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PEARL S. BUCK
AGRADECIMENTOS
Para organizar esta antologia de contos de encantar que reuni ao longo dos anos,
recorri, no tocante a alguns textos que aparecem, revistos, neste livro, a traduções
originais e a antologias. Devo especiais agradecimentos a Lafcadio Hearn, pelos
seus dois livros Kwaidan e Some Chinese Ghosts; ao Dr Ignácz Kuno, pela sua
antologia Turkish Fairy Tales, traduzida por R. Nisbet Bain; a A. B. Mit/ord, pelos
Tales of Old Japan, e a Andrew Lang, pelas suas muitas antologias de contos de
encantar.
P S. B.
Prefácio
Todavia, nos contos de encantar russos existe, também, algo cativante: o herói é,
muitas vezes, um simplório, como suponho que acontece frequentemente na vida
real. Seja como for, porém, deve haver certo encanto na sua inocência, na sua
simplicidade, pois de contrário como se explicaria que o simplório encontre
sempre quem o ajude até casar, por fim, com a princesa? Todas as vezes que se
vê auxiliado, parece-lhe isso bom de mais para ser verdadeiro, mas a sorte
continua a favorecê-lo, sem esforço da sua parte, até à conquista do almejado
prémio. É mister admitir, portanto, que existe na alma russa alguma coisa que ama
este homem simples ou que com ele se identifica.
voadores, que procuram por todos os meios transpor qualquer portão aberto. Os
fantasmas mais comuns são os espíritos de bonitas mulheres, que se insinuam na
vida dos homens através dos sonhos e adquirem aspecto de realidade - o que não
surpreende num país em que os homens e as mulheres raramente se encontram e
os casamentos são concertados pelos mais velhos. Quem pode censurar a um
jovem, privado da companhia de raparigas ou casado com uma mulher que não
ama, os seus secretos sonhos de amor com o espírito de alguma bonita mulher
doutras eras? Pelo menos assim parecia acontecer na velha China...
O espelho é também usado com frequência como objecto de magia nos contos de
encantar de todos os países. Talvez a primeira visão do próprio rosto
proporcionasse o portento inicial. Qual de nós se conhece a si mesmo, como
aparece aos outros, se não vir a sua imagem reflectida? Foi há muito tempo,
segundo creio, que Narciso, ao debruçar-se para beber num charco de águas
calmas, viu um rosto que ao princípio não reconheceu, mas que, uma vez visto
não resistiu à tenta-
ão de ver outra vez e outra e outra. Assim deve ter procedido o homem primitivo e
assim procede ainda o homem de hoje, pois raramente passa por um espelho sem
deitar, pelo menos, uma olhadela à sua imagem. Isto deu origem à lenda de que
no espelho «existe» uma criatura mágica, um génio, poderoso como todos os
seres humanos anelam ser, capaz de realizar desejos e sonhos.
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Na vida, parece que o bem nem sempre vence; nos contos de encantar, porém, o
mal sai vencido e o bem triunfa, graças a Deus, e o príncipe e a princesa vivem
eternamente felizes. O autêntico conto de encantar proporciona sempre esta
certeza, e talvez seja justo assim, pois quando nós, mortais, perdemos a
esperança e a fé na espantosa e perene força da bondade, perdemos a esperança
e a fé em nós próprios e a vida deixa de parecer digna de ser vivida.
Há algo de profundo neste tema central de todos os contos de encantar que não é,
de modo nenhum, infantil ou simples. Pelo contrário, vale a pena reflectir nele
enquanto vivermos.
A gralha encantada
e até malfazeja, aparece aqui com galas de beleza e virtude e, como justa
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Em tempos que já lá vão, existiu um homem que tinha um único filho e que
costumava passar o dia inteiro na floresta, a apanhar pássaros para se alimentar.
Por fim, morreu e o filho ficou só. Um dia, este pegou na armadilha do pai, foi para
a floresta e armou-a numa árvore. Nesse momento uma gralha voou baixo e foi
apanhada pela armadilha, que estava muito bem disfarçada. O rapaz trepou pela
árvore, mas a pobre ave começou a suplicar-lhe que a libertasse, prometendo dar-
lhe em troca coisa mais bela e preciosa do que ela própria. Tanto pediu e tanto
rogou que, por fim, o jovem a deixou ir em paz, preparou outra vez a armadilha e
sentou-se à espera, debaixo da árvore. Pouco depois outra ave caiu na rede. O
rapaz amarinhou novamente pela arvore, mas estacou, surpreendido, pois jamais
vira pássaro tão belo.
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O rapaz meteu o pássaro numa gaiola e levou-o ao palácio. O paxá ficou louco de
alegria, ao ver a bela criaturinha, e deu tanto dinheiro ao rapaz que este nem
sabia que lhe havia de fazer. Guardaram a ave numa gaiola de ouro e o paxá
deliciava-se a admirá-la de noite e de dia.
Ma5 o paxá tinha um conselheiro que sentia inveja do jovem que levara a #ve e l1-
16 daya tratos à imaginação à procura de uma maneira de o arruinar- P°r nm
encontrou-a.
morar!
redarguiu o conselheiro.
mentou-seojovem.
findo este prazo, não o arranjares, a tua cabeça estará onde estão agora os teus
pés.
Isso não é motivo para te preocupares. Vai pedir ao paxá quarenta carros de
vinho.
. Há aqui perto uma floresta em cuja orla existem quarenta grandes v#las onde
vão beber tantos elefantes quantos há no mundo. Enche essas valas de vinho, em
vez de água; os elefantes ficarão embriagados assim que o beberem, cairão e tu
poderás cortar-lhes as presas e levá-las ao paxá.
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Aquele que trouxe as presas dos elefantes também poderia trazer o dono da ave...
Mais uma vez o paxá mandou chamar o jovem e lhe ordenou que trouxesse o
dono do pássaro à sua presença.
- Como hei-de saber quem é o seu dono, se o apanhei por acaso na floresta? -
protestou o moço.
O moço foi para casa a soluçar alto, no seu desespero, mas eis que a gralha
surgiu, a voar, e lhe perguntou porque chorava.
- Como não hei-de chorar? - lamentou-se o pobre rapaz, e contou-lhe a sua nova
preocupação.
- Aponta o teu barco para leste t navega a direito até distinguires uma grande
montanha. No sopé da mesma vivem quarenta peris1 que experimentarão intenso
desejo de ver o que levas no barco, assim que o avistarem. Lembra-te, porém, de
que deves consentir que entre apenas a rainha, que é a dona do pássaro.
Enquanto lhe mostrares o barco, faz-te de vela e não pares antes de chegares ao
teu destino.
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Quando acabou de se banhar, subiu à coberta e viu apenas mar à sua volta,
desatou a chorar amargamente. Que seria dela e para onde a levariam? Em que
mãos cairia? Mas o moço tranquilizou-a, dizendo-lhe que a levava para o palácio
de um rei, onde estaria entre boa gente.
O banquete de núpcias não tardou, e, com o belo peri à sua direita e a fascinante
ave à sua esquerda, não havia no mundo homem mais feliz do que o paxá.
Mais uma vez o moço se meteu no barco e preparava-se para içar as velas
quando a gralha chegou. Contou-lhe a nova missão de que fora incumbido e a ave
disse-lhe:
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essa avistou o palácio. Foi direito aos portões, onde se encontravam, de facto, os
leões. Mal lhes tocou com a pena, deitaram-se e deixaram-no passar. Os peris
viram-no também, calcularam que a sua rainha adoecera e deram-lhe a droga. O
moço fez-se imediatamente de vela regressou ao palácio e dirigiu-se sem demora
para o quarto da sultana, com o remédio numa das mãos e a gralha num ombro.
A sultana estava já na agonia, mas assim que provou o remédio regressou
imediatamente à vida. Abriu os olhos, fitou o jovem e viu a gralha no seu ombro.
- Oh, escrava! - exclamou, dirigindo-se à ave. - Não estás repesa de tudo quanto
este moço sofreu por tua causa?
Explicou então ao paxá ser a gralha uma criada sua, que transformara em ave por
via da sua negligência.
Ao ouvir estas palavras a gralha estremeceu toda e o jovem viu diante de si uma
donzela tão bonita que pouco diferia da rainha dos peris. A pedido da sultana, o
paxá casou o rapaz com a gralha encantada.
O mau conselheiro foi desterrado e o jovem, nomeado vizir em seu lugar, viveu
sempre muito feliz com a esposa.
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A história de Ming- Y
Este conto de encantar da velha China é uma história de amor. São seus
protagonistas um bom jovem e o fantasma de uma bonita mulher morta há muito
tempo, mas a quem o amor devolveu à vida por algum tempo. Numa floresta
poemas e sonharam os seus sonhos, até que um dia, de súbito, tudo terminou. O
a amava viveu a sua vida sem a esquecer, mas também sem nunca falar dela,
nem
Ia o jovem na décima oitava primavera quando Tien Pelou foi nomeado inspector
da Instrução Pública na cidade de Tching-tou, aonde Ming-Y acompanhou os pais.
Perto da cidade de Tching-tou vivia um rico homem de posição, um alto-
comissário chamado Tchang, que desejava um professor digno para os seus
filhos. Ao tomar conhecimento da chegada do novo inspector da Instrução Pública,
o nobre Tchang visitou-o, a fim de com ele se aconselhar, e, tendo por acaso
encontrado e conversado com o virtuoso filho de Pelou, decidiu imediatamente
contratar Ming-Y como aio particular.
da cidade, pareceu melhor que Ming-Y nela passasse a viver. O jovem nreparou
todas as coisas necessárias na sua nova morada e os pais desdiram-se ^t com
conselhos sensatos e citando-lhe as palavras de Lao-tseu e dos sábios antigos:
«Um belo rosto enche o mundo de amor, mas não ilude o Céu. Se vires uma
mulher vir do Leste, olha para o Oeste. Se avistares uma donzela vir do Oeste,
volta os teus olhos para
o Leste».
Se, mais tarde, Ming-Y não seguiu esses conselhos, a culpa coube apenas à sua
juventude e à inexperiência de um coração naturalmente
alegre.
Partiu, pois, para casa do senhor Tchang. Passou o Outono, passou também o
Inverno, e quando a segunda lua da Primavera estava próxima, e próximo,
portanto, aquele dia feliz a que os chineses chamam Hoa-tchao, ou «Aniversário
das Cem Flores», Ming-Y experimentou o desejo de ver os seus pais. Abriu o
coração ao bom Tchang, o qual não só o autorizou a partir, mas também insistiu
em oferecer-lhe de presente duas onças de prata, pensando que o rapaz desejaria
levar qualquer pequena recordação aos pais, pois era costume, na festa de Hoa-
tchao, presentear amigos e parentes.
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- Senhor, a minha ama mandou-me entregar-lhe esta prata que deixou cair na
estrada - disse-lhe a rapariga.
Noutro dia, ao regressar pelo mesmo caminho, Ming-Y parou no local onde a
graciosa figura surgira momentaneamente a seus olhos. Desta vez surpreendeu-o
entrever, através de um maciço de enormes árvores, uma habitação em que antes
não reparara - uma casa de campo, elegante, embora pequena. As telhas azul-
brilhante do seu telhado duplo, arqueado e serrilhado, erguiam-se acima da
folhagem e pareciam misturar a sua cor com o azul luminoso do dia, e os
desenhos verdes t dourados dos seus alpendres entalhados eram cópias
delicadas de folhas e flores banhadas de sol. No alto de uma escada que levava a
um terraço e ladeada por grandes tartarugas de porcelana, Ming-Y viu a dona da
casa, o ídolo da sua fantasia apaixonada, na companhia da criada a quem
confiara a sua mensagem de gratidão. O jovem percebeu que o observavam e
sorriam, como se falassem de si, e, apesar de tímido, teve a coragem de saudar,
de longe, a bela desconhecida. Com grande espanto, viu a criada acenar-lhe para
que se aproximasse, e, com um sentimento misto de alegria e surpresa, Ming-Y
abriu uma cancela rústica, semioculta por trepadeiras de flores escarlates, e subiu
ao terraço. Ao aproximar-se, a bela dama recuou, mas a criada esperou nos
degraus largos, para o receber.
