”
mostra-se relevante neste ponto, pois deixa claro que o objetivo é revelar todas as
circunstâncias que permeiam o fato e, com isso, demonstrá-lo suficientemente me-
diante provas diretas e/ou indiretas, valoradas conforme a complexidade do enredo.
Neste item, sem pretensão de exaurir a matéria, serão pontuados aspectos
práticos de alguns métodos de obtenção de prova comuns e úteis nas investigações
de enfrentamento da corrupção: requisição de informações e documentos e busca
e apreensão, prova oral, quebra de sigilo financeiro, bancário e fiscal, interceptação
de sinais e colaboração premiada.

4.4 .1 Re qu isição de infor m a ç õ e s e d o c u me n t o s

O exercício da capacidade requisitória do Ministério Público é possivelmente


o instrumento mais comum para coleta de provas no curso de investigação na área
da moralidade administrativa. Pode ser levado a efeito nas investigações cíveis e
criminais, com fundamento constitucional (art. 129, I, VI e VIII, CF/88) e legal (art. 8º,
II, IV, VII, LC 75/93; art. 26, I, “b”, e II, Lei 8.625/93; art. 8º, § 1º, Lei 7.347/85; e art.
83, I, “b”, III, V, LCE 197/00), disciplinado também em normativa específica no âm-
bito do Ministério Público catarinense (art. 11, §§ 8º a 10º, Ato 395/2018/PGJ e art.
9º, III e IV, Ato 397/2018/PGJ). No curso da notícia de fato, na fase de levantamento
de informações para subsidiar a decisão sobre a instauração da investigação, no
entanto, é vedada a expedição de requisições com caráter coercitivo (art. 5º, § 1º,
Ato 395/2018/PGJ), sem prejuízo da solicitação de dados.

105
Especial atenção para a vedação ao Promotor de Justiça expedir diretamen-
te notificações e requisições a determinadas autoridades, devendo fazer por inter-
médio do Chefe do Ministério Público (artigo 8°, § 4°, LC 75/93/ art. 26, § 1°, Lei.
8.625/93; art. 6º, § 8º, Resolução CNMP 23/07; art. 7º, §§ 6º e 7º, Resolução CNMP
181/17), matéria disciplinada no âmbito do Ministério Público de Santa Catarina:

A análise de informações e documentos sob posse de órgãos ou entidades


da Administração ou entidades particulares mostra-se quase sempre essencial no

106
início da apuração dos fatos objeto da investigação e, por certo, o acervo constituirá
prova determinante em eventual ação judicial. A Administração Pública é orientada
pelo princípio do formalismo moderado, pelo qual os atos, provimentos e procedi-
mentos de gestão, como regra, são documentados, registrados e arquivados em
meio escrito, à disposição do Ente, e, parte deles, remetidos periodicamente aos
órgãos de controle. Esse arcabouço constitui a principal fonte dos documentos bus-
cados nas investigações ministeriais, mormente em razão do peso da prova docu-
mental no sistema judiciário brasileiro.
Hoje, todavia, há outras formas rápidas e eficientes de obtenção de dados,
consoante explanado acima (item 4.3, Levantamento Básico de Dados). Em muitas
situações, não é necessário, por exemplo, requisitar, já no início da investigação, a
integralidade de procedimento administrativo, pois os dados mais relevantes estão
disponíveis em bancos de dados, especialmente no Portal do Promotor de Justiça,
no Sistema de Fiscalização Integrada de Gestão (E-Sfinge) e nos Portais de Trans-
parência dos órgãos públicos.
Por esses caminhos, podem ser alcançados, por exemplo, a íntegra do edital
da licitação e informações detalhadas sobre empenho, liquidação e pagamento.
Esses dados, muitas vezes, são suficientes para demonstrar a ocorrência ou não
do ilícito apurado ou mesmo possibilitar a continuidade da investigação, por outros
meios, como a coleta de prova oral. Contudo, deve ser avaliada, com muita cautela,
a conveniência, a necessidade e o momento para expedir requisições, sob pena de
frustrar o bom resultado da apuração.

4.4 .2 Bus c a e A pr eensão

A medida cautelar de busca e apreensão, cabível tanto no curso das investi-


gações de caráter civil quanto nos feitos criminais, muitas vezes, produz resultados
mais efetivos do que a requisição, pois a coleta coercitiva do material – por ordem
judicial e de surpresa – mostra-se a melhor escolha para evitar o esvaziamento da
prova e prejudicar a continuidade da apuração dos fatos.
Como já destacado (item 4.2, Verificação de Procedência da Informação), no
enfrentamento da corrupção faz-se necessária a decretação do sigilo do procedi-

107
mento; logo, desde o início, dar conhecimento da investigação ao suspeito ou ao
órgão público envolvido pode embaraçar a coleta de provas. Nessas situações, que
desaconselham a requisição formal de documentos, a busca pode ser relevante no
momento oportuno, especialmente quando não houver modo menos gravoso e dis-
creto para obtenção dos dados.
Considerando a natural repercussão que o cumprimento da ordem judicial em
órgãos públicos ou estabelecimentos privados provoca, recomenda-se ao Promotor
de Justiça avaliar se deve estar presente ao ato, o qual pode ser executado, confor-
me o caso, por agentes do GAECO ou da Polícia Civil ou por Oficial de Justiça. De
qualquer forma, sempre em conjunto com o executor da ordem, é essencial planejar
com antecedência seu cumprimento, avaliando o local a ser visitado, os horários de
funcionamento e as pessoas que lá frequentam, solicitando a presença também, se
entender necessário, de Oficial do Ministério Público e auxiliares que possam pre-
senciar e auxiliar no cumprimento da diligência. Diante da possibilidade de represá-
lias ou de impedimento à diligência, a força policial pode ser previamente acionada.
No momento da execução, de modo a racionalizar os trabalhos, sugere-se
que a avaliação prévia do material seja feita no próprio local da busca, promoven-
do-se o recolhimento apenas do material relevante para investigação. Deve ser ela-
borada certidão circunstanciada a detalhar o cumprimento da medida e quais bens
foram apreendidos, atentando-se para o registro cuidadoso da cadeia de custódia.
Uma vez na posse de documentos, por exemplo, sugere-se promover a digitaliza-
ção imediata das peças mais relevantes, a análise e, sempre que possível, a devo-
lução dos originais. A devolução do material apreendido deve ser acompanhada de
relatório minucioso e certidão descritiva.

4.4 .3 Prov a Testem unhal

À semelhança da requisição de documentos, merece especial cuidado a de-


cisão sobre a pertinência e o momento de coleta da prova oral. O noticiante, quan-
do identificado, pode e deve ser chamado sempre que necessário para esclarecer
pontos obscuros da investigação, inclusive auxiliar na análise de documentos, ten-
do como premissa seu conhecimento sobre o fato e sua disposição em auxiliar a

108
perquirição.
A identificação espontânea de possíveis testemunhas pelo próprio condutor
da investigação é uma forma útil e isenta de esclarecer os fatos. É interessante
avaliar se existem pessoas sem relação com os envolvidos, mas que podem es-
clarecer circunstâncias, como, por exemplo, servidores públicos concursados que
já atuaram no mesmo setor do ente público em que os fatos se desenvolveram ou
membros da comissão de licitação.
Nos procedimentos extrajudiciais, aplicam-se as regras processuais gerais
sobre a admissão de pessoas como testemunhas, impedimentos e suspeições pre-
vistas no Código de Processo Civil e no Código de Processo Penal. Por isso, na
instrução de Inquérito Civil, Procedimento Preparatório ou Procedimento Investi-
gatório Criminal, merecem especial atenção do membro do Ministério Público as
disposições legais que tratam da matéria de forma diferente, especialmente quanto
ao compromisso de falar a verdade (arts. 442 a 449, CPC e arts. 202 a 225, CPP).
Vale destacar que, no processo penal, é relevante que a testemunha esclareça as
relações com qualquer das partes (art. 203, caput, CPP).
Sendo o caso, a testemunha deve ser alertada acerca do dever de dizer a
verdade e não omitir dados de relevo para a investigação, sob pena de cometimen-
to de delito (art. 342, CP). Antes da inquirição sobre os fatos em si, observados os
regulamentos próprios inclusive quanto ao registro audiovisual dos depoimentos
(arts. 17 a 22, Ato 395/2018/PGJ e art. 11, Ato 397/2018/PGJ), recomenda-se que a
testemunha seja instada a esclarecer sua ocupação profissional e, em se tratando
de agentes públicos – para auxiliar na delimitação das responsabilidades –, a ex-
plorar seu conhecimento sobre a estrutura administrativa do ente público, buscando
esclarecer as funções, os vínculos e os relacionamentos dos investigados também
servidores públicos.

4.4 .4 Inquir ição do Investig a d o

Como regra, é de suma importância que o investigado seja ouvido no curso


do procedimento investigativo, preferencialmente em audiência extrajudicial. Admi-
te-se a formulação de pedido de explicações por escrito, o que, em geral, não costu-

109
ma ser produtivo para o esclarecimento dos fatos. Na audiência, os fatos podem ser
mais bem esclarecidos por perguntas sequenciais e correspondentes às respostas
apresentadas.
Ademais, a experiência indica que é útil antecipar possível tese defensiva e
que, nesse momento, há grande possibilidade de surgir novo e inesperado viés na
investigação, com a apresentação de outros fatos, circunstâncias e pessoas, a mu-
dar o rumo e o foco da apuração. É possível, até mesmo, a confissão e o início de
tratativas para eventual colaboração premiada. Também na inquirição do investiga-
do, é fundamental buscar esclarecimentos sobre as atribuições de seu cargo, seus
deveres funcionais e a estrutura administrativa do ente público.
Oportunizar ao investigado a apresentação de defesa é cuidado relevante
para evitar o cometimento de possível injustiça, pois – por mais que o exame das
proas até então produzidas possa indicar a participação de determinada pessoa –
fatos e provas por ela apresentados podem convencer o investigador em sentido
diametralmente oposto e/ou demonstrar ausência de má-fé ou mesmo o não envol-
vimento do implicado na trama.
O membro do Ministério Público deve combater a corrupção ponderando vi-
gor e zelo, ser firme e também cauteloso, ajuizar ações não quando convencido inti-
mamente, mas conforme os elementos de prova existentes nos autos. É essencial a
análise responsável e criteriosa dos fatos – como dito anteriormente, não há espaço
para presunções –, por isso, a oitiva do investigado mostra-se medida de equidade.
Em regra, o melhor momento para oitiva do investigado é ao final da investi-
gação, quando o membro do Ministério Público já está de posse das informações
pertinentes ao fato e, com isso, poderá explorar melhor os fatos e formular os ques-
tionamentos com mais detalhes, objetividade e eficiência.

4.4 .5 Que b r a de sigilos ban c á r i o , f i s c a l e f i n a n c e i r o

A quebra de sigilos bancário, fiscal e financeiro é medida profícua nas ativida-


des investigatórias de persecução de atos de improbidade administrativa e delitos
contra a Administração Pública que envolvam enriquecimento de agente público e/
ou dano ao erário, classificada inclusive como técnica especial de investigação pela

110
Lei do Crime Organizado (art. 3º, VI, Lei 12.850/13).
É providência admissível em qualquer fase da persecução, sendo mais comu-
mente utilizada na fase extrajudicial, depois do levantamento dos dados financeiros
(cf. item 4.3.3) e outros atos instrutórios. Também pode ser bastante útil requerimen-
to cautelar no curso da ação judicial cível ou criminal, quando surgirem elementos
que indiquem que determinado dado pode ser capaz de elucidar o fato em voga.
De qualquer forma, por precaução, é importante sempre avaliar com cautela
a adequação da medida e fundamentar o requerimento sob o ponto de vista da ne-
cessidade, considerando que há entendimento minoritário quanto à impossibilidade
de pedido cautelar sem a realização prévia de outros atos de investigação, o que
ocasionaria a nulidade da prova. Nesse sentido: HC 191.378/DF, Rel. Ministro Se-
bastião Reis Junior, 6ª Turma, j. 15/9/2011, DJe 5/12/2011. Em sentido contrário, HC
349.945/PE, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, Rel. p/ Acórdão Ministro Rogerio Schietti
Cruz, j. 6/12/2016, DJe 2/2/2017.
O acesso aos dados bancários, fiscais e financeiros é relevante também para
a efetivação da medida de ressarcimento ao erário, talvez um dos mais importantes
resultados almejados na tutela jurídica da probidade administrativa. Portanto, mes-
mo nos casos mais simples, é prudente que o membro do Ministério Público avalie a
pertinência de buscar a quebra dos sigilos – de fatos passados ou em tempo real – e
realizar levantamento patrimonial concomitante com a apuração do fato ou paralela-
mente, quando aventar a possibilidade da prática de lavagem de dinheiro.
As informações relativas a operações bancárias, fiscais e financeiras são pro-
tegidas por sigilo em vista dos direitos constitucionais à intimidade, à vida privada e
à inviolabilidade dos dados (art. 5º, X e XII, CF). Todavia, é evidente que tais direitos
são relativos à medida que não podem constituir salvaguarda para práticas ilícitas.
Assim, podem ser quebrados, quando necessário, para proteção e promoção de ou-
tros direitos constitucionais igualmente relevantes, dentre os quais o direito coletivo
à preservação do patrimônio e à responsabilização criminal dos delinquentes.
O Ministério Público é parte legítima para requerer a quebra dos sigilos ban-
cário, fiscal e financeiro na defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos
interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127, CF). A legislação infraconsti-

111
tucional é clara ao prever que a autoridade judiciária poderá decretar a quebra dos
sigilos bancário (art. 1º, § 4º, Lei Complementar 105/2011), fiscal e financeiro (art.
198, § 1º, I, Código Tributário Nacional).
Matéria de relevo é a ausência de restrições relativas ao sigilo bancário nas mo-
vimentações financeiras realizadas por órgãos públicos. Tratando-se de patrimônio
público, aplicam-se os princípios da Administração Pública (CF, art. 37), especialmen-
te a publicidade e a moralidade, o que elide a proteção à intimidade, que é garantia
constitucional das pessoas naturais. Merecem destaque os seguintes precedentes:
Supremo Tribunal Federal
DIREITO ADMINISTRATIVO. CONTROLE LEGISLATIVO FINANCEIRO. CONTROLE EX-
TERNO. REQUISIÇÃO PELO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO DE INFORMAÇÕES
ALUSIVAS A OPERAÇÕES FINANCEIRAS REALIZADAS PELAS IMPETRANTES. RECU-
SA INJUSTIFICADA. DADOS NÃO ACOBERTADOS PELO SIGILO BANCÁRIO E EMPRE-
SARIAL. 1. O controle financeiro das verbas públicas é essencial e privativo do Parlamento
como consectário do Estado de Direito (IPSEN, Jörn. Staatsorganisationsrecht. 9. Auflage.
Berlin: Luchterhand, 1997, p. 221). 2. O primado do ordenamento constitucional democrá-
tico assentado no Estado de Direito pressupõe uma transparente responsabilidade do Es-
tado e, em especial, do Governo. (BADURA, Peter. Verfassung, Staat und Gesellschaft in
der Sicht des Bundesverfassungsgerichts. In: Bundesverfassungsgericht und Grundgesetz.
Festgabe aus Anlass des 25jähringe Bestehens des Bundesverfassungsgerichts. Weiter
Band. Tübingen: Mohr, 1976, p. 17.) 3. O sigilo de informações necessárias para a pre-
servação da intimidade é relativizado quando se está diante do interesse da sociedade de
se conhecer o destino dos recursos públicos. 4. Operações financeiras que envolvam
recursos públicos não estão abrangidas pelo sigilo bancário a que alude a Lei Com-
plementar nº 105/2001, visto que as operações dessa espécie estão submetidas aos
princípios da administração pública insculpidos no art. 37 da Constituição Federal.
Em tais situações, é prerrogativa constitucional do Tribunal [TCU] o acesso a informações
relacionadas a operações financiadas com recursos públicos. 5. O segredo como “alma do
negócio” consubstancia a máxima cotidiana inaplicável em casos análogos ao sub judice,
tanto mais que, quem contrata com o poder público não pode ter segredos, especialmente
se a revelação for necessária para o controle da legitimidade do emprego dos recursos
públicos. É que a contratação pública não pode ser feita em esconderijos envernizados por
um arcabouço jurídico capaz de impedir o controle social quanto ao emprego das verbas
públicas. 6. “O dever administrativo de manter plena transparência em seus comportamen-
tos impõe não haver em um Estado Democrático de Direito, no qual o poder reside no povo
(art. 1º, parágrafo único, da Constituição), ocultamento aos administrados dos assuntos
que a todos interessam, e muito menos em relação aos sujeitos individualmente afetados
por alguma medida.” (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo.
27ª edição. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 114) (MS 33340, Relator(a):  Min. LUIZ FUX,
Primeira Turma, julgado em 26/05/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-151 DIVULG 31-
07-2015 PUBLIC 03-08-2015).

Superior Tribunal de Justiça:


ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONTAS BANCÁRIAS RELATIVAS A RE-
PASSE DE VERBAS PÚBLICAS. REQUISIÇÃO DE DOCUMENTOS PELO MINISTÉRIO
PÚBLICO FEDERAL. CABIMENTO. INTERESSE PÚBLICO E DEFESA DO PATRIMÔNIO
PÚBLICO. I - Sentença que julgou parcialmente procedente o pedido para ordenar que o
Banco do Brasil fornecesse ao Ministério Público Federal, “tão somente na área de compe-
tência da Subseção Judiciária de Arapiraca/AL, sempre que requisitado e sob as penas da,

112
as informações referentes a contas bancárias destinadas exclusivamente ao repasse e à
movimentação de verbas públicas federais, no prazo de 10 (dez) dias (art. 8°, § 1°, da Lei
7.347/85), prorrogáveis a critério do órgão ministerial”. II - O recurso especial versa sobre
decisão do Tribunal a quo que reformou decisão do juízo monocrático, ao reconhecer a ile-
gitimidade do Ministério Público Federal para requisitar diretamente à instituição financeira
as informações preservadas pelo sigilo bancário. Alega-se violação ao disposto no art. 1º,
§ 4º, da Lei Complementar 105/2001, posto que o dispositivo não proíbe o parquet de re-
quisitar diretamente às instituições financeiras as informações bancárias relativas a contas
destinadas, exclusivamente, a repasses de verbas públicas. III - A temática diz respeito à
legitimidade do Ministério Público para requisitar a quebra do sigilo de contas públicas sem
autorização judicial. IV - Conforme entendimento pacificado pelo Superior Tribunal de
Justiça, é possível a quebra do sigilo bancário, sem autorização judicial, quando se
tratar de interesse público e defesa do patrimônio público. Precedentes: HC 308.493/
CE, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 20/10/2015,
DJe 26/10/2015; RMS 31.362/GO, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado
em 17/8/2010, DJe 16/9/2010. V - Reconhece-se a legitimidade do Ministério Público para
requisitar diretamente às instituições financeiras as informações bancárias relativas à mo-
vimentação de recursos públicos. VI - Agravo interno improvido. (AgInt no REsp 1650853/
AL, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 7/11/2017, DJe

10/11/2017)

Logo, na atividade persecutória cível ou criminal, pode o Ministério Público


requisitar diretamente informações bancárias de titularidade de órgãos públicos e
dados de transações que envolvam recursos públicos, independentemente de or-
dem judicial.
A quebra de sigilo bancário pode ser implementada por intermédio do Siste-
ma de Investigação de Movimentações Bancárias (SIMBA), agilizando e facilitando
sobremaneira a análise das informações, já que o recebimento e o processamento
dos dados se dá por meio eletrônico e padronizado, dispensando a remessa do ma-
terial impresso e mídias com documentos digitais.
No Ministério Público de Santa Catarina, o SIMBA é gerido pelo Centro de
Apoio Operacional Técnico, por intermédio do Laboratório de Tecnologia no Com-
bate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (Lab-LD), que disponibiliza, na Intranet,
cartilha explicativa e modelos de requerimentos6.
Os relatórios gerados pelo SIMBA são assim classificados: Tipo 1 – Contas
Investigadas; Tipo 2 – Detalhamento de Contas por Investigado; Tipo 3 – Extrato
consolidado por período; Tipo 4 – Extrato Detalhado; e Tipo 5 – Consolidação por
Depositantes/Beneficiários. Podem ser gerados relatórios com todas as informa-
ções transmitidas pelos bancos e pelas cooperativas de créditos, delimitadas por
instituição, investigado, conta, período ou valor de corte, o que racionaliza a pesqui-
6  http://intranet.mp.sc.gov.br/intranet/webforms/portal/pecascij.aspx?secao_id=720

113
sa e simplifica o acesso aos dados. O resultado da quebra pode ser retrabalhado
pelos aplicativos usados no Portal do Promotor de Justiça, com fácil visualização
das informações transmitidas pelos bancos, inclusive por gráficos.
A utilização do SIMBA torna muito prática a postulação quanto à complemen-
tação de informações, pois não será preciso acionar novamente o Poder Judiciário.
Com uma prévia autorização judicial, a equipe do Lab-LD pode realizar o pedido de
documentação suporte das movimentações financeiras diretamente ao banco ou à
cooperativa de crédito, como a remessa de microfilmagem de cheque (permitindo
identificar informações anotadas na frente e no verso do cheque, letra, assinatura,
endosso etc.) e a exibição de fita de caixa (contendo o histórico das transações
realizadas em determinado dia e horário durante um mesmo atendimento bancário,
capaz de esclarecer, por exemplo, se, após um saque em dinheiro, houve, na mes-
ma oportunidade, depósito em outra conta bancária e quem foi o beneficiário).
A quebra do sigilo fiscal permite acesso aos dados em poder das Receitas
Federal, Estadual e Municipal. A depender do objeto da investigação e das pessoas
envolvidas, a escolha desse meio de prova e o momento de realizá-lo podem causar
embaraço à instrução ou mesmo quebra do sigilo, pois a requisição de informações
fiscais pode ser direcionada justamente ao órgão a que o investigado está vinculado
ou com o qual possui relações próximas.
A Receita Federal gerencia uma série enorme de dados que podem ser úteis
para apuração de atos de corrupção e para garantir a efetividade das sanções apli-
cadas. Não somente as instituições financeiras mas também as pessoas físicas e
diversas categorias de pessoas jurídicas, públicas e privadas, são obrigadas a for-
necer informações fiscais à administração tributária da União, sobre elas próprias e
terceiros.
A legislação da Receita Federal que regulamenta e especifica essas obriga-
ções é bastante dinâmica, pois constantemente há alterações na nomenclatura e
nas informações a serem prestadas. Portanto, já na fase inicial de planejamento da
investigação e antes do requerimento judicial, sugere-se consultar o site da Receita
Federal, onde consta o rol atualizado das obrigações, para levantar os dados de
interesse para a investigação7.
7  http://idg.receita.fazenda.gov.br/acesso-rapido/legislacao/legislacao-por-assunto/legislacao-por-assuntos Acesso em:

114
O Dossiê Integrado da Receita Federal consolidava grande parte das infor-
mações, porém, com o passar dos anos, alguns dados foram excluídos do sistema
ou não mais foram atualizados. Por essa razão, não é mais suficiente postular ao
Juízo que determine somente a remessa do Dossiê Integrado, sob pena de algumas
informações relevantes não chegarem ao conhecimento do investigador.
Portanto, para evitar omissão de dados, propõe-se requerimento nos seguin-
tes termos:
“[...] a quebra do sigilo fiscal dos requeridos identificados no quadro abaixo, a fim de que
a) a Receita Municipal de * encaminhe; b) a Receita Estadual encaminhe ; e c) a Receita
Federal encaminhe todos os dados existentes em sua base de dados sobre os investigados,
nos formatos .pdf pesquisável e .xls, quando constarem na condição de declarante ou na
declaração apresentada por terceiro, referentes aos anos-calendários * e * [delimitar o pe-
ríodo da investigação por ano], incluindo * [conforme o caso concreto, especificar os dados
imprescindíveis; ex. “a Declaração Anual do Simples Nacional (DAns) e a Declaração Anual
do Simples Nacional – Microempreendedor Individual (DASN SIMEI)”] e todos os demais
dados contidos no Dossiê Integrad”.

