Sei sulla pagina 1di 3

c

Ê  
  





 !"!!#!!$%!&!
!'(

Camila Jourdan

Sim, µguerra é guerra¶ não é uma proposição de identidade quando figura na famosa afirmação que inicia o
primeiro filme da seqüência campeã de bilheteria µTropa de Elite¶. Ali vemos a personagem principal afirmar que 1)
guerra é guerra; 2) no Rio de Janeiro estamos em uma guerra; 3) logo, aqui vale tudo. Aliás, vale mencionar que não
deve ser uma coincidência que o segundo filme desta série tenha entrado em cartaz em meio às eleições, UPPs e um
mês antes à atual intervenção policial no complexo do alemão que agora acompanhamos. De qualquer forma, a
implicação mencionada só pode ser válida se µguerra é guerra¶ significar µem uma guerra vale tudo¶. Ora, a semântica
que torna esta implicação válida é a mesma que retira a necessidade da proposição em questão. Se µguerra é guerra¶
fosse uma proposição de identidade, ela seria necessária; por outro lado, µem uma guerra vale tudo¶ não apenas não é
uma afirmação necessária, como também é totalmente falsa. De fato, sabe-se que nem mesmo em uma guerra é correto
dizer que vale tudo. Isso já tornaria desnecessário (para negar a necessidade da conclusão) comentar a segunda
premissa, tão repetida nos últimos dias, segundo a qual µno RJ estamos em uma guerra¶.
Mas há um aspecto, para além da coleção de falácias proferidas pela mídia nos últimos dias, pelo qual podemos
considerar que estamos de fato em uma guerra. E este aspecto aparece particularmente bem expresso pelo discurso, tão
notoriamente presente nas guerras em relação aos inimigos: a violência   contra nós é sempre o mal supremo, a
 violência contra eles ou bem é motivo de orgulho ou simplesmente não existe.
Perguntemos então: quem são eles? E, em seguida: quem somos nós? Uma resposta tão irrefletida quanto fácil
seria: eles são os traficantes; nós somos os cidadãos, representados pelo Estado e seus agentes. Isso institui uma
separação que carrega um enganoso cunho moral. De um lado, os mocinhos, as pessoas de bem (aquelas que produzem
e consomem); de outro lado µeles¶, os bandidos, os malvados, os excluídos. E, desta maneira, então, institui-se também
a máxima: ³tudo para nós, nada para os outros.´ Ora, mas quem são os outros? Não é assim como se não houvesse uma
interseção evidente entre o Estado (seus agentes e fornecedores) e o tráfico de drogas (seus agentes e fornecedores) ou
entre os grandes empresários e o crime organizado, ou como se não houvesse um condicionamento necessário entre os
excluídos e a manutenção do sistema produtivo no qual se inserem os supostos ³homens de bem´. As UPPs não
terminaram com o tráfico nas regiões ocupadas, nem, quando o fizeram, era este seu principal objetivo. As UPPs foram
criadas para dominar determinadas regiões e, para tanto, com muita negociação e estabelecimento de hegemonia para
algumas facções criminosas, elas apenas ³retiraram´ os conflitos dos locais. A ³paz´ foi encontrada pelos termos de um
acordo aceito. Acordo que não punha fim ao tráfico, vale repetir, mas com o qual nem todos ficaram plenamente
satisfeitos. Sendo assim, não é errado dizer que os agentes do Estado parecem representar, no momento, muito mais
determinadas facções criminosas e grupos hegemônicos (contra outra facção) do que os proclamados cidadãos.
Então, temos que perguntar novamente: quem são i i, na formulação acima mencionada, e quem somos ,
afinal? Vejamos. Ocorre que esta situação batizada de µguerra¶ nada mais é do que a supressão total dos direitos e
legitimação do massacre de um determinado grupo tendo em vista unicamente a diminuição de conflitos, legitimada
pelo grande espetáculo fantasioso de combate ao tráfico de drogas que agora a grande mídia divulga. Esta situação pode
ser explicada por se tornar permanente aquilo que se convencionou chamar µestado de exceção¶. O estado de exceção
seria uma situação limite na qual os direitos, leis ou acordos vigentes em/entre determinados grupos sociais podem ser
ÿ

colocados em suspenso temporariamente, de modo justificado, até que a situação se normalize. A transformação da
exceção em norma permite que os direitos possam valer apenas para uma determinada parcela da população,
precisamente aquela que controla, administra, sustenta e/ou mantém a implementação (e, assim também, a suspensão)
destes direitos. Desta forma, simplificando, a lei vale para aqueles que a controlam e os direitos existem para os donos
do poder; enquanto que cessam de valer quando não interessa que assim seja para estes mesmos grupos mencionados. É
como inventar uma regra e dizer em seguida µesta regra vale salvo em caso de tal e tal e tal e tal....¶, sendo que a lista de
µtais e tais¶ é infinita e continua a crescer e mudar de acordo com as aplicações da regra em novos casos. Desta forma,
quem controla a regra sempre ganha o jogo e podemos mesmo dizer que não existe regra nenhuma. Quando a situação
de exceção se torna a norma não sabemos mais o que é a norma e o que é a exceção. Esta situação Noam Chomsky
atribui ao que denomina de µestados fracassados¶. 1 Nesse sentido, podemos dizer que nos encontramos em guerra e que,
ok, µguerra é guerra¶ (embora esta não seja uma proposição de identidade). Trata-se, portanto, de uma guerra entre os
que detêm institucionalmente e praticamente o poder político e econômico (ou a maior parcela de tal poder) e aqueles
que não detêm tal poder político e econômico (em quase nenhum sentido), a saber, µos pobres¶. Dito de modo mais
evidente ainda: os moradores das comunidades, não as facções criminosas, com as quais o Estado negocia abertamente.
São estes moradores que se procura controlar política e socialmente através dos acordos de poder e das UPPs e não
(jamais e em tempo algum) o tráfico de drogas.
Consideremos agora a seguinte análise. Lidamos com todos estes elementos:
1.‘ 'alsas justificativas para ganhar a opinião pública
2.‘ Interesses político-econômicos de fundo
3.‘ Pressão internacional
4.‘ Propaganda oficial, incluindo o espetáculo cinematográfico com estetização da violência
5.‘ Pessoas acuadas e em muito menor número
6.‘ Pessoas aterrorizadas pelo pânico instituído pelos meios de comunicação e por boatos
Poderíamos estar falando da Alemanha nazista ou da intervenção norte-americana no Oriente Médio. Poderíamos estar
em meio à guerra da Argélia por independência ou momentos antes ao golpe militar de 1964 no Brasil. Poderíamos
mesmo estar em uma narrativa ficcional. Mas não, nós estamos no Rio de Janeiro, 2010, comunidade do Alemão: forças
armadas, carros blindados e 1500 homens da polícia. Então vamos instanciar rapidamente nossas ³categorias´
anteriores:

1.‘ ³Nosso objetivo é acabar com a violência e melhorar as condições de vida dos moradores das favelas´.
2.‘ Eleições, copa do mundo, olimpíadas, investimentos empresariais no rio
3.‘ Pela pacificação, permitindo turismo, copa do mundo, olimpíadas, investimentos, lucros...
4.‘ Exemplo paradigmático, além da grande mídia oficial, o filme µtropa de elite¶
5.‘ O que o leitor pode pensar sozinho, deixo para o leitor
6.‘ Uma enorme parcelada da população e, ouso dizer, praticamente toda a chamada classe média.
Com todos estes elementos, o desenrolar não é muito difícil de prever: execuções sumárias, vários mortos e a
manutenção de uma mesma situação geral para as próximas gerações, incluindo, claro, o baixo grau de escolaridade; o
terror crescente já mencionado da chamada classe média e o grande lucro de alguns que permanecerão à sombra.

1
³Dentre as mais importantes características dos Estados fracassados figuram a incapacidade de proteger seus cidadãos da violê ncia,
talvez até mesmo da destruição, e governantes que dão prioridade a garantir o poder e a riqueza dos setores que controlam o Estado.´
(Chomsky, 2009, p. 48)


Mas é ainda necessário ressaltar o tom provocativo que agora vemos na grande mídia e praticamente em todos
os meios de comunicação, incitando o ódio interno à população, entre aqueles mesmos que sofrem opressão. Isso está
claramente presente nas declarações sobre as ³terríveis ações´ dos criminosos. Pessoas são comparadas às baratas; a
mencionada covardia presente na ação policial, ainda que evidente em números, é completamente invertida; a mesma
população que foge e abandona suas casas é retratada como amando e apoiando a polícia acima de todas as coisas.
Claro, esta mesma mídia foi excluída do local de conflito durante a madrugada, mas isso não impede em nada seu papel
de porta voz do discurso oficial e de propaganda das ações em questão, muito pelo contrário. Tudo deve parecer um
belo e limpo espetáculo de pacificação e, estejamos certos, o povo ama a polícia. Uma das expressões mais bizarras
deste inconsciente coletivo: a exibição de vídeos de assassinatos pela polícia à luz do dia nos centros urbanos. Tudo
justificado sob a afirmação tão incerta quanto insuficiente de que ³são bandidos´. Estado de exceção sim, já que não
passaram sequer por tribunais e não adotamos a pena de morte por execução sumária. Mas, adicionalmente, contradição
interna a um discurso que se diz de combate à violência. A população acuada, ri, ri da própria desgraça e passa, assim,
da servidão voluntária ao amor pelo algoz. Sim, hoje no Rio de Janeiro não vivemos apenas a inversão de um estado de
exceção tomado como norma, vivemos também um situação de refém em massa. Como explicar as recentes
manifestações de apoio voluntário divulgadas, da população mais pobre, aquela que mais sofre exclusão e violência
policial, senão como uma µsíndrome de Estocolmo¶ generalizada? Sim, é relativamente comum que o seqüestrado fique
cativo quando em cativeiro ou mesmo que se apaixone por aquele que lhe mantém preso. Sabe-se também que um
torturado chega a agradecer seu torturador pela menor manifestação de piedade. Dito de modo bem simples, se tirarmos
tudo de uma pessoa, ela acreditará amar aquele que lhe fornecer o mínimo. Quando as pessoas são colocadas em
situações limites, quando até o mais básico lhes é retirado, elas são facilmente dominadas. Nada expressa melhor isso
do que as cenas da chegada americana no Haiti destruído. O povo que antes poderia impor resistência à dominação,
naquele momento agradecia por um copo de água, beijando a mão do soldado americano. Aquele que, quase como um
Deus, detém a força e controla quem pode ou não viver, este sim, o responsável pelos meios mais básicos de
sobrevivência, é aquele que em meio ao caos é admirado e a quem se ama com fidelidade canina. Portanto, o apoio da
população que hoje é aclamado pelos meios de comunicação não refuta os termos nos quais este conflito de fato está
instituído, nem o controle que ele pretende. Ao contrário, tal suposto apoio é a manifestação, em grande medida
inconsciente, da condição de refém na qual nos encontramos. O apoio apenas corrobora a situação geral que aqui
pretendíamos destacar, a saber: associação entre a supressão de direitos, o medo e a submissão voluntária à humilhação.

Potrebbero piacerti anche