- Senhor - disse-lhe -, a minha ama sabe que deseja agradecer-lhe e pede-lhe que
entre, pois conhece a sua reputação e quer ter o prazer de lhe dar os bons-dias.
Ming-Y entrou, tímido, sem que os seus passos produzissem ruído na esteira
macia e fofa como musgo da floresta, e encontrou-se num
21””-
vasto salão. Reinava uma paz deliciosa e sombras de aves em voo recortavam-se
nas faixas de luz que entravam pelas cortinas de bambu. Grandes borboletas de
asas chamejantes entravam no aposento, esvoaçavam um instante sobre os
vasos pintados e saíam outra vez para a floresta misteriosa. Silenciosa como elas,
a jovem senhora da mansão entrou e saudou amavelmente o moço Ming-Y, que
colocou as mãos no peito e se curvou muito. Era mais alta do que ele imaginara e
esguia como uma açucena. Pálidos botões de chu-sha-kih entreteciam os seus
cabelos negros, e as suas vestes de seda clara adquiriam suaves cambiantes
quando ela se movia, como a névoa muda de cor sob os efeitos da luz.
A sua voz possuía uma musicalidade suave, como a melodia dos regatos e o
murmúrio das fontes, e as suas palavras uma graça tão estranha como Ming-Y
jamais ouvira. Contudo, ao sabê-la viúva, não ousou demorar-se na sua presença
sem um convite formal e, depois de beber a chávena de chá que lhe serviram,
levantou-se para partir.
Não, meu amigo, rogo-lhe que fique um pouco mais em minha casa, pois estou
certa de que o seu nobre amo se zangaria muito se souesse que esteve aqui e
que não o recebi como hóspede de honra. Jante, ao menos, comigo.
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mais doce e bela criatura que até ali conhecera t amava-a ainda mais que a seu
pai e a sua mãe. Enquanto conversavam, as longas sombras do crepúsculo
fundiram-se lentamente numa escuridão cor de violeta, o grande clarão do poente
empalideceu e os seres estrelados chamados Três Conselheiros, que presidem à
vida, à morte e ao destino dos homens, abriram os seus olhos frios e brilhantes do
lado norte do céu. Dentro da casa de Siè acenderam-se as lanternas pintadas,
pôs-se a mesa para o jantar e Ming-Y ocupou o seu lugar, com pouca vontade de
comer e a pensar apenas no rosto encantador que tinha à sua frente. Ao notar que
mal tocava nas iguarias, Siè aconselhou o seu jovem convidado a beber vinho, e
beberam juntos várias taças. Era um vinho cor de púrpura, tão fresco que a taça
se cobria de vapor, mas parecia aquecer as veias como um fogo estranho.
Enquanto o bebia, Ming-Y experimentava a sensação de que tudo se tornava mais
luminoso, como que encantado, as paredes do aposento dir-se-ia recuarem, o
tecto elevar-se e as lanternas brilharem como estrelas suspensas. A voz de Siè
chegava aos seus ouvidos qual melodia distante escutada através da imensidão
de uma noite lânguida. O seu coração dilatou-se, a sua língua soltou-se e
jorraram-lhe dos lábios palavras que nunca se julgara capaz de proferir. Mas Siè
não o detinha e, embora os seus lábios não sorrissem, os seus oblíquos olhos
cintilantes pareciam rir de prazer dos louvores que o moço lhe tecia, e retribuíam o
seu olhar de apaixonada admiração com afectuoso interesse.
- Ouvi falar do seu raro talento - afirmou-lhe - e dos seus muitos dotes galantes.
Sei cantar um pouco, ainda que não possa alardear instrução musical, e sinto-me
tentada a esquecer a modéstia e a pedir-lhe que cante algumas canções comigo.
Sentir-me-ia feliz se condescendesse em apreciar as minhas composições
musicais.
Siè tocou um gongozinho de prata e a criada trouxe a música. Ming-Y pegou nos
manuscritos e começou a examiná-los com sincero deleite. O papel tinha um tom
amarelo-pálido e a leveza da gaze; os caracteres eram belos e de um estilo
antigo, como se houvessem sido desenhados pelo pincel do próprio Heisong Ché-
Tchoo, esse génio da tinta, que não é maior do que uma mosca, e as
composições estavam
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que os tesouros dos reis! Esta é, deveras, a escrita dos grandes mestres que
cantaram quinhentos anos antes do nosso nascimento! Que sorte magnífica terem
sido preservados e existirem ainda! Esta deve ser a tinta maravilhosa acerca da
qual se escreveu: Po-nien-jou-chi, i-tien-jou-ki
- Kao-pien, querido Kao-pien! - murmurou Siè, com estranho fulgor no olhar. - Kao-
pien é também o meu favorito. Querido Ming-Y, cantemos juntos os seus versos
com a velha melodia, a música daqueles anos grandiosos em que os homens
eram mais nobres e mais sábios do que hoje.
Assim passou a nona hora e continuaram a conversar e a beber o vinho fresco cor
de púrpura, e a cantar as canções dos anos da dinastia Thang, até a noite ir muito
avançada. Ming-Y pensou mais de uma vez em partir, mas de todas elas Siè o
reteve, a contar, na sua voz doce e cristalina, histórias maravilhosas de grandes
poetas e das mulheres por eles amadas, que o mergulhavam numa espécie de
transe. Outras vezes entoava uma canção tão estranha que todos os seus
sentidos pareciam falecer, excepto o do ouvido.
quantas o seu coração lhe pedir. Sei que não é daqueles que atraiçoam
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te. Rogo-lhe, por isso, não esqueça que só as estrelas foram testemunhas do
nosso amor. Não fale dele a ninguém, meu querido, e aceite esta pequena
lembrança da nossa feliz noite.
Assim passou o Verão sobre o seu amor e chegou o luminoso Outono, com as
suas névoas de falso ouro e as suas sombras de mágica púrpura.
- Porque precisa o seu rapaz de caminhar todas as noites para a cidade, agora
que o Inverno se aproxima? A distância é grande e quan-
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do ele volta, de manhã, vem morto de cansaço. Porque não permite que durma na
minha casa durante a estação da neve?
Mas, senhor, meu filho não foi à cidade nem esteve em nossa
casa durante todo o Verão! Receio que tenha adquirido maus hábitos e passe as
suas noites em companhia indesejável, talvez a jogar ou a beber com as mulheres
dos barcos de flores.
- Amor - soluçou ela, abraçando-o -, temos de nos separar para sempre por
razões que não te posso explicar. Sabia desde o princípio que assim aconteceria,
mas a perda é tão súbita, a desgraça tão inesperada, que não posso deixar de
chorar! Depois desta noite nunca mais nos veremos, meu querido! Sei que jamais
me esquecerás enquanto viveres, mas sei também que serás um grande sábio,
cumulado de honrarias e de riquezas, e que uma bela e encantadora mulher te
consolará da minha perda. E agora não falemos mais de tristezas, passemos
alegremente esta última noite, para que não guardes de mim uma recordação
dolorosa e recordes o meu riso de preferência às minhas lágrimas.
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paração. Cantou-lhe uma linda canção antiga, que falava da serenidade dos lagos
estivais que reflectiam apenas o azul do céu e da serenidade do coração antes de
as nuvens dos cuidados, da mágoa e do enfado escurecerem o seu pequeno
mundo.
Mas a beleza pálida da manhã chegou, por fim, e com ela regressaram a tristeza e
o pranto. Mais uma vez Siè acompanhou o namorado aos degraus do terraço e,
ao dar-lhe um beijo de adeus, meteu-lhe na mão uma prenda de despedida, uma
caixinha de pincéis, de ágata maravilhosamente cinzelada, digna de um grande
poeta.
Tais eram os pensamentos que lhe povoavam o espírito quando chegou a casa de
Tchang e encontrou o pai e o amo à sua espera, no alpendre. Sem lhe dar tempo
de proferir uma palavra sequer, Pelou interpelou-o:
- Onde tens passado as noites, meu filho? Compreendendo que a sua mentira fora
desmascarada, Ming-Y não
Ming-Y mostrou-lhes, então, os presentes que Sié lhe dera: o leão de jade
amarelo, a caixa de pincéis de ágata esculpida e, também, algumas composições
originais, da autoria da própria senhora. Pelou
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CO
PearlS. Buck
m-
seu filho se encontram caracteres que dizem: «Puro objecto de arte pertencente a
Kao, da cidade de Pho-hai»? Essa cidade já não existe, mas permanece a
recordação de Kao-pien, pois foi governador da província de Sze-tchouen e
grande poeta. Não é verdade ainda que, enquanto viveu na terra de Chou, foi sua
favorita a bela e voluptuosa Siè, Siè-Thao, cuja graça não teve par entre as
mulheres da sua época? Foi ele que lhe ofereceu estes manuscritos, foi ele que
lhe ofereceu estes raros objectos de arte. Siê-Thao morreu, mas não como
morrem as outras mulheres. Os seus membros podem ter-se desfeito em pó, mas
há qualquer coisa dela que ainda vive nesta densa floresta, a sua sombra ainda
vagueia neste lugar escuro.
O príncipe veado
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depois da morte do pai, foram obrigados a abandonar o seu reino e a vaguear pela
Terra. Infelizmente, o jovem príncipe bebe água encantada, para mitigar uma
grande
árvore; como uma velha astuta a convence a descer e a desposar o paxá; como a
Era uma vez um paxá que tinha um filho e uma filha. O paxá envelheceu, chegou
a sua hora, morreu e o filho sucedeu-lhe. Mas o filho não soube governar e não
tardou a perder toda a sua herança.
Irmãzinha - disse -, não poderei ir mais longe se não beber esta água.
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é boa ou má? Podemos, com certeza, resistir um pouco mais e em breve
encontraremos água fresca.
-Já te disse que não darei nem mais um passo enquanto não beber, embora isso
me mate.
Ajoelhou, bebeu a água - que era encantada - até à última gota e transformou-se
em veado. A irmãzinha chorou amargamente tamanha desgraça, mas nada mais
podiam fazer do que continuar a andar. Subiram e desceram encostas,
atravessaram a imensidão arenosa e chegaram, por fim, a uma nascente, debaixo
de uma grande árvore, onde pararam a descansar.
- Escuta, irmãzinha - pediu o veado -, deves trepar para aquela árvore, enquanto
tento arranjar alguma comida.
- Não sou espírito nem peri, sou mortal como tu - respondeu-lhe a j ovem.
Fizeste bem, irmãzinha. Toma cuidado, não desças nunca, digam-te o que te
disserem.
Todo o seu trabalho anterior se perdeu, porém, pois o veado regressou, lambeu
de novo a árvore e o tronco tornou-se, acto contínuo, mais largo e duro do que
nunca.
Querida velhinha, puseste o caldeirão ao contrário e a água caiu toda para o chão!
• Acontece assim, doce donzela, porque não tenho olhos para ver
Pearl S. Buck
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- Oh, querida menina, sou cega, não vejo! - chorou a velha. Desce e ajuda-me na
minha aflição!
No terceiro dia a velha bruxa reapareceu. Desta vez trazia uma ovelha e uma faca
para a matar, mas começou a apunhalá-la e a esfolá-la pela parte de trás, em vez
de lhe cortar a garganta. A pobre ovelhinha balia horrivelmente e a jovem, incapaz
de suportar a visão do seu sofrimento, desceu da árvore para pôr termo aos
tormentos do animal. O paxá, que estava escondido ali perto, apareceu e levou-a
para o seu palácio.