Atualmente, merecem destaque as seguintes informações fiscais à disposi-


ção da Receita Federal:

6/3/2018

115
A análise das operações realizadas com cartões de crédito por pessoa física
ou jurídica pode ser de grande utilidade para a investigação, pois é capaz de revelar
desde uma compra específica e um gasto elevado em período próximo ao recebi-
mento da vantagem indevida, até mesmo dispêndios habituais incompatíveis com a
renda declarada. Essas situações apontadas como exemplos não são necessaria-
mente detectadas pela quebra de sigilo bancário, uma vez que os pagamentos das
faturas podem ser feitos em dinheiro, sem transitar por conta bancária.
Na DECRED, remetida pelas administradoras de cartões de crédito à Recei-
ta Federal, somente constam a identificação do usuário do cartão e os montantes
globais mensalmente movimentados – acima de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), para
pessoas físicas, e acima de R$ 10.000,00 (dez mil reais), para pessoas jurídicas8.
Portanto, se o objetivo é identificar compras e pagamentos determinados, é impor-
8  Instrução Normativa SRF n. 341/2003.

116
tante buscar os dados diretamente com as empresas administradoras dos cartões
de crédito. Em razão da divergência existente acerca da possibilidade de requisição
direta pelo Ministério Público, especialmente considerando o expresso nos recentes
art. 17-B da Lei 9.613/98 (incluído pela Lei 12.683/12), art. 15 da Lei 12.850/13 e art.
13-B do Código de Processo Penal (incluído pela Lei 13.344/16)9, sugere-se que a
medida seja postulada judicialmente para evitar eventual decretação de nulidade e
prejuízo à investigação.

4.4.6 Interceptação de sinais (telefônicos, telemáticos) e captação ambiental

A Constituição brasileira preserva a inviolabilidade das comunicações tele-


fônicas, não obstante autorize, em seu art. 5º, XII, a interceptação quando se tratar
de meio para a investigação criminal ou instrução processual penal.
A Lei 9.296/96 regulamenta o dispositivo constitucional e estabelece parâme-
tros e requisitos de admissibilidade da interceptação telefônica e do fluxo de comu-
nicações em sistemas de informática e telemática. A matéria é também regulada
pela Lei 12.965/14, que estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o
uso da Internet no Brasil:

9  Art. 17-B, Lei n. 9.613/98.  A autoridade policial e o Ministério Público terão acesso, exclusivamente, aos dados cadas-
trais do investigado que informam qualificação pessoal, filiação e endereço, independentemente de autorização judicial,
mantidos pela Justiça Eleitoral, pelas empresas telefônicas, pelas instituições financeiras, pelos provedores de internet
e pelas administradoras de cartão de crédito; art. 15, Lei n. 12.850/13. O delegado de polícia e o Ministério Público terão
acesso, independentemente de autorização judicial, apenas aos dados cadastrais do investigado que informem exclusi-
vamente a qualificação pessoal, a filiação e o endereço mantidos pela Justiça Eleitoral, empresas telefônicas, instituições
financeiras, provedores de internet e administradoras de cartão de crédito; art. 13-A, CPP.  Se necessário à prevenção e
à repressão dos crimes relacionados ao tráfico de pessoas, o membro do Ministério Público ou o delegado de polícia po-
derão requisitar, mediante autorização judicial, às empresas prestadoras de serviço de telecomunicações e/ou telemática
que disponibilizem imediatamente os meios técnicos adequados – como sinais, informações e outros – que permitam a
localização da vítima ou dos suspeitos do delito em curso.
Em sentido contrário muito bem fundamentado, defendendo o poder requisitório do Ministério Público: “Não há
previsão legal expressa a respeito de eventual obrigatoriedade de manutenção de sigilo em relação às operações reali-
zadas através das administradoras de cartões de créditos. A Lei n. 4.595/64 refere-se a ‘Instituições Financeiras’ – e as
Administradoras de cartões não o são. Há que se considerar então que elas não têm a mesma natureza das operações
bancárias. As transações realizadas por instituições financeiras são caracterizadas pelo ingresso e saída de dinheiro ou
aplicações e resgates no mercado financeiro. Já as operações realizadas através da utilização dos cartões de crédito
decorrem sempre de aquisição de produtos com pagamento a posteriori e/ou a prazo. Referem-se, portanto, à concessão
de linha de crédito que não é prestada por Instituição Financeira, mas por Entidades privadas diversas. Tampouco há sigi-
lo protegido pela intimidade das pessoas decorrente da aquisição de produtos. Por tudo isso, não se justifica a aplicação
por analogia do artigo 38 da Lei n. 4.595/64 para as operações realizadas por intermédio dos cartões de crédito, o que
torna desnecessária a ordem judicial e viabiliza a sua requisição direta do Ministério Público nos termos do artigo 26, I
e II, da Lei n. 8.625/93. Por outro lado, ainda que se considere comparável a situação das instituições financeiras e das
administradoras de cartões de créditos, a fundamentação acima referida com relação às pessoas físicas elimina qualquer
dúvida a respeito da possibilidade de o Ministério Público, com base na sistemática legislativa atual, ter poderes para
requisitar-lhes qualquer informação a respeito de operações, transações, dados cadastrais etc.” (MENDRONI, Marcelo
Batlouni. Crime Organizado: aspectos gerais e mecanismos legais. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 237).

117
Na interceptação telemática, a ordem judicial deve ser dirigida ao provedor
que administra o conteúdo, que cria uma “conta-espelho”, a qual passa a ser aces-
sada pelo investigador, possibilitando o acesso em tempo real às mensagens troca-
das, mas sem possibilidade de manipular o conteúdo.
Modo interessante de se descobrir o endereço de e-mail utilizado para trata-
tivas ilícitas é pesquisar dados cadastrais dos investigados nos bancos abertos e
fechados disponibilizados ao Ministério Público ou mesmo requisitar o cadastro a

118
determinadas entidades – como companhias aéreas e empresas de milhagens, pois
o endereço eletrônico comumente é aquele acessado pelo agente com maior prati-
cidade no smartphone e utilizado para armazenamento e apresentação dos cartões
de embarque em viagens aéreas.
A captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos é
meio especial de obtenção de prova previsto expressamente no art. 3º, II, da Lei
12.850/13. Pode ser implementada com o apoio do GAECO ou de agentes da polí-
cia judiciária, conforme avaliação do condutor da investigação.
Sobre a captação ambiental, é importante pontuar as três hipóteses relacio-
nadas pela doutrina:

Levando em conta as divergências sobre a necessidade de prévia autoriza-


ção judicial para a medida, pode-se estabelecer o seguinte parâmetro para evitar
a nulidade da investigação: a) Interceptação ambiental em sentido estrito: será
necessário autorização judicial sempre que ocorrer em local privado, observando-
-se as regras da Lei 9.296/96. Tratando-se de local público, porém em hipótese de
expectativa de privacidade, se a informação chegou ao conhecimento do Ministério
Público por terceiro, sem prévia autorização judicial, “apesar de não serem admiti-

119
das como provas processuais lícitas, podem servir como notitia criminis, impondo
às autoridades responsáveis o dever-poder de investigar” (STF, HC 87.341/PR, rel.
Min. Eros Grau, j. 07/02/2006); e b) Escuta ambiental e gravação ambiental: se o
agente demonstrar justa causa para proceder – sozinho ou com a ajuda de terceiro
– à captação de imagem/som ou mesmo estiver sob o amparo de alguma excluden-
te de ilicitude, a prova é admitida sem prévia autorização judicial.
Não somente a interceptação em tempo real das comunicações telefônicas e
telemáticas mas também o acesso aos registros passados podem ser de extrema
relevância na atividade investigatória de natureza cível ou criminal.
Os registros telefônicos atestam todas as ligações feitas pelo usuário no pe-
ríodo, recebidas e efetuadas, os interlocutores e a Estação Rádio Base (ERB) que
foi utilizada para a conexão com a companhia telefônica. Assim, a análise desses
dados, por exemplo, pode demonstrar contatos entre pessoas que alegam total des-
conhecimento ou mesmo apontar a posição do implicado em determinado momento
crucial do enredo ilícito investigado, indicando, por exemplo, que duas pessoas en-
contravam-se na mesma região da cidade em determinado dia e horário.
O acesso às localizações – atualmente realizado por meio das ERBs – pode
ser a peça faltante para confirmar o relato de uma testemunha ou corroborar a nar-
rativa apresentada pelo investigado no curso da colaboração premiada. Especial
cuidado merecem os possíveis “falsos negativos”, pois o sistema pode não registrar
a ERB em algumas ligações; além disso, o fato de não haver registro, em ERB, em
determinado horário e local, não quer dizer que lá o alvo não esteve, pois ele pode
apenas não ter realizado/recebido qualquer chamada naquele momento.
No site da Associação Brasileira de Telecomunicações (Telebrasil10), pode ser
pesquisada, em mapa, a relação das ERBs no Brasil, identificadas por operadora e
endereço. No sistema de telefonia celular, eventualmente a ERB de uma operadora
pode ser utilizada por usuários vinculados a uma outra empresa.
No site da Associação Brasileira de Recursos em Telecomunicações (ABR Te-
lecom11), pode ser consultada a operadora atual de determinada linha, o que facilita
a investigação, especialmente a preservação do seu sigilo, se for o caso, evitando-

10 Ver: http://www.telebrasil.org.br/panorama-do-setor/mapa-de-erbs-antenas
11 Ver: http://consultanumero.abrtelecom.com.br

120
-se a requisição dos dados a todas as operadoras.
No Ministério Público de Santa Catarina, o Sistema de Investigação de Re-
gistros Telefônicos e Telemáticos (SITTEL12) pode ser utilizado pelo condutor da
investigação para operacionalizar: a) as requisições diretas de dados cadastrais às
operadoras de telefonia celular; e b) os requerimentos judiciais de quebra de sigilo
telefônico.
Assim como o SIMBA, o uso do SITTEL possibilita a obtenção ágil das infor-
mações e facilita a análise dos dados pelo membro do Ministério Público, que pode
contar ainda com o apoio da equipe do Laboratório de Tecnologia Contra Lavagem
de Dinheiro (Lab-LD). O Centro de Apoio Operacional Técnico disponibiliza na intra-
net material de apoio explicativo sobre o uso dessa importante ferramenta.
Os requerimentos de quebra de sigilo de comunicação telemática podem ser
em tempo real ou por registros armazenados e devem ser destinados ao provedor
do e-mail utilizado pelo alvo, com pedido específico quanto ao conteúdo postulado
(caixa de entrada, enviados, lixeira, rascunhos, demais pastas, arquivos anexados
etc.) e delimitação do período investigado.

4.4 .7 Cola bor ação pr em iada

Inserida no contexto do Direito Penal Premial13, a colaboração premiada hoje


transcende a apuração de crimes violentos e apresenta-se como meio de relevo
para o enfrentamento da criminalidade difusa, em especial a corrupção, diante da
insuficiência dos métodos tradicionais de obtenção de provas. No conceito da pro-
fessora espanhola Isabel Sánchez García Paz:
O agrupamento de normas de atenuação ou remissão da pena com o ob-
jetivo de premiar e assim incentivar comportamentos de desistência e arre-
pendimento eficaz de comportamento criminoso ou mesmo de abandono no
futuro de atividades delitivas de colaboração com as autoridades de perse-
cução criminal na descoberta de atos criminosos já praticados ou, eventual-
mente, o desmantelamento da organização criminosa a que pertença o acu-
12 Ver: https://sittel.mpsc.mp.br/sittel/
13  No Brasil, engloba também o arrependimento eficaz, a desistência voluntária, a confissão, o arrependimento poste-
rior. Conceito da professora espanhola Isabel Sánchez García Paz: “O agrupamento de normas de atenuação ou remis-
são da pena com o objetivo de premiar e assim incentivar comportamentos de desistência e arrependimento eficaz de
comportamento criminoso ou mesmo de abandono no futuro de atividades delitivas de colaboração com as autoridades
de persecução criminal na descoberta de atos criminosos já praticados ou, eventualmente, o desmantelamento da orga-
nização criminosa a que pertença o acusado” (El coimputado que colabora con la justicia penal. Revista Eletrônica de
Ciência Penal y Criminologia, n. 7-5, 2005. Disponível em: http://criminet.ugr.es/recpc/07/recpc07-05.pdf. Acesso em: 5
mar. 2015, in MASSON, Cleber; MARÇAL, Vinícius. Crime Organizado. 3. ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Foren-
se, São Paulo: Método, 2017. p. 120).

121
sado” (El coimputado que colabora con la justicia penal. Revista Eletrônica
de Ciência Penal y Criminologia, n. 7-5, 2005. Disponível em: http://criminet.
ugr.es/recpc/07/recpc07-05.pdf. Acesso em 5 mar. 2015, in MASSON, Cle-
ber; MARÇAL, Vinícius. Crime Organizado. 3. ed. rev. atual. e ampl. Rio de

Janeiro: Forense, São Paulo: Método, 2017. p. 120).

Trata-se de uma técnica especial de investigação na qual o autor, um coau-


tor ou um partícipe do crime, a partir de um acordo formulado com o órgão de per-
secução penal, voluntariamente confessa a prática do delito e contribui de forma
efetiva para apuração das demais circunstâncias e, em contrapartida, pode ser be-
neficiado com a imunidade, o perdão judicial ou a redução da pena.
Ainda há discussão doutrinária sobre a natureza jurídica do instituto, despon-
tando os entendimentos que compreendem a colaboração premiada como meio
de obtenção de prova e os depoimentos do colaborador como meios de prova
propriamente ditos. Tem claramente natureza mista, pois é também um importante
instrumento de defesa, à medida que o agente almeja os benefícios decorrentes
de sua conduta colaborativa.
São travados debates ferrenhos na doutrina sobre a nomenclatura do institu-
to, também chamado “delação premiada”, “cooperação premiada”, “confissão dela-
tória”, “negociação premial”. Na defesa da expressão “delator”, fala-se em troca de
favores entre Estado e criminoso, em virtude da “falta de ética” no cumprimento do
pacto delitivo, quando o investigado acaba por delatar os demais comparsas que se
alinharam para a prática infracional.
Tal percepção é simplória, porque considera apenas um dos aspectos do ins-
tituto, mas ignora os traços mais importantes que tornam o agente efetivamente um
“colaborador”: a confissão; a apresentação de indícios e provas dos fatos contra si
e contra os demais; a prevenção de novas infrações; a recuperação do produto ou
do proveito do crime; e a localização da vítima. Com a colaboração, o investigado
passa a cooperar para o esclarecimento da verdade, auxiliando na produção de
provas contra si próprio e contra os demais imputados – e não simplesmente delata
os comparsas.
Vladmir Aras pontua que a expressão “delação premiada” é inadequada por
conta da “carga simbólica carregada de preconceitos” e por sua incapacidade de

122
descrever toda a extensão do instituto:
[...] talvez no propósito de marcar o instituto com uma nódoa odiosa, pro-
curam assimilar a colaboração premiada a uma simples delação, lançando
sobre o colaborador a pecha de ‘delator’, ‘dedo-duro’ ou ‘alcaguete’. Esse
é um grave equívoco, que não honra a honestidade intelectual que deve
balizar o exame crítico desse polêmico instrumento processual, útil para
a sociedade e para pessoas envolvidas em graves ocorrências criminais”
(https://vladimiraras.blog/2015/01/07/a-tecnica-de-colaboracao-premiada/>
Acesso em: 6/12/17).

Portanto, sugere-se priorizar o uso da palavra “colaboração” na atuação mi-


nisterial, não só porque é o termo técnico previsto em Lei (art. 3º, I, Lei 12.850/13)
mas também para reforçar a lisura e a importância do instituto.
O uso dessa técnica especial de investigação é, muitas vezes, a única medi-
da verdadeiramente eficaz diante da modernidade e da sofisticação dos meios de
cometimento do ilícito. Provas antes obtidas por interceptação telefônica ou avalia-
ção da evolução patrimonial do agente hoje são obstadas pelo uso, por parte dos
criminosos, de outros meios de comunicação, armazenamento digital de informa-
ções e métodos complexos de dissimulação do destino do dinheiro, o que termina
por esvaziar a utilidade dos meios tradicionais de investigação.
Os atos de corrupção são praticados às escondidas, com cautelas para que
não sejam testemunhados ou registrados, mediante pacto de silêncio entre os en-
volvidos. Nas tratativas criminosas, as ações típicas da corrupção passiva (“solici-
tar” e “aceitar”, art. 317, CP) e da corrupção ativa (“oferecer” e “prometer”, art. 333,
CP) são cometidas costumeiramente por palavras proferidas em códigos ou mesmo
em conversas subtendidas ou discretos gestos físicos. Sem a confissão de um dos
envolvidos, a prova do fato pode ser impossível.
Tratados internacionais prestigiam a colaboração premiada como instrumento
investigativo, tais como a Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organi-
zado Transnacional de 2000 (Convenção de Palermo, promulgada no Brasil pelo
Decreto 5.015/04) e a Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção de 2003
(Convenção de Mérida, promulgada no Brasil pelo Decreto 6.687/06).
Várias normas em vigor tratam da colaboração no Brasil: Código Penal (art.
159, § 4º, Decreto-Lei 2.848/40; cf. Leis 8.072/90 e 9.296/96); Lei dos Crimes He-
diondos (art. 8º, parágrafo único, Lei 8.072/90); Lei dos Crimes Contra a Ordem Tri-

123
butária, Econômica e Relações de Consumo (art. 16, parágrafo único, Lei 8.137/90;
cf. Lei 9.080/95); Lei dos Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional (art. 25, §
2º, Lei 7.492/86, cf. Lei 9.080/95), Lei dos Crimes de Lavagem de Dinheiro (art. 1º, §
5º, Lei 9.613/98); Lei de Proteção às Vítimas e Testemunhas Ameaçadas (arts. 13 e
14, Lei 9.807/99); Lei de Drogas (art. 41, Lei 11.343/06); e Lei do Crime Organizado
(arts. 4º a 7º, Lei 12.850/13).
A pluralidade legislativa pode ser sintetizada no seguinte quadro:

Normas Pressupostos Benefícios


DL 2.848/40
Denunciar o concorrente
(Leis n. 159, § 4º
Código Penal à autoridade, facilitando a * 1/3 a 2/3
8.072/90 e
libertação do sequestrado.
9.296/96)

Denunciar o bando ou
quadrilha que pratica crime
Crimes 8º, pará-
Lei 8.072/90 hediondo, tortura, tráfico ou * 1/3 a 2/3
Hediondos grafo único
terrorismo, possibilitando
seu desmantelamento.

Crimes Contra a
Coautor ou partícipe revelar
Ordem Tributária, Lei 8.137/90 16, pará-
à autoridade policial ou judi- * 1/3 a 2/3
Econômica e Con- (Lei 9.080/95) grafo único
cial toda a trama delituosa.
sumo

Crimes Contra o Coautor ou partícipe revelar


Lei 7.492/86
Sistema Financeiro 25, § 2º à autoridade policial ou judi- * 1/3 a 2/3
(Lei 9.080/95)
Nacional cial toda a trama delituosa.

Revelar esclarecimentos * sem apli-


que conduzam à apuração cação de
das infrações penais, à pena
Crimes de Lavagem identificação dos autores, * 1/3 a 2/3
Lei 9.613/98 1º, § 5º
de Dinheiro aos coautores e aos partí- * aberto ou
cipes, ou à localização dos semiaberto
bens, direitos ou valores * restritiva
objeto do crime. de direitos

Identificação dos demais


coautores ou partícipes do
Drogas Lei 11.343/06 41 * 1/3 a 2/3
crime e recuperação total ou
parcial do produto do crime

124
Normas Pressupostos Benefícios
Colaborar efetiva e volun-
tariamente com a investi-
gação / processo criminal
para:
I - identificação dos demais * perdão
13 coautores ou partícipes; judicial
II - localização da vítima
com a sua integridade física
preservada; e
Proteção às Víti- III - recuperação total ou
mas e Testemunhas Lei 9.807/99 parcial do produto do crime.
Ameaçadas
Colaborar voluntariamente
com a investigação / pro-
cesso criminal para: * 1/3 a 2/3
I - identificação dos demais * medidas
14 coautores ou partícipes; especiais de
II - localização da vítima segurança e
com vida; e proteção
III - recuperação total ou
parcial do produto do crime.
colaborar efetiva e volunta-
riamente para:
I - identificação dos demais
coautores e partícipes da
organização criminosa e
Antes da
das infrações penais por
sentença:
eles praticadas;
* perdão
II - revelação da estrutura
judicial
hierárquica e da divisão
* até 2/3
de tarefas da organização
* restritiva
criminosa;
de direitos
4º a 7º III - prevenção de infrações
penais decorrentes das
Depois da
atividades da organização
Crime Organizado Lei 12.850/13 sentença:
criminosa;
* até 1/2
IV - recuperação total ou
* progressão
parcial do produto ou do
sem requisi-
proveito das infrações pe-
tos objetivos
nais praticadas pela organi-
zação criminosa; e
V - localização de eventual
vítima com sua integridade
física preservada.

I - Não for o líder da organi-


zação criminosa;
* imunidade
4º, § 4º e/ou
plena
II - for o primeiro a colabo-
rar.

125
O procedimento da colaboração, positivado com a Lei 12.850/13 (Lei do Crime
Organizado), ainda é matéria tormentosa e apresenta inúmeros pontos polêmicos.
Por isso, ao tempo em que é importante acompanhar a consolidação jurisprudencial
sobre o tema, deve-se atuar em defesa da aplicação do instituto na atividade in-
vestigatória conduzida pelo Ministério Público, valorizando a colaboração premiada
como eficiente meio de enfrentamento da corrupção.
Tratando-se de instituto de direito material, a cada nova legislação trazen-
do requisitos próprios para admissibilidade e quantificação do benefício, a solução
para o conflito aparente de normas passa pelas regras de aplicação da lei penal
no tempo, conforme o critério cronológico e respeitando o princípio da especialida-
de. Portanto, “há de prevalecer a lei específica em análise conglobada com a Lei
9.807/1999 – que funciona como a normal geral material da delação premiada – e
a Lei 12.850/2013, sobretudo no que importa ao(s) crime(s) conexo(s) ao delito de
organização criminosa por natureza”14.
Quanto às regras processuais, é recomendável a aplicação dos preceitos da
Lei 12.850/13, mais recente e detalhada, a todas as hipóteses de utilização da co-
laboração premiada, ainda que não presentes na investigação as atividades de or-
ganização criminosa.
Hipótese comum ocorre quando, em decorrência da colaboração premiada,
são revelados fatos não conexos com a investigação principal e de competência
de Juízo diverso. Primeiro, deve ser observado que será competente para a ho-
mologação o Juízo mais graduado, observadas as prerrogativas de funções do
colaborador e dos delatados – e, em consequência, terá atribuição para formalizar
o acordo também o órgão do Ministério Público respectivo.
Segundo, considerando que colaboração premiada não é causa de conexão
ou prevenção, sendo os Juízos de mesma graduação, a providência ideal é atuar
em conjunto com o membro do Ministério Público com atribuição para apurar os no-
vos fatos trazidos à colação, formalizando um único termo de colaboração premiada
a ser homologado nos Juízos competentes, cada um no limite de sua competên-
cia, porém estabelecendo-se benefício único que diga respeito a todos os ilícitos

14  MASSON, Cleber; MARÇAL, Vinícius. Crime Organizado. 3. ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, São
Paulo: Método, 2017. p. 139.

126
confessados. Nessa circunstância, se for inviável a atuação conjunta, diante da ur-
gência que o caso usualmente requer, admite-se constar no termo de colaboração
premiada que as sanções pertinentes àqueles fatos novos não estão incluídas na
proposta do benefício, mas que, na oportunidade da homologação, será postulada
a cisão pertinente ao Anexo de competência de outro Juízo para remessa ao Órgão
de Execução com atribuição. O membro do Ministério Público que receber a docu-
mentação, depois de avaliar o caso concreto, poderá: a) formalizar, em consenso
com o colaborador, termo de ratificação visando a a.i) aderir ao acordo na íntegra,
mantendo-se o mesmo benefício proposto; ou a.ii) aderir ao acordo parcialmente,
acrescentando medida sancionatória em razão dos novos fatos; ou b) não aderir
ao acordo, hipótese em que a documentação recebida deixará de integrar a co-
laboração premiada e, portanto, não poderá ser utilizada como prova para fins de
investigação.
Em decorrência do sigilo legal (art. 7º, Lei 12.850/13), enquanto não finali-
zadas todas as etapas com a devida homologação judicial do ajuste, nenhum re-
gistro deve ser feito no Procedimento Investigatório Criminal, sendo tratado como
diligência sigilosa em curso, documentada em anexo autônomo, na forma do Ato
397/2018/PGJ:
Art. 13. As diligências serão documentadas em autos de modo sucinto e
circunstanciado.
Parágrafo único. As diligências sigilosas serão realizadas em anexo autô-
nomo do procedimento investigatório, devendo ser documentadas nos au-
tos principais após sua conclusão, se for o caso.

