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1 PARTE I
CONTEÚDO PROGRAMÁTICO LU 09/03/10
PROT: 3094
PROF: EQUIPE 01
IMPACTO: A Certeza de Vencer!!!
Narrativa de ficção
O texto que segue foi escrito por Moacyr Scliar — Está bem, não vou atrapalhar. O de sempre. — Estendeu a
chave.
Samuel subiu quatro lanços de uma escada vacilante.
Ao chegar ao último andar, duas mulheres gordas, de chambre
floreado, olharamno com curiosidade:
— Aqui, meu bem! — uma gritou, e riu: um cacarejo curto.
Ofegante, Samuel entrou no quarto e fechou a porta à chave.
Era um aposento pequeno: uma cama de casal, um guardaroupa de
pinho; a um canto, uma bacia cheia d'água, sobre um tripé. Samuel
correu as cortinas esfarrapadas, tirou do bolso um despertador de
viagem, deu corda e colocouo na mesinha de cabeceira.
Puxou a colcha e examinou os lençóis com o cenho franzido;
Pausa com um suspiro, tirou o casaco e os sapatos, afrouxou a gravata. Sentado
na cama, comeu vorazmente quatro sanduíches. Limpou os dedos no
papel de embrulho, deitouse e fechou os olhos.
"Às sete horas o despertador tocou. Samuel saltou da cama,
Dormir.
correu para o banheiro, fez a barba e lavouse. Vestiuse rapidamente
Em pouco, dormia. Lá embaixo, a cidade começava a moverse:
e sem ruído. Estava na cozinha, preparando sanduíches, quando a
os automóveis buzinando, os jornaleiros gritando, os sons longínquos.
mulher apareceu, bocejando:
Um raio de sol filtrouse pela cortina, estampou um círculo
— Vais sair de novo, Samuel?
luminoso no chão carcomido.
Fez que sim com a cabeça. Embora jovem, tinha a fronte
Samuel dormia; sonhava. Nu, corria por uma planície imensa,
calva; mas as sobrancelhas eram espessas, a barba, embora recém
perseguido por índio montado a cavalo. No quarto abafado ressoava o
feita, deixava ainda no rosto uma sombra azulada. O conjunto era
galope. No planalto da testa, nas colinas do ventre, no vale entre as
uma máscara escura.
pernas, corriam.
— Todos os domingos tu sais cedo — observou a mulher
Samuel mexiase e resmungava. Às duas e meia da tarde sentiu
com azedume na voz.
uma dor lancinante nas costas. Sentouse na cama, os olhos
— Temos muito trabalho no escritório — disse o marido,
esbugalhados: o índio acabava de trespassálo com a lança. Esvaindose
secamente.
em sangue, molhado de suor, Samuel tombou lentamente; ouviu o apito
Ela olhou os sanduíches:
soturno de um vapor. Depois, silêncio.
— Por que não vens almoçar?
Às sete horas o despertador tocou. Samuel saltou da cama,
— Já te disse: muito trabalho. Não há tempo. Levo um
correu para a bacia, lavouse. Vestiuse rapidamente e saiu.
lanche.
Sentado numa poltrona, o gerente lia uma revista.
A mulher coçava a axila esquerda. Antes que voltasse à
— Já vai, seu Isidoro?
carga, Samuel pegou o chapéu:
— Já — disse Samuel, entregando a chave. Pagou, conferiu o
— Volto de noite.
troco em silêncio.
As ruas ainda estavam úmidas de cerração. Samuel tirou o
— Até domingo que vem, seu Isidoro — disse o gerente.
carro da garagem. Guiava vagarosamente, ao longo do cais, olhando os
— Não sei se virei — respondeu Samuel, olhando pela porta; a
guindastes, as barcaças atracadas.
noite caía.
Estacionou o carro numa travessa quieta. Com o pacote de
— O senhor diz isto, mas volta sempre — observou o homem,
sanduíches debaixo do braço, caminhou apressadamente duas quadras.
rindo. Samuel saiu.