A jovem era tão bonita que desejaria desposá-la sem demora, mas ela recusou-se
a consentir enquanto não encontrassem o irmão, isto é, o veado. Se ele não
aparecesse, afirmava, não teria um momento de tranquilidade. O paxá mandou
homens para a floresta e eles apanharam o veado e levaram-no à irmã, da qual
nunca mais se afastou. Mesmo depois de o paxá e a jovem casarem, o veado
encontrava-se sempre perto deles e, à noite, afagava-os com a pata, um de cada
vez, antes de se deitar a seu lado, e dizia:
3 Este pezinho é para a minha irmã, E este pezinho é para o meu irmão.
Teriam vivido felizes desta maneira se não houvesse no palácio uma certa
escrava. O ciúme devorava-a só de pensar que o paxá tomara por esposa a
donzela esfarrapada do alto da árvore, em vez dela própria, e procurava
oportunidade de se vingar.
mão e uma sandália de prata no pé, dirigiu-se para a grande fonte, mas
Este pezinho é para a minha irmã, E este pezinho é para o meu irmão.
O paxá ordenou que afiassem uma faca de carniceiro, acendessem uma fogueira
e pusessem sobre ela um caldeiro de água. Compreendendo o que se passava, o
pobre veado correu para a fonte e disse três vezes à irmãzinha:
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ffi.:
que fora confiada aos cuidados do sultão, e este, preocupado, tentou encontrar
maneira de descobrir qual dos seus filhos era mais digno de desposar a jovem.
Por j
fim foi o peri quem ajudou a resolver o problema e viveram todos muito felizes.
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Houve em tempos que já lá vão um sultão que tinha três filhos e uma sobrinha. O
príncipe mais velho chamava-se Houssain, o segundo Ali, o mais novo Ahmed e a
princesa, sobrinha do sultão, Nouronnibar.
A princesa Nouronnibar era filha do irmão mais novo do sultão, que morrera e a
deixara órfã ainda muito pequena. O sultão tomara a seu cargo a educação da
sobrinha e criara-a no seu palácio com os três limos, pensando casá-la com algum
príncipe vizinho, quando atingisse idade conveniente. Um dia descobriu, porém,
que os seus três filhos a amavam apaixonadamente e ficou muito preocupado,
prevendo que seria difícil levá-los a chegar a um acordo quanto àquele a quem a
mão da jovem deveria ser dada. Achou que, por deferência, os dois príncipes mais
jovens deviam consentir em resignar-se a favor do irmão mais ve no, mas, ao
verificar que se opunham terminantemente a tal soluÇão, mandou chamar os três.
jasse por países diferentes, para não andarem juntos e a brigar uns
Peart S. Buck
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com os outros. Como sabem, sou muito curioso e delicio-me com tudo quanto é
singular. Prometo, portanto, a mão da minha sobrinha àquele que me trouxer a
raridade mais extraordinária. Para a sua aquisição e para as despesas de viagem,
darei a cada um certa soma de dinheiro.
. e prata lavrada, e ofuscado pelo brilho das pérolas, dos diamandos rubis, das
esmeraldas e de outras pedras preciosas expostas
para
venda.
Outra coisa que o príncipe Houssain também admirou foi o grande número de
vendedores de rosas que enchiam as ruas; os indianos gostam tanto desta flor
que não fazem nada sem um ramalhete na mão ou uma grinalda na cabeça. Os
mercadores tinham igualmente rosas em jarras, nas lojas, para perfumarem o ar.
- Se o preço lhe parece extravagante, maior será a sua surpresa se lhe disser que
tenho ordem de o elevar para quarenta dinheiros e não vender por menos.
Ao ouvir tal explicação, o príncipe das índias lembrou-se de que o pnncipal motivo
da sua viagem era levar para casa uma raridade qualquer, e achou que não podia
encontrar nada mais adequado, nesse capítulo.
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condição de eu fazer uma demonstração. Como calculo que não traz tanto
dinheiro consigo, acompanhá-lo-ei à sua morada. Colocarei o tapete no chão e,
depois de nos sentarmos nele, o senhor desejará ser transportado aos seus
aposentos no caravansará. Se não nos transportar, ficará desobrigado do negócio.
Quanto ao presente, embora o vendedor pague o meu trabalho, aceitá-lo-ei como
um favor e ficar-lhe-ei muito agradecido.
Desta maneira ficou o príncipe Houssain possuidor do tapete e feliz por em tão
pouco tempo de estadia em Bisnaga haver encontrado uma raridade tão grande
que, estava certo, lhe mereceria a mão de Nouronnibar. Em resumo, parecia-lhe
impossível que os irmãos mais novos encontrassem alguma coisa que se pudesse
comparar ao que ele próprio encontrara. Bastar-lhe-ia sentar-se no tapete para
estar no ponto de encontro naquele mesmo dia, mas como seria obrigado a
esperar aí pelos irmãos, de acordo com o combinado, e. sentia curiosidade de ver
o rei de Bisnaga e a sua corte, e de se informar acerca da força, das leis, dos
costumes e da religião do reino, resolveu demorar-se ali alguns meses, com esse
objectivo.
O tempo passou e, embora o príncipe Houssain pudesse ficar mais tempo na corte
de Bisnaga, estava tão ansioso por se encontrar mais perto da princesa que
estendeu o tapete, sentou-se nele com o oficial que o acompanhava e, mal
proferido o desejo, foram transportados à estalagem onde ficara de se reunir aos
irmãos.
O príncipe Ali, o irmão do meio, escolheu a estrada que levava à Pérsia, juntou-se
a uma caravana e, passados quatro dias de viagem, chegou a Xiraz, capital do
reino, onde passou por joalheiro. Na manhã seguinte vestiu-se e foi dar um
passeio pelo bazar de Xiraz.
- Explica a este cavalheiro porque apregoas esse pequeno telescópio por trinta
moedas. Eu próprio me sentiria muito surpreendido se já não te conhecesse.
- Não é o senhor a primeira pessoa que me julga doido por causa deste
telescópio, mas decidirá por si próprio quando o informar da sua característica
especial. Primeiro - prosseguiu o pregoeiro, estendendo o tubo de marfim ao
príncipe -, queira observar que este tubo tem um vidro em ambas as extremidades
e considerar que, espreitando por um deles, poderá ver qualquer objecto que
deseje.
- De bom grado pedirei desculpa do que pensei se assim for afirmou o príncipe,
pegando no tubo de marfim. - Mostre-me por que extremidade deverei olhar para
acontecer o que diz.
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Enquanto a princesa se vestia, os três irmãos foram lançar-se aos pés do pai e
prestar-lhe as suas homenagens. Verificaram que o eunuco-chefe da princesa já
informara o sultão da chegada dos filhos e da maneira como haviam curado a
princesa. O sultão recebeu-os com a maior alegria, tanto por terem regressado
como pela cura da sobrinha, que estimava como se fosse sua filha, e, depois das
cerimónias e cumprimentos usuais, cada príncipe apresentou a sua raridae- o
príncipe Houssain o seu tapete, o príncipe Ali o seu telescópio de marfim e o
príncipe Ahmed a sua maçã artificial. Deixaram a decisão a cargo do pai e
pediram-lhe que se pronunciasse acerca do seu des> lsto é, a qual deles daria por
esposa a princesa Nouronnibar, corno prometera.
PÔS ouvir o que os filhos tinham a dizer acerca das raridades que
PearlS. Buck
42
traziam e da maneira como fora salva a princesa, o sultão ficou calado durante
algum tempo, a pensar na resposta que devia dar.
- Dá-la-ia a um de vocês, meus filhos, com grande prazer, se pudesse fazê-lo com
justiça - disse por fim. - Mas ouçam e vejam se isso é possível. É verdade,
príncipe Ahmed, que a princesa deve a sua cura à tua maçã artificial; mas
poderias tê-la curado se não soubesses pelo telescópio do príncipe Ali o perigo
que corria e se o tapete do príncipe Houssain não te tivesse trazido tão depressa?
«O teu telescópio, príncipe Ali, informou-te, e aos teus irmãos, de que podiam
perder a princesa; por isso, devem-lhe todos um grande favor. Deves também
concordar que essa informação de nada valeria sem a maçã artificial e o tapete.
Os três príncipes nada tiveram que dizer contra a resolução do pai. Muniu-se cada
um de arco e flecha e dirigiram-se para o local do encontro, seguidos por grande
multidão.
Assim que o sultão chegou, o príncipe Houssain, como mais velho, pegou no arco
e na flecha e disparou primeiro; o príncipe Ali disparou a seguir, com muito mais
alcance do que o irmão, e o príncipe Ahmed foi o último a esticar o arco, mas
ninguém viu aonde a sua seta foi parar; não apareceu longe nem perto. Embora
se acreditasse que o seu disparo fora o de maior alcance e que, portanto, merecia
a mão da princesa Nouronnibar, foi impossível prová-lo. O sultão decidiu a favor
do
O príncipe Houssain não honrou a festa com a sua presença; o seu dessosto era
tão profundo que abandonou a corte e renunciou a todos os seus direitos de
sucessão ao trono para se tornar eremita. O príncipe Ahmed, como o irmão mais
velho, também não compareceu, mas ao contrário de Houssain não renunciou ao
mundo. Resolvido a descobrir aonde fora parar a sua seta, afastou-se do seu
séquito e foi procurá-la. Dirigiu-se primeiro ao ponto onde as setas do príncipe
Houssain e do príncipe Ali tinham sido encontradas e, seguindo a direito a partir
daí, e olhando cuidadosamente para ambos os lados, andou tanto que por fim
começou a pensar serem vãos os seus esforços. Mas não resistiu à tentação de
continuar a avançar, até que chegou a uns rochedos íngremes e escarpados,
situados numa região árida, distante cerca de quatro léguas do ponto de onde
partira.
Junto dos rochedos encontrou uma seta, na qual pegou e que examinou
atentamente, surpreendendo-se por verificar que era a que disparara.
«Certamente», disse para consigo, «nem eu nem qualquer outro homem poderia
disparar uma seta tão longe.» Verificando, ainda, que ficara deitada, e não
espetada no solo, calculou que ressaltara contra a rocha e pensou: «Deve haver
um mistério nisto; um mistério que talvez seja vantajoso para mim. Terá a sorte
trazido para aqui a seta, a fim de me compensar de ter perdido o que considerava
a minha maior felicidade?».
as tão bem vestidas e bonitas que era difícil distingui-las da ama. viu a dama, o
príncipe Ahmed apressou-se a apresentar-lhe os
56115 resPeitos e ela disse-lhe, falando-lhe em primeiro lugar:
PearlS. Buck
44
Grande foi a surpresa do príncipe ao ouvir o seu nome pronunciado num lugar do
qual nem sequer ouvira falar e que ficava tão perto da capital do seu pai. Não
compreendia que o conhecesse uma senhora que lhe era absolutamente
estranha. Retribuiu o cumprimento, lançando-se-lhe aos pés e dizendo, ao
levantar-se:
- Sabe, sem dúvida, que a sua religião ensina ser o mundo povoado por espíritos,
tanto como por homens. Pois eu sou filha de um dos espíritos mais poderosos e
distintos e chamo-me Peribanou. Achei-o digno de destino mais feliz que o de
desposar a princesa Nouronnibar. Encontrava-me presente quando disparou a sua
seta, previ que não alcançaria mais longe que a do príncipe Houssain, apanhei-a
no ar e fiz com que embatesse nas rochas junto das quais a encontrou. Agora
digo-lhe que está na sua mão aproveitar esta oportunidade favorável para ser feliz.
- Minha senhora, se me fosse permitida a felicidade de ser toda a vida seu escravo
e admirador dos muitos encantos que arrebatam a minha alma, julgar-me-ia o
mais venturoso e abençoado dos homens! Perdoe a ousadia que me inspira a
pedir este favor e não se recuse a admitir na sua corte um príncipe que lhe é
inteiramente devotado.
nhã sultana, minha rainha, dou-lhe o meu coração sem a mínima re-
serva!