Com foco na atuação prática do membro do Ministério Público, importante


pontuar as etapas já consagradas para o acordo de colaboração premiada. O Gru-
po Especial Anticorrupção (GEAC) mantém na intranet material de apoio sobre os
passos do procedimento e minutas de documentos comumente produzidos no cur-
so da colaboração premiada. Trata-se de rito não previsto em lei, apresentado tão
somente como parâmetro para guiar a atuação ministerial, sempre adaptável ao
caso concreto. A negociação pode tomar poucos dias ou longo período de tempo,
conforme o momento da investigação e a complexidade dos fatos.
1. Iniciativa: Apesar de alguma divergência, o entendimento mais aceito
atualmente sustenta que o investigador pode sugerir o início das tratativas para a

127
colaboração premiada. A Lei anterior que tratava das organizações criminosas fa-
lava em “colaboração espontânea do agente” (art. 6º, Lei 9.034/95), porém as Leis
de Proteção às Vítimas e Testemunhas Ameaçadas e do Crime Organizado utili-
zam o termo voluntariedade (arts. 13 e 14, Lei 9.807/99 e art. 4º, caput e § 7º, Lei
12.850/13), que diz respeito à liberdade psíquica, e não à iniciativa.
Assim, o que vale é a livre disposição de vontade do autor do crime de falar
a verdade, independentemente de quem primeiro sugeriu o ajuste. De qualquer for-
ma, diante da discussão e para não expor eventual fragilidade da prova até então
colhida na investigação, recomenda-se cautela quanto à iniciativa, evitando-se, por
exemplo, notificação escrita do investigado para audiência extrajudicial destinada a
discutir o assunto.
Por outro lado, pode ser interessante que, antes de iniciar o interrogatório ex-
trajudicial, ao tratar do direito ao silêncio, o membro do Ministério Público aproveite
a oportunidade para explicitar a existência do instituto da colaboração premiada e
de seus benefícios, observando a necessidade de participação de advogado cons-
tituído ou da Defensoria Pública.
2. Reuniões preliminares: Nesta etapa ainda informal, por vezes chamada
de “pré-colaboração”, os dois lados buscam avaliar a oportunidade e a conveniên-
cia da formulação do acordo. Para um bom resultado, é necessário já nesta fase o
conhecimento pleno da investigação e a superação das etapas de planejamento,
verificação de pendências e levantamento básico de dados.
Dois pontos de partida são cruciais para o bom resultado. Primeiro, o membro
do Ministério Público deve buscar exercer com naturalidade a postura negocial, vi-
sando ao bem maior para a sociedade, por mais que não seja simples, inicialmente,
afastar dos debates a repulsa característica suscitada pelos atos de corrupção.
Segundo, o Promotor de Justiça deve ter consciência de estar lidando com
o autor de um ou mais crimes, que não necessariamente se transformou em pes-
soa honesta porque optou por negociar a colaboração premiada. É possível que a
narrativa do agente nos convença de que foi envolvido na trama por motivos varia-
dos ou que não enriqueceu com a conduta. De qualquer forma, o arrependimento
– sincero ou não – não é requisito para celebração da colaboração; ao assumir o

128
compromisso de falar a verdade, surgem como pressupostos mínimos a confissão
e a apresentação de provas ou indícios.
Nessa fase inicial, é comum que o colaborador omita determinados fatos e
apresente informações gradativamente, até que perceba que o condutor da inves-
tigação esteja satisfeito. Por essa razão, sugere-se ouvir primeiro, isto é, é impor-
tante que o defensor e o investigado manifestem-se sobre o que pretendem com a
colaboração, quais crimes – seus e alheios – pretendem revelar e quais indícios e
provas de corroboração são capazes de apresentar. Essa fase deve ser bastante
objetiva e serve para o membro do Ministério Público verificar se há interesse e se
estão presentes os requisitos legais mínimos para a colaboração, descartando as
moções inadmissíveis de plano, quando o investigado não pretende confessar a
prática do ilícito, por exemplo.
Isso porque, para ser considerada válida, a colaboração deve ser voluntá-
ria (liberdade psíquica), eficaz (com resultados práticos: identificação dos demais
envolvidos e infrações; revelação da estrutura hierárquica; prevenção ou recupe-
ração do produto ou proveito do crime; localização de vítima com integridade física
preservada); e vir acompanhada de confissão, na presença de advogado, com o
comprometimento de falar a verdade e manter atitude colaborativa durante toda
investigação e ulterior processo, sem omitir fatos.
Somente relatos isolados de fatos trazidos pelo colaborador não são sufi-
cientes para condenação, assim como a confissão sozinha não o é. Trata-se da
busca pelos “elementos externos à colaboração” ou “elementos de corroboração”.
Nas investigações de crimes complexos, são detalhes que, em seu conjunto, trarão
certeza suficiente para a condenação, pois os delitos são cometidos com tamanha
sofisticação que evitam rastros a serem apurados. Não se pode exigir uma prova
que não existe. Por essa razão, aliás, cada vez mais, a prova indireta deve ser acei-
ta para demonstração de crimes complexos como os atos de corrupção.
Como, de um lado, estará sempre o investigado e seu advogado, para facilitar
as tratativas e por cautela, mostra-se adequado que o membro do Ministério Público
esteja acompanhado de outra pessoa, como o Assistente de Promotoria de Justiça
ou integrante do GAECO ou do GEAC que participa da apuração dos fatos.

129
As reuniões preliminares não são atos processuais formais documentados,
não há registro de áudio e vídeo nem colheita de declarações ou depoimentos. É
possível, contudo, elaborar ata com a listagem dos presentes e breve resumo do
ocorrido, porém, em razão do sigilo legal, é importante que referido documento fique
sob custódia exclusiva do Ministério Público.
3. Termo de Confidencialidade: Verificado interesse do órgão de persecu-
ção e da defesa quanto ao prosseguimento das tratativas, sugere-se a formalização
de termo de confidencialidade, documento no qual as partes se comprometem a
manter sigilo a respeito de tudo o que for dito e tratado, não podendo utilizar as
informações e os documentos apresentados pelo colaborador se não houver forma-
lização do acordo. O documento deve fixar prazo para cumprimento da etapa se-
guinte (apresentação de anexos), ajustado conforme a complexidade e a amplitude
da colaboração.
4. Apresentação do Sumário dos Anexos: O investigado, por intermédio de
seu advogado ou defensor público, apresenta apontamentos por escrito, em forma
de resumo, de cada um dos fatos que irá tratar na pretendida colaboração, cada um
deles constituindo um documento separado, chamado Anexo, numerado sequen-
cialmente e intitulado com o respectivo assunto. O resumo, além da descrição do
fato, suas circunstâncias e todos os envolvidos, deve apontar objetivamente quais
provas de corroboração apresentará a respeito ou indicar onde e como o condutor
da investigação poderá obtê-las.
Trata-se de forma eficaz de organizar o procedimento da colaboração pre-
miada, que muitas vezes envolve grande quantidade de delitos. Cada Anexo, em
regra, trata de um fato ou de um conjunto de fatos que estariam descritos na mesma
denúncia, organizado em comum acordo pelas partes, de modo a otimizar a investi-
gação. Por exemplo, faz-se a divisão por local da prática do crime, por tipo de delito,
por períodos, por grupo de pessoas etc. Normalmente, o Anexo 1 apresentará a
narrativa geral da organização criminosa e, em cada um dos demais, constará o re-
lato das infrações penais cometidas pelo grupo. Nada obsta que, ao final, concluída
a investigação, uma mesma denúncia trate de condutas criminosas reveladas em
mais de um anexo.

130
A divisão por anexos, além de facilitar a compreensão da narrativa, normal-
mente longa e complexa, possibilita posterior cisão da investigação se surgirem
fatos não conexos ou de competência de outro Juízo, sem prejudicar o sigilo dos
demais fatos narrados. Apontados desde logo os delatados, evitam-se também sur-
presas no momento da coleta do depoimento quanto à narrativa de fato cuja atri-
buição não é do órgão do Ministério Público que conduz a investigação. Há aqui,
também, a quebra parcial do sigilo dos anexos, na medida em que a restrição à
publicidade não mais for necessária ou as denúncias forem ajuizadas.
5. Verificação de Credibilidade: Recebidos os anexos, para formação de
seu convencimento, o membro do Ministério Público deve avaliar a eficácia da su-
posta colaboração mediante verificação da credibilidade dos fatos narrados, a prova
apontada e a possibilidade de sua obtenção (pesquisas em bancos de dados, dili-
gências de campo, análise documental, confirmação de datas, horários, autenticida-
de de documento etc.), bem como a possibilidade de serem alcançadas as exigên-
cias legais (identificação dos demais autores e partícipes, revelação da estrutura
hierárquica e divisão de tarefas, prevenção de novas infrações penais, recuperação
do produto do crime e localização da vítima).
6. Definição da estratégia: Superadas as fases anteriores, havendo interes-
se na continuidade das tratativas, faz-se o estudo cuidadoso do material, oportuni-
dade em que são relacionados os crimes apresentados pelo pretenso colaborador,
classificando-os pela gravidade e pelo ineditismo, e é calculada a provável pena em
caso de condenação. Com isso, o investigador elege o escalonamento da premia-
ção, ou seja, qual benefício adequado ao caso concreto e até onde pode chegar na
negociação para efetivar o acordo no que diz respeito à pena privativa de liberdade,
à forma de ressarcimento ao erário e ao valor da multa, ou seja, define seus objeti-
vos e prevê alternativas aceitáveis (B.A.T.N.A.15).
7. Entrevista pessoal: Podem ser necessárias, neste momento, entrevistas
pessoais com o pretenso colaborador – sempre na presença do advogado – para
ratificação e/ou esclarecimento de eventuais dúvidas pontuais sobre as informa-
ções prestadas, principalmente quando, nas reuniões preliminares, ele não esteve
15  B.A.T.N.A, sigla para “Best Alternative to a Negotiated Agreement”, ou seja, a melhor alternativa para a parte caso
haja algum impasse na negociação, cf. FISHER, Roger, URY, Willian e PATTON, Bruce. Como Chegar ao Sim – A Ne-
gociação de Acordos Sem Concessões. Projeto de Negociação da “Harvard Law School”. 2. ed. Rev. e ampl. trad. Vera
Ribeiro e Ana Luiza Borges. Rio de Janeiro: Imago, 1994.

131
presente ou quando o sumário dos anexos foi elaborado pelo defensor sem a parti-
cipação efetiva do investigado.
8. Negociação: Mais uma vez, sugere-se nesta etapa crucial a paridade no
número de pessoas de cada lado da mesa de negociação, estando o Promotor de
Justiça, sempre que possível, acompanhado de Assistente de Promotoria de Jus-
tiça ou integrante do GAECO ou do GEAC que participa da apuração dos fatos,
facilitando a tomada de decisões, a discussão das propostas e a apresentação de
contrapropostas.
Sem revelar os parâmetros elencados pelos investigadores, as negociações
são iniciadas com a oitiva da proposta da defesa e são feitas tantas reuniões quan-
tas forem necessárias, preferencialmente, não apenas com o advogado, mas com a
presença do investigado. As respostas não precisam ser apresentadas de imediato,
possibilitando reuniões reservadas para deliberação.
Como baliza para a atuação ministerial, também no curso da negociação de-
ve-se agir com ética e seriedade, avaliando os momentos oportunos para agir com
firmeza e serenidade, buscando o melhor termo para a defesa da sociedade em
cada caso concreto. Sobre a postura resolutiva e protagonista do Ministério Pú-
blico na resolução consensual de controvérsias, a potencialidade e os limites da
negociação e das técnicas de negociação, recomenda-se a leitura do Manual de
Negociação e Mediação para Membros do Ministério Público, editado em 2015 pelo
Conselho Nacional do Ministério Público16.
9. Pré-acordo: Não obstante o termo de confidencialidade, conforme a gra-
vidade dos fatos que serão revelados, algumas vezes, a defesa mostra-se insegura
em gravar depoimentos e apresentar provas antes da assinatura do termo, princi-
palmente se os depoimentos forem longos e o acordo não for assinado no mesmo
dia. Portanto, neste momento, é possível formalizar um pré-acordo de colaboração
premiada, no qual o investigado compromete-se a especificar os anexos e apresen-
tar as provas, e o Ministério Público, por outro lado, a formalizar o acordo e propor
o benefício negociado.
10. Depoimentos: Sempre que possível, os depoimentos formais do cola-
borador devem ser registrados “pelos meios ou recursos de gravação magnética,
16 Ver: http://www.cnmp.mp.br/portal/images/Publicacoes/manual_mediacao_negociacao_membros_mp_2_edicao.pdf

132
estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive audiovisual, destinados a obter maior
fidelidade das informações” (art. 4º, § 13, Lei 12.850/13).
No termo de depoimento, deve constar expressamente a renúncia, na pre-
sença do defensor, ao direito ao silêncio e o compromisso legal de dizer a verdade
(art. 4º, § 14, Lei 12.850/13). Para facilitar a organização, sugere-se que os depoi-
mentos sejam divididos por anexos, intitulados e numerados observando a mesma
sequência dos sumários apresentados anteriormente. À medida que os fatos são
revelados, conforme o que for negociado, fixa-se prazo para o colaborador entregar
as provas e os indícios em seu poder – ou faz imediatamente – ou aponta onde
e como aquelas poderão ser obtidas, ficando a documentação pertinente ao fato
apensa ao anexo específico.
11. Assinatura do Acordo: O termo de colaboração premiada nada mais é
do que um contrato entre as partes, que será assinado se, de fato, os depoimentos
alcançarem os objetivos traçados na fase de negociação. Nos termos do art. 6º da
Lei 12.850/13, o acordo deverá ser feito por escrito e conter:
I - o relato da colaboração e seus possíveis resultados;
II - as condições da proposta do Ministério Público ou do delegado de po-
lícia;
III - a declaração de aceitação do colaborador e de seu defensor;
IV - as assinaturas do representante do Ministério Público ou do delegado
de polícia, do colaborador e de seu defensor; e
V - a especificação das medidas de proteção ao colaborador e à sua família,
quando necessário.

Nada impede que outras condições sejam estabelecidas de comum acordo


entre as partes, inclusive com efeitos extrapenais, que igualmente serão submeti-
das à avaliação e homologação judicial, como, por exemplo, comparecimento em
Juízo, proibição de frequentar determinados locais, recolhimento domiciliar noturno,
suspensão do exercício de função pública/atividade econômica, monitoração ele-
trônica, compromisso de afastar-se da prática criminosa, concordância com quebra
de sigilos (bancário, telefônico, fiscal, telemático), pagamento de valor mínimo para
reparação do dano (art. 387, IV, CPP), entrega de bens em garantia, compromisso
de auxiliar em outras investigações de fatos similares e comunicar crimes novos etc.
12. Homologação: Realizado o acordo, o condutor da investigação remeterá
o termo, acompanhado das declarações do colaborador e de cópia da investigação,

133
ao juiz para homologação, “o qual deverá verificar sua regularidade, legalidade e
voluntariedade, podendo para este fim, sigilosamente, ouvir o colaborador, na pre-
sença de seu defensor” (art. 4º § 7º, Lei 12.850/13).
Sugere-se que, nesta oportunidade, sejam também formulados, conforme o
caso, pedidos de manutenção ou levantamento do sigilo, desmembramento da in-
vestigação e autorização de troca de informações, mediante compartilhamento de
todas as provas produzidas no curso da investigação, para possibilitar a adoção
das providências cabíveis em outros Juízos competentes, inclusive, envolvendo a
apuração da responsabilização administrativa e a prática de atos de improbidade.
13. Continuidade da Investigação ou Denúncia: Com a homologação do
acordo de colaboração premiada, conforme o momento da investigação e as provas
até então colhidas, há três possibilidades: a investigação seguirá seu curso nos
autos do Procedimento Investigatório Criminal; poderá ser oferecida imediatamente
a denúncia; ou será juntada a documentação pertinente na ação penal já em curso
para a produção da prova correspondente. Caso já finalizada a apuração dos fatos,
nada impede que a denúncia seja oferecida na mesma oportunidade da homolo-
gação da colaboração, porém em autos apartados, para preservar o sigilo ainda
existente.
Merece atenção a regra de que “o prazo para oferecimento de denúncia ou
o processo, relativos ao colaborador, poderá ser suspenso por até 6 (seis) meses,
prorrogáveis por igual período, até que sejam cumpridas as medidas de colabora-
ção, suspendendo-se o respectivo prazo prescricional” (art. 4º, § 3º, Lei 12.850/13).
14. Situações supervenientes: Depois de assinado o termo de acordo de
colaboração premiada e antes da sua homologação judicial, as partes podem retra-
tar-se da proposta ajustada. Trata-se de vontade manifestada pelos signatários de
não mais dar seguimento à avença. Há importante divergência doutrinária a respei-
to das consequências jurídicas da retratação, decorrente da interpretação dada ao
§ 10º do art. 4º da Lei 12.850/13.
Assim, sugere-se pactuar no próprio acordo as hipóteses, assim sugeridas:
como consequência jurídica da retratação por iniciativa do colaborador antes da
homologação, as provas até então colhidas são válidas somente contra os delata-

134
dos, não podendo ser utilizadas contra o colaborador. Por outro lado, se o Ministério
Público, antes da homologação judicial, retratar-se da proposta, por certo que não
poderá fazer uso de quaisquer provas apresentadas pelo colaborador, sob pena de
colher os frutos da colaboração sem comprometer-se com o benefício negociado
anteriormente.
Depois de homologado o acordo, admite-se a rescisão pelo descumprimento
das obrigações legais e daquelas pactuadas voluntariamente pelas partes. Nesse
caso, se a rescisão se der por responsabilidade do colaborador, perderão efeito
todos os benefícios pactuados, permanecendo hígidas e válidas todas as provas
produzidas, inclusive depoimentos prestados e documentos apresentados, assim
como serão mantidos quaisquer valores pagos a título de multa ou indenização.
Rescindido o acordo por responsabilidade exclusiva do Ministério Público, o colabo-
rador poderá, a seu critério, cessar a colaboração, assegurada a manutenção dos
benefícios já concedidos e provas já produzidas.
Se, depois da homologação, forem revelados fatos que indiquem omissão
ou contradição do colaborador ou mesmo surgirem indícios da prática de ato que
possa levar à revogação do acordo, deverá ser instaurado procedimento para ve-
rificação do fato, observado o contraditório. É interessante, portanto, consignar no
termo que a rescisão não é obrigatória, mas cada caso concreto será avaliado pelo
Ministério Público e, ao final, o condutor da investigação decidirá sobre a possibili-
dade de repactuação ou rescisão. Quando a repactuação for a medida mais ade-
quada ao caso concreto, suas causas devem ser ponderadas em nova negociação
com o colaborador, de forma a justificar a alteração das obrigações e a mitigação
do benefício inicialmente ajustado. Em qualquer caso – rescisão ou repactuação – a
providência deve ser informada e submetida ao Juízo homologatório.
Por fim, chamam-se informalmente de recall as situações nas quais, até mes-
mo depois da sentença condenatória, o colaborador é instado a comparecer para
esclarecer fatos, justificar eventuais omissões, prestar novos depoimentos, entregar
novas documentações, cooperar na análise documentos e provas, reconhecer pes-
soas e auxiliar na análise pericial que seja objeto da presente colaboração.

135
5. CASUÍSTICA

136
Expostos os fundamentos teóricos e jurídicos da investigação ministerial na
seara da moralidade administrativa e os instrumentos e técnicas utilizáveis, importa
agora destacar casos frequentes enfrentados pelos Colegas Promotores de Justiça.
As situações foram reunidas de acordo com “macrotemas” relacionados à atividade
estatal, com a indicação pontual das normas jurídicas aplicáveis, das fraudes mais
comuns, e de tópicos argumentativos e providências práticas que podem ser adota-
das pelo Investigador.

5.1 LICITAÇÕES

A obrigação constitucional de licitar recai sobre todos os entes da Administra-


ção Pública (CF, art. 37, XXI) e obedece, basicamente, a dois vetores: a) otimiza a
realização do contrato administrativo, satisfazendo a necessidade pública que moti-
vou a aquisição / contratação; b) contempla a isonomia entre todos os interessados
em contratar com a Administração (CF, art. 5º, caput), que poderão apresentar suas
propostas em certame competitivo. A licitação não é apenas um procedimento for-
mal. É, antes, a materialização de valores constitucionais de relevo, o que legitima
a resposta estatal repressiva, em caso de inobservância destes preceitos; e um re-
levante instrumento econômico: dados do MPSP indicam que as compras públicas
no país atingem a casa de R$ 700 bilhões por ano.
Os ilícitos mais comuns no plano licitatório avançam contra a obrigação de
licitar; a competitividade do certame; e a eficácia do contrato administrativo.

5.1 .1 Dis pensa Indevida de L i c i t a ç ã o

A ilicitude consiste na contratação direta, sem prévia licitação, em situações


que não se enquadram nas hipóteses restritas previstas no art. 24 da Lei 8.666/93,
a configurar o crime do art. 89 da Lei de Licitações e o ato de improbidade do art.
10, VIII, da LIA. São casos já experimentados na realidade do Ministério Público
catarinense:

a) Reiteração de Compras de Pequeno Valor – art. 24, I e II


Valendo-se dos permissivos da Lei 8.666/93, o gestor realiza uma série de
pequenas aquisições, em geral, de produtos cotidianamente utilizados pela Admi-

137
nistração, compras estas que poderiam ser reunidas em um objeto único e licitadas.
Em Prefeituras, tal vício é bastante comum na aquisição de materiais de constru-
ção, peças, pneus, óleos e lubrificantes, entre outros insumos.
Além da burla à obrigação de licitar, há desrespeito ao imperativo de planeja-
mento das despesas, visto que as necessidades regulares da Administração devem
ser projetadas pelo Administrador e atendidas de acordo com dotações previstas no
orçamento (LRF, art. 1º, §1º; Decreto-Lei 200/67, art. 6º, I). Para fornecimento de
bens sobre os quais a Administração não possui estimativa precisa de utilização, o
Poder Público pode valer-se da licitação por registro de preços (Lei 8.666/93, art.
15), na qual a competição define o preço de venda do produto, porém os pagamen-
tos somente são feitos à medida que os pedidos são realizados, de acordo com as
necessidades da Administração.

b) Sucessão de Contratos de Prestação de Serviços


Problema semelhante ao descrito no item anterior. O Administrador celebra
diversos contratos ao longo do ano, para serviços pontuais ou por reduzido período,
pactos este que, individualmente, não ultrapassam o valor do art. 24, II, mas que, se
tomados em conjunto, demandariam a realização de licitação.
Vício comum na contratação de serviços de manutenção e oficina, a mácula
pode ser verificada em contrações insuspeitas, como espaços publicitários e ser-
viços de vigilância. Há possibilidade de burla ao concurso público, mediante con-
tratação de serviços que poderiam ser executados por agentes da Administração.
Novamente, o Promotor deve exigir planejamento da Autoridade Administrativa,
pressuposto da gestão responsável (LRF, art. 1º, §1º), com a imediata realização da
licitação, caso ultrapassado o valor limite.

c) Ausência de Justificativa – Art. 26, parágrafo único


A Administração deve justificar a realização da dispensa e, sobretudo, os pre-
ços de produtos adquiridos diretamente (Lei 8.666/93, art. 26, p. único, III). Mesmo
no que se refere a pequenos valores, não é lícito ao Administrador contratar apenas
em razão de sua preferência pessoal, obrigando a Administração a pagar mais caro.
O procedimento pode ser simples e não são necessários “três orçamentos”, mas as
diligências de consulta de preços devem ser documentadas, e o Promotor deve es-

138
tar atento para que a pesquisa não seja realizada sempre nas mesmas empresas.

d) Emergência ou Calamidade Pública Forjadas - art. 24, IV


Já houve casos em SC nos quais situações de emergência ou calamidade
pública foram forjadas pelo Gestor apenas para viabilizar a compra direta. Os exem-
plos, quase bizarros, registram situações de emergência decretadas em virtude de
estiagem inexistente; para contratação de obras interrompidas no intuito de conter
a “proliferação de pragas”; até campanhas publicitárias de prevenção à AIDS na
semana do Carnaval.
A dispensa depende da presença de três requisitos: a) urgência no atendimento,
sob risco do comprometimento da segurança de pessoas, obras, serviços e equipa-
mentos; b) necessidade de aquisição de bens e serviços para atendimento da situação
excepcional; c) prazo de 180 dias para conclusão das obras e serviços contratados.
A fraude pode recair sobre qualquer um destes pressupostos - atendimento,
mediante compras diretas, de situações não urgentes; compra de bens não adstritos
ao enfrentamento da situação excepcional; extensão demasiada ou prorrogação ir-
regular dos contratos emergenciais. Na Operação Águas Limpas (2014), apurou-se
que o imbróglio jurídico que impedia a finalização da licitação para prestação de ser-
viços de saneamento básico era provocado por pessoas da própria Administração,
interessadas na reiteração de contratos emergenciais com a empresa beneficiada.

e) Licitação Deserta ou Fracassada - art. 24, V


A irregularidade consiste na organização de licitação anterior na modalidade
convite previamente destinada ao fracasso, em razão de ajuste prévio com os “con-
vidados” para que estes não acorram à disputa. Na sequência, realiza-se a contra-
tação direta, com base no permissivo legal, porém, muitas vezes, sob condições
distintas daquelas originalmente estabelecidas na licitação deserta ou fracassada,
em prejuízo da Administração.
A investigação é difícil, posto que as empresas convidadas não são obriga-
das a formular proposta. A reiteração de convites enviados para empresas que ja-
mais participam dos certames pode constituir indício de conluio entre empresários e
agentes públicos. Há vício quando o contrato não mantém as condições da licitação
inicialmente realizada, ampliando indevidamente as vantagens do contratado.

