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Totalidade e Imaginário
Vavy Pacheco Borges
Nota: Este ICX1.o foi lIpresenrado na meS:H"edonda "Pcr.;pectivas metodológicas da produçao de p6s-grd
duaçào em I,islória polítiC'd" do XVIII Simpósio Nacional da ANPUH, realizado em julho de 1995 em Recife.
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relação a seu Estado; a visão da história de cada país tem nisso papel fundamental.
Nossa história, como a história francesa que tanto nos marcou e as outras histórias
européias, é uma história nacional, escrita sob a perspectiva da nação. Esta parece
ser a referência que propicià Wl13 idéia de totalidade para ltm "processo histórico"
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da nação Segundo mostram as autoras, existe uma história nacional como
perspectiva de fundo nos trabalhos levantados; mesmo naqueles trabalhos que
podem ser vistos como de história regional ou local - isto é, que tratam de um
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feita nos vestibulares de história, dos quais se delineava uma história cheia de
estereótipos, mitos e preconceitos, ligada a visões contraditórias e matrizes
diversas. Nessa história o político aparecia como o aspecto mais importante,
numa sucessão linear de grandes vultos. Era uma história muito tradicional,
próxima a uma visão oficial - estilo educação moral e cívica - em que havia
uma perspectiva maniqueísta de luta entre heróis e vilões, e na qual, durante o
período colonial, Portugal era o grande responsável por todas as maldades
contra OS intrépidos filhos do solo brasileiro, sempre decididos a tornar o Brasil
dono de seu destino. A colonização era por oulro lado valorizada por ter
incorporado elementos negros e índios, do que resultara uma democracia racial
e um grande ideal de hamlOnia. Percebia-se na visão de história um naciona
lismo ufanista, lutando sucessivamente contra nossos dois grandes males,
primeiro o colonialismo e depois o imperiaJ.i!;mo. Nosso passado, sem conflitos
e 'incruento, mostrava O mal como vindo somente de fora; o Brasil estaria como
que desarticulado do resto do mundo, que só desejava seu atraso. O Brasil-povo
era visto como uma vítima, mas destinado sempre a um futuro glorioso.
Para algumas visões atuais que se crêem renovadoras, uma perspectiva
totalizante e em especial a partir da nação é algo descartado. A própria realielade
da construção dos Estados nacionais evidenciou o comprometimento destes
com formas de poder de diferentes regiões, de segmentos de classes, de grupos.
Além desse tipo de dificuldades, que poderíamos situar mais no campo teórico,
há també m uma séria dificuldade prática: uma quase que impossibilidade de se
tratar de algo tão amplo e tão vago como a história de toda uma nação, no
sentido em que muitos entendem a história hoje; pois é dificil para um só
historiador ficar atualizado com toda a vasta produção aqui em questão. Isso
tudo dificulta a constituição de um "perftl nacional" e para muitos impossibilita
uma história nacional. Um ensaio sobre a história nacional exige uma calegoria
de historiador e um fôlego cada vez mais ·raros entre nós.
Porém, para um público significativo que quer entender a situação de
impasse atual do Brasil, sua história enquanto naç-Jo é muito importante. A
função histórica ela relação passado-presente é inlportante para a construção da
cielaelania e de um futuro melhor. Assim, proporul0 que os historiadores
preocupados com a história política enfrentem em primeiro lugar essas dificul-
dades relacionaelas a uma "história nacional".
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o último a eliminar a escravidão e que atualmente tem uma das piores divisões
de renda do planeta, é totalmente explicável essa permanente referênda. É
também fundamental lembrar o fato de que muitos de nós sonhamos com a
utopia, o desejo de "entr'drmos no primeiro mundo" não somente do consumo
mas sobretudo da democrada, dos direito� de cidadania, o que significa uma
qualidade de vida mais satisfatória para a maioria da população. Parece-me
importa)1te lembrar aqui essas duas bases, digamos, mais reais, mais objetivas.
Não temos um imaginário paranóico.