Mas como suponho que ainda não comeu nada hoje, mandarei servir-lhe uma leve
refeição, enquanto se prepara a festa que celebrará, esta noite, o nosso
casamento, e depois mostrar-lhe-ei os aposentos do meu palácio.
- Príncipe, se admira tanto o meu palácio (e não há dúvida de que é muito belo),
que diria dos palácios do chefe dos nossos espíritos, que são muito mais belos,
espaçosos e magnificentes? Poderia encantá-lo também com os meus jardins,
mas deixaremos isso para outra ocasião. A noite aproxima-se e são horas de
jantar.
j *•
46
Mas não esqueças os conselhos que te vou dar acerca da maneira como te deves
conduzir. Primeiro, não é conveniente falares a teu pai no nosso casamento, nem
na minha condição, nem neste palácio. Roga-lhe que se dê por satisfeito com
saber que és feliz e nada mais desejas e explica-lhe que o único propósito da tua
visita é tranquilizá-lo e informá-lo de que estás bem.
Nomeou vinte nobres, bem montados e equipados, para lhe servirem de séquito,
e, tão logo os preparativos ficaram concluídos, o príncipe despediu-se da fada,
abraçando-a e renovando a sua promessa de regressar brevemente. Trouxeram-
lhe então o cavalo, animal tão belo e bem ajaezado como os melhores das
cavalariças do sultão das índias. O moço príncipe montou-o com graça inexcedível
e, após um último e terno adeus à fada, pôs-se a caminho.
Como o palácio do pai não ficava longe, o príncipe Ahmed depressa lá chegou. O
povo sentiu-se feliz, ao vê-lo, recebeu-o com aclamações e seguiu-o, em multidão,
até junto do pai. O sultão recebeu-o com grande alegria, embora o censurasse,
com paternal ternura, pelas horas de angústia que a sua ausência lhe causara.
O moço príncipe contou a história das suas aventuras sem aludir à fada, conforme
lhe prometera, e concluiu:
- Não posso recusar-te o que me pedes, filho, mas preferiria que resolvesses ficar
comigo - redarguiu-lhe o sultão das índias. - Diz-me, ao menos, onde poderei
comunicar contigo, se não apareceres, ou quando a tua presença me parecer
necessária.
- O que vossa majestade me pede faz parte do mistério de que lhe falei -
respondeu o príncipe Ahmed. - Rogo-lhe que me autorize a continuar calado a
esse respeito, pois virei com tanta frequência que, receio-o, mais depressa me
julgará maçador do que negligente nos meus deveres.
j^ão tentarei desvendar os teus segredos, filho; és livre. Acredita que nada poderá
dar-me maior prazer do que as tuas visitas, para m a tua presença me devolveres
a alegria que me abandonou durante todo este tempo. Serás sempre bem-vindo.
O príncipe Ahmed demorou-se apenas três dias na corte do pai e, no quarto dia,
regressou para junto da fada Peribanou.
Príncipe, esqueceste o sultão teu pai? Não te lembras da promessa que lhe fizeste
de o visitares com frequência? Pela minha parte não esqueci o que me disseste
ao regressar e, por isso, to recordo.
O príncipe partiu na manhã seguinte, com um séquito ainda mais luzido do que o
anterior, e ele próprio melhor montado, equipado e vestido do que anteriormente.
O sultão recebeu-o com a mesma alegria e satisfação e as visitas repetiram-se
durante vários meses, de cada vez com uma equipagem mais rica do que a
anterior. Por fim, alguns vizires (os conselheiros favoritos do sultão, que avaliavam
a dignidade e o poder do príncipe pela maneira como se apresentava) fizeram
com que o pai invejasse o filho, dizendo-lhe recearem que este fosse capaz de se
insinuar nas boas graças do povo e de destronar o sultão.
- Estais enganados; meu filho ama-me e estou certo da sua ternura e fidelidade.
Não acredito que o meu filho Ahmed seja tão mau como pretendeis fazer-me crer.
No entanto, fico-vos grato pelos vossos conselhos e não duvido das vossas boas
intenções.
m °lue ° stu grão-vizir o soubesse. Para isso chamou uma mágica, que
entrou nos seus aposentos por uma porta das traseiras, e ordenou-lhe:
Desde que a fada Peribanou o autorizara a visitar a corte do sultão das índias,
uma vez por mês, o príncipe Ahmed nunca deixara de o fazer. Um dia, antes de
uma dessas visitas, a mágica voltou aos rochedos e esperou toda a noite.
49
Ao ouvir tais palavras, a mágica, que se fingira doente apenas para saber onde
vivia o príncipe e o que este fazia, não pôde recusar a caridosa feita Um dos
cavaleiros desmontou, ergueu-a para cima do cavalo, montou atrás dela e seguiu
o príncipe, que retrocedera em direcção ao portão de ferro. Ao chegar ao pátio
exterior, Ahmed, sem desmon-tar, mandou um dos seus homens dizer à fada que
lhe desejava falar.
A fada Peribanou, que não tirara os olhos da falsa doente enquanto o príncipe
falava, ordenou a duas aias que levassem a velha para dentro do palácio e
cuidassem dela.
- Príncipe, esta mulher não está tão doente como pretende e creio que se trata de
uma impostora e que será causa de grandes contratempos para ti. Mas não te
preocupes: libertar-te-ei de todas as armadilhas que te estenderem. Vai e continua
a tua viagem.
- Minha princesa, não me lembro de ter feito mal seja a quem for e não creio,
portanto, que alguém pense em fazer-mo a mim.
50
ir
- Boa mulher, ainda bem que tive ensejo de te ajudar e que te encontras em
condições de reatar a tua viagem. Não te deterei, mas creio que não te
desagradará ver o meu palácio. Acompanha as minhas aias e elas to mostrarão.
Por fim, a mágica regressou e contou ao sultão das índias o que acontecera,
acrescentando que, graças ao seu casamento com a fada, o príncipe Ahmed se
tornara riquíssimo, mais rico que todos os reis do mundo, e que havia o perigo de
pretender tirar o trono ao pai.
Embora o sultão das índias pensasse que o príncipe Ahmed era naturalmente
bom, não pôde deixar de se preocupar com as palavras da velha feiticeira. Ao
despedi-la, disse-lhe:
- Não deixarei de pedir à minha mulher o favor que vossa majestade pretende -
disse por fim -, mas não lhe prometo obtê-lo. Se não tiver a honra de o voltar a
visitar, isso significará que não fui bem sucedido. Desde já lhe rogo, porém, que
me perdoe e considere que foi vossa majestade quem me colocou nessa situação,
se acaso não vier.
- Filho, ficarei muito triste se o que te peço me roubar o prazer de te voltar a ver -
respondeu-lhe o sultão das índias. - Creio que ignoras o poder que um marido tem
sobre a esposa, e a tua daria provas de muito pouco amor por ti se, com o seu
poder de fada, recusasse satisfazer pedido tão insignificante.
com o teu amor e nunca te pedi qualquer outro favor. Acredita, portan-
’ ^ue nã° sou eu, mas o sultão meu pai, quem abusiv amente te pede
m pavilhão tão grande que possa abrigar da violência do tempo ele pró-
a mão. Lembra-te, repito, que é meu pai quem te pede este favor.
PearlS. Buck
Histórias Maravilhosas do Oriente
transportava sozinha, mas que também lhe cabia na palma da mão, com os dedos
cerrados. Entregou-o à ama e esta deu-o ao príncipe Ahmed.
Ao ver o pavilhão a que a fada chamava o maior do seu tesouro, supôs que ela
troçava de si e olhou-a com ar tão surpreendido que Peribanou desatou a rir.
- Então, príncipe? Imaginas que troço de ti? Verás que te enganas. Nourgihan -
disse à tesoureira, tirando a tenda da mão do príncipe Ahmed -, vai armá-la, para
que meu marido veja se é suficientemente grande para o sultão.
- Peço à minha princesa mil perdões pela minha incredulidade disse a Peribanou -
Depois do que vi, creio que nada é impossível para ti.
- Como vês, o pavilhão é maior do que os desejos de teu pai; além disso, possui
uma propriedade extraordinária: pode tornar-se maior ou mais pequeno, conforme
o exército a abrigar.
Este, que na realidade não acreditava que existisse tal pavilhão, ficou
surpreendidíssimo com o êxito do filho. Aceitou a tenda e, depois de a examinar, o
seu espanto foi tão grande que teve dificuldade em recuperar a compostura.
Quando armaram a tenda na grande planície, verificou que chegava para recolher
um exército duas vezes maior do que qualquer general poderia manter em
campanha.
-Já te disse, filho, quanto te estou grato pela dádiva da tenda, que considero o
objecto mais valioso de todo o meu tesouro. Contudo, gostaria que fizesses ainda
mais uma coisa por mim. Estou informado
de que lhe pedirás uma garrafa dessa água, para meu uso, quando dela
um terno pai.
$erá perigoso cumprir esse desejo, como verás pelo que te vou
meio do pátio de um grande castelo, cuja entrada está guardada por quatro
ferozes leões, dois dos quais dormem enquanto os outros dois vigiam. Mas não te
assustes, pois proporcionar-te-ei meios de passares por eles sem qualquer perigo.
A fada Peribanou estava naquele momento muito atarefada com vários novelos de
fio, num dos quais pegou e estendeu ao príncipe, dizendo-lhe:
O príncipe Ahmed partiu na manhã seguinte, à hora estipulada pela fada, e seguiu
à risca as suas instruções. Ao chegar às portas do castelo, distribuiu os quartos de
carne pelos quatro leões e, passando corajosamente pelo meio deles, chegou à
fonte, encheu a garrafa e regressou são e salvo. Já um pouco afastado das portas
do castelo olhou P ra trás e verificou que duas das feras o seguiam. Empunhou o
sabre P eparou-se para se defender, mas ao avançar viu um dos felinos sair
strada e demonstrar-lhe, com acenos da cauda e da cabeça, que
PearlS. Buck
54
não pretendia fazer-lhe mal, mas apenas seguir à sua frente, enquanto o outro
ficava atrás, para lhe proteger a retaguarda. Embainhou o sabre e, assim
protegido, chegou à capital das índias, mas os leões só o abandonaram às portas
do palácio do sultão. Regressaram então pelo mesmo caminho, assustando
quantos os viam, embora procedessem sossegadamente e não mostrassem a
mínima ferocidade.
- Trouxe-lhe, senhor, a salutar água que vossa majestade pediu disse. - Desejo-
lhe, ao mesmo tempo, uma saúde tão extraordinária que nunca precise de se
servir dela.
- Fico-te muito grato por este valioso presente e também pelo grande perigo a que
te expuseste por minha causa. Fui informado a esse respeito por uma mágica que
conhece a fonte dos leões, mas gostaria me informasses graças a que poderes
foste capaz de conseguir a água curativa.
- Não mereço os elogios que vossa majestade tem a bondade de me dirigir, pois
todo o mérito se deve à fada minha mulher, cujos bons conselhos segui.
Explicou, então, ao pai em que haviam consistido esses conselhos e como tudo
decorrera sem complicações. Mal o príncipe terminou a narrativa, o sultão, que
exteriormente demonstrava grande alegria, sentiu-se intimamente mais ciumento e
retirou-se para outro aposento, ao qual mandou chamar a feiticeira.
- Filho - disse no dia seguinte ao príncipe Ahmed -, tenho ainda um pedido a fazer-
te e, depois, nada mais esperarei da tua obediência. Desejo que me tragas um
homem que não tem mais de trinta centímetros de altura, mas cuja barba mede
nove metros de comprimento, e que transporta aos ombros uma barra de ferro que
pesa duzentos e cinquenta quilos e lhe serve de arma.
O príncipe Ahmed não acreditou que houvesse no mundo homem como aquele
que o pai descrevia, mas o sultão insistiu no seu pedido
ntiu-lhe que a fada podia fazer coisas muito mais incríveis. No H seguinte Ahmed
voltou para junto da sua querida Peribanou e inf rmou-a do novo pedido do pai,
que lhe parecia ainda mais impossível de satisfazer que os dois anteriores.