139
f) Compra e Locação de Imóvel - art. 24, X
A contratação direta é justificada apenas se o imóvel possuir características
específicas que o tornem imprescindível para atendimento da finalidade pública,
o que deve ser demonstrado em procedimento administrativo prévio, que conterá
também a avaliação do bem.
Os problemas mais comuns consistirão na ausência ou na precariedade do
procedimento prévio, o que poderá ensejar negócios em valores superiores àqueles
praticados no mercado. Haverá dispensa indevida se, considerada a realidade do
Município, outros imóveis puderem atender a necessidade da Administração. Há
situações nas quais o Administrador promove “chamamento público” ou “processo
de manifestação de interesse” com a intenção de adquirir imóvel com certas carac-
terísticas, porém direciona a realização do negócio, estabelecendo minuciosamente
as características do imóvel no ato convocatório.

g) Instituições de Pesquisa e Desenvolvimento - art. 24, XIII


A mácula da contratação advém da inexistência de interesse público concreto
a justificar a avença, ou ainda, da falta de qualificação da instituição contratada ou
da amplitude do objeto. No primeiro caso, o vício reside no objetivo do contrato, o
que torna o controle difícil, especialmente em face da vagueza excessiva do objeto
avençado. Em SC, há casos de contratação de institutos para avaliação da popu-
laridade do Prefeito Municipal; ou ainda a contratação milionária de “consultorias”
tributárias para prestação de serviços oferecidos gratuitamente em programas de
capacitação do Ministério Público estadual.
Na segunda hipótese, entidades obscuras ou recém-criadas são escolhidas
desprezando a norma legal que exige “reputação ético-profissional” da contratada
(Lei 8.666/93, art. 24, XIII). Não raro o contrato é posto em prática sem cronograma
ou detalhamento das etapas de execução, o que também prejudica a fiscalização.
Em exemplo conhecido, a entidade foi contratada para “reestruturar” o modelo tri-
butário do Município quando, na verdade, o serviço visado era a recuperação de
créditos junto ao INSS - o que poderia ter sido feito pelos procuradores municipais.
A entidade contratada não deve possuir fins lucrativos, mas o Promotor deve
estar atento para situações nas quais, ainda que nominalmente sem buscar lucro,

140
a entidade represente, na prática, o meio de vida e a atividade econômica desen-
volvida por seus gestores. Há segmentos nos quais pode haver competição entre
instituições deste naipe (p.ex., as fundações universitárias), ou ainda entre estas e
empresas privadas, como nos serviços de organização de concursos. Nestes ca-
sos, a licitação deve ser realizada.

h) Organizações Sociais (OS) – art. 24, XXIV


As organizações sociais, disciplinadas pela Lei 9.637/98, ampliaram significa-
tivamente sua participação na prestação de serviços de interesse coletivo, manten-
do em Santa Catarina contratos milionários com o Poder Público, especialmente na
área da saúde. Recentemente, o STF julgou constitucional a norma da Lei 8.666/93
(art. 24, XXIV) que viabiliza a dispensa de licitação na contratação das organizações
sociais (ADIN 1.923/DF), porém destacou que a pactuação deve ser submetida a
“procedimento objetivo e impessoal”, sobre o qual incidem os princípios constitucio-
nais da Administração.
Os pontos nodais para fiscalização são o processo de credenciamento da
Organização Social; a publicidade do procedimento de contratação; o histórico de
serviços prestados pela OS em outras paragens; a composição de seus conselhos
gestores, buscando apurar a presença de indivíduos suspeitos e relações entre es-
tes e os agentes públicos; a eficácia e a economicidade dos serviços prestados; e a
higidez da prestação de contas e a avaliação dos resultados obtidos.
As organizações sociais não são obrigadas a realizar licitação para adquirir
bens e serviços, mas estes contratos devem ser regidos pelos princípios da mora-
lidade e da impessoalidade, adotando-se, por exemplo, um regulamento interno de
compras. Os preços pagos pela OS não poderão superar os valores praticados no
mercado. Em ação do MPSC no Sul do Estado, os dirigentes de uma OS da área da
saúde foram processados porque as compras da organização eram superfaturadas
e realizadas em empresas vinculadas aos dirigentes da entidade.

5.1.2 Ine x i gibilidade de Lic i t a ç ã o

A ofensa à moralidade reside no afastamento do procedimento licitatório


quando seria possível realizar o certame. Muito embora as hipóteses legais de ine-

141
xigibilidade não sejam exaustivas, não se pode olvidar que a regra constitucional é
a realização de licitação e a exceção, mesmo em pequenos Municípios, é a contra-
tação direta. Eis alguns casos:

a) Falsa Inviabilidade de Competição – art. 25, caput


Há suspeita de ilícito quando o Gestor Público deixa de realizar o procedi-
mento licitatório, sob a invocação unilateral de que há somente uma empresa local
apta a realizar o serviço. Em grandes empreendimentos, por exemplo, a verificação
quanto a existência de possíveis competidores deve ser feita em todo o território
nacional, e não apenas na região do órgão licitante.

b) Fornecedores Exclusivos - art. 25, I


Nestes casos, é recorrente a apresentação de atestados concedidos por en-
tes sindicais, empresas fornecedoras ou confederações que acusam não haver ou-
tro fornecedor do produto. No entanto, estes órgãos apresentam registros somen-
te das empresas filiadas ou federadas. Assim, apenas essa documentação não é
parâmetro suficiente para confirmar a exclusividade.
Também é irregular a contratação de empresa para o fornecimento de vários
itens, quando a exclusividade de fornecimento limitar-se a apenas um dos produtos.
Em Santa Catarina, há casos ilícitos nos quais, a fim de comprovar exclusividade no
fornecimento de material ou serviço, a contratada apresentou declaração unilateral,
sem qualquer pesquisa de mercado prévia realizada pela Administração. Segundo
o Tribunal de Contas do Estado:
Prejulgado 440. A inexigibilidade de licitação só poderá originar compra da
Administração Pública, em se tratando de exclusividade e, em função de
processo de padronização, caso reste claramente comprovado, nos termos
da legislação vigente, que existe somente uma firma que poderá fornecer
o bem desejado. O atestado fornecido deverá assegurar de forma clara e
inequívoca que somente referida empresa poderá fornecer à administração.
Para tanto, deverá se embasar em pesquisa de mercado e não em declara-
ção do próprio interessado.

c) Serviços Especializados - art. 25, II


Forte indício de fraude é a subcontratação, executada por “prestador especiali-
zado”, de parte do objeto avençado, o que evidencia que a competição seria possível.
A inexigibilidade na contratação de serviços especializados estaria vinculada
às atividades enunciadas no art. 13 da Lei de Licitações, dentre os quais a elabo-

142
ração de estudos técnicos, perícias e pareceres. Mesmo nesses casos, a contra-
tação direta somente seria possível se os serviços não pudessem ser realizados
por agentes da própria Administração e não fossem oferecidos no mercado, com o
mesmo grau de qualidade, por mais de uma empresa, o que permitiria a “competi-
ção entre especialistas”.
Exige-se, ainda, a “notória especialização” do profissional ou empresa con-
tratada, quesito que, a despeito de sua subjetividade, deve ser demonstrado no
procedimento administrativo prévio à contratação. Não basta a especialização, mas
exige-se que a expertise seja reconhecida pelo mercado.
Quanto aos serviços jurídicos, tais préstimos devem ser de tal forma extraor-
dinários que não possam ser executados pela Procuradoria do ente público; além
disso, caso exista mais de um escritório de renome especializado na área em ques-
tão, o procedimento licitatório deve ser realizado, como já decidiu o TCE/SC:
Prejulgado 1304. A existência de diversos escritórios de advocacia especia-
lizados na recuperação tributária, todos com excelente qualificação e expe-
riência, demonstra que há viabilidade de competição e, consequentemente,
obriga a Administração a realizar licitação nos termos da Lei Federal nº
8.666/93.

Idêntico raciocínio é aplicável à contratação de outros serviços de índole intelec-


tual, como as consultorias. O crescimento do mercado facilita a competição e viabiliza a
licitação. A inexigibilidade somente terá lugar em face de qualificação extraordinária do
prestador, objetiva e justificadamente demonstrada, não encontrada em outros presta-
dores ainda balizada pela oferta à Administração de conhecimento excepcional, e não
pela prestação de serviços administrativos ordinários – o famoso vício das “fazedorias”.

d) Profissionais do Setor Artístico - art. 25, III


Há notória ilegalidade quando o gestor público avença com empresário orga-
nizador de eventos, sem vinculação a um artista específico. Por empresário exclusi-
vo deve ser compreendido aquele que detém a gerência permanente das atividades
do artista. Como regra, artistas consagrados gerenciam suas carreiras mediante
constituição de firmas próprias - e são estas entidades que devem ser consideradas
“empresários exclusivos” do virtuose.
Empresário exclusivo não é mero intermediário, que apenas agencia eventos
em localidades ou períodos aprazados. As “cartas de exclusividade” restritas a uma

143
única data ou região são artifícios usados para justificar a inexigibilidade, frequente-
mente combatidos em ações do MPSC.
A exigência de que o artista deve ser “consagrado pela crítica especializada
ou pela opinião pública”, conquanto carregada de subjetivismo, implica certas obri-
gações ao gestor. Para contratação de bandas locais, por exemplo, é possível a
realização do certame. É questionável a inserção no contrato de itens que poderiam
ser licitados separadamente e que não demandam qualquer especialização, como
iluminação, sonorização e montagem de palco.

144
e) Credenciamento Irregular de Prestadores de Serviços
Credenciamento é modalidade de inexigibilidade licitatória não prevista na Lei
8.666/93, porém frequentemente utilizada para contratar, em igualdade de condi-
ções, todos habilitados a prestar certa atividade visada pela Administração. O traço
principal do credenciamento é a possibilidade de prestação concomitante do objeto
por múltiplos agentes, sem exclusão. Muito utilizada na área da saúde (laborató-
rios, clínicas), o credenciamento é admitido pelo TCE/SC (Prejulgados 1994, 2090
e 0579) e a remuneração do prestador se dá, em geral, de acordo com o número de
procedimentos realizados, seguindo tabela pré-fixada.
O método usual de fraude consiste no credenciamento sem a correlata de-
manda que justificaria a atuação de vários prestadores, ou seja, quando o contrato
poderia, após procedimento competitivo, ser adjudicado a apenas um prestador,
com exclusividade. Houve caso em que o gestor contratou serviços de retroescava-
deira por meio desta modalidade, o que torna a irregularidade patente. É irregular,
portanto, o credenciamento que outorgue exclusividade do serviço ao credenciado.
Em um programa estadual de regularização fundiária, por exemplo, o “credencia-
mento” das empresas implicava a atuação exclusiva do credenciado nos Municípios
que lhe haviam sido conferidos, o que fere a essência do instituto.
A Administração deve promover a rígida fiscalização do número de procedi-
mentos realizados pelo credenciado (Lei 8.666/93, art. 67), o que corresponde, a
bem da verdade, à liquidação do contrato, prévia indispensável ao pagamento.

5.1 .3 Irre g ular idades R elaci o n a d a s a o E d i t a l e a o O b j e t o L i c i t ad o

A definição do objeto a ser licitado constitui uma das mais importantes de-
cisões da fase interna do processo licitatório, porque especifica a necessidade da
Administração e baliza a concorrência entre eventuais interessados. Deve o Admi-
nistrador descrever o bem visado, de modo a preservar sua qualidade, porém sem
perder-se em minúcias que possam comprometer a competitividade do certame.
São comuns os seguintes ilícitos:

a) Fracionamento / Agrupamento do Objeto


Fracionamento é a divisão artificial do bem ou serviço que se pretende contra-

145
tar, a fim de utilizar modalidade de licitação menos rígida do que aquela prevista em
Lei. A Lei de Licitações exige que o gestor público proceda à divisão da execução
do contrato, sempre que houver, cumulativamente, benefícios à competitividade e
melhor aproveitamento dos recursos disponíveis no mercado (art. 23, §1º), ou seja,
aliando economicidade, eficiência e preservação de oportunidades iguais aos lici-
tantes.
Atenta também contra a competitividade do certame o agrupamento indevido,
em um único objeto, ou em lotes licitados em conjunto, de itens que poderiam ser
adquiridos separadamente. Na aquisição de medicamentos, a inserção de um in-
sumo fornecido com exclusividade por determinada empresa em um lote maior ter-
mina por definir a adjudicação de todo lote pela licitante. Na jurisprudência do TCU:
Súmula 247. Não havendo prejuízo do ponto de vista técnico ou econômico,
é obrigatório parcelar o objeto se ele for divisível, com o objetivo de ampliar
a competitividade, devendo as exigências de habilitação adequar-se a essa
divisibilidade.

A avaliação do Administrador e, em um segundo momento, do órgão de con-


trole externo, deve ser muito criteriosa, orientada pelos vetores da economicidade e
da racionalidade administrativa. Na lição de Franklin Brasil Santos e Kleberson de
Souza:
Não é o caso de se proibir genericamente o agrupamento de itens. Embora
o tema seja polêmico, a linha de raciocínio mais recente do TCU tem ido no
sentido de permitir o loteamento de itens homogêneos, entendendo que o
excesso de contratações individuais pode impactar a eficiência e a econo-
micidade administrativa. Essa é uma conclusão racional. É importante pro-
mover o gerenciamento adequado do que comprar por itens e o que com-
prar por lotes, aproveitando ganhos de escala, logística, controle e os riscos
de direcionamento ou restrição ao caráter competitivo. (Como combater a
corrupção em fraudes e licitações, Fórum Belo Horizonte, 2016, p. 35).

146
147
b) Aquisições Desnecessárias
Embora mascare dolo de desvio de recursos público, o lançamento de edital
para compras exageradas ou desnecessárias pode ser classificado como vício li-
citatório, à medida que a aquisição não poderia ser concretizada sem a montagem
prévia do certame.
A principal dificuldade do Ministério Público é a falta de conhecimento da rea-
lidade administrativa e operacional do ente fiscalizado, pois a escolha dos bens a
adquirir recai, a princípio, sob a discricionariedade do Administrador. Como regra, os
Promotores não dispõem de conhecimento minucioso acerca dos entes fiscalizados
para aferir se os quantitativos de um edital de licitação são realmente necessários.
Nos Seminários do Programa Unindo Forças, que trata do fortalecimento das
controladorias municipais, um Prefeito Municipal relatou que, ao assumir o manda-
to, verificou que todas as compras de material de limpeza para escolas municipais
eram superestimadas na quantidade, do detergente ao papel higiênico. Na Opera-
ção Bola de Neve (2012), funcionários de oficina municipal relataram perplexos que
a quantidade de pneus adquirida em certa licitação – e jamais entregues – atende-
riam às necessidades do Município por duas décadas.
A prova a ser produzida passa pelas seguintes avaliações:
1. Evolução das despesas do ente com determinado insumo;
2. Comparação com as despesas realizadas por outros entes públicos;
3. Oitiva dos funcionários envolvidos na cadeia de compras.
Cabe ao Ministério Público exigir das autoridades a precisa formulação de
fluxo de compras, com individualização de responsabilidades quanto ao pedido,
recebimento e uso de materiais.

c) Direcionamento do Edital
A Lei 8.666/93 veda restringir a competitividade do certame no edital (art. 3º,
§1º, I). Todavia, a relevância do ato convocatório torna esta peça o cenário ideal
para fulminar ab initio qualquer competição. Especificações muito detalhadas no
tocante ao produto, suas características, procedência e estrutura podem conduzir
a licitação para a vitória de fornecedor pré-determinado, único capaz de suprir a
exigência editalícia.

148
O cartel estadual de empresas fornecedoras de maquinário, desbaratado na
Operação Patrola (2016), operava segundo esta estratégia. O vício é muito comum
em licitações para aquisição de veículos e equipamentos de informática. Em ra-
zão dos dados colhidos na Operação Patrola, o MPSC produziu nota técnica (NT
02/2017/CMA/GEAC), com indicações quanto à prevenção de fraudes na confec-
ção dos editais para aquisição de máquinas. Mesmo que não demonstrado o dolo
dos envolvidos, restará a utilização da ação civil pública para invalidação dos atos
lesivos à moralidade administrativa (LOMPSC, art. 82, VI, ‘d’).
Considerando a complexidade das compras e contratos realizados pela Ad-
ministração, é de bom alvitre que, em investigações deste naipe, o órgão ministerial
solicite informações a entidades de classe e corporações empresariais que, muitas
vezes, poderão esclarecer se, para determinado produto, havia possibilidade de
competição entre vários fornecedores.

d) Habilitação e Qualificação dos Proponentes – art. 30


Requisitos editalícios exagerados para habilitação das empresas, sob a justi-
ficativa de “proteger” a Administração, podem determinar o resultado da concorrên-
cia. Os requisitos técnicos, por exemplo, devem limitar-se ao previsto no art. 30 da
Lei 8.666/93.
São exemplos de requisitos indevidos: a) identificação de veículos, funcioná-
rios e instalações das empresas, sem que isso seja imprescindível para a realização
do objeto; b) critério geográfico, em situações nas quais o endereço da empresa
em nada afeta sua capacidade de executar o contrato; c) prova de aptidão técnica
restrita a atestados emitidos por órgãos públicos; d) prova de vínculo funcional entre
a empresa e os funcionários qualificados para executar o objeto; e) número mínimo
de atestados de comprovação de experiência, sem atentar para o vulto das obras já
realizadas; f) quantitativos mínimos de experiência profissional; g) carta de solida-
riedade emitida pelo fabricante do produto.
É inadmissível estabelecer, como condição para participação no certame, a
apresentação de certificados de qualidade, como o ISO 9000. Tais atributos podem
ser considerados para concessão de pontos ao licitante em certames do tipo técnica
ou técnica e preço, mas não podem servir como óbice à participação de terceiros.

149
O Ministério Público deve estar atento para os quesitos ilegais travestidos de preo-
cupação com o Erário, como as exigências de certidão negativa de protestos (TCU,
Ac. 1336/2010) e de infrações trabalhistas (TCU, Ac. 697/2006 e 3088/2010).

e) Falhas no Projeto Básico - art. 6º, IX


Projeto básico é o “conjunto de elementos necessários e suficientes, com
nível de precisão adequado, para caracterizar a obra ou serviço, (...) objeto da lici-
tação, elaborado com base nas indicações dos estudos técnicos preliminares, que
assegurem a viabilidade técnica (...) e que possibilite a avaliação do custo da obra
e a definição dos métodos e do prazo de execução” (Lei 8.666/93, art. 6º, IX). Sem
projeto básico ou termo de referência adequado, não é possível prefigurar o que a
Administração deseja e não é possível ao particular dimensionar racionalmente o
custo de sua proposta, o que desestimula a competição.
Os vícios tocam à vagueza, às omissões intencionais, às falhas técnicas e,
especialmente, à incompletude do projeto básico, problemas de regra previamente
ajustados entre o agente público e o particular favorecido. Eis porque o TCU sus-
tenta serem nulas “as licitações baseadas em projeto incompleto, defeituoso ou
obsoleto” (TCU, Acórdão nº 353/2007 - Plenário).

f) Visitas Técnicas
Alguns editais exigem que representantes das empresas interessadas, antes
da apresentação da proposta, visitem o local da prestação de serviços, em alguns
casos, em data e horário agendados pela Administração.
A visita técnica como condição para participação no certame deve ser reser-
vada para situações excepcionais, que demandem prova de que o futuro disputante
conhece as características do projeto licitado. A visita deve ser dispensada quando
o interessado atestar que já conhece o local. O período da visita técnica deve, no
mínimo, compreender alguns dias e permitir a presença do maior número possível
de interessados. É de todo indevido que a visita seja agendada na mesma hora para
todos os licitantes - o que, por si só, favoreceria eventual conluio; ou ainda, que a
comunicação acerca da designação da visita seja enviada pouco tempo antes do
ato, inviabilizando a participação de licitantes de outras cidades.

150
g) Publicidade do Edital - art. 21
A publicação restrita é um dos meios mais simples de fraudar a competitivi-
dade da licitação, pois impede que potenciais interessados tenham conhecimento
do certame. A exigência de publicidade varia conforme as modalidades licitatórias,
mas hoje a publicação prévia do edital na internet e do aviso em jornais de circula-
ção regional ou estadual pode ser considerada obrigatória (Lei de Acesso à Infor-
mação, art. 8º, §1º, IV e §2º). Há diversas soluções tecnológicas, a custo reduzido,
que garantem ampla publicidade dos editais de licitação, como o Diário Eletrônico
dos Municípios de SC. Entidades dedicadas ao controle da Administração, como os
Observatórios Sociais, trabalham para que os editais cheguem ao conhecimento
de empresas eventualmente interessadas sediadas em outras cidades ou Estados.
Há fraudes materializadas na publicação de informações falsas, como en-
dereços incorretos e números de telefone inexistentes. É recorrente a ausência
das informações prometidas nos sítios eletrônicos, reservando-se, por exemplo, o
acesso ao edital apenas para quem comparecer à repartição pública. Frise-se que a
Administração pode cobrar apenas para expedir cópias dos documentos editalícios,
sem qualquer cobrança adicional.

5.1 .4 Irre g ular idades r elativ a s a o s p a r t i c i p a n t e s

a) Conluio entre participantes


Os supostos disputantes da licitação ajustam, de antemão, quem se sagrará
vitorioso no certame. Na Operação Fundo do Poço (2013), empresas perfuradoras
de poços artesianos dividiam as licitações no Estado, repartindo previamente os
contratos, enquanto as demais prestavam-se a figurar como participantes “derrota-
das” em tais licitações.
A prova do conluio entre agentes privados é, deveras, difícil. A providência
mais óbvia é averiguar os vínculos subjetivos entre sócios e diretores dos “concor-
rentes”. É possível que as pessoas jurídicas participantes possuam um controlador,
representante ou responsável técnico em comum. Muitas vezes, o vínculo é mais
tênue, como o domicílio em uma mesma cidade. Na Operação Bola de Neve (2012),
por exemplo, o proprietário de uma das empresas participantes das licitações frau-

151
dadas era, simultaneamente o representante comercial da empresa “adversária”.
O modo de execução deste tipo de fraude é variável. Pode consistir na apre-
sentação de propostas em licitação fadadas à derrota, em virtude do preço muito
acima do valor de mercado; no não atendimento aos convites, por parte de empre-
sas reiteradamente convidadas ou na interrupção abrupta dos lances nos pregões;
e na desclassificação forçada na fase de habilitação, em virtude de “equívocos” ou
omissões documentais em suas propostas. A modalidade convite estimula a prática
deste tipo de fraude, razão pela qual sua utilização deve ser desestimulada, em
benefício do pregão, especialmente na forma eletrônica. Em situações extremas, as
empresas conformam cartéis permanentes, que dominam certo setor econômico.
Hoje, felizmente, o Portal do Promotor / Painel E-Sfinge, do MPSC, permite pes-
quisar as empresas que rotineiramente se apresentam em conjunto para “disputar”
licitações.