Detevese ao chegar a um hotel pequeno e sujo. Olhou para os lados e
Ao longo do cais, guiava lentamente. Parou, um instante, ficou
entrou furtivamente. Bateu com as chaves do carro no balcão, acordando
CONTEÚDO - 2011
ELEMENTOS DA NARRATIVA
O que torna o texto verdadeiro para quem o lê é a verossimilhança, ou seja, a coerência lógica interna do texto. Em outras
palavras, o texto deve ser semelhante à verdade [vero = verdadeiro; símil = semelhante). Os fatos de uma história não precisam ser
verdadeiros, no sentido de corresponderem exatamente a fatos ocorridos no universo exterior ao texto, mas devem ser verossímeis; isto
quer dizer que, mesmo sendo inventados, o leitor deve acreditar no que lê. Esta credibilidade advém da organização lógica dos fatos dentro
do enredo. Cada fato da história tem uma motivação [causa], nunca é gratuito e sua ocorrência desencadeia inevitavelmente novos fatos
[consequência]. A verossimilhança é verificável na relação causal do enredo, isto é, cada fato tem uma causa e desencadeia uma
consequência.
(Cândida V. Gancho. Como analisar narrativas. São Paulo: Áuca, 1995. p. 10.)
ENREDO (COMO?):
Trata-se aqui da ação da narrativa, da sucessão dos fatos, das vivências, das situações. E também conhecido como
fabulação, intriga, trama. E onde as personagens se põem em movimento, relacionando-se entre si, como na vida, em relações que
podem ser de colaboração, de afinidade, de oposição, de competição, que envolvem sentimentos e emoções.
PERSONAGEM (QUEM?):
Entre as personagens, há aquelas que se destacam porque agem mais: são as protagonistas, também chamadas de heróis
ou personagens principais. As que se relacionam a elas por oposição são as antagonistas, que geralmente também estão no primeiro
plano dos fatos. Em volta dessas, há sempre um conjunto de personagens secundárias, que ajudam a sustentar a trama.
TEMPO (QUANDO?):
As personagens agem num dado espaço, durante um tempo dado. Esse tempo pode ser cronológico, o tempo da natureza,
aquele marcado pelo relógio, com o passar das horas e dos minutos. Ela é fundamental, por exemplo, para as narrativas históricas.
Mas existe o tempo psicológico, o tempo da duração interior dos fatos, variável de indivíduo para indivíduo, composto de momentos
imprecisos que se fundem ou se aproximam. Nele podem misturar-se passado, presente e futuro, ao sabor dos sentimentos e das
lembranças.
O ESPAÇO (ONDE?):
A ambientação, o conjunto de elementos que compõem, por exemplo, o quarto, a sala, a rua, o bar, a montanha, a floresta,
a escola, a cidade, o sertão, etc., constitui o espaço narrativo. Ou seja, é o lugar onde se movem as personagens. Em alguns casos,
como na ficção regionalista, a caracterização do espaço físico é fundamental. Mas pode-se dizer que existe também um espaço
psicológico, o nosso espaço interior, o universo da nossa vivência subjetiva, pessoal, cheio de sonhos, desejos, sentimentos e
emoções, que predomina nas narrativas intimistas.
Narrador -> 3ª Pessoa: Ao contrario do anterior, este narrador tem total acesso a todas as cenas, espaços e consciência das
personagens.
Diante de uma proposta de narração, é sempre interessante que você faça inicialmente um
projeto de texto. Fique atento ao foco narrativo, isto é, tenha claro o grau de conhecimento que o
narrador terá dos fatos, das personagens, da ambientação. Pense cuidadosamente em cada
personagem, considerando seus aspectos físicos e psicológicos. Lembre‐se de que os nomes
próprios também são carregados de sentido. Monte o cenário de maneira a torná‐lo significativo
para o que quer contar. Defina o tempo em que as ações devem acontecer.
Projeto definido redija sua história, agora mais preocupado com a linguagem. É ela o
instrumento que vai dar vida ao seu enredo Verbos, nomes, pontuação... Tudo a serviço de uma
boa trama — policial, metafísica, romântica... — que satisfaça a você e a seu leitor.
PROPOSTA DE REDAÇÃO
recém-feita, deixava ainda no rosto uma sombra azulada. O conjunto era uma máscara escura.
— Todos os domingos tu sais cedo — observou a mulher com azedume na voz.
— Temos muito trabalho no escritório — disse o marido, secamente.
Ela olhou os sanduíches:
— Por que não vens almoçar?
— Já te disse: muito trabalho. Não há tempo. Levo um lanche.
CONTEÚDO - 2010