Não posso imaginar que exista tal homem no mundo - afirmou por fim. - Tenho a
impressão de que meu pai pretende apenas experimentar-me, para ver se sou tão
idiota que tente encontrar semelhante criatura. Ou talvez deseje a minha
desgraça. Como me pode supor capaz de vencer homem tão bem armado,
embora pequeno? Que armas empregarei para o vergar à minha vontade? Se há
maneira de o conseguir, rogo-te mo digas, para sair com honra desta prova.
56
Ao aproximar-se, Schaibar fitou o príncipe de maneira que chegaria para lhe gelar
o sangue nas veias e perguntou a Peribanou quem era
Ao ouvir tais palavras, Schaibar fitou o príncipe com melhores olhos e disse:
- Poderei servi-lo de alguma maneira, irmã? Basta que seja teu marido para que
me comprometa a fazer tudo quanto ele desejar.
O sultão tapou os olhos com as mãos, sem dizer palavra, para evitar a terrível
visão, e Schaibar, melindrado com a grosseira recepção, depois de se ter dado ao
incómodo de vir de muito longe, levantou a barra e matou o sultão, sem que o
príncipe tivesse tempo de interferir
l
57
a seu
que e
Todas as vezes que erguia a barra matava alguém e só escaparam aqueles que
conseguiram fugir.
- Mas isto ainda não chega. Tratarei toda a cidade da mesma maneira se não
reconhecerem imediatamente o príncipe Ahmed, meu cunhado, como seu sultão e
sultão das índias.
que mais gostasse. Mas o príncipe sentia-se tão feliz na sua soliao que agradeceu
a lembrança e respondeu desejar apenas continuar a viver em paz no retiro que
escolhera.
59
O rei Kojata
Eis uma história grande, vasta como as planícies e montanhas da Rússia e tão
Houve em tempos que já lá vão um rei cuja barba era tão comprida que lhe
passava dos joelhos. Três anos tinham decorrido desde o seu casamento e vivia
muito feliz com a esposa, mas o céu não lhe dava um herdeiro, o que deveras o
magoava. Um dia partiu da sua capital com a intenção de viajar pelo reino.
Demorou-se quase um ano, visitando diversos pontos do seu território, e por fim,
visto tudo quanto havia a ver, encaminhou-se para casa. Como o dia estava
quente e abafado, ordenou aos servidores que armassem tendas na planície e
aguardou aí o fresco da noite. De súbito sentiu uma sede terrível e, como não
visse água nas proximidades, montou a cavalo e percorreu os campos, à procura
de uma nascente. Pouco depois encontrou um poço cheio a transbordar de água
límpida como cristal, em cuja superfície flutuava umjarro de oiro. O rei Kojata
tentou logo apanhá-lo, primeiro com a mão direita e depois com a esquerda, mas
a malfadada vasilha iludia os seus esforços e não se deixava apanhar. Primeiro
com uma das mãos e depois com ambas, tentou o rei agarrá-lo, mas o jarro
escorregava-lhe por entre os dedos como um peixe, desaparecia e voltava a
aparecer noutro ponto qualquer, como se troçasse dele.
do’ dentro de água e bebeu sofregamente. Mas quando, acalmada a sede’ quis
levantar a cabeça, não o conseguiu, pois alguém lhe puxava com força a barba,
dentro de água.
Mas ninguém lhe respondeu; apenas um rosto hediondo o fitou do fundo do poço,
com dois grandes olhos verdes a brilharem como esmeraldas e uma grande boca
rasgada de orelha a orelha e a mostrar duas fileiras de reluzentes dentes brancos.
E não eram mãos mortais que seguravam a barba do rei Kojata, eram duas
garras.
Por fim, uma voz áspera, soou vinda das profundezas do poço:
- Os teus esforços são todos vãos, rei Kojata; só te largarei com a condição de me
dares uma coisa acerca da qual nada sabes e que encontrarás ao chegar a casa.
O rei não perdeu tempo a reflectir («Que poderá encontrar-se no meu próprio
palácio que eu desconheça?», pensou. «É absurdo!») e respondeu sem demora:
- Está um belo dia, príncipe Milan - disse a aparição. - Fizeste-me esperar muitos
anos; era tempo de me visitares.
- Não tardarás a sabê-lo, mas entretanto faz o que te vou dizer. Saúda o teu pai, o
rei Kojata, em meu nome, e recorda-lhe a sua dívida. Passou há muito o prazo de
pagamento e ele terá de honrá-la agora. Adeus de momento; voltaremos a
encontrar-nos.
O rei deu-lhe uma espada e um belo corcel, com estribos de oiro, e a rainha
colocou-lhe uma cruzinha ao pescoço. Depois de muitas lágrimas e lamentos, o
príncipe despediu-se dos pais e partiu.
Cavalgou três dias e ao terceiro chegou a um lago tão liso como vidro e tão claro
como cristal. Não soprava uma aragem, não bulia uma folha e reinava um silêncio
de túmulo, mas no seio do lago parado nadavam trinta patos de brilhante
plumagem. Perto da margem, o príncipe viu trinta fatinhos brancos espalhados na
erva e, desmontando,
imou-se a coberto dos juncos altos que cresciam em redor do ?^o pegou num dos
vestidos e ocultou-se atrás dos caniços. Os patos H lizaram pelo lago todo,
mergulharam e voltaram à superfície. Por fim cansados de tanta brincadeira,
nadaram para a margem e vinte e ove enfiaram os fatinhos brancos e
transformaram-se imediatamente noutras tantas belas donzelas, que
desapareceram mal acabaram de se vestir Só o trigésimo patinho não podia sair
da água. Nadou perto de terra e soltando um gritinho dilacerante, estendeu
timidamente o pescoço, olhou desesperado à sua volta e mergulhou outra vez. O
príncipe Milan sentiu o coração tão cheio de piedade pelo pobrezinho que saiu do
seu esconderijo nos juncos, para ver se o podia ajudar.
e ficar-te-ei reconhecidíssima!
- Muito obrigada, príncipe Milan, pela tua delicadeza. Sou filha de um mau
feiticeiro e chamo-me Jacinta. Meu pai tem trinta filhos e é um senhor poderoso do
mundo subterrâneo, possuidor de muitos castelos e grandes riquezas. Espera-te
há muito tempo, mas nada terás a recear se seguires os meus conselhos. Assim
que te encontrares na presença do meu pai, ajoelha-te imediatamente no chão e
aproxima-te dele de joelhos. Não te importes se ele barafustar e praguejar; eu
tratarei do resto. Entretanto... acho melhor partirmos.
Ditas estas palavras, a bela Jacinta bateu com o pezinho no chão, a terra abriu-se
e mergulharam ambos no mundo subterrâneo.
62
- Tratante, foste bem aconselhado para me fazeres rir! Nunca mais serei teu
inimigo. Bem-vindo sejas ao mundo subterrâneo! Mesmo assim, para castigo da
tua demora em comparecer, temos de te exigir três serviços. Por hoje podes ir,
mas amanhã terei alguma coisa mais para te dizer.
Dois criados conduziram então o príncipe Milan a um belo quarto onde se deitou
para descansar na cama macia preparada para ele, e não tardou a adormecer.
- Vejamos agora o que aprendeste. Antes de mais nada, esta noite tens de me
construir um palácio cujo telhado seja do mais puro oiro, as paredes de mármore e
as janelas de cristal. Em redor dele quero um belo jardim, com tanques de peixes
e cascatas artísticas. Se o conseguires, recompensar-te-ei prodigamente, mas se
não o conseguires cortar-te-ei a cabeça.
Regressou, muito triste, ao seu quarto e meditou, de cabeça baixa, no seu cruel
destino, até que a noite chegou. Quando escureceu, uma abelha bateu à janela e
disse-lhe:
- Como não hei-de estar triste? Teu pai ameaçou-me de morte e já me vejo sem
cabeça!
- E que resolveste fazer?
uma vez.
- Não sejas pateta, meu querido príncipe; é inútil desesperares. Deita-te e quando
acordares, amanhã de manhã, o palácio estará construído. Depois poderás
aproximar-te e dar uma pancadinha aqui e outra ali, como se tivesses acabado de
o construir.
Aconteceu tudo como ela prometera. Assim que o dia nasceu, o príncipe Milan
saiu do quarto e deparou com o palácio, uma autêntica obra de arte nos mais
ínfimos pormenores.
63
- sei que és muito talentoso com as tuas mãos, mas agora quero ver se
- também com a cabeça. Tenho em minha casa trinta filhas, todas bonitas
princesas. Amanhã colocá-las-ei numa fila, passarás por elas três vezes, e, à
terceira vez, dir-me-ás qual é a mais nova, a princesa Jacinta. Se não acertares,
perderás a cabeça.
Não é tão fácil como imaginas - afirmou a abelhinha, que passava naquele
momento. - Se não viesse ajudar-te, jamais acertarias. Somos trinta irmãs, tão
parecidas que até o nosso pai mal nos pode distinguir.
- Escuta: reconhecer-me-ás por uma mosquinha que terei na face esquerda, mas
acautela-te, pois poderás enganar-te facilmente.
No dia seguinte o feiticeiro ordenou outra vez que levassem o príncipe Milan à sua
presença. As filhas estavam todas alinhadas à sua frente, vestidas de igual e com
os olhos no chão.
- Agora, génio, olha três vezes estas beldades e diz-me qual delas é a princesa
Jacinta!
O príncipe Milan percorreu a fila, olhando-as atentamente, mas eram todas tão
semelhantes que dir-se-iam um só rosto reflectido em trinta espelhos. A mosca
notava-se pela ausência. Percorreu segunda vez a fila, mas continuou sem ver
nada. À terceira vez, porém, viu uma mosquinha a descer pela face esquerda de
uma das princesas, agarrou a mão da jovem e exclamou:
príncipe foi para o quarto, desesperado, e a princesa Jacinta mais uma vez o
visitou transformada em abelha e lhe perguntou:
64
- Como queres que não esteja triste? Desta vez o teu pai encarregou-me de uma
tarefa impossível: quer que lhe faça um par de botas antes de uma vela arder até
ao castiçal. Que sabe um príncipe da arte de sapateiro? No entanto, se não lhas
fizer, perderei a cabeça...
- Que hei-de fazer? Como não posso cumprir a sua ordem, matar-me-á.
Após estas palavras respirou para a janela e o seu hálito congelou nos vidros.
Depois conduziu Milan para fora do quarto, fechou a porta e atirou a chave fora.
De mãos dadas, correram para o local por onde tinham descido ao mundo
subterrâneo e não tardaram a alcançar as margens do lago, onde o corcel do
príncipe Milan ainda pastava a erva que crescia perto da água. O cavalo relinchou
de alegria, ao reconhecer o dono, correu para ele e imobilizou-se, enquanto o
príncipe e Jacinta lhe saltavam para cima. Depois partiu como uma seta disparada
de um arco.
- Vou já.
- Ouço tropel de cavalos atrás de nós - disse Jacinta ao príncipe. Milan saltou da
sela, encostou o ouvido ao solo e escutou.
65
A perseguição recomeçou.
- Estamos perdidos, pois agora é o meu próprio pai quem nos persegue! - afirmou
a princesa. - Mas quando chegarmos à primeira igreja o seu poder cessará e não
poderá seguir-nos mais. Dá-me a tua cruz.
O príncipe tirou do pescoço a cruzinha de oiro que a mãe lhe dera e mal Jacinta
lhe tocou transformou-se numa igreja, a Milan num monge e ao cavalo num
campanário. Quase no mesmo instante, apareceram o feiticeiro e os seus criados.
tf-
Pear! S. Buck
66
O príncipe Milan continuou a viagem com a sua noiva, agora devagar e sem temer
nova perseguição. O Sol punha-se e os seus últimos raios iluminavam uma grande
cidade, ao longe. De súbito, o príncipe sentiu um grande desejo de nela entrar.