Na obra “Como combater a Corrupção em Licitações”, os auditores da CGU


Franklin Brasil Santos e Kleberson de Souza apontam os indícios mais comuns
deste tipo de fraude:

152
b) Empresas “Fantasmas” ou “Cartorárias”
A empresa sequer existe no plano fático, mas apenas no mundo jurídico, e
adentra ao procedimento tão somente para simular competição. Por vezes, a em-
presa existe, mas cedeu seus documentos para compor o número mínimo de parti-
cipantes. Para averiguar se é hipótese de empresa fantasma, sugere-se diligência
junto à Receita Federal e à Junta Comercial, levantando-se o contrato social e a
data de sua criação. Indicado também verificar o banco de dados de empresas ini-
dôneas e suspensas da Controladoria-Geral da União.
O histórico de participação da empresa em licitações, caso repleto de derro-
tas, também é indicativo de ilícito. Particularmente suspeitas são firmas criadas no
início de mandato de novo gestor, muitas vezes por pessoas sem qualquer relação
com a área empresarial. Aconselha-se investigar aumentos de preço súbitos, sem

153
explicação mercadológica aparente, e de modo idêntico ou padronizado, entre as
empresas de mesmo nicho. Também devem ser observados casos em que a mar-
gem de preço entre a proposta vencedora e as outras propostas sejam significati-
vamente distantes. Por fim, declarações suspeitas como “preços sugeridos pelo se-
tor”, “tabelas de preços do setor” e “preços padrão do mercado” também merecem
atenção.
A prática descrita configura não apenas crime previsto na Lei de Licitações
(art. 90), mas também ato lesivo, previsto na nova Lei Anticorrupção (art. 5º), pelo
qual as empresas envolvidas podem ser responsabilizadas objetivamente, como
pessoas jurídicas, mediante manejo de ação civil a cargo do ente lesado ou do Mi-
nistério Público.

c) Burla a impedimento de participar


O art. 9º da Lei de Licitações enumera conjunto de pessoas que, direta ou
indiretamente, não podem participar de certame: autores do projeto básico; servidor
ou dirigente do órgão contratante. Diversas leis municipais proíbem a celebração de
contratos entre o Município e seus gestores executivos ou vereadores.
A fraude reside em mascarar a propriedade da empresa, transferindo formal-
mente a gestão do negócio a terceiros. Em casos extremos, o servidor investigado
possui poder sobre o desfecho da licitação ou atua em órgão relacionado ao contra-
to que sua própria empresa irá executar (ex: medicamentos adquiridos em farmácia
do Secretário de Saúde).
Além dos registros empresariais, a prova é eminentemente testemunhal, im-
pondo-se ao Promotor demonstrar quem efetivamente exerce poder decisório e au-
fere os rendimentos proporcionados pela empresa. O MP deve incentivar postura
proativa de membros de comissão de licitação e controladores internos, que, como
conhecedores da realidade local, poderão impedir este tipo de ilícito.
Tanto no caso da utilização de “laranjas” quanto no recurso às empresas de
fachada, o ardil pode ser usado também para ocultar a movimentação financeira
entre os envolvidos, o que justificaria a punição dos implicados nos termos da Lei
da Lavagem de Dinheiro (Lei 9.613/98, alterada pela Lei 12.683/12).

d) Licitação Fictícia

154
Agentes públicos e privados simulam organizar e participar de licitação ine-
xistente, lançada apenas para regularizar uma compra já efetuada em benefício de
certo fornecedor. Muitas vezes, o produto já foi entregue e o serviço prestado, e a
licitação de “fancaria” apenas serve para “esquentar” os pagamentos “devidos” ao
fornecedor.
Embora o fato pareça comezinho, trata-se de situação gravíssima, pois além
da compra direta ilícita, do conluio entre empresários e agentes públicos e da falsi-
dade documental, houve total perversão da lógica de Direito Financeiro, que reserva
para depois da licitação as etapas do empenho, celebração de contrato, liquidação
e pagamento. A fraude, infelizmente, não se resume a valores de pequeno vulto: em
SC, há registros de obras de construção e reformas de escola executadas e, ape-
nas após concluídas, “licitadas”.

e) Jogo de Planilha
Mácula comum em licitações de vários itens e lotes realizada por registro de
preços (art. 15). Previamente ajustado com o Administrador, o proponente sabe
quais itens dos lotes serão efetivamente adquiridos durante o exercício, e fabrica
proposta vencedora, cotando os itens que não serão adquiridos por preço bastante
reduzido, e elevando o preço dos insumos que serão, de fato, vendidos. A investi-
gação deve buscar a série histórica de compras do ente público, de modo a elucidar
que o portifólio da licitação era, desde o início, irreal, e demonstrar os ganhos injus-
tificados auferidos pelo fornecedor.

5.2 CONTRATOS ADMINISTRATIVOS

Tão forte é a relação entre fraudes licitatórias e fraudes na execução dos


contratos que esta distinção é apenas esquemática. O contrato deve ser executado
conforme licitado (arts. 54, §1º e 55, XI da Lei 8.666/93). A alteração contratual é
exceção, havendo rol taxativo para tanto (art. 65). No entanto, por concretizar os as-
pectos econômicos da transação envolvendo o Poder Público e agentes privados, o
contrato administrativo é palco comum de atos lesivos à moralidade administrativa.

155
5.2 .1 Ine x ecução Fr audulen t a - Be n s , O b r a s e S e r v i ç o s

Consiste na execução da avença de forma distinta da que foi pactuada com


a Administração, em prejuízo desta e em benefício do contratado. Pode envolver:
a) entrega de bens em quantidade inferior ou de qualidade distinta da avençada; b)
utilização, em obras, de material inferior ao previsto; c) cobrança por serviços não
realizados ou por horas não trabalhadas. Em sentido mais amplo, comporta tam-
bém o desrespeito injustificado aos prazos contratuais.
Os exemplos em Santa Catarina avultam. Nas obras públicas, há um proble-
ma delicado com a construção e reforma de escolas, ginásios, centros de eventos
e pavimentação. Há registros de entrega de bens de qualidade inferior também no
que se refere a pneus, medicamentos, equipamentos esportivos e vestuário, dentre
outros.
O Ministério Público deve estimular a Administração a cumprir seu poder-de-
ver de fiscalizar seus próprios contratos (Lei 8.66/93, art. 67), valendo-se dos pode-
res especiais que a Lei de Licitações lhe confere. Há diversos modelos de atuação
na página do CMA na intranet sobre o tema. A omissão na fiscalização pode acar-
retar a responsabilidade do próprio administrador por culpa in vigilando. No plano
repressivo, a investigação ministerial poderá depender de prova pericial. Além dos
técnicos do CAT, o Promotor de Justiça pode valer-se, a depender do caso, de
peritos contratados através do FRBL; do apoio técnico de conselhos profissionais,
como o CREA e o CAU; do suporte do IGP (Instituto Geral de Perícias); de convê-
nios firmados entre o MPSC e entidades de classe, como aqueles que atualmente,
viabilizam a realização de perícias gratuitas em blocos de pavimento em concreto
ou cerâmica; e do departamento de infraestrutura do próprio ente interessado.

5.2 .2 Re c ebim ento de Mater i a i s e Co n t r o l e d e E s t o q u e

A fiscalização do contrato culmina com o aceite e recebimento do produto,


obra ou serviço (Lei 8.666/93, art. 15, §8º; arts. 73 e 76), desdobrado em aceite
provisório e definitivo, em caso de obras e serviços, e a incorporação dos ativos ao
patrimônio municipal. A responsabilidade do agente público surgirá nos casos de
omissão em face da inadequação da obra ou serviço e quando os mecanismos de

156
garantia contratual e os poderes exorbitantes da Administração não forem aciona-
dos.
Em se tratando de bens de consumo duráveis, a incorporação ao patrimônio
público demanda registro e tombamento, com acompanhamento permanente de al-
moxarifado, estoque e destinação. A Administração deve introduzir rotinas de acom-
panhamento do uso dos bens, sem as quais surge, novamente, a possibilidade de
responsabilidade culposa do administrador. Estoques sem movimentação consti-
tuem indício de possível crime de subtração da mercadoria ou atestam a inutilidade
da aquisição.

5.2 .3 Ex e c ução do C ontr ato p o r Ag e n t e s P ú b l i c o s

Diversos procedimentos do Ministério Público questionam o emprego de má-


quinas e servidores públicos em obras licitadas e pagas para execução por particu-
lares. Há ações recentes, por exemplo, que tocam à reforma de praças por agentes
públicos, no curso da execução de contratos administrativos celebrados com parti-
culares.
A conduta é indevida, pois atribui ganho injustificado à empresa contratada,
liberada da prestação de elementos básicos do contrato. Celebrado o contrato, ao
particular cabe sua execução, com todos os ônus daí advindos, cumprindo ao Poder
Público fiscalizar o cumprimento do pacto. Todavia, em alguns casos, a execução
direta do contrato por agentes públicos apenas consuma fraude já encetada quando
da licitação e orientada para o desvio de recursos públicos.

5.2 .4 Contr atação Fictícia d e S e r v i ç o s

Muitas vezes a Administração Pública contrata, diretamente ou por licitação,


empresa que sabidamente não oferecerá os serviços pactuados, com a finalidade
de acobertar desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro. Como demonstram
grandes investigações nacionais, tais desvios podem ser encontrados na contrata-
ção de serviços imateriais, de difícil mensuração econômica, oferecidos por empre-
sas de consultoria, capacitação e assistência técnica e agências de publicidade.

157
A proliferação destes casos motivou a criação do Programa Serviço Prestado,
Contrato Fiscalizado, centrado na fiscalização deste tipo de avença. A prova a ser
buscada em eventual investigação necessariamente partirá dos documentos que a
própria Administração deve exigir para efetivação dos pagamentos aos prestadores
de serviços. A Instrução Normativa 20/2015 do TCE/SC exige para validação dos
pagamentos em favor de agência de publicidade: “I - memorial descritivo da campa-
nha de publicidade, quando relativa a criação ou produção; II - cópia da autorização
de divulgação e/ou do contrato de publicidade; III - indicação da matéria veiculada,
com menção de datas, horários e tempos de divulgação; IV - cópia do material
impresso, em se tratando de publicidade escrita, e gravação da matéria veiculada,
quando se tratar de publicidade radiofônica, em meios eletrônicos ou televisiva;
V - cópia da tabela oficial de preços do veículo de divulgação e demonstrativo da
procedência dos valores cobrados” (art. 42).
Já em relação aos contratos de consultoria, a IN 20 demanda: “I - indicação
dos profissionais que efetivamente realizaram os serviços e sua qualificação; II -
discriminando a quantidade de horas técnicas trabalhadas, valor unitário e total; III
- as datas da realização dos serviços para cada profissional envolvido; IV - produtos
resultantes dos serviços, tais como relatórios, estudos, registros fotográficos, mate-
rial de divulgação, medição de área contratada de stand” (art. 43).

5.2 .5 Alt e r ações C ontr atuai s , Te r m o s Ad i t i v o s e P r o r r o g a ç õ e s

O contrato replica as cláusulas do edital e deve ser executado nos termos em


que foi celebrado. Entretanto, é possível promover alterações contratuais em razão
de mudanças justificadas do projeto e se houver acréscimo ou diminuição do objeto,
sempre alicerçadas no interesse público. A fraude reside na majoração da quantia
além do valor atualizado do contrato; e nos casos em que há supressão ou redução
do objeto contratado, mas sem alteração do instrumento. A modificação essencial
do objeto contratado é defesa, pois equivale à contração sem licitação (art. 65).
Para corrigir o objeto contratado pela Administração, a Lei 8.666/93 estabele-
ceu as seguintes hipóteses: 1) modificação quantitativa (acréscimos ou supressões
do objeto), prevista nos §§ 1º e 2º do art. 65, quando fundada em sólida justificativa,

158
como aumento da demanda no curso da execução do contrato; e 2) modificação
qualitativa (alteração de características do objeto), em caso de necessidade técni-
ca, com o intuito de resguardar o interesse público, consoante previsto no art. 58, I,
c/c art. 65, I, “a”, da Lei 8.666/93. Para Marçal Justen Filho:
A Administração tem o dever de motivar sua decisão de modificar o contrato
administrativo. Assim se impõe tendo em vista os princípios norteadores
da atividade administrativa e, especialmente, da licitação. Sem motiva-
ção, será inválida a unilateral alteração do contrato administrativo. Porém,
a motivação não poderá consistir na simples invocação da necessidade
ou de algum ‘interesse público’, de conteúdo material indeterminado. A Ad-
ministração deverá indicar o motivo concreto, real e definido que impõe a
modificação. Ademais, deverá demonstrar que esse motivo não existia ao
tempo da contratação. Também é inegável que a modificação introduzida
no contrato deverá guardar proporcionalidade com a modificação verificada
nas circunstâncias subjacentes. Poderá ser exercido amplo controle juris-
dicional sobre a modificação unilateralmente introduzida. Será nula a mo-
dificação quando: a) desmotivada; b) fundada em motivo já existente (e co-
nhecido); em data anterior à contratação; c) fundada em motivo inexistente;
d) desproporcional em face do motivo invocado. Aplicam-se, de resto, as
concepções vigentes relativamente ao controle do mérito do ato administra-
tivo.” (JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos
administrativos. 14ª ed., SP, Editora Dialética, 2010, p. 737).

Quanto a duração, os contratos devem perdurar enquanto vigentes os crédi-


tos orçamentários que os sustentam (art. 57). As exceções mais comuns são os pro-
jetos inseridos no Plano Plurianual, passíveis de prorrogação em caso de interesse
da Administração e previsão no edital; e a contratação de serviços contínuos, em
relação aos quais as prorrogações podem atingir 60 meses (art. 57, II). Em todos
os casos, demanda-se justificativa formal da prorrogação e chancela da autoridade
que celebrou o pacto (art. 57, §2º). Continuar a executar contratos findos ou prorro-
gá-los ilicitamente importa burla ao dever de licitar.
Os conhecidos “termos aditivos” entraram no rol de instrumentos tradicional-
mente utilizados para fraude, ainda que constituam legítimo mecanismo para ade-
quação do contrato a imperativos da realidade. Indícios comuns de ilícito repousam
na assinatura do aditivo poucos dias após o contrato original; e na celebração do
aditivo em face de erros ou omissões clamorosas do projeto / contrato original,
muitas vezes provocadas pela Administração. Como exceção à regra da vinculação
ao pacto original, o aditivo deve ser objetivamente justificado no procedimento. Na
lição de Niebuhr:
[...] as alterações qualitativas não devem ser excessivas, sob pena de violar
o princípio da proporcionalidade, o que deve ser aferido em cada situação

159
concreta, tudo sob a mira do interesse público. Isso significa que todas as
alterações qualitativas devem ter por escopo o atendimento ao interesse
público. Mais do que isso, é necessário demonstrar que o interesse público
seria desatendido se a Administração fosse impedida de realizar o aditivo.
Nessa linha, os agentes administrativos devem motivar o ato que promove
o aditivo qualitativo, indicando os prejuízos que seriam suportados pela Ad-
ministração caso esse aditivo não pudesse ser realizado. [NIEBUHR, Joel
de Menezes. Licitação pública e contrato administrativo. Ed. Zênite, 2008,
p. 518].

5.2 .6 Subc ontr atação Indev i d a

Prática frequente entre empresas cartelizadas, a subcontratação permite que


pessoas jurídicas derrotadas ou impedidas de participar da licitação venham a exe-
cutar o contrato, em prejuízo dos objetivos do certame e da qualidade dos serviços.
A subcontratação parcial dos serviços licitados apenas é possível quando expressa-
mente autorizada pelo edital do certame e o contrato firmado.

5.3 CONCURSOS PÚBLICOS

A investidura em cargos ou empregos públicos depende de aprovação prévia


em concurso (CF, art. 37, II), consectário dos princípios da impessoalidade, mora-
lidade, eficiência e do prestígio à meritocracia. Procedimentos lídimos interessam
não apenas aos candidatos e à Administração, mas a toda coletividade, que será
servida pelos agentes públicos mais qualificados para cada posto.
O combate às fraudes em concurso ajudou a moldar a história do MPSC
na defesa da moralidade administrativa. Algumas ações ministeriais remontam ao
início da década de 90 e a atuação incisiva prossegue nos dias de hoje, enrique-
cida pelo acompanhamento dos editais e utilização de instrumentos extrajudiciais.
A tipologia de fraudes ultrapassaria a centena de exemplos, razão pela qual serão
brevemente expostas as ocorrências mais comuns, agrupadas por fase do certame.
Destaca-se a possibilidade de atuação preventiva em conjunto com autori-
dades locais. O Promotor de Justiça catarinense Eduardo Sens do Santos reuniu
apontamentos para correta realização dos certames que podem ser oferecidos à
Administração como recomendação:

160
5.3 .1 Emp r esa Or ganiz ador a

Nada impede que a própria Administração, por seus agentes, organize o cer-
tame. É praxe, todavia, que estes serviços sejam contratados no mercado, em ra-
zão da complexidade do concurso. Os problemas advêm tanto do procedimento de
contratação quanto dos caracteres da empresa contratada.

a) Licitação e Contratação
Diversas empresas organizam concursos públicos no Estado, o que torna
viável a realização de licitação. Entretanto, determinadas firmas constituem “nichos”

161
de clientela entre os Municípios, com os quais atuam durante vários anos. Editais
vagos ou imprecisos podem ser indicativos de que o intento das autoridades muni-
cipais é repetir contratação já realizada com empresa organizadora que já atuou na
cidade.
Contratos abaixo de R$ 8 mil podem ser realizados mediante dispensa, jus-
tificada formalmente a escolha do prestador e o valor. Em contratos de vulto, é co-
mum que o Administrador invoque o permissivo do art. 24, XIII, para contratação de
instituições de renome, impondo-se demonstrar, nestes casos, o conceito público, a
expertise e a notoriedade da instituição. O uso do convite como modalidade licitató-
ria suscita preocupação, sobretudo se verificada a reiteração de convocações para
empresas usualmente derrotadas, de regiões distantes ou que não acorrem ao cer-
tame, o que pode ser indicativo de conluio. Concursos realizados por associações
municipais, embora a priori lícitos, devem ser recebidos com reserva, à medida que
a organização destes certames foge ao objeto das entidades municipalistas.

b) Habilitação e Qualificação
Dois deveres sobressaem nesta fase para o Administrador: a) verificar se a
empresa contratada, por si ou por seus sócios, já foi punida e encontra-se impos-
sibilitada de organizar novos certames, relembrando que o roteiro de consulta Ca-
dastros de Empresas Punidas, produzido pelo CMA, foi distribuído a todos os Muni-
cípios de SC; b) exigir qualificação mínima da contratada para organizar as provas,
de acordo com os cargos em disputa. Causa perplexidade que a organização de
concursos visando o preenchimento de cargos de nível superior seja contratada
com empresas limitadas a uma sala e seus poucos sócios.

c) Remuneração
Embora o assunto provoque controvérsia, crê-se que as receitas advindas
da inscrição dos candidatos constituem receita pública e devem ser registradas
como tal, o que impede sua utilização para remuneração da empresas contratada.
Deve-se combater a “fábula do concurso a custo zero”, ou seja, a contratação sem
licitação da organizadora, remunerada pela taxa de inscrição, sob o argumento de
que o Município “nada gastou com o certame” (TJSC, Ap. Cível 2011.089880-1).

162
5.3 .2 Edital e P ublicidade

Norma organizativa do concurso, o edital deve obedecer aos princípios da


Administração e à legislação superior, em especial, no tocante à isonomia entre os
candidatos. O primeiro problema reside na falta de publicidade do ato convocatório
e dos demais provimentos da comissão organizadora, fundamentais para ciência
dos interessados e organização dos trabalhos. É imprescindível que o edital e os
demais atos do certame sejam disponibilizados com destaque na página do ente
público na internet. Prazos reduzidos entre a publicação e a abertura de inscrições
e para a inscrição em si equivalem à falta de publicidade.
A experiência do MPSC registra um conjunto de impugnações relativas às
omissões do edital quanto a tópicos fundamentais do concurso, tais como: a) falta
de definição do conteúdo do exame e das fases do seletivo; b) informações sobre
a remuneração dos cargos em disputa; b) regras quanto a participação de parentes
dos membros da comissão de concurso; d) imprecisão sobre local da inscrição e da
realização das provas. Há invalidades decorrentes do desrespeito à isonomia mate-
rial, como a ausência de previsão de vagas para portadores de deficiência.
O edital não é imutável, e pode ser corrigido ou readequado. Nestes casos,
imperativa é a ampla publicação da modificação, de modo a não surpreender os
candidatos.

5.3 .3 Proc edim ento e A plica ç ã o d a s P r o v a s

a) Quebra do sigilo das questões


O sigilo das provas até o momento da aplicação é fundamental para igualdade
entre os candidatos e legitimidade do concurso. O vazamento sorrateiro das ques-
tões define a aprovação de candidato e deve ser combatida com exigências rígidas
quanto ao sigilo impostas à empresa organizadora no período anterior às provas.

b) Cartões-resposta em branco
Prática ilícita que conjuga a participação de candidatos, representantes da
empresa organizadora e agentes públicos. Os cartões-resposta são entregues pe-
los candidatos em branco, e, na sequência, preenchidos de acordo com o gabarito

163
por profissionais da empresa organizadora, o que sela o resultado do certame.

c) Questões “Clonadas”
O mesmo conjunto de questões é reiteradamente aplicado em concursos su-
cessivos, organizados pela mesma empresa. Embora para a prática não concorra,
muitas vezes, o dolo ou a ciência dos candidatos, o fato representa, no mínimo,
inadimplemento dos deveres contratuais da empresa em prejuízo da Administração
e pode comprometer o sigilo e validade das questões.

5.3 .4 Lis t a e C onvocação d o s Ap r o v a d o s

A publicidade que ilumina todas as fases do certame deve orientar também


a publicação do resultado final e o procedimento para recurso. Finalizado o certa-
me, conforma-se o direito subjetivo do candidato aprovado à convocação, dentro
do número de vagas previsto no edital, conforme tese consagrada pelo STF no RE
837.311 (Tema 784):
Caso a preterição do candidato aprovado tenha ocorrido por equívoco da Ad-
ministração, caberia ao interessado defender, em nome próprio, seu direito em juízo;
do contrário, diante de indícios de má-fé e preterição deliberada de certos candida-
tos ou favorecimento indevido de outros, descortina-se a possibilidade de responsa-
bilização do agente implicado por improbidade administrativa (Lei 8.429/92, art. 11).

5.4 CONTRATAÇÕES TEMPORÁRIAS

Mecanismo extraordinário de admissão de pessoal pelo Poder Público, ca-


bível apenas para o atendimento, por tempo determinado, de necessidades tem-
porárias de excepcional interesse público (CF, art. 37, IX). Os ilícitos relacionados
à contratação temporária derivam do desrespeito aos requisitos constitucionais do
instituto. O abuso nas contratações temporárias decorre, em parte, da opção equi-
vocada do Administrador pelo que lhe parece ser uma modalidade mais flexível e
menos custosa de admissão de pessoal. Contudo, a perversão do mandamento
constitucional torna instável a prestação dos serviços públicos e dificulta a capacita-
ção funcional do servidor, que demanda a permanência no cargo.

164
Houve um programa institucional do MPSC destinado a combater os abusos
na contratação temporária de servidores públicos (2009). Considerando a amplitu-
de do problema, o Promotor de Justiça deve agir para promover a regularização do
quadro funcional do ente público, sem porém comprometer, com medidas radicais,
a oferta de serviços básicos. A partir do repertório de ações do MPSC, podem ser
apontados os problemas mais comuns relacionados ao tema.