Precisamos tentar explorar um pouco desse imaginário, sobretudo
investigar os sentimentos que esses constantes impasses nos provocar'dm e
provocam. É preciso pensar o imaginário nào como mistificador, isolado do real,
não como quimérico ou ilusório, mas com sua parte de razão e de não-raz.,10,
seus mitos e preconceitos, seus séntimentos positivos e negativos. Não há no
imaginário um sistema rígido, OS elementos são fluidos, se desdobram, não se
pode vê-los cartesianamemente; é preciso pensá-lo em uma longa duração.
Porque, creio, sem referências a esse imaginário será difícil entender esse magma
apontado. Estamos claramente no campo da cultura política, "com suas crenças,
ideais, normas e tradições, que dào um peculiar colorido e significado à vida
a
política, aspeaos menos tangíveis mas nem por isso menos interessantes"
Assim, lembrando especialmente as crenças, percebe-se como é difícil, somente
através da razão, consegUir apreender nosso próprio imaginário político, um
campo até agora quase que não explorado por nós.
Ne.sse imaginário, os mitos têm função explicadora, fornecendo um
certo número de chaves para a compreensão. do presente; têm também um
papel mobilizador. Um dos mitos que se aponta no imaginário político europeu
nos ultimos séculos é o da conspir'dç'dO ou do complô (dos judeus, dos jesuítas,
da Revoltição Francesa). Na visào aqui analisada, parece existir um complô,
IJ.IU" conspiração 'maléfica que precisa ser denunciada: é o complô de classe da
�urguesia, maquiavélica e onipotente. É o fantasma dessa burguesia que nas
Ce
f cadas
parte a partir do gostoso e tão utilizado manual de secundário História da
riqueza do homem, do marxista Léo Hubellllan. A eSsa imagem simplificada de
burguesia deve-se opor uma imagem mais requintada e historicamente mais
verdadeira: a bur esia enquanto um "fantasma de mil faces", como a definiu
�
Norberto Bobbio.
Raoul Girardet mostra o papel das manipulaçôes que estão a serviço
do complô e da conspiração: a c�rrupçào, o aviltamento dos costumes, a
desagregação sitemática das tradiçôes sociais e dos valores morais, ou seja,
lO
manipulaçôes que atingem "às fontes mais profundas da vida". Creio que é
interessante lembr'armo-nos dessas observaçôes, que estão sempre presentes
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nos debates políticos mais acirrados e devem estar presentes também em nosso
lfllagmano.
. . � .
paraJacques Le Goff, foi nos anos 1960 que O popular se tornou moda,
defirtido como o que nào é savanl, scientiftque, rationnel, noble... Outros
apontam na França a preocu pação com a cultura popular como o novo caminho
n
encontrando nos anos 1970 por muitos "soixanle-huifardS, Além do evidente
comprometimento político com uma democracia cuja base sempre deve ser o
demos, parece haver entre nós um mito do "Povo" com maiúscula: um
sentimento, um desejo no imaginário, pelo qual se acredita no povo enquanto
sujeito histórico, se espera dele a salvação da sociedade como um todo. Algo
parecido com a análise feita por A1ain Pessin sobre o inconsciente rornàntico do
século XIX na França: o povo como o sujeito de uma "rêverie populiste', que o
autor examina em diferentes versões e vertentes (por exemplo em Victor Hugo,
Michelet, Eugene Sue, George Sand, Blanqui entre outros). Não é um povo
fonnado por pobres e/ou proletários, é um povo nútico, presente sobretudo nos
inconscientes dos autores. 12 Concluindo: para examinar mais detidamente a
especificidade de nossa visão da história nacional, devemos levar em conta suas
relações com o real, com as ciências humanas e com a lústoriografia em particular,
com a cultura politica brasileira, com seus mitos, crenças e tradições. Tudo isso
está inextricavelmente ligado, e é aqui lembrado a título introdutório e de
provocação, podendo ser aprofundado se quisennos dar wn passo adiante em
nossas avaliações da produção de história política no Brasil.
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