- Oh, meu amor - implorou-lhe Jacinta -, rogo-te que não vás! Receio alguma
desgraça.
Quis o acaso que, pouco depois, passasse por ali um velho e a visse. Encantado
com a sua beleza, desenraizou-a cuidadosamente e levou-a para casa, colocou-a
num vaso e regou-a com enlevo.
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Levanta-te antes de o galo cantar e observa atentamente até veres qualquer coisa
mexer-se. Nessa altura, cobre o que for com este pano e verás o que acontece.
O homem não pregou olho toda a noite. Quando os primeiros raios de luz
entraram no quarto, notou que a florinha azul começava a tremer, saltava do vaso
e voava pelo aposento, arrumando tudo, limpando o pó e acendendo o lume. O
velho saltou apressadamente da cama e cobriu a flor com o pano que a velha
bruxa lhe dera, do que resultou surgir na sua frente a bela princesa Jacinta.
- Que fizeste? - perguntou-lhe a donzela, a chorar. - Porque me devolveste à vida
se o meu noivo, o garboso príncipe Milan, me abandonou?
Querido cozinheiro, por favor escuta o meu pedido e deixa-me fazer um bolo de
casamento para o príncipe Milan.
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A lenda de Tchi-Niu
Este conto de encantar da velha China fala de um filho tão fiel à memória do seu
defunto pai que se vendeu como escravo, a fim de lhe construir um belo túmulo. O
céu recompensou esse testemunho de amor filial à sua maneira: uma deusa
desceu à
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Tong-Yong perdeu a mãe quando ainda era criança e aos dezanove anos o pai
morreu-lhe também, deixando-o só no mundo e sem recursos de espécie
nenhuma. Pobre como era, o pai de Tong passara grandes privações para educar
o jovem e não conseguira juntar uma só moeda dos seus ganhos. Tong lamentou
profundamente encontrar-se em tal pobreza que não podia honrar a memória do
seu bom pai com os habituais ritos fúnebres e um túmulo esculpido num lugar
propício. Como só os pobres são amigos dos pobres, entre todos os conhecidos
de Tong não havia ninguém com posses para o ajudar a custear as despesas do
funeral. Só existia uma maneira de obter dinheiro: vender-se como escravo a
algum proprietário rico. Foi o que, finalmente, o jovem decidiu fazer.
se onrada, ainda que apenas por uma breve estação. Além disso,
70
pela sua servidão - preço que lhe permitiria erigir um belo túmulomas que lhe seria
impossível vir um dia a pagar.
Com esta intenção dirigiu-se para a larga praça pública onde se expunham, para
venda, os escravos e os devedores, e sentou-se num banco de pedra, tendo aos
ombros um letreiro com as condições em que se venderia e uma lista das suas
aptidões de trabalhador. Muitos dos que leram os caracteres do letreiro sorriram
desdenhosamente do preço pedido e passaram adiante, desinteressados; outros
pararam e interrogaram-no movidos por simples curiosidade; alguns elogiaram-no
sem sinceridade e alguns ainda zombaram abertamente da sua generosidade e
riram-se da sua infantil devoção. Assim passaram muitas horas fatigantes e Tong
começava a desesperar de encontrar um amo quando passou a cavalo uma alta
personagem da província, um homem escorreito e grave, senhor de mil escravos e
de extensas propriedades. Puxou as rédeas do seu cavalo tártaro e parou a ler o
letreiro. Não sorriu, nem aconselhou, nem fez perguntas; limitou-se a observar o
preço pedido e as fortes e belas pernas do jovem e a comprá-lo sem dizer palavra,
ordenando apenas ao servo que o acompanhava que pagasse a soma exigida e
tratasse dos documentos necessários.
Tong entrou então ao serviço do seu senhor, que lhe destinou para morada uma
pequena cabana, para onde o jovem levou as tabuinhas de madeira com os
nomes dos antepassados, diante das quais a devo-
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sua voz clara possuía tons melodiosos como o canto das aves,
° seu olhar havia uma força imperiosa a que Tong nã o ousava re-
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lhe tinham voltado por completo, e a mão esguia e fresca que segurava a sua
arrastou-o tão rapidamente que pouco tempo teve para se admirar. Daria anos de
vida em troca da coragem de lhe confessar a sua miséria, de lhe dizer que não
podia manter uma esposa, mas havia um não sei quê naqueles rasgados olhos
escuros que não o deixava falar.
- Arranjarei o necessário.
Tong corou de vergonha ao pensar no seu miserável aspecto e nas suas roupas
esfarrapadas, mas depois viu que ela também estava pobremente vestida, como
uma mulher do povo, sem enfeites de nenhuma espécie, e que nem sequer trazia
sapatos nos pés. Antes que conseguisse falar-lhe, chegaram junto das tabuinhas
dos antepassados, ajoelharam-se, rezaram e juraram fidelidade com um copo de
vinho trazido nunca ele soube donde. Assim adoraram juntos o Céu e a Terra e
assim ela se tornou sua esposa.
Foi um casamento misterioso, pois nem naquele dia nem em nenhum outro ousou
Tong perguntar à mulher o nome da família ou a terra da sua origem, nem soube
responder às muitas perguntas curiosas que os seus companheiros de trabalho
lhe faziam a respeito dela. A mulher também nunca proferiu palavra a seu
respeito, a não ser para dizer que se chamava Tchi. Contudo, embora a esposa
lhe inspirasse tão respeitoso temor que, se o fitava, se sentia sem vontade própria,
Tong amava-a loucamente e o pensamento da sua servidão deixou de o
atormentar a partir do momento em que a desposou.
Como por magia, a pequena cabana transformou-se, mascarada a sua miséria por
encantadores enfeites de papel e bonitas decorações feitas de nada pela suave
prestidigitação de que só as mulheres conhecem o segredo.
73
-jí amais poderia ensiná-los, creiam - afirmava -, pois nenhum tem decdos corno
os meus.
De facto, era tão impossível distinguir os seus dedos enquanto tecia comao
observar a vibração das asas de uma abelha a voar. As estações paissaram e
Tong nunca soube o que eram necessidades, tão bem a sua b»ela mulher cumpriu
a sua promessa de que arranjaria o necessário. AAS moedas de brilhante prata
trazidas pelos mercadores acumulavam-se em pilhas cada vez mais altas no
grande armário que Tchi comprara para guarcar as provisões.
Certta manhã em que Tong, acabada a refeição, se dispunha a sair para os;
campos, Tchi pediu-lhe inesperadamente que ficasse. Abriu o grande armário e
tirou e entregou-lhe um documento escrito nos caracteres oficiais chamados li-shu.
Tong, ao olhá-lo, chorou de alegria, pois ers» o certificado da sua manumissão.
Tchi comprara em segredo a libercrJade do marido, com o dinheiro ganho na
venda das suas maravilho:-sas ^das!
^Nlão trabalharás mais para nenhum senhor, mas, sim, apenas para ti -^_ di5S.e-
lhe a mulher. - Comprei também esta casa, com todo
o seu recheio, os campos de chá do sul e as amoreiras que ficam aqui perto. Çi
tudo teu_
aos pés> em acioração, mas ela não lho consentiu. Assim voltou a ser li-
bela Tc: L- -i ,
”hi, tão silenciosa, mas, ao mesmo tempo, tão boa para quantos
r.,, e^vam O tear não tardou a ficar parado, pois Tchi deu à luz um .’ ^m rapaz
tão klo que Tong chorou de alegria quando o viu. A
MO menino.
PearlS. Buck
74
Não tardou a tornar-se evidente que a criança era tão maravilhosa como a mãe,
pois no terceiro mês de vida já falava, no sétimo sabia repetir de cor os provérbios
dos sábios e recitar as preces sagradas e antes do undécimo mês servia-se com
habilidade do pincel de escrita e copiava em bonitos caracteres os preceitos de
Lao-tsé. Até os sacerdotes dos templos vinham admirá-lo e conversar com ele e
ficavam maravilhados com o seu encanto e com a sabedoria do que dizia.
- Este teu filho é, com certeza, uma dádiva do Senhor do Céu, um sinal de que os
imortais te amam. Que os teus olhos vejam cem felizes primaveras!
A sua doce voz soou com toda a ternura de outras horas, dizendo-lhe:
iem encar-
nos vem esta história. É breve, sem dúvida, mas muito engenhosa e concisa e nas
suas linhas incisivas oculta as bases essenciais da filosofia indiana. É
que os tigres, embora belos e fortes, são também muito estúpidos e deixam-se
apanhar facilmente em jaulas, como o desta história. Além disso, apesar de belos,
não são de fiar, como o bom brâmane da história descobriu. Esse, sim, é bom,
mas
este destino revela a aceitação indiana da dureza da própria vida. Que poderá,
selvagem, sem beleza nem força. Vive de manhas, pois, como ninguém o ajuda,
tem
à jaula e, triunfante, fecha-o nela. O brâmane segue o seu caminho, mais sensato,
e
o chacal regressa aos antros selvagens. Esta história é uma pedra preciosa - uma
pedra preciosa pequenina, talvez, mas a que não falta o fulgor da inteligência, da
Era uma vez um tigre que foi apanhado numa armadilha. Tentou em vão sair por
entre as grades, mas rolou no chão e mordeu-se de raiva ao ver que nada
conseguia.
Quis o acaso que passasse por ali um pobre brâmane, a quem a fera suplicou:
77
escravo! _
do brâmane comoveu-se e, por fim, o santo homem resolveu abrir porta da jaula.
O tigre saiu, num ímpeto, agarrou o pobre diabo e
gritou:
Em vão o brâmane suplicou que lhe poupasse a vida. O mais que conseguiu foi a
promessa de ser aceita a decisão das primeiras três coisas que interrogasse
acerca da justiça da acção do tigre.
- De que te queixas? Não ofereço sombra e abrigo a todos quantos passam e não
me cortam, em troca, os ramos, para alimentar o gado? Não choramingues; sê um
homem!
- Meu caro - respondeu-lhe a estrada -, que tolo foste em esperar outra coisa! Aqui
onde me vês sou útil a toda a gente, mas todos, ncos e pobres, grandes e
pequenos, se limitam a pisar-me e não me dão nada mais que a cinza dos seus
cachimbos e o folhelho do seu grão!
Que se passa, senhor brâmane? Parece infeliz como um peixe fora de água!
Que confuso! Importa-se de me contar tudo outra vez, para ver se percebo?
PearlS. Buck
f8
- Conceda-me cinco minutos, senhor tigre - suplicou -, para que possa explicar o
assunto a este chacal, que é de compreensão um pouco lenta.
- Ai, minha pobre cabeça! Ora deixem-me ver... Como começou tudo? Você
estava na jaula e o tigre passou...
- Mas que grande idiota me saiu! - verberou-o o tigre. - Eu, eu é que estava na
jaula!
- Com certeza! Eu estava na jaula... Não, eu não estava na jaula! Meu Deus, meu
Deus, onde está o meu juízo? Ora deixem ver... O tigre estava no brâmane e a
jaula passou... Não, também não é assim! Bem, paciência, comece o seu jantar,
pois está visto que nunca compreenderei.
- Isso é que compreenderás! - rugiu o tigre, enfurecido com a estupidez do chacal.
- Farei com que compreendas! Olha, eu sou o tigre...
- E este é o brâmane...
- E isto é a jaula...
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roda! Por favor não se zangue, senhor tigre... mas como é que se entra?
O tigre perdeu por completo a paciência, saltou para dentro da jaula e gritou:
russos se atiram à comida que o jovem lhes lança, para os demorar. Entre
essa comida conta-se uma lebre viva, mas a lebre é mágica e indica o caminho
para
a princesa. Claro que esta se encontra sob um encanto mau, mas o amor liberta-a.
Há muito, muito tempo viveu um rei que tinha três filhos. O mais velho chamava-se
Szabo, o do meio Warsa e o mais novo Iwanich.
