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Entrevista
Identificação
Região: Norte
Estado: Acre
Herança/raiz alimentar: Nordestina e indígena
Nome: Nelcione de Oliveira
Natural ou residente: Natural da cidade Cruzeiro do Sul. Morou lá durante 18
anos, há 10 anos reside no Rio de Janeiro e a cada dois anos visita seus parentes
acrianos.
A entrevista aconteceu em duas etapas: a entrevistada recebeu as perguntas via
email e num segundo momento nós a encontramos para finalizar a entrevista. O
encontro ocorreu no Campo de Santana no dia 03.05.11.
De manhã, basicamente se come pão de milho (cuscuz com leite de coco), café
preto, às vezes com leite em pó ou pão e tapioca de coco. Ah! O pão é diferente dos
daqui, ele é comprido, tipo uma bisnaga.
No almoço é arroz branco, feijão “marrom”, lá nem tinha feijão preto, peixe
cozido ou frito e farinha de mandioca. Pode faltar tudo, menos farinha. A minha cidade
é a maior produtora de farinha de mandioca do Brasil, só que a maior parte é exportada.
Quando eu morava lá se consumia muito peixe, só que agora quase não existem
peixes de rios só mais de açudes. Peixes criados em cativeiro à base de ração
industrializada e, a partir daí, é visível a modificação do peixe, a carne fica diferente, a
cor e o sabor ficam diferentes em função dessa alimentação. Na hora do cozimento o
peixe exala cheiro de carne bovina. E devido à escassez dos rios e ao aumento da
produção do gado, atualmente se consome mais carne vermelha.
Verduras e legumes crus não faziam parte da alimentação, nem tanto por
questões financeiras, mas devido à dificuldade de acesso e também pelo sabor.
Consumimos cozidos porque há um bloqueio com relação ao sabor deles crus. O Estado
não produzia legumes e agora é que estão produzindo tomate em grande escala.
Verduras não chegavam, não havia produção. O acreano em particular não tem o hábito
de comer verduras e legumes crus. É uma questão meio que cultural também. Hoje
existe o consumo mais por uma questão de necessidade nutricional e não por prazer, o
que é muito visível.
Existem frutas típicas em abundância: buriti, graviola, cupuaçu, açaí que às
vezes chegam a estragar. Não existe a cultura de aproveitar. Por exemplo: transformar
uma banana muito madura num doce. Ah! Também se come melancia, banana e laranja,
basicamente.
O arroz é feito diferente, minha mãe colocava água numa panela e misturava o
arroz, sal, óleo e colorau de uma única vez. Levava ao fogo até cozinhar ou secar a
água. É o arroz leva colorau.
O feijão é cheio de coisa. É cozido com jerimum (abóbora), toucinho, couve,
cheiro verde, maxixe, quiabo e mandioca, colorau, pimenta do reino, pimenta de cheiro
e sal. E quando ela fazia carne era sempre cozida e o modo de preparo é semelhante ao
do feijão, tirando apenas o toucinho, e lá a gente chama isso de “cozidão”.
• Existem festas típicas em Cruzeiro do Sul?
Sim. Não se pode comer manga com febre. Não se pode tomar banho depois de
comer. Quando a gente ficava gripada, minha mãe fazia limão com alho e mastruz com
leite. Pra dor de barriga, olho de goiabeira e crajirú como anti-inflamatório.
Sim. Principalmente em relação ao sabor, textura e cor das comidas. Não como
feijão preto e ainda sou louca por farinha, mas não me adaptei a esta que é consumida
no sudeste. Ainda hoje só consumo farinha do meu Estado trazida por amigos ou
familiares. Continuo sem comer verduras e legumes crus. Não desce. Açaí então, nem
pensar. O açaí daqui nem tem cor muito mesmo sabor de açaí. Também não como a
pamonha daqui porque é doce. Não gosto.
Conclusão
Podemos perceber e através das falas da entrevistada que os determinantes dos hábitos
alimentares não se limitam a uma escolha individual e sim, estão atrelados a fatores
como renda, práticas econômicas (...“Pode faltar tudo, menos farinha. A minha cidade é
a maior produtora de farinha de mandioca do Brasil, só que a maior parte é
exportada.”..), localidade, pela cultura e até mesmo influenciado pelas informações
científicas (...“Hoje existe o consumo mais por uma questão de necessidade nutricional
e não por prazer, o que é muito visível”...)
Nesse último aspecto o trabalho nos trouxe o questionamento sobre a
participação do profissional nutricionista como construtor de hábitos saudáveis, até que
ponto nossa “bagagem científica” nos prepara para compreender as peculiaridades do
comer de regiões com culturas diferentes.
Ao longo da entrevista percebemos a forma como os alimentos são vistos de
maneira incomum quando comparados aos nossos costumes. A idéia de alimentos que
devem ser doces e aqui são consumidos salgados, seus acompanhamentos, comidas
típicas em festas e aquelas proibidas, assim como, o que é ou não um alimento de fato.
Portanto em nossa atuação profissional devemos considerar o hábito alimentar
como um todo, para que nossos métodos de intervenção objetivem se adequar ao
indivíduo e não seu oposto, sendo este objetivo alcançado quando incorporamos em
nosso discurso os aspectos biológicos e simbólicos da alimentação.