5.4 .1 Ate ndim ento a S ituaç õ e s O r d i n á r i a s

A contratação temporária não se presta a atender situações cotidianas, de


caráter ordinário, como a substituição temporária de servidores ou a ampliação da
demanda de serviços. Para o enfrentamento destas situações, o gestor dispõe de
instrumentos administrativos básicos, como a reorganização do quadro; a remoção
de servidores; e as substituições pontuais.
Há casos extremos, especialmente no Litoral de SC, em que os temporários
representam a maioria dos agentes públicos em algumas Prefeituras, em flagrante
burla ao princípio do concurso público e a indicar a falta de planejamento na gestão
local.

5.4 .2 Aus ê ncia ou Vaguez a d o s Di s p o s i t i v o s L e g a i s

As hipóteses de contratação temporária são reguladas por lei promulgada por


cada ente político, sem a qual não é possível a admissão provisória de servidores.
Todavia, diversos dispositivos de leis municipais e estaduais tem sido invalidados
pelas Cortes de Justiça, seja porque não atendem aos requisitos do art. 37, IX, da
CF; seja porque as hipóteses previstas para contratação são excessivamente va-
gas, o que dificulta o controle.
Exemplo representativo deste problema foi a invalidação pelo TJSC do inciso
III do art. 2º da Lei Complementar Estadual 206/2004, que dispõe sobre as contrata-
ções temporárias na Administração Estadual. A regra previa a admissão provisória
para atender “às necessidades do serviço público nos casos declarados de situa-
ções de emergência pelo Poder Executivo e à demanda comprovada de Secretarias
de Estado e entidades da Administração Pública.” A Corte assinalou, no julgamento

165
da ADI 2009.040965-2:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. (...) INCONSTITUCIONA-
LIDADE MATERIAL. DEMANDA DE PESSOAL QUE CONSUBSTANCIA
NECESSIDADE PERMANENTE DO ESTADO, SENDO, POIS, PERFEITA-
MENTE PREVISÍVEL. HIPÓTESE QUE NÃO REVELA CIRCUNSTÂNCIA
EXCEPCIONAL, IMPREVISÍVEL E TEMPORÁRIA (ARTS. 16, CAPUT, E 21,
INC. I E § 2º, DA CESC). PRECEDENTES DA CORTE E DO STF. DECLA-
RAÇÃO DE INVALIDADE DA EXPRESSÃO “E À DEMANDA COMPROVA-
DA DE SECRETARIAS DE ESTADO E ENTIDADES DA ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA” CONSTANTE DO INC. III DO ART. 2º DA LEI COMPLEMENTAR
260, DE 22.01.2004. (...) PEDIDO PARCIALMENTE ACOLHIDO.

5.4 .3 Pror r ogação Indevida d o s Co n t r a t o s

A reiteração de contratos temporários viola, simultaneamente, a natureza do


instituto constitucional, que, por definição, é temporário; e a exigência de concurso
público, pois o servidor admitido provisoriamente termina por se perpetuar na fun-
ção.
Os prazos para contratação devem ser previstos pela lei do ente político,
assim como as restritas hipóteses de prorrogação. O contrato deve vincular-se ao
atendimento da situação de excepcional interesse público. Atendida a demanda
provisória e excepcional, os serviços em tela não mais serão necessários ou, se
contínuos, devem ser assumidos por servidores efetivos.
Contudo, há notícias de contratações “temporárias” que perduram por mais
de 8 anos. Precedentes do TCE/SC indicam o limite de 2 anos, já considerada uma
prorrogação, para esta modalidade de serviços:
Prejulgado 676. (...) É vedado ao município proceder a recontratação por tempo determi-
nado dos mesmos servidores após o término do prazo de contratação estabelecido em lei
municipal, ou exceder o prazo de 2 (dois) anos, aceitáveis para a contratação temporária,
ainda que mediante autorização de outra lei municipal.
Prejulgado 682 (...) Os contratos por prazo determinado terão prazo máximo de dois anos,
podendo ser prorrogados uma vez que, desde que a soma dos dois períodos não ultrapasse
a dois anos, e somente após 6 (seis) meses do término do primeiro contrato, e que outro
poderá ser firmado com as mesmas partes.

5.4 .4 Proc esso S eletivo - Tí t u l o s e F a v o r e c i m e n t o

A admissão de temporários demanda a realização de “processo seletivo sim-


plificado”, procedimento que, a despeito da ausência de previsão legal, deve possuir
“características similares às de um concurso público, podendo apenas simplificá-lo

166
naquilo que não interfira com a necessária publicidade, igualdade dos concorrentes
e possibilidade de aferirem a lisura do certame”. (MELLO, Celso Antônio. Curso
de direito administrativo. 22ª. ed. ver. e atual. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 266
e 267). Como regra, o seletivo deve ser realizado mediante aplicação de prova, ou
ainda, mediante aplicação de prova mais ponderação de títulos (CF, art. 37, II).
Seletivos que apenas ponderem os títulos devem ser admitidos apenas em
situações emergenciais, nas quais há necessidade imediata de ingresso de novos
colaboradores no serviço público. Mesmo nesse caso, a ponderação de títulos deve
ser orientada pelo princípio da isonomia (CF, art. 5º), evitando-se atribuir pontos
excessivos para o tempo de serviço prestado ao ente organizador do certame ou
qualquer outro critério discriminatório.

5.4 .5 Prog r am as Feder ais

Tema frequente nas ações judiciais do MP, os programas federais provo-


cam controvérsia porquanto os Municípios alegam ser inviável criar cargos efetivos
para o desempenho de tarefas reunidas em programas provisórios, para os quais a
União não repassa os recursos a contento. Por outro lado, as normas operacionais
dos programas federais indicam que a execução das atividades deve ser feita por
servidores efetivos, o que propicia a continuidade do programa e a qualificação do
servidor designado.
Uma solução possível é permitir a implantação do programa federal por in-
termédio de contratados temporários durante, no máximo, dois anos. Ultrapassado
este prazo, o programa qualifica-se como atividade permanente, especialmente nas
áreas sociais, e deve ser executado por efetivos, selecionados por concurso. Caso
extinto o Programa, preservadas as funções inerentes ao posto, os servidores po-
derão ser aproveitados em atividades cotidianas da Administração. Segundo o TCE/
SC:
Prejulgado 1419. Para atender aos programas de caráter transitório com re-
cursos repassados pela União ou Estado, o Município pode admitir pessoal
em caráter temporário, atendidos os pressupostos do art. 37, IV da Cons-
tituição Federal. Se os programas assumirem caráter de permanência e
definitividade, e se referirem a atividades típicas do Município (saúde, edu-
cação, saneamento, trânsito, etc.), o procedimento adequado é a admissão
de pessoal em cargos de provimento efetivo (mediante concurso público).

167
5.4 .6 Viola ção a R esultado d e Co n c u r s o P ú b l i c o

É inadmissível a contratação temporária para o desempenho de funções rela-


cionadas a cargos vagos, para os quais há candidatos aprovados em concurso públi-
co. A necessidade pública pode ser atendida pelas vias constitucionais ordinárias com
o preenchimento dos cargos efetivos. No TJSC: “Havendo necessidade de preenchi-
mento de vagas, não pode o administrador público preferir servidor temporário em
detrimento do permanente, mormente quando este tenha prestado concurso público
com esse objetivo” (Reexame Necessário em Mandado de Segurança 2009.052465-
5).
Em Comarca do Sul do Estado, em face da impugnação ministerial a concur-
so público fraudado, o Prefeito Municipal lançou “processo seletivo” e “contratou
temporariamente” todos os candidatos aprovados no concurso impugnado, ou seja,
os beneficiados pelas fraudes, prática que rendeu nova ação de improbidade admi-
nistrativa contra todos os implicados.

5.5 BENS PÚBLICOS, MÁQUINAS E VEÍCULOS

O acervo patrimonial da Administração deve estar a serviço da persecução


de objetivos coletivos. Há instrumentos de Direito Administrativo que propiciam a
transferência de bens públicos para agentes privados, inclusive de forma definitiva,
porém estas iniciativas estão adstritas ao pálio dos princípios fundamentais da Ad-
ministração, sob pena, inclusive, de incursão em tipos penais, como o peculato (CP,
art. 312; Decreto-Lei 201/67, art. 1º, I e II).

5.5 .1 Doa ç ão de Im óveis e P r o g r a ma s d e F o m e n t o E c o n ô m i c o

É legítima a transferência de imóveis públicos para particulares, obedecidas,


em primeiro lugar, as condicionantes da Lei de Licitações: a) interesse público jus-
tificado; b) avaliação prévia; c) autorização legislativa; d) licitação na modalidade
de concorrência (art. 17). O Tribunal de Contas recomenda que a transferência se
dê por concessão de direito real de uso, e não doação (Prejulgados 1344 e 1596).
Admite-se, em situações excepcionais, a dispensa de licitação na doação com en-

168
cargo (art. 17).
Nos programas de desenvolvimento econômico, nos quais a transferência do
bem é realizada em favor de empresas, é fundamental que a motivação do ato ex-
plicite, objetivamente, as razões públicas que motivaram o negócio e as obrigações
do donatário, tais como:

Os principais problemas referem-se à inobservância do princípio da impes-


soalidade em razão da não realização de licitação ou da existência de vínculos
pessoais e políticos entre o donatário e os agentes públicos responsáveis. Reco-
menda-se que programas deste jaez sejam conduzidos sob fiscalização de conse-
lhos municipais de desenvolvimento, com ampla publicidade dos atos e participação
da sociedade civil. A Administração deve fiscalizar o cumprimento dos encargos de
forma contínua, sob pena de responsabilidade.
No que se refere a entidades assistenciais sem fins lucrativos, a cessão de bens
públicos é permitida nas parcerias firmadas com a Administração (Lei 13.019/14),
preservando-se, em todos os casos, a vinculação do bem aos objetivos do acordo.

5.5 .2 Us o de E dificações e E s p a ç o s P ú b l i c o s

169
Assunto presente em ações do Ministério Público que já versaram sobre uso
de boxes em mercados públicos; espaços comerciais em repartições oficiais; con-
sultórios e equipamentos médicos privados em hospitais públicos; colocação de
mesas e cadeiras de bares no passeio coletivo e em praias; e uso de centros de
evento para festas privadas.
A regra é bastante simples: a utilização destes bens deve ser formalmente
anuída pela Administração, através de permissão ou autorização. Se o gozo do bem
for exclusivo ou limitado, como o espaço para estandes em feiras livres, deve ser
organizado procedimento seletivo, de caráter competitivo, público e aberto a todos
os interessados. A permissão outorgada é, necessariamente, provisória, e a Admi-
nistração deve fiscalizar o prazo de duração dos atos permissivos.

5.5 .3 Ve ículos Oficiais e C o m b u s t í v e i s

O uso indevido de veículos oficiais é o tema mais frequente nas ações de


improbidade movidas pelo MPSC. O vício reside na utilização do carro para trajetos
de interesse particular do agente, dentro ou fora do território do Município. Mesmo
o uso do veículo no contexto de programas municipais aprovados por lei pode ser
questionado, quando comprovado o desvio de finalidade da iniciativa, a exemplo da
sinistra situação em Município no Norte do Estado no qual ônibus público era usado
para conduzir idosos em viagens turísticas.
Além de ações repressivas, é possível atuar na prevenção, estimulando a
normatização do uso dos carros oficiais. No Banco de Boas Práticas de Controle
Interno, criado pelo Programa Unindo Forças, há mais de 20 exemplos de normati-
vas municipais que tratam da matéria, inclusive no tocante à responsabilização dos
motoristas em caso de avarias e multas.
Quanto ao combustível, além de fiscalizar a licitação para fornecimento, o
MP pode estimular o acompanhamento do contrato e exigir, de parte da Administra-
ção: a) a identificação dos veículos abastecidos e seus condutores; b) a respectiva
quilometragem; c) a especificação dos quantitativos nas notas fiscais. É importante
que o Representante Ministerial disponha de relação atualizada da frota de seu Mu-
nicípio. As despesas anuais com combustíveis e lubrificantes podem ser extraídas

170
diretamente do Portal do Promotor / Painel E-Sfinge, mediante inserção dos códigos
30 (elemento de despesa) e 01 (especificação do elemento de despesa).

5.5 .4 M á q uinas e E quipam e n t o s P e s a d o s

O maquinário da Prefeitura é um ativo político valioso para gestores mal-in-


tencionados, principalmente em regiões de economia agropecuária, pois é comum
que estradas e propriedades particulares demandem reparos, solicitados por seus
proprietários à Municipalidade. A irregularidade consiste na utilização destes uten-
sílios e dos servidores por eles responsáveis em favor dos gestores públicos, suas
famílias e correligionários, a caracterizar atos de improbidade administrativa do art.
9º, IV e art. 10, XIII, da LIA.
É possível que máquinas e servidores públicos atuem em propriedades par-
ticulares, desde que haja expressa previsão legal; pagamento pelos serviços, es-
tipulado em tabela pré-fixada pela Administração; e controle estrito do tempo de
cessão de máquinas e servidores (o chamado “hora-máquina”). Recomenda-se que
o pagamento seja antecipado e realizado por guia de recolhimento, o que dificulta o
inadimplemento e a omissão na cobrança por parte da Administração.

5.6 PODER DE POLÍCIA

Poder de polícia é a atividade da Administração que limita “direito, interesse


ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse
público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina
da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de
concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito
à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos” (CTN, art. 78).
Relacionado às ações fiscalizatórias do Poder Público e à expedição de li-
cenças e autorizações, o poder de polícia espraia-se por toda estrutura orgânica do
Poder Executivo e incide sobre complexa rede de interesses e empreendimentos
particulares, como obras e edificações; posturas; atividade comercial; condições sa-
nitárias e de segurança; relações de consumo; diversões; uso do solo e das águas,
dentre tantos outros. Por consequência, adstrito à limitação do poder econômico, as

171
atividades de polícia administrativa são sensíveis a práticas corruptas, mais sofisti-
cadas à medida que avultam os interesses em jogo.

5.6 .1 Ordenam ento U r bano, Co n s t r u ç õ e s e M e i o Am b i e n t e

A polícia das construções e a disciplina do uso do solo são atividades comple-


xas a cargo do Poder Público. Interesses econômicos de vulto chocam-se com nor-
mas ambientais e urbanísticas. O Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001) prestigiou
instrumentos de regulação e planejamento, como o Plano Diretor, mas o processo
de produção da legislação urbanística e a atuação concreta de fiscais provoca sé-
rios questionamentos.
A primeira linha de atuação passa pela promoção da transparência e o traba-
lho integrado. As normas de zoneamento e edificação devem ser claras e acessí-
veis ao conhecimento geral. O labor dos fiscais deve ser registrado, disponibilizado
ao público e orientado por normas de controle interno. É relevante que o Promotor
de Justiça mantenha diálogo permanente com os setores de fiscalização edilícia, de
modo a preservá-los de eventual pressão política.
Quanto a elaboração do Plano Diretor, importa incentivar a participação da
comunidade em audiências públicas e acompanhar os debates para averiguar mo-
dificações súbitas de zoneamento e coeficientes de aproveitamento do solo even-
tualmente tisnadas por atos de corrupção. A autonomia municipal encontra limites
nas leis ambientais nacionais e nos dispositivos constitucionais (CF, art. 225). Uma
vez demonstrado que a deliberação política ou administrativa foi produzida median-
te práticas ilícitas, mesmo Vereadores podem ser criminalmente responsabilizados
pela produção de leis írritas, como aconteceu na Operação Terra Prometida, do
GAECO/SC.

5.6 .2 Se rviços e A tividades F i s c a l i z a d a s

O ente público exerce a fiscalização geral sobre as atividades de interesse


coletivo desenvolvidas em seu território, observada a divisão constitucional de com-
petências entre os entes federativos. Na lição de Hely Lopes Meirelles:
Para esse policiamento deve o Município indicar o proceder do administra-

172
do, regulamentar a fiscalização e cobrar as taxas estabelecidas por lei. Nes-
sa regulamentação se incluem a fixação de horário do comércio em geral e
das diversificações para certas atividades ou estabelecimentos bem como
o modo de apresentação das mercadorias, utilidades e serviços oferecidos
ao público. Tal poder é inerente ao Município para a ordenação da vida
urbana, nas suas exigências de segurança, higiene, sossego e bem-estar
da coletividade.” (MEIRELLES. Hely Lopes, Direito Municipal Brasileiro, 15ª
ed., 2007, p. 504-505).

A falta de transparência e organização no desempenho das ações de polí-


cia são terreno fértil para corrupção, potencializada pela lentidão e ineficiência dos
processos administrativos. No Litoral Norte, recente atuação do Ministério Público
desbaratou quadrilha de agentes públicos que exigia propina para expedição de li-
cenças para vendedores ambulantes que buscavam trabalhar nas praias da região.
O labor ministerial deve pautar-se pelos princípios do processo administrativo (Lei
9784/99), dentre os quais a adoção de formas simples; a adequação entre meios
e fins; a motivação e publicidade das decisões e a segurança do administrado (art.
2º).

5.7 TRIBUTAÇÃO E RESPONSABILIDADE FISCAL

Nesta seara, os bens jurídicos violados são a higidez fiscal do Erário; o es-
correito emprego dos ativos financeiros incorporados ao patrimônio público; e a
adequação constitucional do poder de tributar, a preservar o interesse público na
obtenção de receita e a isonomia entre os contribuintes.

5.7 .1 Obrigações contraídas nos dois últimos quadrimestres do mandato

A Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/200) proíbe que, nos dois últimos
quadrimestres do mandato do dirigente de Poder, sejam contraídas obrigações que
não possam ser integralmente cumpridas dentro dele ou que tenham parcelas a ser
pagas no exercício seguinte sem que haja suficiente disponibilidade de caixa (art.
42). O objetivo é evitar que o mandato subsequente seja dificultado em virtude de
despesas excessivas realizadas pelo antecessor. A conduta motiva a responsabili-
dade do agente em diferentes instâncias (Lei 8.429/92, art. 10, IX; CP, art. 359-C).
Não se proíbe a emissão de novos empenhos decorrentes de obrigações
contraídas antes dos dois últimos quadrimestres, mas a assunção de “novas obriga-

173
ções de despesa” desprovidas de planejamento. Não são vedadas despesas para
enfrentamento de calamidades públicas e outras situações emergenciais. Conforme
o TCE/SC:
Prejulgado 1619. É possível ao Prefeito, nos últimos oito meses que an-
tecedem o término de seu mandato, contrair obrigação relativa a serviços
de natureza contínua que supere um exercício financeiro, desde que haja
previsão de disponibilidade financeira em caixa para satisfazer a obrigação
do exercício em que a despesa foi contraída, devendo adimplir as parcelas
que se vencerem até o final de seu mandato ou deixar recursos em caixa
para pagamento dessas parcelas no exercício seguinte (art. 42 da Lei Com-
plementar nº 101/00).

5.7 .2 De s cum pr im ento dos l i mi t e s d e g a s t o s c o m p e s s o a l

Uma das mais comuns violações às normas de responsabilidade fiscal. Por


criar despesa obrigatória de caráter continuado, ou seja, despesa cuja execução se
fará em período superior a dois exercícios (art. 17), a lei que cria novos cargos pú-
blicos deve ser acompanhada de: a) estimativa do impacto orçamentário-financeiro
no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois subsequentes (planejamento
trienal); e b) declaração do ordenador da despesa de que o aumento tem adequa-
ção orçamentária e financeira com a lei orçamentária anual e compatibilidade com
o PPA e a LDO (art. 16, I e II).
A LRF restringiu os gastos com pessoal e impôs uma série de obrigações ne-
gativas (não-fazer), caso o Poder ou ente atinja o limite prudencial (95% do total de
gastos com pessoal), e positivas (fazer), caso se ultrapasse o limite. Os Municípios,
por exemplo, não podem gastar mais de 60% de sua receita corrente líquida com
pessoal, sendo que ao Poder Executivo é vedado ultrapassar o limite de 54% e ao
Poder Legislativo, o limite de 6% da RCL.
A própria LRF estabeleceu o que se entende por “despesa total com pessoal”
(art. 18) e dela excepcionou uma série de itens, como despesas com serviços ter-
ceirizados. O TCE é responsável por apurar se os gastos foram contabilizados na
rubrica devida e acompanhar sua evolução, expedindo notificações caso a despesa
atinja patamares críticos (alerta, prudencial e máximo). Além de ato de improbidade,
o descumprimento dos limites pode caracterizar o crime (CP, art. 359-D - ordenar
despesa não autorizada em lei), sem prejuízo da sanção administrativa prevista no

174
art. 5º da Lei 10.028/2000.

5.7 .3 Aumento da despesa com pessoal nos últimos 180 dias do mandato

O parágrafo único do art. 21 da LRF estabelece ser nulo de pleno direito o ato
que acarrete aumento de despesa com pessoal expedido nos 180 dias anteriores
ao final do mandato do titular do Poder ou órgão. Busca-se evitar a cooptação de
apoio político por intermédio de nomeações, razão pela qual o órgão de execução
deve estar atento para qualquer crescimento atípico e não-sustentável da despesa,
sobretudo em período eleitoral. O descumprimento dessa norma enseja não ape-
nas a incidência da Lei 8.429/92 (art. 10, IX), mas também do art. 359-G do Código
Penal.
Novas contratações são admitidas desde que para repor a vacância de car-
gos (aposentadoria, morte, exoneração, demissão etc.) ou mediante proporcional
compensação decorrente do aumento de receita ou de diminuição de despesa. Se-
gundo o TCE/SC:
Prejulgado 1252. [...] estariam fora da vedação legal os atos que conferem
direitos aos servidores à percepção de adicionais por tempo de serviço e
progressões funcionais horizontais na tabela de vencimentos do quadro de
cargos e vencimentos do Poder ou órgão, decorrentes de aplicação de leis
aprovadas antes do início do 180º (centésimo octogésimo) dia anterior ao
final do mandato, bem como os que viessem a atender às situações decor-
rentes de fatos que provocam estado de emergência ou de calamidade pú-
blica, e, ainda, os que tivessem a proporcional compensação em relação ao
aumento da despesa com pessoal, seja pelo aumento da receita corrente
líquida, seja pela diminuição de outras despesas com pessoal.

5.7 .4 Re a liz ação de despes a s e m p r é v i o e m p e n h o

O empenho é o primeiro estágio da despesa e consiste no ato emanado de


autoridade competente que cria para o Estado obrigação de pagamento pendente
ou não de implemento de condição. Trata-se de “reserva” de parcela da dotação
orçamentária confiada ao órgão para fazer face à obrigação assumida perante ter-
ceiros, ainda que o pagamento somente seja realizado após sua efetiva liquidação.
A Lei 4.320/64 veda taxativamente a realização de despesa sem prévio em-
penho (art. 60), pois o gasto estaria desvinculado de qualquer previsão na lei orça-
mentária, a indicar o lapso de planejamento do órgão. Além de ato de improbidade

175
(art. 10, IX), trata-se de despesa não autorizada em lei e, por conseguinte, punida
na esfera penal (CP, art. 359-D).

5.7 .5 Fra udes C ontábeis

As inconsistências nos registros contábeis do ente público podem mascarar


condutas ilícitas, destinadas a dissimular crimes antecedentes ou propiciar a ocor-
rência de novos delitos. Usualmente justificadas como simples erros materiais, os
lançamentos indevidos podem configurar práticas ímprobas e criminosas.
No guia de atuação “Licitação e Contratação Públicas: Detecção de Ilegalida-
de e Indícios”, Centro de Apoio Operacional Cível e de Defesa do Patrimônio Públi-
co do MP do Rio Grande do Sul enumera casos de fraudes contábeis:

“falsa intitulação (uso inadequado do título de uma conta, com o inte-


resse de ocultar um fato ou de confundir a interpretação); falsa classi-
ficação (lançamento de um fato em uma conta errada, com o propósito
de prejudicar terceiros); falsa avaliação (atribuição de valor, para mais
ou para menos, não correspondente à verdade); falso histórico (descri-
ção ou identificação falsa de um fato registrado); falsa apuração (obten-
ção contábil de lucro ou de perda de forma errônea, propositadamente,
pela alteração de custos ou despesas ou pela alteração de receitas);
falso transporte (transcrição errada de um valor com a troca de núme-
ros, propositadamente, ao transpor um exercício ou ao mudar-se de
ficha ou folha), falsidades aritméticas (resultantes de erros propositais
de soma, subtração, multiplicação, divisão ou porcentagens, de modo a
prejudicar terceiros); falsa comprovação ( lastramento de registro con-
tábil em documento falso ou adulterado); duplo lançamento (repetição
indevida de um registro contábil); lançamento omisso (registro com-
pleto ou omissão de registro de fato contábil para encobrir ato ilícito);
lançamento parcial (registro de apenas parte de um fato contábil com o
intuito de burla); lançamento intempestivo (registro contábil fora de épo-
ca); e falsa evidência (inclusão ou exclusão de bens na escrita contábil
como o intuito de modificar a posição de saldos das contas). (Licitação
e Contratação Públicas: Detecção de Ilegalidade e Indícios - Centro de
Apoio Operacional Cível e de Defesa do Patrimônio Público /MPRS,
2012, pág. 4).