Numa bela manhã de Primavera o rei passeava pelos jardins com os três filhos e
observavam, com admiração, as árvores de fruto, algumas cheias de flores e,
outras, carregadas de pomos, vergadas até ao chão. A certa altura chegaram a
um canteiro cercado por uma vedação, onde cresciam três esplêndidas árvores. O
rei olhou-as um momento, abanou tristemente a cabeça e afastou-se em silêncio.
- Estas três árvores, que não posso ver sem mágoa, foram aqui plantadas por mim
quando era um jovem de vinte anos. Um feiticeiro célebre, que dera as sementes
ao meu pai, prometera-lhe que se transformariam nas três mais belas árvores do
mundo. Meu pai não viveu
ai
om o maior cuidado, o que fiz. Por fim, passados cinco anos, reparei
ue apareciam algumas flores nos ramos e, poucos dias depois, surgiam os pomos
mais maravilhosos que jamais vira. Dei ao meu jardineiro ordens estritas para
vigiar atentamente as árvores, pois o feiticeiro advertira o meu pai de que todos os
frutos apodreceriam se um deles fosse colhido antes de amadurecer. Saberia que
estavam maduros quando adquirissem um tom amarelo-dourado. Todos os dias
admirava as belas maçãs e as via tornarem-se cada vez mais tentadoras, e tinha
de fazer um grande esforço para não desobedecer às ordens do feiticeiro.
«Uma noite sonhei que estavam perfeitamente maduras, que comia algumas e
que eram mais deliciosas do que tudo quanto já saboreara. Assim que acordei,
mandei chamar o jardineiro e perguntei-lhe se os frutos das três árvores não
tinham amadurecido completamente durante a noite. Em vez de me responder, o
homem lançou-se a meus pés e jurou-me que estava inocente, pois apesar de ter
vigiado as árvores toda a noite, os frutos tinham sido todos roubados, como por
magia. Embora penalizado com o roubo, não castiguei o jardineiro, de cuja
fidelidade não duvidava, mas resolvi colher todos os frutos do ano seguinte antes
que amadurecessem, pois já não tinha muita fé na advertência do feiticeiro.
«No ano imediato mandei, de facto, colher todos os frutos, mas quando provei um
achei-o amargo e desagradável e, na manhã seguinte, os outros estavam todos
podres. Depois disso mandei guardar as árvores pelos meus servos mais fiéis,
mas todos os anos, nesta mesma noite, os frutos foram colhidos e roubados por
mão invisível e na manhã seguinte não restava uma só maçã para amostra. Há
algum tempo que não mando, sequer, vigiar as árvores.»
Quando o rei acabou de falar, Szabo, o filho mais velho, observou: Perdoe, meu
pai, mas creio que não procede bem. Tenho a cer-
eza de que há no seu reino muitos homens que podiam proteger estas arvores
das artes manhosas de um feiticeiro ladrão. Eu próprio, como
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vores, resolvido a proteger os frutos mesmo que isso lhe custasse a vida. Esteve
atento muitas horas, mas pouco depois da meia-noite sentiu-se invadir por uma
sonolência irresistível e adormeceu profundamente. Era já dia claro quando
acordou e as maçãs tinham desaparecido todas.
No ano seguinte, Warsa, o irmão do meio, tentou a sua sorte, mas com o mesmo
resultado.
Chegou a vez do terceiro e mais novo dos filhos. Iwanich não se sentia
desencorajado pelo insucesso dos irmãos mais velhos, embora fossem, também,
mais fortes que ele. Quando a noite chegou subiu à árvore, como eles tinham
feito. Havia luar e a sua luz suave iluminava as cercanias, permitindo ao príncipe
ver tudo quanto o rodeava.
À meia-noite um suave vento oeste abanou a árvore e, ao mesmo tempo, uma ave
branca como a neve e parecida com um cisne pousou-lhe brandamente no peito.
O príncipe deu-se pressa em agarrar as asas da ave, mas, com grande espanto
seu, verificou que tinha nos braços a mais bela rapariga que jamais vira!
Iwanich, que esperava um feiticeiro terrível ou alguma fera nocturna, e nunca uma
encantadora rapariga, apaixonou-se imediata e perdidamente por ela. Passaram o
resto da noite nos braços um do outro, e quando Militza quis partir o príncipe
rogou-lhe que não o deixasse.
83
mas vezes
lllaJ * *”~-’ i -i j
Militza deu um beijo de despedida ao príncipe e, sem lhe dar tempo para falar,
transformou-se outra vez em ave e desapareceu através dos ramos da árvore.
Chegada a manhã, o príncipe desceu da árvore e regressou ao palácio, como se
sonhasse, sem saber, sequer, se as maçãs haviam sido tiradas; todo o seu
espírito estava absorvido no pensamento de Militza e na maneira de a encontrar.
Assim que o jardineiro viu o príncipe dirigir-se para o palácio, correu em direcção
às árvores e, ao vê-las carregadas de frutos maduros, apressou-se a dar a boa-
nova ao rei. Louco de contentamento, o monarca foi ao jardim e ordenou ao
jardineiro que colhesse alguns frutos, provou um e achou-o tão delicioso como os
que comera em sonhos. Procurou imediatamente o príncipe Iwanich e, depois de o
abraçar ternamente e de o cumular de elogios, perguntou-lhe como conseguira
conservar-se acordado e proteger os raros pomos do poder do feiticeiro.
Esta pergunta colocou Iwanich perante um dilema. Como não queria que a
verdadeira história se conhecesse, respondeu que, cerca da meia-noite, uma
enorme vespa voara por entre os ramos e zumbira sem parar à sua volta.
Mantivera-a à distância com a espada e, de manhãzinha, quando começava a
sentir-se extenuado, a vespa desaparecera tão inesperadamente como aparecera.
O rei, sem duvidar da veracidade da história, mandou o filho descansar das
fadigas da noite, mas ordenou festejos em honra da preservação dos
maravilhosos frutos.
lou
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Só no dia seguinte deram pela sua falta. O rei ficou muito preocupado com o seu
desaparecimento e mandou-o procurar por todo o reino, mas em vão. Passados
seis meses foi considerado morto, e outros seis meses depois o povo esquecera-o
por completo.
Entretanto, com a ajuda do anel, o príncipe procurava a sua Militza. Ao fim de três
meses chegou à orla de uma floresta que parecia estender-se até ao infinito e dir-
se-ia nunca ter sido pisada por pés humanos. Iwanich ia a entrar por um
carreirinho quando ouviu uma voz gritar-lhe:
sem o ver.
- Ainda que nesta floresta se encontrassem feras mais terríveis do que essas, não
teria outro remédio senão atravessá-la!
Esporeou o cavalo e entrou na floresta, mas o velho chamou-o em tal grita que o
príncipe retrocedeu e se aproximou do carvalho.
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não percas tempo e lança-lhes a lebre. Esta fugirá velozmente, ^ ’m que tocar no
chão, e as feras persegui-la-ão, permitindo-te assim atravessares em segurança a
floresta.
ouviu rugidos numa moita próxima e, de um momento para o utro viu-se rodeado
das mais horríveis criaturas. Num lado, avistou os olhos coruscantes de um tigre;
no outro, os dentes arreganhados de uma grande loba; aqui, um grande urso rugia
ferozmente; ali, uma medonha cobra enroscava-se na erva, a seus pés...
O príncipe encontrou-se só, olhou para o anel e, ao vê-lo brilhar como sempre,
seguiu a direito através da floresta. Pouca distância percorrera quando viu um
homem de aspecto extraordinário ir ao seu encontro. Não media mais de noventa
centímetros de altura, tinha as pernas tortas e o corpo todo coberto de espinhos
como o de um ouriço. Ladeavam-no dois leões, presos pelas duas pontas da sua
comprida barba.
Iwanich sentiu-se tão assustado que não pôde responder, mas o homenzinho
prosseguiu:
Com certeza. E, para maior segurança, dar-te-ei um dos meus le°es, que te
protegerá. Mas quando deixares a floresta e chegares a um palácio que não
pertence ao meu domínio, solta o leão, para que não Caia em mãos inimigas que
o matariam.
PearlS. Buck
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87
Fez uma cama de erva e folhas, acendeu uma fogueira de ramos secos e dormiu
a sono solto até de manhã. Pôs-se de novo a caminho até avistar, ao longe, um
palácio todo branco. Quando o alcançou abriu a porta e entrou e, de súbito, ouviu-
se um estrondo tremendo, como se mil vidros se houvessem partido. Soaram
sinos e o vulto vago do mágico apareceu louco de raiva, porque o encanto se
quebrara. Não tardou a desfazer-se numa nuvenzinha de fumo e nunca mais se
ouviu falar dele.
a ama.
Assim que viu Iwanich, a donzela correu para ele e abraçou-o ternamente, e,
depois de o príncipe lhe contar todas as suas aventuras, entraram no palácio,
onde os esperava uma sumptuosa refeição. A princesa reuniu então a sua corte e
apresentou Iwanich como seu futuro marido, iniciando-se logo os preparativos
para o casamento, que se realizou com grande pompa e magnificência. Daí em
diante, Iwanich e Militza viveram numa paz e numa felicidade que nada perturbou.
O pardalJerido
não são, temos neste conto de encantar japonês pardais a dizerem-nos verdades
acerca da vida, dos homens e das mulheres, sem o mínimo respeito pelos factos.
Daí resulta uma enternecedora história de encantar, em miniatura, na qual uma
avezinha
«Ai de mim, para onde terá ido o meu passarinho?», perguntou a si mesmo, com
um suspiro. «Pobrezinho, pobre pardalito ferido! Onde vives agora?»
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- Partilhe a nossa humilde comida, por favor - convidou-o o pardal. - É pobre, mas
oferecida de boa vontade.
Ficou muito tempo em casa do pardal, como seu hóspede, e foi tratado e
alimentado como um rei. Por fim disse que tinha de se despedir e regressar a
casa. O pardal rogou-lhe que aceitasse, como prenda de despedida, dois cestos
de vime. Um deles era pesado e o outro leve, e o velhote respondeu que, visto ser
fraco e de idade avançada, aceitaria apenas o leve. Pô-lo ao ombro e partiu a
caminho de casa, deixando a família de pardais triste com a separação.
- Por onde andaste, todos estes dias? Que bonito, a vadiares nessa idade!
- Não, mulher, fui apenas visitar os pardais, que me deram este cesto de vime,
como prenda de despedida.
Perguntou ao marido onde ficava a casa da ave e pôs-se a caminho, até acabar
por a encontrar.
cv
89
de dentro
O velho empregou a sua nqueza; nou-se ainda mais rico do que fora.
etor-
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Este conto de encantar turco fala de duas crianças de cabelos de ouro, filhas do
paxá e de uma pobre jovem, a mais nova de três irmãs. As duas irmãs mais
velhas tinham sido também levadas para o palácio, depois de os seus desejos
serem escutados, mas
a sua boa fortuna estragou-as e voltaram para a pobre cabana. A mais nova
continuou humilde e boa, mesmo no palácio, e foi ela que deu à luz os meninos
dos
cabelos de ouro. Tão belos eram os pequeninos, que as duas irmãs mais velhas,
invejosas, subornaram uma velha megera para os roubar e se desfazer deles. Mas
um velho e bondoso casal encontrou-os e criou-os com a ajuda de uma cabrinha.
O que
encantar.
Era uma vez uma grande cidade na qual viviam três jovens donzelas, filhas de um
pobre lenhador. Do romper ao pôr do Sol e pela noite fora, não faziam outra coisa
senão coser e bordar. Quando acabavam os bordados, uma delas ia ao mercado
e vendia-os, comprando com o produto obtido o essencial para viverem
pobremente.
