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RESUMO: Durante séculos a mulher foi vista como ―o outro‖, contra o qual o homem
impunha seu poder, devendo ser subserviente nas sociedades patriarcais e falocêntricas,
o que descreve a nossa e as sociedades de modelo eurocêntrico em geral. Simone de
Beauvoir, em Segundo Sexo, teoriza sobre as origens desse fenômeno, numa
obra fundamental para entender a situação feminina. E sua estereotipação se transfere
também para o campo literário, onde podemos ver personagens femininas que são
dominadas pelas prerrogativas masculinas. Far-se-á uma pequena explanação dessas
representações femininas no campo literário. Em seguida, focaremos três romances de
José Saramago, Ensaio Sobre a Cegueira, Jangada de Pedra e Memorial do Convento,
centrando o foco em personagens que, no universo desse autor, são representadas de
forma pouco convencional em seus fazeres e poderes e saber se elas mantém a imagem
cristalizada de mulher ou se, ao contrário, elas rompem com tais estereótipos.
É comum mesmo em uma época que se auto-intitula moderna ouvir frases como
― lugar de mulher é na cozinha‖, ―ser mãe é padecer no paraíso‖, ―tem coisas que só os
homens podem fazer‖ etc. O rompimento de muitas barreiras nos campos econômico,
tecnológico e medicinal – só para citar alguns – parece não ter tido muito reflexo no que
tange à condição feminina.
Claro está que nos tempos atuais as mulheres conseguiram uma certa
independência financeira: hoje podem trabalhar, serem bem remuneradas e serem as
responsáveis por manter financeiramente um lar. Contudo, há um eco que não cessa de
incomodar os ouvidos, herança de um legado patriarcal que assolou as mulheres durante
séculos. A mulher sempre foi tida como ―o outro‖ e ainda o é.
Há tempos que a mulher luta pela melhoria de suas condições, e por muito tempo não
conseguiram muito avanço. De fato, a questão feminista passou a ter uma voz - talvez
―rouca‖, no entanto uma voz - nos últimos dois séculos. Vem em busca do direito de
igualdade de remuneração salarial, direto a voto, entre outros. na segunda metade do
século XIX o feminismo político começou a se organizar como movimento, mais
ISSN 2178-8200
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Vê-se que se utilizou ao longo da história, e porque não dizer, utiliza-se até os
dias de hoje, vários meios para manter a mulher como submissa, e um dos mais fortes é
a tradição religiosa, que ―obriga‖ a mulher a manter-se como subjugada em relação ao
sexo masculino dominante. Segundo Pierre Bourdieu, o estado e o clero seriam os
responsáveis pela perpetuação desses valores, como ele diz em seu livro A Dominação
Masculina (2005):
A perpetuação de todos esses valores foi feita por meio de fortes estruturas, que,
por conta de seus próprios interesses fixaram a mulher como submissa e inferior. Tanto
a sociedade quanto a igreja, fixavam suas justificavas em um ponto principal: família.
Segundo o autor, essas instituições pregavam a ―pureza‖ feminina em prol da
constituição da família. Uma mulher revolucionária, que fugisse aos padrões, tanto de
esposa fiel quanto na utilização de trajes mais ousados atingiria a moral e os bons
costumes, não sendo apta, assim, a constituir família.
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2 - A mulher na literatura
A mulher também ficou, por longas décadas e séculos, com um papel secundário
nas obras literárias. Aos homens eram dedicadas as principais personagens, as
discussões, aventuras e reflexões. Lucia Zolin discute a respeito do estereótipo feminino
nas obras literárias. Segundo ela, nas narrativas de autores masculinos, tudo tem uma
perspectiva e um direcionamento totalmente masculinos, como se todos os seus leitores
também o fossem. Logo, as personagens femininas ficam deixadas em um segundo
plano, seguindo paradigmas de estereótipos e papéis.
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Como a mulher que vive para o trabalho, servindo o homem, podemos ver
Bertoleza, de O Cortiço. Sofrida, sem ter a quem recorrer, vê como único caminho
trabalhar sol a sol para João Romão, português que lhe mandava e desmandava.
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3 - A mulher em Saramago
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demanda mais comida para a ala que passa fome, dá banho nas outras mulheres e ajuda
os feridos.
Sua pureza, ou se preferirmos, sua não altivez, faz com que ela sequer considere
a hipótese de tirar proveito da visão intacta, por exemplo, pegando mais comida para si.
Ela compartilha os horrores da situação, seguindo com outras mulheres voluntárias até a
ala vizinha para servirem, com seus corpos, como moeda de troca por comida para os
habitantes da sua ala. E essa ―superioridade‖ que ela tem sobre os outros, ou seja, o fato
de enxergar em meio a cegos, ao invés de trazer vantagens, leva-a ao perigo. Após
assassinar com uma tesourada o líder da camarata que fazia das mulheres objeto de
estupro e/ou prostituição, ela correu o risco de ser entregue por sua própria ala ao covil
dos lobos da camarata três. Correu o risco, também, de se tornar escrava dos próprios
cegos, guiando-os aos banheiros, lavando suas roupas, etc. Portanto, sua imunidade, ao
mesmo tempo em que fortalece sua condição de mulher-sujeito, que se coloca como
uma líder, também a coloca em perigo.