5.7 .6 Omis são do P oder de Tr i b u t a r

A LRF consagra como requisito essencial da responsabilidade fiscal a “ins-

176
tituição, previsão e efetiva arrecadação” de todos os tributos de competência do
Ente. Na prática, o ingresso de receitas é prejudicado não apenas pela sonegação,
mas também pela atitude leniente das autoridades encarregadas da exação.
O Centro de Apoio da Ordem Tributária (COT) do MPSC, no curso do Progra-
ma Saúde Fiscal, lançou o Painel da Receita Pública, instrumento que revela quadro
preocupante: dezenas de Municípios catarinenses não agem a contento para colher
os tributos de sua competência, por razões que perpassam deficiências estruturas;
falta de autonomia dos fiscais; omissão na cobrança da dívida ativa; desatualização
da planta imobiliária, dentre outros. Ações estruturantes como os Programas do
COT podem ser acompanhadas de medidas repressivas, quando necessário, visto
que a negligência na arrecadação de tributos constitui improbidade (LIA, art. 10, X).

5.7 .7 Be ne fícios Fiscais Ind e v i d o s

O conceito de renúncia de receita abarca, segundo Benedicto de Tolosa Filho,


os institutos da “anistia, remição, subsídio. crédito presumido, concessão de isen-
ção em caráter geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que
implique redução discriminada de tributo ou contribuições” (Comentários à nova Lei
de Responsabilidade Fiscal, 1ªed., Ed. Temas e Ideias, RJ, 2000, p. 40). Nos termos
da LRF, a renúncia de receita demanda estes requisitos: a) estimativa do impacto
orçamentário-financeiro, no exercício presente e nos dois seguintes; b) estimativa
da renúncia na LDO e demonstração de que a renúncia não afeta as metas ali fixa-
das ou introdução de medidas de compensação de receita (art. 14).
Além do descumprimento aos requisitos da LRF, os problemas mais comuns
tocam à falta de publicidade dos benefícios concedidos; à ausência de fiscalização
quanto aos resultados da política fiscal, nos casos em que a renúncia visa fomentar
o desenvolvimento econômico; e na violação da isonomia, quando benefícios são
arbitrariamente concedidos a empresas ou pessoas específicas, sem contemplar
outros entes na mesma situação.

177
5.8 SERVIDORES PÚBLICOS, CARGOS E REMUNERAÇÃO

5.8 .1 Utili z ação de S er vidor e s e m E mp r e e n d i me n t o s P a r t i c u l a re s

Ilícito semelhante ao emprego de máquinas públicas em propriedades priva-


das, nesta hipótese é o próprio servidor que, por força de determinação de autori-
dade superior, é retirado de seu local de trabalho e empregado em tarefas particula-
res. Válido ressaltar que mesmo ocupantes de cargos comissionados e assessores
pessoais, como motoristas, permanecem vinculados à função pública que legitima
o cargo, e, por conseguinte, não podem dedicar sua força de trabalho para afazeres
privados, domésticos, da autoridade superior.

5.8 .2 Funcionár ios “ fantasm a s ” e “ i n f o r ma i s ”

Os casos de infrequência duradoura ao trabalho, os chamados “funcionários


fantasmas” ainda são comuns no Estado. Ilícito grave, com repercussão criminal
(CP, art. 312), a prática deve ser combatida, em primeiro lugar, instando-se a Admi-
nistração a implementar sistemas de controle de frequência eficazes e a instaurar
a respectiva sindicância em caso de faltas reiteradas e injustificadas. O Promotor
de Justiça pode requisitar o organograma do ente, com a indicação dos servidores,
local de trabalho e horário de prestação de serviços. Há um problema crônico de
infrequência em relação a médicos, objeto de programa institucional (2004), e que
pode ser enfrentado mobilizando-se o controle social mediante publicação da rela-
ção dos profissionais lotados em cada unidade e o respectivo horário de trabalho.
Funcionários “informais” são pessoas que, não vinculadas a qualquer cargo
público, atuam nas repartições como se funcionários fossem, apresentando-se à
população como tal. Normalmente, a remuneração de tais “funcionários” se dá pelo
desvio de horas-extras não trabalhadas pagas a outros servidores. Além da falsi-
dade documental, da usurpação de função e da burla a concurso público, a prática
desvirtua os registros contábeis e funcionais do ente e deve ser severamente com-
batida. A experiência em SC revela desde casos folclóricos, como a criação do “ga-
binete da primeira-dama” até situações extremas, como o hospital no qual a maior

178
parte do quadro era composta por profissionais de saúde “informais”.

5.8 .3 Ac um ulação Indevida d e Ca r g o s P ú b l i c o s Re m u n e r a d o s

Conduta atentatória a preceito expresso da Constituição (CF, art. 37, XVI),


que veda a acumulação, excepcionalmente permitida quando tratar-se de dois car-
gos de professor; um cargo de professor e outro, técnico ou cientifico; e dois cargos
ou empregos privativos de profissionais de saúde com profissões regulamentadas.
Proíbe-se a acumulação remunerada, pelo que não é ilícita a acumulação não re-
munerada de funções (p.ex., Secretarias Municipais).
As hipóteses constitucionais de cumulação devem ser interpretadas restriti-
vamente e a vedação se impõe ainda que os cargos cumulados sejam vinculados
a entes públicos distintos. Nos casos em que os serviços foram efetivamente pres-
tados e inexistirem elementos quanto ao dolo do servidor e do gestor, o Ministério
Público pode notificá-lo a escolher uma das ocupações, aplicando-se, por analogia,
o art. 133 da Lei 8.112/90 (Estatuto dos Servidores da União).

5.8 .4 Ina d equação C onstitu c i o n a l d o s Ca r g o s Co mi s s i o n a d o s

A criação desmedida de cargos de provimento em comissão contribui para o


inchaço da máquina pública e transforma a ocupação de tais postos em instrumento
de barganha política. As diretrizes constitucionais sobre o tema são claras, como
conspícuos, também, são os vícios:
a) Quanto as funções, os cargos de provimento em comissão devem ser
reservados para atividades de direção, chefia e assessoramento da autori-
dade (CF, art. 37, V); os problemas residem na criação de postos despidos
destas funções; deve-se atentar, sempre, para a efetiva atividade desenvol-
vida pelo agente, e não para a nomenclatura do cargo;
b) Quanto a criação, os cargos comissionados serão criados por lei, que
fixará suas atribuições (CF, art. 37, I; art. 39, §1º); a vagueza das tarefas
cominadas ao posto dificulta o controle e facilita a prática de abusos;
c) No tocante à necessidade, exige-se a demonstração de que o cargo cor-
responde a uma demanda administrativa concreta, a ser atendida mediante
criação do posto.

São emblemáticos os casos de “coordenadores” de setores compostos por


apenas um servidor; ou da criação desmesurada de cargos de assessoria, sem fun-
ção clara e de necessidade duvidosa. O problema é enfrentado no plano abstrato,

179
por meio de ações declaratórias de inconstitucionalidade, e também in concreto,
como nos bem-sucedidos casos de Termos de Ajuste de Conduta firmados para
redução de comissionados em Câmaras de Vereadores de grandes cidades catari-
nenses.

5.8 .5 Tra n sposições

A Constituição prevê o provimento original dos cargos mediante investidura


definida por concurso público (CF, art. 37, II); e admite o provimento derivado, ou
seja, a nova investidura sem suporte em concurso, limitando-o contudo aos ca-
sos de recondução (retorno do servidor estável ao cargo anteriormente ocupado)
e aproveitamento (retorno de servidor posto em disponibilidade) (art. 41, § 2º e 3º).
A transposição, entendida como movimentação de servidor de um cargo para
outro com atribuições diversas – o que implica em nova investidura –, é vedada,
assim como qualquer outro modo de “[...] provimento que propicie ao servidor in-
vestir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento,
em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido” (STF, Súmula
Vinculante nº 43 e Súmula nº 685). A transposição, não raras vezes, ocorre median-
te adoção de nomenclaturas diversas (como “enquadramento”), pelo que importa
analisar, em cada caso, aas características impressas pelo legislador à movimenta-
ção e ao cargo de destino.

5.8 .6 Re muner ação e Gr atif i c a ç ã o I n d e v i d a

O sistema remuneratório dos agentes públicos é construído sobre alguns


conceitos. Vencimento corresponde à contraprestação pecuniária básica, sem qual-
quer vantagem adicional; vencimentos são a retribuição pecuniária básica, acres-
cida pelas vantagens pecuniárias fixas (adicionais e gratificações); remuneração
corresponde aos vencimentos adicionados de todas as vantagens pecuniárias (fi-
xas ou variáveis); e subsídio é a modalidade de retribuição pecuniária paga, sem
acréscimo de qualquer espécie remuneratória, em parcela única, a determinados
agentes públicos.
As vantagens pecuniárias, concedidas a título definitivo ou transitório, são

180
classificadas como ex facto temporis (pela decorrência do tempo de serviço) e ex
facto officii (pelo desempenho de funções especiais) – constituindo essas os adi-
cionais (o primeiro de vencimento e o segundo de função) –, bem como propter
laborem (em razão de condições anormais em que se realiza o serviço) e propter
personam (em razão de condições pessoais do servidor) – categorizadas como
gratificações (de serviço e pessoais, respectivamente) (MEIRELLES, Hely L. Direito
Administrativo Brasileiro. 35ª. São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p. 492-493).
A criação de vantagens pecuniárias deve ser feita por lei e atender aos pre-
ceitos norteadores da Administração, evitando-se vantagens “anômalas”, classifica-
das como “liberalidades ilegítimas que o legislador faz à custa do erário, com o só
propósito de cortejar o servidor público” (MEIRELLES, op.cit., p. 494). As vantagens
pecuniárias transitórias apenas se incorporam aos vencimentos do servidor com
previsão expressa de Lei.
Questão comum é o impacto sobre os vencimentos de eventual redução da
jornada de trabalho. Quando a redução ocorrer por iniciativa da Administração, com
vistas a melhor atender ao interesse público, os vencimentos dos servidores não
devem ser alterados; por outro lado, quando facultada em Lei a redução da jornada
por interesse/iniciativa particular do servidor, a redução proporcional dos vencimen-
tos é premente.
Quanto ao pagamento de horas-extras, devem estar presentes as seguintes
condições:

181
5.8 .7 Diá rias

Verba de caráter indenizatório que tem por fito ressarcir o servidor por des-
pesa pessoal excepcional realizada fora de seu local usual de trabalho, porém em
razão dele, as diárias tem sido objeto frequente de malversação no Estado. Na Ope-
ração Iceberg (2015), apurou-se que servidores e legisladores de mais de 20 Câ-
maras de Vereadores receberam diárias para frequência a cursos que, na prática,
não eram realizados; alguns anos antes, Vereadores catarinenses foram flagrados
em reportagem televisiva quando faziam compras no Paraguai, ao tempo em que
deveriam frequentar curso de capacitação em Foz do Iguaçu-PR.
Os valores e o modo de pagamento das diárias são fixados pela legislação do
ente, orientada pelas diretrizes do TCE, que podem ser sintetizadas em três veto-
res: a) finalidade pública da viagem; b) comprovação documental dos gastos e pres-
tação de contas; c) razoabilidade dos valores pagos. A fiscalização pode abarcar
também cursos promovidos por entidades inidôneas ou desconhecidas, ou restritos
a apenas um período do dia; e viagens realizadas tão somente para realização de
“contatos políticos”. O Portal do Promotor / Painel E-Sfinge permite consultar gastos
com diária. Basta, após selecionar o Município, inserir na aba da esquerda o critério
de pesquisa “Diárias”, no campo “Elemento de Despesa”.

5.9 NEPOTISMO

Tema objeto de programa pioneiro do MPSC (2006), lançado antes da edição


da Súmula Vinculante 13 pelo Supremo Tribunal Federal, o combate ao nepotismo
denota a promoção dos valores da impessoalidade, da moralidade e da eficiência
na composição do quadro funcional da Administração. Os ocupantes de cargos de
provimento em comissão e de funções de confiança podem ser indicados pelo Che-
fe de Poder, desde que o critério principal seja a competência técnica do nomeado,
em prestígio ao interesse público. Na dicção do STF:
Súmula Vinculante 13. A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente
em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da
autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido
em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo
em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na admi-
nistração pública direta e indireta em qualquer dos poderes da União, dos

182
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste me-
diante designações recíprocas, viola a Constituição Federal.

A despeito da Súmula e da vedação ao nepotismo consagrada em leis muni-


cipais e termos de compromisso de ajuste de conduta celebrados pelo MP, o tema
ainda suscita algumas controvérsias.

5.9 .1 Age n tes P olíticos

A jurisprudência do TJSC afasta a aplicação da Súmula Vinculante 13 quando


da nomeação de agentes políticos, que exercem, logo abaixo dos Chefes de Poder,
função de poder na cúpula institucional (p.ex., Secretários Municipais e Estaduais).
Contudo, o esgarçamento desta linha interpretativa produz severos abusos, permi-
tindo-se que o Gestor indique para seu Colegiado apenas pessoas de suas relações
familiares.
Outrossim, o STF ainda não pacificou a questão, colhendo-se precedentes
no sentido de que, mesmo em relação a agentes políticos, cumpre à autoridade
nomeante demonstrar a capacidade técnica do nomeado, sob pena de exoneração
(STF, Reclamações 19010/SC; 12478/RJ). Cabe ao Ministério Público continuar a
suscitar a questão, especialmente nos Municípios nos quais houve a celebração de
TAC e a vedação ao nepotismo na legislação municipal, o que alcançaria os agen-
tes políticos, como expõe o recente precedente do TJSC:
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - CÔNJUGE DE PREFEITO - SECRE-
TÁRIO MUNICIPAL - NEPOTISMO - VEDAÇÃO NA LEI ORGÂNICA. (...) O
STF fez justamente essa compreensão ao editar a Súmula Vinculante 13,
ainda que em pronunciamentos posteriores tenha proposto recuo quanto
às designações do núcleo familiar para cargos políticos, validando-as. Essa
compreensão restritiva, da qual se discorda, de todo modo, não é ofendida
aqui: a lei municipal pode ir além dos limites interpretados pelo STF.
Por certo não se poderá dizer que é inconstitucional norma local que seja
vassala da impessoalidade - ou se deverá dizer que a Constituição estabe-
leceu um marco máximo de proteção da moralidade administrativa. Prece-
dentes desta 4ª Câmara de Direito Público (rel.ª Des.ª Vera Copetti) e da 2ª
Câmara de Direito (rel. Des. Francisco Oliveira Neto). Recurso conhecido
e provido. (TJSC, Apelação Cível 0001483-41.2010.8.24.0044, de Orleans,
rel. Des. Hélio do Valle Pereira, Quarta Câmara de Direito Público, j. 14-09-
2017).

183
5.9 .2 Subo r dinação H ier ár q u i c a

A jurisprudência estadual evoluiu para elidir a incidência da SV 13 aos casos


em que o nomeado é efetivamente, na locução da Súmula, parente de “servidor da
mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento”,
porém não há vínculo de subordinação hierárquica entre ambos. Presume-se, nes-
ses casos, que nada obstante o vínculo familiar, a ausência de vínculos jurídico-fun-
cionais elimina o risco de influência na nomeação. Não há nepotismo, por exemplo,
se professora indicada para função de diretora de Escola (Secretaria da Educação)
é esposa do Secretário de Saúde. A contrario sensu, o Prefeito e o Vice-Prefeito não
podem nomear seus parentes para quaisquer postos na Administração Municipal.

5.9 .3 N e po tism o C r uz ado

Consiste nas nomeações derivadas de ajustes recíprocos entre autoridades


integrantes de Poderes distintos, realizadas para burlar os impedimentos legais.
Para configuração deste vício, é imprescindível demonstrar ambas as nomeações,
comprovando-se de forma objetiva o ajuste. Não configura nepotismo cruzado a
indicação de parente de Vereador para cargo no Poder Executivo, não seguida da
indicação de parente do Prefeito Municipal para o exercício de função na Câmara.

5.10 TERCEIRO SETOR

A destinação de recursos públicos para entidades privadas é prática antiga,


reconhecida na Lei de Orçamentos (Lei 4.320/64), e utilizada para promoção de
atividades de interesse social e financiamento de serviços públicos. O “fomento
social” em SC recebeu considerável impulso com a criação de fundos estaduais
específicos para atividades culturais, turísticas e esportivas (2005), o que ensejou
problemas correlatos na aplicação dos recursos.
No plano nacional, na década de 90 houve a edição de leis específicas para
financiamento de entidades pré-qualificadas (Lei 9.637/98 – Organizações Sociais;
Lei 9.790/99 – Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público). Recente-
mente, a Lei 13.019/14 instituiu o Marco Regulatório das Organizações da Socieda-

184
de Civil (MROSC) e, conquanto afaste expressamente de seus dispositivos alguns
tipos de parceria (art. 3º), pode ser considerada como a lei-base do fomento social
no país. A multiplicidade de entidades da sociedade civil pode ser ilustrada no se-
guinte quadro pode ser ilustrada no seguinte quadro composto pelo Centro de Apoio
de Direitos Humanos e Terceiro Setor:

Certificação de
Organização
Entidades Organização
Título de Utilidade da Sociedade Organização
Beneficentes de da Sociedade
Pública estadual Civil de Interesse Social (OS)
Assistência Social Civil (OSC)
Público (OSCIP)
(CEBAS)
Certificação As entidades de pro- Qualificação ou- Qualificação atri- Trata-se de
concedida com moção educacional, torgada às pes- buída a pessoas pessoa jurídica
fulcro na Lei n. científica, cultural, soas jurídicas de jurídicas de direito de direito pri-
12.101/2009, às artística, esportiva, direito privado privado, sem fins vado sem fins
pessoas jurídi- social ou filantrópica sem fins lucrati- lucrativos, cujas lucrativos que,
cas de direito que prestem servi- vos que tenham atividades se- observando os
privado, sem ços de natureza re- sido constituídas jam dirigidas ao termos da Lei
fins lucrativos, levante e de notório e se encontrem ensino, à pesquisa n. 13.019/2014,
reconhecidas caráter comunitário em funciona- científica, ao de- pode firmar com
como entidades e social, concorren- mento regular senvolvimento tec- o Poder Públi-
beneficentes de tes com aqueles há, no mínimo, 3 nológico, à prote- co duas novas
assistência so- prestados pelo Esta- anos, desde que ção e preservação espécies de
cial que prestem do, com fins não-e- os respectivos do meio ambiente, parceria: termo
serviços nas áre- conômicos, poderão objetivos sociais à cultura e à de colabora-
as de assistência ser declaradas de e normas esta- saúde, atendidos ção e termo de
social, saúde ou utilidade pública es- tutárias atendam aos requisitos fomento.
educação. tadual por iniciativa aos requisitos previstos na Lei n.
de qualquer membro instituídos na Lei 9.637/1998.
da Assembleia Le- n. 9.790/1999.
gislativa do Estado
de Santa Catarina,
nos termos da Lei n.
14.182/2007.

Com alicerce nos dispositivos e princípios da Lei 13.019/14, apresentamos o


conjunto de problemas / ações a seguir.

5.1 0 .1 Cham am ento P úblico , Di s p e n s a e I n e x i g i b i l i d a d e

Chamamento público é o procedimento destinado a selecionar organização


da sociedade civil para firmar parceria com a Administração Pública (art. 23). O pro-
cedimento é requisito prévio para celebração de termos de colaboração e fomento,
lastreado em planos de trabalho que estabelecem as metas e o modo de realização

185
da parceria. Os acordos de cooperação, que não incluem repasse de recursos, po-
derão ser celebrados sem chamamento público, desde que não envolvam comoda-
to, doação de bens ou outras formas de compartilhamento de recursos patrimoniais.
O chamamento é o principal instrumento para concretização de princípios
como a impessoalidade e a moralidade na execução do “fomento social”. Sempre
que possível a competição entre entidades interessadas na parceria, o chamamen-
to deve ser realizado. As hipóteses de dispensa são taxativas (art. 30), ao passo
que as situações de inexigibilidade são mais amplas (art. 31), porém, em todos
os casos, as razões da não realização do chamamento devem ser formalizadas,
apontando-se, por exemplo, a natureza singular do objeto da parceria ou se as me-
tas somente puderem ser atingidas por entidade específica. Cabe ao Administrador
avaliar, antes da celebração da parceira, se a entidade interessada possui condi-
ções técnicas, jurídicas e operacionais de gerir recursos públicos.

5.1 0 .2 M onitor am ento, Aval i a ç ã o e Co r r e ç ã o d e De s v i o s

A Lei do MROSC impõe regras rígidas quanto ao acompanhamento da exe-


cução da parceira e avaliação do atingimento das metas fixadas através da atuação
de comissão especial (art. 58). Tal acompanhamento visa garantir a escorreita apli-
cação dos recursos e consecução dos objetivos, e não se confunde com a avaliação
a posteriori das contas apresentadas pela entidade.
Os relatórios técnicos trarão informações sobre as atividades realizadas, o
cumprimento de metas, o benefício social obtido e os valores transferidos, as quais
serão submetidos à comissão de monitoramento e avaliação para homologação. A
liberação irresponsável de recursos para entidades fictícias ou para organização de
eventos nunca realizados foi instrumento para prática de diversos crimes no Estado,
como ilustrado na Operação Bola Murcha (2016). Cabe ao MP exigir do Administra-
dor a regulamentação da Lei 13.019/14 e cuidados especiais no acompanhamento
dos recursos transferidos, que também podem ser consultados no Portal do Promo-
tor.

186
5.1 0 .3 Pre stação de C ontas e Co n t r o l e

A organização da sociedade civil prestará contas da aplicação dos recursos


recebidos, desdobrada em duas fases: a) a apresentação das contas, contendo ele-
mentos materiais que comprovem o destino dos recursos e a realização dos obje-
tivos; b) análise e manifestação conclusiva da Administração sobre a regularidade,
formal e material, das contas apresentadas.
Há vícios frequentes atinentes ao uso de notas fiscais “frias”; ao superfatu-
ramento de mercadorias; à cobrança por serviços não prestados e à existência de
vínculos pessoais e políticos entre os gestores da organização, seus fornecedores
e os agentes públicos responsáveis pela transferência. É imperativo que a análise
das contas ultrapasse a conferência formal, e abarque todos os aspectos da parce-
ria, inclusive os gastos realizados pela entidade. Reitera-se o princípio fundamental
da Lei do MROSC: entidades sem estrutura para prestar contas não devem receber
recursos públicos.

