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Giselle GUBERNIKOFF
Professora Livre-Docente da ECA-USP.
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COMUNICAÇÃO: VEREDAS Ano III - Nº 03 - Novembro, 2004
RESUMO
O cinema clássico americano serviu e serve de modelo para as
indústrias cinematográficas de todo o mundo, não só na sua forma
de produção, como na sua forma de representação, que transcende
as fronteiras e povoa o nosso Imaginário. Breve, convencionou
uma série de códigos de “linguagem”, sintetizados em um verdadeiro
“manual” do discurso narrativo, que são aceitos plenamente pelo
públ i co em geral , e cujo objeti vo pri n ci pal é cri ar uma
verossimilhança com a realidade. O que se discute aqui é o fato de
que, desde o início da história do cinema como espetáculo, num
século em que vimos crescer o domínio da imagem, o cinema
americano foi conivente com a ideologia patriarcalista, originando
a representação de uma imagem da mulher “cativa” dentro desse
mesmo contexto. No cinema clássico isso se dá através de códigos
que constituem a especificidade do cinema como forma de
construções de significados. No cinema narrativo clássico essa
orientação se dá com o próprio desenvolvimento da narrativa. Esta
identificação é um sistema complexo, norteado pela direção do o lhar:
o olhar da câmera, o olhar do espectador, e os olhares dos
personagens entre si dentro do filme, e que muitas vezes se
confundem com o olhar do espectador.
ABSTRACT
The classical American movie used to serve and still nowadays does
as a pattern to the cinematographic industry all over the world. Not
only in its production form but also in its representation style which
goes over the minds boundaries and fulfill our imaginary. The
purpose of this research is the study of this kind of films that go
toward the lo o k: the cam lo o k; the addresser lo o k; and the lo o k of
the characters (each other) into the film which, several times, get
misplaced with the addresser lo o k.
Cinema e Imaginário
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especifica a mulher nessa ordem social a partir do qual se cria a identificação. Nossa
cultura difundiu a idéia de que o corpo da mulher é um espetáculo a ser olhado, e
que a mulher deve conhecer o seu lugar. A teoria feminista de cinema, que surge no
final de 1960 e início de 1970 em diante, denunciou o fato de se aceitar essa visão
da mulher proposta pelo cinema americano. Se realmente, como coloca Levi-Strauss,
as mulheres são valores de troca, mas ao mesmo tempo signos que circulam, garantido
a comunicação social, a representação da mulher a partir de sua sexualidade fez
dela o cenário fálico da representação. Principalmente a noção semiótica da
linguagem, que criou condições de explicar, dentro dos códigos de representação,
a construção da imagem da mulher.
A abordagem lacaniana também utilizada como referência para uma releitura
da produção do cinema clássico devido a sua idéia de formação do sujeito dentro
da linguagem, fundamenta-se no conceito da diferença sexual. Através dessa releitura,
o que se constatou foi que a mulher se encontra num lugar não representado, ausente
de significação, e “cativo enquanto sujeito histórico”. (LAURENTIS, 1978, p.14)
A abordagem psicanalítica é de extrema importância para a teoria do cinema,
pois fez emergir, no nível do sujeito, sua representação e significação simbólica e do
inconsciente.
Foi a partir das definições de Freud do autoerótico: narcisismo, voyeurismo
e exibicionismo, fundamentado no desejo, - desejo de olhar o próprio corpo, desejo
de olhar um objeto externo, ou pela introdução de um novo sujeito que devolve ao
exibicionista sua própria imagem – , que é fundamentado todo o processo de
identificação que ocorre ao assistir-se um filme. O “estado fílmico”, tem semelhança
com os processos psicanalíticos da construção do sujeito, pois evoca essas estruturas
psíquicas, ou seja, “uma tendência à observação prazerosa”. (KUHN, 1991, p.71)
E, soma-se ao fato de que, para Freud, o inconsciente – sede das tensões
que constituem o sujeito – forma-se por meio de significações.
Portanto, o cinema constrói imagens e visões da realidade e insere o
espectador nele, através de códigos específicos, que reforçam a verossimilhança
com o mundo real.
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O Texto no Cinema
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familiar. Caso isso não aconteça no transcorrer do enredo, será castigada por sua
transgressão.
Em uma narrativa, o discurso sempre se origina em alguém, e pode ser feito
em dois níveis: o histórico ou o discursivo. O histórico não possui um narrador
visível e, por isso mesmo, acredita-se que ele não exista, e os fatos chegam a nós
como se fossem verdadeiros. O discursivo já pressupõe um enunciador, uma fonte
identificável ou um ponto de vista assumido. Por exemplo: o personagem “Cidadão
Kane” é “reconstruído” a partir de cinco pontos de vista narrativos diferentes, ou
seja, a partir de depoimentos de pessoas relacionadas a ele durante a sua vida.
Como no cinema clássico é utilizado constantemente o nível histórico,
o espectador recebe as imagens como se fossem verdades, o que permite a instalação
de uma ideologia mais facilmente.
Dentro dessa perspectiva, existem três maneiras de se contar uma história,
referentes aos três pontos de vista narrativos, na argumentação de Todorov:
· Quando o narrador e o espectador sabem mais que os personagens (o
ponto de vista desde atrás)
· Quando o narrador e o espectador sabem tanto quanto os personagens (o
ponto de vista com)
· Quando o narrador e o espectador sabem menos que os personagens (o
ponto de vista externo) (KUHN, 1991, p. 61)
Um sintoma bastante nítido da forma com que o star system representa
suas personagens femininas encontra-se em Gilda, que imortalizou a atriz Rita
Haywoorth, mas que é narrado em off pelo personagem masculino principal da
trama.
No cinema, texto e aparato são uma coisa só. É a partir da interconexão
dos dois que se cria o significado cinematográfico. O que se percebe é que o discurso
é “reconstruído” na interação com o sujeito receptor, que vai ao cinema com sua
própria bagagem cultural. O espectador, assim, interage com o filme “completando-
o” nas suas elipses e ausências ou mesmo “usurpando” o ponto de vista do narrador
na câmera subjetiva ou no campo e contra-campo. Ele reconstrói o seu próprio
filme, através de um processo de identificação com aquilo que acontece na tela.
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A teoria Lacania diz que, sexualmente, se vive uma relação específica com a
linguagem, o que vai ao encontro das formações sociais do patriarcalismo. Devido
a abordagem feita pelo cinema narrativo clássico da figura da mulher, pode-se concluir
que sua representação é fruto do patriarcalismo, pois toma como única subjetividade
possível a masculina.
Com a incorporação dos elementos do realismo à construção da narrativa
clássica, ou seja, com a impressão de realidade dada, o espectador acredita que o
filme seja o mundo real. A linguagem cinematográfica, apoiada numa série de
codificações para a produção de significados (montagem em continuidade,
enquadramentos etc.), e que envolvem constantemente o espectador, transforma-
os em consumidores passíveis, identificando-os com o protagonista da ação. Todo
o operacional cinematográfico juntamente com a ficção ajuda a reforçar essa
identificação. Com a verossimilhança ao mundo real daquilo que é projetado na
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NOTAS
1
Capítulo do Texto de Livre-Docência “Imagem e Sedução”.
2
A principal referência para essa abordagem do papel da mulher na história do cinema
americano é o livro de Molly Haskel, From Reverence to Rape, (de 1975).
REFERÊNCIAS
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