Sua força de tutora dos cegos leva-a ao encontro do abuso, recordando-nos de
uma figura da mitologia celta: o rei casado com a terra, soberano cuja vida seria
oferecida em sacrifício na eventualidade de seca e fome. O ditado ―em terra de cego,
quem tem um olho é rei‖ é assumido por ela, mas não no sentido que normalmente se
imagina: ser rei nesse contexto significa responsabilidade, cumplicidade e sacrifício, em
vez de vantagens, imunidade e ócio.
Tentando fazer uma leitura e tentando encaixá-la nos estereótipos femininos
encontrados na literatura escrita por homens, ela bem se aproxima daquela cuja função é
se anular perante aos outros, sendo pura e compreensiva (mesmo diante da traição do
marido com a amiga), já que ela realmente se sacrifica pelos outros. Porém, ela é uma
personagem que foge desses estereótipos. A Mulher do Médico age, faz com que as
coisas aconteçam, fortalece-se e lidera todos em meio a uma sociedade patriarcal e
imunda. Ela se rebela, enfrenta o perigo ao entrar na camarata dos bandidos para
assassinar seu líder. Vê-se que sua imunidade não é a razão que a faz líder, apenas
reforça sua liderança dentro do manicômio e fora dele. Desde o início da obra, pode-se
perceber sua determinação e convicção, ao se proclamar cega, mesmo não estando cega
verdadeiramente, para acompanhar o marido até o manicômio.
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hesita, toma a atitude de beijá-lo, mesmo correndo o risco de ser considerada fútil
perante aos outros:
Mas dois minutos ainda não tinha passado e aí estava Joana Carda a
dizer em voz clara, Nós ficamos juntos, em verdade está o mundo
perdido se as mulheres tomam iniciativas deste alcance, antigamente
havia regras [..] mas nunca por nunca ser este despautério, esta falta
de respeito diante de um homem de idade, e ainda dizem que as
andaluzas têm o sangue quente, vejam esta portuguesa, a Pedro Orce
que aqui vai nunca nenhuma disse assim cara a cara, Nós ficamos
juntos (SARAMAGO, 2006: 148, 149).
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recursos, pelo menos já vimos que não parece mulher para viver de
caridades ou expensas de macho (SARAMAGO, 2006: 152).
Joana Carda é daquelas pessoas que não esperam, já sendo redundante, agem.
No trecho em que o cão aparece, é ela que entende que o cão quer que eles o sigam. E
nas indefinições de ir ou não com ele, ela decreta: Estou pronta a ir para onde ele nos
levar, se foi para isso que veio, quando chegarmos ao destino saberemos (Ibidem: 133).
Ela torna-se, pode-se assim interpretar, um ícone a ser seguido. Sua liberdade e
determinação a levam ao encontro dos três amigos, e a fazem decidir seguir viagem com
eles, atitude de extremo enfrentamento em se tratando de uma sociedade patriarcal e
falocêntrica. Isso se torna claro quando, ao regressar a casa dos parentes para passar a
noite, Joana Carda, no entrar da noite, conta que decidira ir viajar com os três homens:
A prima, que tem como impedimento para uma viagem deste tipo o mau
casamento, e que provavelmente não se separa devido aos valores da sociedade
patriarcal, lança em Joana, desquitada e valente, seus anseios, eis a razão do: ―Quem me
dera ir contigo‖.
4 - Considerações finais
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ter um nível de igualdade em relação aos homens. Nota-se nas três personagens que elas
dividem os papéis com seus companheiros, tomando decisões, participando ativamente
da fábula.
Quanto à Blimunda, seus poderes a fortalecem como mulher que atua, porém,
mesmo sem eles, ela continua sendo agente, tomando iniciativas sempre que mudanças
sejam necessárias, tomando decisões quando os outros não fazem. Ela também não se
submete à dominação masculina e falocêntrica, adota uma postura, juntamente com
Baltazar, de igualdade dentro de um ―casamento‖. Vê-se uma nítida diferença de valores
em comparação com o casal da nobreza, em que se tem o Rei como centro e dominador
e a Rainha como mero objeto para reprodução e com vontades e atuações praticamente
nulos. Em se tratando de Blimunda, sua independência contribui para sua força de ação
e realização de suas vontades.
Entende-se, por fim, que a Mulher do Médico contém muito dos aspectos que
tanto a crítica feminista reivindica: uma igualdade de papéis entre homem/mulher, uma
mulher com características fortes e força de mudança, que seja determinada, espirituosa
e líder e mesmo assim continue sendo uma mulher, com todas as suas peculiaridades
femininas. Ela não pode ser julgada como indefesa ou pacífica só porque ―entende‖ a
traição do marido, bem como não há nada de mulher megera ou perigosa só pelo
assassinato que ela cometeu. Outras características dizem justamente o contrário: a força
de lutar por pessoas que não conhece, enfrentando situações perigosas, entrando no
covil do inimigo e assassinando o líder rival. Pode-se dizer que a personagem Mulher
do Médico é um exemplo para a desconstrução da dicotomia que tanto a crítica
feminista luta para desfazer.
E sobre Joana Carda, coloca-se aqui a fala do narrador relatando o espanto dos
homens em relação à inteligência e força desta personagem: ―Vê-se na cara de José
Anaiço e de Joaquim Sassa que vão desorientados, a mulher que desceu à cidade de pau
a proclamar impossíveis actos de agrimensora saiu-lhes filósofa nos campos do
Mondego‖ (SARAMAGO, 2006: 127).
Referências bibliográficas
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