187
6. OPERAÇÕES GAECO

188
Neste tópico, buscamos traçar o quadro geral das iniciativas do Grupo de
Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO) no âmbito da Morali-
dade Administrativa em Santa Catarina. Conquanto a força-tarefa não atue exclusi-
vamente em investigações relacionadas ao patrimônio público, é certo que grande
parte das ações do GAECO, especialmente nos últimos anos, voltaram-se para
repressão de práticas ilícitas no seio da Administração Pública.
O quadro a seguir ilustra parte destas iniciativas, reunindo tanto as opera-
ções nominadas quanto diligências não especificamente identificadas, cada uma
das quais acompanhada por resumo breve dos delitos investigados e das Comar-
cas envolvidas.
Construída sobre as informações da COMSO e dos GAECOS, a tabela abar-
ca apenas as operações decorrentes de investigações conduzidas pelo MPSC/
GAECO a partir de 2010. Não estão presentes, portanto, iniciativas de relevo no
Estado capitaneadas por outros órgãos de controle, como as Operações Bola Mur-
cha (conduzida pela Polícia Civil), Ave de Rapina (Polícia Federal) e Águas de Prata
(Polícia Federal e Controladoria-Geral da União).
Órgãos
Operação Cidades Data Fatos Investigados
Lesados
Desdobramento da operação Manobra de Osler, que apurou
Município de desvio de recursos públicos na área da saúde envolvendo
Operação Chapecó e
Chapecó / 20/09/2018 clínica privada e Consórcio Intermunicipal (CIS-Amosc). Na
Patriarcado Xanxerê
SUS operação original houve a condenação dos envolvidos por
crimes de peculato e associação criminosa
Brusque,
Crimes de falsidade ideológica e crimes licitatórios praticados
Operação Balneário Município de
19/09/2018 por representantes de empresas de engenharia responsáveis
Reiteração Camboriú e Brusque
por obras de infraestrutura
Navegantes
Organização criminosa que fraudava a lista de espera por
procedimentos do SUS, de forma a favorecer certos pacientes
Cidades do
simulando situações de emergência, mediante pagamento ou
Meio-Oeste Municípios da
Operação promessa de apoio político. Crimes de organização criminosa,
catarinense, Região Meio- 02/08/2018
Emergência inserção de dados falsos em sistemas de informação,
com centro Oeste e SUS
concussão, corrupção ativa e passiva, falsidade ideológica,
em Caçador
falsidade de atestado médico, entre outros

Crimes licitatórios, falsidade ideológica e peculato consistentes


na fraude e superfaturamento na licitação para instalação da
Operação Luzes Município de
Chapecó 30/07/2018 "Rua Dançante", parte das comemorações do Natal no
de Natal Chapecó
Município

Apuração de crimes de corrupção passiva consistentes na


Balneário Município de
Operação cobrança de propina por servidores municipais e funcionários
Arroio do Balneário 19/06/18
ON/OFF de empresa distribuidora de energia elétrica para realização de
Silva Arroio do Silva
ligações irregulares
Fraude a licitações, falsidade ideológica e corrupção.
Prefeitura
Guatambu 12/06/2018 Irregularidades envolvendo empresas, Secretaria de Obras e
Guatambu
Departamento de Licitações
Bombinhas,
Gaspar, Rio Apuração de crimes de concussão, corrupção ativa e passiva,
Operação do Sul, Diversos tráfico de influência, advocacia administrativa e prevaricação.
Abril/2018
Reciclagem Timbó, Municípios Esquema envolvia servidores públicos e empresários ligado a
Ituporanga e empresas de coleta de lixo e resíduos
Rio do Sul

189
Órgãos
Operação Cidades Data Fatos Investigados
Lesados
Câmara de
Operação Lajeado Fraude em concurso público. Favorecimento de candidatos
Vereadores de 31/01/2018
Concurso Grande em concurso
Lajeado Grande
Crimes de peculato, corrupção ativa e passiva consistentes no
desvio de material de obras públicas em proveito de agentes
Município de Novembro/
Operação Seival Laguna públicos e particulares; fraude a concurso público; fraude nas
Laguna 2017
licitações de obras públicas e aquisição de materiais

Crimes de sonegação fiscal e contra a Administração Pública.


Diversos
Três em Um Lages 30/11/2017 Esquema destinado a fraudar licitações mediante confusão
Municípios
administrativa a patrimonial entre participantes do certame
Centro Integrado Infrequência reiterada de servidoras públicas e realização de
Itajaí 24/11/2017
de Saúde (CIS) atividades privadas durante o expediente
Hospital Ampliação indevida da fila de exames de quimioterapia para
Chapecó Regional do 07/11/2017 beneficiar o atendimento em caráter particular de pacientes
Oeste por clínica médica favorecida
Peculato, fraude a licitação e lavagem de dinheiro. Contadores
Município de do Município de Vargeão efetuavam o desvio de recursos de
Vargeão 19/09/2017
Vargeão conta inativa da Prefeitura Municipal para contas de suas
próprias titularidades
Desvio de recursos públicos na administração das Casas de
Tubarão, Estado de SC /
Operação Atendimento Socioeducativo Provisório e Casas de
Criciúma e Sistema Sócio- Julho/2017
Talentos Semiliberdade geridas por organização da sociedade civil de
Araranguá Educativo
interesse público (OSCIP)
Crimes de concussão e corrupção passiva verificados na
Operação Município de prática de servidores públicos de Itapema que recebiam
Itapema Julho/2017
Castelo de Areia Itapema vantagens indevidas para a concessão ilegal de alvarás para
vendedores ambulantes
Camboriú,
Municípios e
Bombinhas,
Operação Câmaras de Cooptação de Vereadores para alteração das leis de
Ilhota,
“Terra Vereadores de Junho/2017 zoneamento urbano em favor de empresas loteadoras. Crimes
Itapema,
Prometida” Camboriú, Ilhota de concussão, corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro
Tijucas e B.
e outras cidades
Camboriú
Exigência de vantagens indevidas efetuadas por vereadores
Município de
Operação 30º Balneário para aprovação de projetos de lei, em especial, alterações no
Balneário Maio/2017
Camboriú Plano Diretor de Balneário Camboriú. Crimes de associação
Camboriú
criminosa, corrupção passiva e lavagem de dinheiro
Salete,
Ibirama, Irregularidades na execução de contrato para revitalização de
Operação Município de
Pouso Maio/2017 praça pública. Crimes de associação criminosa, peculato,
Revitalização Salete
Redondo e corrupção ativa e passiva, além de delito da Lei de Licitações
Rio do Sul
Secretaria do
Operação Passo de Meio Ambiente Janeiro/ Facilidades irregulares na concessão de licenças ambientais
Cartas na Mesa Torres de Passo de 2017 emitidas por Secretaria Municipal do Meio Ambiente
Torres
Lages,
Campo Belo Municípios de
Fraudes em diversos procedimentos licitatórios, realizadas em
Operação do Sul, Campo Belo do Dezembro/
conluio por empresário e servidores públicos. Crimes de
Duplo C Cerro Negro, Sul e Cerro 2016
corrupção ativa, corrupção passiva, falsidade ideológica
Correia Pinto Negro
e Chapecó
Câmara de Crimes contra a Administração consistentes na cobrança
Operação Casa Capivari de Vereadores de Dezembro/ mensal, realizada por alguns vereadores, de parte do salário
da Mãe Joana Baixo Capivari de 2016 dos seus assessores, os quais não exerciam qualquer
Baixo trabalho na Câmara de Vereadores
Presídio Benefícios irregulares concedidos a detentos durante
Operação Dezembro/
Blumenau Regional de execução penal mediante pagamento de propina a agentes
Regalia – 2ª fase 2016
Blumenau públicos
Secretaria do Cobrança de vantagem indevida de empresários relacionada a
Operação Meio Ambiente Novembro/ atividades fiscalizatórias da Secretaria do Meio Ambiente de
Joinville
Blackmail de Joinville 2016 Joinville; tráfico de influência e lavagem de dinheiro praticados
(SEMA) por agente público
Irregularidades envolvendo a aquisição de máquinas e
Município de Novembro/
Monte Carlo insumos no município de Monte Carlo. Corrupção ativa,
Monte Carlo 2016
corrupção passiva e fraude a licitações

190
Órgãos
Operação Cidades Data Fatos Investigados
Lesados
Violação à fila de espera do Sistema Único de Saúde (SUS)
para realização de exames de ressonância e tomografia.
Operação Grande Sistema Único Outubro/
Cobrança irregular de valores dos pacientes. Falsidade
Ressonância Florianópolis de Saúde (SUS) 2016
ideológica, inserção de dados falsos nos sistemas de
informação, corrupção passiva e crimes eleitorais
Facilitação na emissão de Carteira Nacional de Habilitação em
Operação Ciretran de Rio Outubro/
Rio do Sul troca da captação de votos em pleito eleitoral. Captação ilícita
CNH do Sul 2016
de sufrágio e crimes contra a Administração Pública
Cursos e treinamento simulados e fictícios, criados com o
Câmara de propósito de viabilizar o pagamento das taxas de inscrições às
Operação Setembro/
Tijucas Vereadores de empresas e o recebimento de diárias por Vereadores e
Iceberg 2016
Tijucas servidores de Câmaras Municipais. Crimes de organização
criminosa e peculato
Fraudes em licitações e na execução de contratos
Brusque Julho/2016 administrativos da empresa de obras e engenharia
envolvendo 16 municípios
Irregularidades na concessão de licenças ambientais pela
Fundação do
Fundação do Meio Ambiente (FATMA). Corrupção ativa,
Criciúma Meio Ambiente Julho/2016
passiva e associação criminosa, além de atos de improbidade
(FATMA)
administrativa
Servidor público que atuava captação de clientes para sua
empresa de consultoria ambiental em troca de facilidades
Secretaria de
administrativas. Expedição de alvarás para construções em
Planejamento
Laguna Junho/2016 APP. Renegociação de dívidas tributárias mediante propina.
Urbano de
Crimes de corrupção passiva, prevaricação, advocacia
Laguna
administrativa, tráfico de influência, falsidade ideológica e
associação criminosa
Exigência, por parte de vereador, de parte da remuneração de
Município e
seus assessores e de agentes indicados para cargos
Operação Câmara de
Içara Maio/2016 comissionados no Executivo, para pagamento de
Confidentia Vereadores de
fornecedores de campanha eleitoral. Crimes de peculato,
Içara
formação de quadrilha e lavagem de dinheiro
Lages,
Otacílio
Fraudes em concursos públicos organizados pela empresa
Costa, Câmara de
investigada com resultados pré-determinados por agentes
Operação Timbó, Vereadores e
Maio/2016 públicos. Organização criminosa, fraude à licitação, fraude a
Ajuste Ituporanga, Prefeitura de
concurso público, peculato, corrupção ativa e corrupção
Balneário Otacílio Costa
passiva
Camboriú e
Criciúma
Associação
Feminina de Contratação ilegal de servidores comissionados e temporários
Criciúma Maio/2016
Assistência
Social (AFASC)
Direcionamento de licitações para contratação de serviços
Chapecó, mecânicos mediante pagamento de propina a servidores
Operação Patrola Lages, Diversos municipais. Delitos de organização criminosa, fraude em
Maio/2016
3ª fase Tangará e Municípios licitações e crimes contra a administração pública,
Blumenau especialmente atos de corrupção ativa e passiva, além de
peculato
Direcionamento de licitações para contratação de serviços
Municípios
mecânicos mediante pagamento de propina a servidores
da Serra,
Operação Patrola Diversos municipais. Delitos de organização criminosa, fraude em
Meio-Oeste Março/2016
2ª fase Municípios licitações e crimes contra a administração pública,
e Oeste
especialmente atos de corrupção ativa e passiva, além de
Catarinense
peculato
Santa
Cecília, Fraude na realização do concurso para preenchimento de
Operação Curitibanos, Município de cargos públicos, inclusive com repasse de gabarito das
Março/2016
X da Questão Lontras, Santa Cecília provas. Associação criminosa, falsidade ideológica e fraude
Blumenau e em concurso público
Bombinhas
Irregularidade em licitações e contratos de fornecimento de
Município de
Morro da Fevereiro/ saibro e aterro para o Município. Fraude à licitação,
Morro da
Fumaça 2016 organização criminosa, desvio de verba pública, falsidade
Fumaça
ideológica e coação
Direcionamento de licitações, relacionadas à contratação de
serviços mecânicos para maquinário pesado, mediante
Operação Patrola Município de Fevereiro/ pagamento de propina a servidores municipais. Delitos de
Tangará
1ª fase Tangará 2016 organização criminosa, fraude em licitações e crimes contra a
administração pública, especialmente atos de corrupção ativa
e passiva, além de peculato

191
Órgãos
Operação Cidades Data Fatos Investigados
Lesados
Municípios Fraude em concurso público. Peculato, corrupção, posse de
de Entre munição sem autorização, associação criminosa, falsidade
Operação Município de Dezembro/
Rios, ideológica, organização criminosa, dispensa indevida de
Carta Certa Entre Rios 2015
Quilombo e licitação, fraude em concurso público e maus-tratos de
Campo Erê animais
Municípios de Irregularidades em procedimentos licitatórios e
Entre Rios,
Operação Entre Rios, Dezembro/ superfaturamento de obras públicas. Peculato, corrupção,
Quilombo e
Deu Bandeira Quilombo e 2015 associação criminosa, falsidade ideológica, dispensa indevida
Campo Erê
Campo Erê de licitação.
Irregularidades na liberação de alvarás e aprovação de
Município de
projetos por agentes públicos, beneficiando empresários da
Operação Itapema / Dezembro/
Itapema construção civil. Concussão, corrupção ativa e passiva, tráfico
Garoupa Secretaria de 2015
de influência, advocacia administrativa, prevaricação e
Gestão Urbana
associação criminosa
Cobrança do chamado “dízimo” partidário de servidores
Município de Novembro/
Concórdia ocupantes de cargos comissionados e filiados ao partido do
Concórdia 2015
Prefeito Municipal
Município de Irregularidade na contratação de serviços de limpeza de ruas,
Morro da Outubro/
Morro da bocas de lobo e roçada. Apropriação de dinheiro público,
Fumaça 2015
Fumaça crimes da lei de licitações e crimes de falsidade
Irregularidades na concessão de alvarás e licenças.
Operação Dupla Município de Corrupção ativa e passiva, organização criminosa, crimes
Itajaí Agosto/2015
Face Itajaí contra o meio ambiente, advocacia administrativa,
prevaricação e lavagem de dinheiro
Fraude a concurso público mediante repasse de gabaritos
Operação Município de para apadrinhados políticos. Fraude à licitação, fraudes em
Ibiam Agosto/2015
Resposta Certa Ibiam concursos públicos, corrupção passiva e organização
criminosa
Itajaí, Órgãos de
Liberação irregular de veículos apreendidos por órgão de
Operação Parada Brusque, trânsito dos
Julho/2015 trânsito. Corrupção passiva e ativa, peculato, advocacia
Obrigatória II Lages e Municípios
administrativa, formação quadrilha
Florianópolis envolvidos
Itajaí, Órgãos de Liberação irregular de veículos apreendidos por órgão de
Operação Parada Brusque, trânsito dos trânsito. Falsidade ideológica, corrupção passiva e ativa,
Julho/2015
Obrigatória I Lages e Municípios advocacia administrativa, lavagem de dinheiro, associação
Florianópolis envolvidos criminosa e quadrilha
Município de
Operação Dionísio Fraudes com pagamento indevido de horas-extras a
Dionísio Julho/2015
Última Hora Cerqueira servidores municipais e fraude em licitações
Cerqueira
Biguaçu, Diversos órgãos Contratos irregulares para execução de serviços de
Operação
São José, públicos de Maio/2015 impressão. Associação criminosa, corrupção ativa e passiva,
Falsa Impressão
Florianópolis Santa Catarina fraudes em processos licitatórios
Corrupção no sistema prisional, com benefícios e
favorecimentos indevidos conferidos a detentos em troca de
Operação Presídio de
Blumenau Março/2015 propina. Corrupção ativa e passiva, concussão, prevaricação,
Regalia -1ª fase Blumenau
peculato, facilitação de fuga e associação para o tráfico de
drogas
Irregularidades na outorga de concessão para realizar,
Operação Festa Nacional organizar e explorar a Festa Nacional do Pinhão. Crimes
Lages Março/2015
Entrevero do Pinhão contra a administração pública, associação criminosa e fraude
em processo licitatório
Prefeitura
São
Municipal de Dezembro/ Apurou solicitação de vantagens indevidas a contribuintes por
Francisco do
São Francisco 2014 parte de membros da assessoria jurídica do Município
Sul
do Sul
Fraude à licitação na contratação de serviços de operação do
Secretaria
sistema de água e esgoto. Propinas pagas a servidores
Operação Municipal de
Novembro/ públicos municipais visando o direcionamento de editais
Águas Limpas de Lages Águas e
2014 licitatórios. Associação criminosa, fraudes em licitações e
Lages Saneamento de
crimes contra a administração pública com a participação
Lages
direta de servidores públicos municipais e empresários
Câmara de
Fraudes licitatórias. Licitações promovidas pela Câmara de
Palmitos Vereadores de 01/10/2014
Vereadores de Palmitos
Palmitos
Coronel
Freitas, Município de Fraude em concurso público para a Prefeitura Municipal de
19/09/2014
Arabutã e Arabutã Arabutã
Xanxerê.
Irregularidades na execução de contratos de prestação de
Operação Município de Setembro/
Brusque serviços automotivos firmados por oficinas mecânicas.
Revisão Total Brusque 2014
Falsidade ideológica e fraude na execução contratual

192
Órgãos
Operação Cidades Data Fatos Investigados
Lesados
Violação à fila do SUS para realização de cirurgias mediante
Operação Sistema Único Setembro/ pagamento. Inserção de dados falsos em sistema de
Araranguá
Hígia de Saúde (SUS) 2014 informações, corrupção passiva, falsificação de documento
público e particular, quadrilha ou bando
Município de Fraudes em obras públicas. Corrupção ativa e passiva,
Operação Balneário Setembro/
Balneário peculato, lavagem de dinheiro, advocacia administrativa,
Trato Feito Camboriú 2014
Camboriú prevaricação, fraudes e direcionamento em licitações
Crimes de fraudes em licitações, corrupção, desvio de verbas
públicas e formação de quadrilha envolvendo funcionários
Município de
públicos, empresários e prestadores de serviço da região.
Operação Orleans /
Orleans Março/2014 Irregularidades especialmente verificadas na Secretaria de
Colina Limpa Secretarias de
Saúde – pagamento por materiais não entregues – e
Obras e Saúde
Secretaria de Obras – superfaturamento de obras e
pagamento por materiais não entregues
Estado de SC / Concussão. Facilitação ilícita na resolução de problemas
Joaçaba Fundação do 18/11/2013 ambientais oferecida a empresários locais por agente de
Meio Ambiente órgão ambiental estadual
Dezenas de Prefeituras,
Fraude à licitação e desvio de recursos públicos na perfuração
cidades das Secretarias de
de poços artesianos. Conluio entre empresas do setor.
Operação regiões Desenvolviment Novembro/
Pagamento de propina a agentes públicos. Obras realizadas
Fundo do Poço Oeste, Meio- o Regional e 2013
distintas dos contratos firmados. Crimes de corrupção, fraudes
Oeste e associações de
em licitação, associação criminosa, advocacia administrativa
Serrana moradores
Municípios de
Operação Capão Alto, Desdobramento da Operação Bola de Neve, com apuração de
Capão Alto, Outubro/
Bola de Neve — Fraiburgo e novas irregularidades em licitações envolvendo servidores
Fraiburgo e 2013
o Degelo Maravilha públicos e empresário. Corrupção e fraudes em licitação
Maravilha
Município de Fraudes licitatórias. Participação em processos licitatórios de
Xaxim 30/07/2013
Xaxim empresas de mesmo grupo econômico
Operação Município de Comercialização de certificados de cursos de
Criciúma Julho/2013
Magister Criciúma aperfeiçoamento. Quadrilha e falsidade ideológica
Operação Gestão irregular de contratos de prestação de serviço da
Autarquia Águas
Águas de Palhoça Julho/2013 autarquia Águas de Palhoça. Corrupção ativa e corrupção
de Palhoça
Palhoça passiva.
Município de
Paraíso 22/06/2013 Fraude em concurso público no Município de Paraíso
Paraíso
Favorecimentos no agendamento de consultas e exames
Operação Município de através do SUS; desvio de medicamentos e vacinas; utilização
Criciúma Junho/2013
Via Dupla Criciúma de requisições de exames laboratoriais para pagamento de
exames não cobertos pelo sistema
Município de
Direcionamento de licitações e cobrança de propina em
Criciúma /
Operação Criciúma contratos da autarquia de trânsito e do órgão ambiental.
Órgãos de Maio/2013
Trânsito Livre Crimes de fraudes em licitação, corrupção, formação de
Trânsito e
quadrilha e advocacia administrativa
Ambiental
Estado de Santa
Ponte Catarina e Irregularidades no julgamento de recursos contra multas de
04/04/2013
Serrada Município de trânsito, entre outras
Ponte Serrada
Município de Alteração irregular de dados do sistema, realizada por agentes
Operação Balneário Janeiro/
Balneário públicos, com o intuito de excluir infrações de trânsito em
Radar Camboriú 2013
Camboriú benefício de terceiro
Fraudes em licitações para asfaltamento de ruas. Crimes contra a
Operação Município de Dezembro/
Blumenau administração pública, fraudes em licitação, desvio de verbas
Tapete Negro Blumenau 2012
públicas e associação criminosa
Concessão de autorizações e licenças ambientais mediante
Operação Prefeitura de Novembro/
Indaial propina. Corrupção ativa e passiva, falsidade ideológica,
Curupira Indaial 2012
concessão de licença irregular e advocacia administrativa
Câmara de Compra de votos por meio de entrega de dinheiro e
Operação Setembro/
Lauro Muller Vereadores de oferecimento de cirurgias vasculares e medicamentos.
Moralidade II 2012
Lauro Muller Captação ilícita de sufrágio
Operação Municípios do Conluio de empresas para fraude a licitações para aquisição
Licitação Chapecó Oeste e Meio Agosto/2012 de lousas eletrônicas e outros equipamentos didáticos.
Mapeada Oeste de SC Concussão e fraude à licitação
Investiga crimes e concussão e corrupção praticados por
Operação Volta à Campos Município de
Agosto/2012 servidor que fiscalizava o transporte escolar prestado por
Escola Novos Campos Novos
terceirizados
Serviço
Autônomo Fraude a procedimentos licitatórios, superfaturamento de
Operação
Içara Municipal de Junho/2012 contratos e pagamento de propina em faixa entre 10% e 15%
Moralidade I
Água e Esgoto do valor contratual aos agentes públicos envolvidos
de Içara

193
Órgãos
Operação Cidades Data Fatos Investigados
Lesados
Desdobramento da operação Manobra de Osler, que apurou
Município de desvio de recursos públicos na área da saúde envolvendo
Operação Chapecó e
Chapecó / 20/09/2018 clínica privada e Consórcio Intermunicipal (CIS-Amosc). Na
Patriarcado Xanxerê
SUS operação original houve a condenação dos envolvidos por
crimes de peculato e associação criminosa
Brusque,
Crimes de falsidade ideológica e crimes licitatórios praticados
Operação Balneário Município de
19/09/2018 por representantes de empresas de engenharia responsáveis
Reiteração Camboriú e Brusque
por obras de infraestrutura
Navegantes
Organização criminosa que fraudava a lista de espera por
procedimentos do SUS, de forma a favorecer certos pacientes
Cidades do
simulando situações de emergência, mediante pagamento ou
Meio-Oeste Municípios da
Operação promessa de apoio político. Crimes de organização criminosa,
catarinense, Região Meio- 02/08/2018
Emergência inserção de dados falsos em sistemas de informação,
com centro Oeste e SUS
concussão, corrupção ativa e passiva, falsidade ideológica,
em Caçador
falsidade de atestado médico, entre outros

Crimes licitatórios, falsidade ideológica e peculato consistentes


na fraude e superfaturamento na licitação para instalação da
Operação Luzes Município de
Chapecó 30/07/2018 "Rua Dançante", parte das comemorações do Natal no
de Natal Chapecó
Município

Apuração de crimes de corrupção passiva consistentes na


Balneário Município de
Operação cobrança de propina por servidores municipais e funcionários
Arroio do Balneário 19/06/18
ON/OFF de empresa distribuidora de energia elétrica para realização de
Silva Arroio do Silva
ligações irregulares
Fraude a licitações, falsidade ideológica e corrupção.
Prefeitura
Guatambu 12/06/2018 Irregularidades envolvendo empresas, Secretaria de Obras e
Guatambu
Departamento de Licitações
Bombinhas,
Gaspar, Rio Apuração de crimes de concussão, corrupção ativa e passiva,
Operação do Sul, Diversos tráfico de influência, advocacia administrativa e prevaricação.
Abril/2018
Reciclagem Timbó, Municípios Esquema envolvia servidores públicos e empresários ligado a
Ituporanga e empresas de coleta de lixo e resíduos
Rio do Sul

194
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