Ora sucedeu que, um dia, o paxá da cidade se zangou tanto com o povo que, na
sua cólera, ordenou que durante três dias e três noites ninguém acendesse uma
vela na cidade. Que seria das três pobres irmãs? Não podiam trabalhar às
escuras, mas precisavam de trabalhar. Depois de muito pensarem, cobriram a
janela com uma grande e espessa cortina, acenderam uma velazinha e sentaram-
se a trabalhar, para ganharem o pão de cada dia.
9ÍJ
rtina não chegasse bem até ao fundo da janela, visse brilhar luz no
tos Deliciosos comeria todos os dias! - dizia a mais velha. - Bordaria, para o paxá,
uma carpete tão grande que caberiam nela, ao mesmo tempo, todos os seus
homens e todos os seus cavalos.
Pois eu - dizia a do meio - gostaria de casar com o encarregado do seu guarda-
roupa. Que belos vestidos teria! E faria ao paxá uma tenda tão grande que
abrigaria todos os seus cavalos e todos os seus homens.
O paxá ouviu as palavras das três donzelas e, mal a primeira luz matinal
enrubesceu o céu, mandou chamar as três ao palácio, entregou a primogénita ao
encarregado da sua copa, a do meio ao seu camareiro-mor e guardou a mais nova
para si.
Ao princípio tudo correu bem com as três irmãs, mas depois... A mais velha
empanturrou-se com tão bons e suculentos pratos que, chegada a altura de fazer
a prometida carpete, a gordura quase não lhe deixava manejar a agulha e o paxá
recambiou-a para a cabana do lenhador. Quanto à segunda, depois de ataviada e
vestida de ouro e de prata, não se dignou sujar os dedos a fazer tendas e foi fazer
companhia à primeira.
E a mais nova? Passados nove messes e dez dias as duas irmãs mais velhas
foram ao palácio, para verem se a pobre rapariga cumpria a sua palavra e
presenteava o paxá com os dois maravilhosos rebentos. Junto do portão
encontraram uma velha e persuadiram-na, com prendas e Prornessas, a interferir,
no caso de a irmã cumprir a promessa feita. A
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Quanto à bruxa, levou os dois meninos para muito longe da cidade, colocou-os na
margem relvosa de um rio caudaloso e regressou ao palácio muito feliz por se ter
saído tão bem do seu terrível trabalho.
No dia seguinte, o velho seguiu a cabra, viu-a ir direita à margem do rio e depois
desaparecer atrás de uma árvore. Seguiu-a outra vez, e que imaginam que viu?
Na relva jaziam duas crianças de cabelos de ouro, a quem a cabra amamentava!
Depois de lhes dar o seu leite balia-lhes docemente e ia pastar. O velho ficou
louco de contentamento ao ver as maravilhosas crianças, pois Alá não o
abençoara com filhos seus. Pegou-lhes, levou-os para a cabana e entregou-os à
mulher. Esta ficou ainda mais alegre que o marido, tomou conta das crianças e
criou-as como se fossem suas. A cabrinha amamentava-as todos os dias e depois
ia para o pasto.
axá mas nem o filho sabia que ele era seu pai, nem o pai reconheceu
onde era.
Alá também criou muita e há bastante para ti e para mim - respondeu-lhe o moço,
e deixou-o.
A notícia chegou aos ouvidos da velha bruxa, que ficou cheia de medo. Correu ao
rio, viu a casa, espreitou e deparou com uma encantadora menina, linda como a
Lua. A jovem perguntou-lhe delicadamente o que queria e a velha não esperou
que repetisse a pergunta; mal transpôs o limiar indagou, com palavras doces
como o mel, se vivia sozinha.
- Não, avozinha; tenho um irmão. Anda a caçar, de dia, e regressa à tarde a casa.
Mesmo que aborrecesse, que poderia fazer? Tenho de ocupar o tempo o melhor
possível.
tntão, minha pequenina, vou dizer-te uma coisa, mas não a re-
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rainha dos peris e te traga um ramo encantador, como nunca viste outro igual.
- Bons-dias, mãezinha.
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ece mergulha-os no poço e pede, a gritar, uma chave. Do poço lan-
-te-ão imediatamente uma chave, apanha-a e segue o teu caminho, p uco depois
encontrarás uma grande caverna cuja porta abrirás com tua chave e, assim que
entrares, estende o braço direito para as trevas interiores, agarra aquilo em que a
tua mão tocar, puxa-o depressa para fora e atira outra vez a chave. Mas tem
cuidado, nunca olhes para trás, pois se o fizeres Alá não terá piedade da tua alma.
- Que te disse eu, minha filha? - declarou. - Mas isso ainda não é nada. Se o teu
irmão te trouxesse o espelho da rainha dos peris, Alá sabe que deitarias fora esse
ramo. Não deixes de o atormentar enquanto não to for buscar.
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e o jovem partiu. Muniu-se de um bordão de ferro, calçou sandálias de ferro e
andou, andou, até chegar a duas portas, tal qual como a mãe dos demónios lhe
dissera. Uma das portas estava aberta e a outra fechada. O jovem fechou a aberta
e abriu a fechada, e encontrou à sua frente outra porta. Junto desta encontravam-
se um leão e um carneiro, e o leão tinha erva à sua frente e o carneiro tinha carne.
O moço pegou na carne e pô-la diante do leão e pegou na erva e pô-la diante do
carneiro, e os animais deixaram-no entrar sem lhe fazerem mal. Encontrou ainda
outra porta e junto dela dois fornos, um com lume aceso e outro com cinzas
amodorradas. Apagou o primeiro e espevitou as cinzas do outro, até arderem de
novo, e em seguida transpôs a porta e entrou no jardim dos peris e, daí, no
palácio. Apoderou-se do espelho encantado e apressou-se a fugir com ele, mas
ao chegar aos fornos uma voz estentórea gritou de tal maneira que fez tremer a
terra e o céu.
O outro forno estava agradecido ao rapaz por o ter espertado e, por isso, deixou-o
passar.
E o carneiro também não lhe fez mal, pois ele dera-lhe erva.
- Isso é que deixo, pois se ele não me tivesse aberto ainda estaria fechada! -
respondeu a porta.
Assim, o rapaz dos cabelos de ouro não tardou a chegar a casa, para grande
alegria da irmã. Esta agarrou no espelho, olhou-o e - louvado seja Alá! - viu nele o
mundo inteiro. A jovem não pensou mais no ramo encantado, pois os seus olhos
estavam presos ao espelho.
De novo o irmão foi caçar e de novo avistou o paxá, mas este terceiro encontro
comoveu tanto o soberano que tiveram de o levar, meio inconsciente, para o
palácio.
Quando este chegou, chorou tanto que mais parecia uma nuvem a verter chuva.
Em vão o moço tentou demonstrar-lhe como era longo e perigoso o caminho que o
pretendia obrigar a percorrer; ela respondia-lhe sempre:
Mais uma vez o jovem se pôs a caminho e mais uma vez procurou a mãe dos
demónios.
A mãe dos demónios ficou surpreendida com a sua coragem e tentou tudo para o
dissuadir do seu propósito, pois todas as almas humanas que empreendiam tal
aventura tinham por força de morrer.
- Morrerei se assim tiver de ser, mãezinha, mas não voltarei sem ela! - afirmou o
rapaz.
junto do poço, abriu todas as portas que encontrou e, sem olhar para
a dlreita nem para a esquerda, seguiu a direito, nas trevas. Pouco de-
túmulos, mas pedras do tamanho de homens... Não, não eram pedras < mas
homens que se haviam transformado em pedra. Não se via homem nem espírito e
não havia ruído nem sopro de brisa, e o jovem sei lou de terror até à medula dos
ossos. No entanto, encheu-se de coral gem e seguiu o seu caminho, sempre a
olhar em frente, com os olhos , quase cegos por uma luz ofuscante. Seria o Sol?
Não se tratava do Sol, mas do palácio da rainha dos peris! O jovem reuniu toda a
força que lhe restava e gritou o seu nome, e ainda as palavras não lhe haviam
morrido nos lábios quando o seu corpo se transformou em pedra até aos joelhos.
Gritou de novo com todas as suas forças e transformou-se em pedra até ao
ventre. Gritou pela última vez e tornou-se pedra primeiro até à garganta e depois
até à cabeça, e acabou por se transformar numa pedra tumular, como os outros.
A rainha dos peris desceu então ao jardim. Tinha sandálias de prata nos pés e um
prato de ouro na mão, tirou água de uma fonte de diamantes e espargiu com ela o
jovem transformado em pedra, devolvendo-lhe vida e movimento.
- Bem, como o teu amor por mim é tão extraordinário, nenhum mal te acontecerá e
partiremos juntos.
99
Uma manhã, depois de ouvir a história dos irmãos e dos seus pais doptivos e o
destino da sua inocente mãe, a rainha das fadas disse ao
rapaz:
nue ele fará será convidar-te para o palácio, mas não aceites o convite.
Na manhã seguinte, muito cedo, a rainha dos peris acordou e pediu aos irmãos
que chamassem o seu conselheiro. Os jovens bateram palmas e imediatamente
surgiu na sua frente um enorme génio, tão grande que um dos seus lábios tocava
no céu e o outro na terra.
O jovem foi, pois, visitar o paxá no seu corcel com rédeas de diamantes, seguido
de alegre e luzido séquito. Saudou o povo para a direita e para a esquerda,
durante todo o caminho, e, no palácio receberam-no com uma pompa nunca vista.
Comeram, beberam e divertiram-se tanto que o paxá não cabia em si de feliz, mas
de súbito o cavalo relinchou e o jovem levantou-se e nada o convenceu a não
partir imediatamente. Montou, convidou o paxá a visitá-lo no dia seguinte e
regressou para junto da fada e da irmã.
Entretanto, a rainha dos peris desenterrou a mãe dos jovens e, graÇas às suas
artes mágicas, devolveu-a à vida, tal como era na sua juventude. Mas a rainha dos
peris não disse à mãe uma palavra acerca dos filhos nem aos filhos uma palavra
acerca da mãe.
100
cada flor uma ave canora cujas penas refulgiam de luz, de tão grande beleza que
todos a admiravam de boca aberta e suspiravam. Quanto ao palácio, estava cheio
de gente para tudo o que era preciso: escravas do harém, jovens cativos,
bailarinas, cantoras e tocadoras de instrumentos de corda - enfim, um nunca mais
acabar. Não há palavras que exprimam o esplendor do séquito que foi receber o
paxá.
«Estes jovens não são de nascimento mortal!», pensou o soberano quando viu
tantas maravilhas. «Ou, se são, uma fada os deve ter ajudado.»
seram:
O paxá entrou no harém e viu o jovem dos cabelos de ouro e bela meia-lua a
brilhar-lhe na fronte, com a sua noiva, a rainha dos peris, assim como a sua
própria esposa, a sultana, que estivera enterrada todos aqueles anos, e a seu lado
uma donzela de cabelos de ouro, com uma estrela a brilhar na testa. O paxá ficou
petrificado, mas a esposa correu para ele e beijou-lhe a fímbria do manto, e a
rainha dos peris começou a contar-lhe como tudo acontecera.
O monarca julgou morrer de alegria, quase incapaz de acreditar nos seus sentidos
ao apertar a mulher ao peito e ao abraçar os seus dois belos filhos e a rainha dos
peris. Perdoou às irmãs da sultana, mas a velha bruxa foi impiedosamente
destruída.
O grande sino
Há muitos contos de encantar chineses que fakm do fabrico de grandes sinos, e
este é um deles. Relaciona-se com Yong-Lo, o mais famoso imperador da famosa
dinastia
Ming, que um dia sentiu o desejo de possuir um sino perfeito, o sino mais
mesmo tempo tão forte que, quando tocasse, todos quantos viviam na sua capital,
a
cidade de Pequim, ouvissem a sua voz. Após muitos malogros, o sino fez-se,
finalmente, e era de facto como o imperador sonhara. Mas uma rapariga dera a
vida
para que se atingisse tal perfeição. Como foi isso possível? A história responde à
pergunta.
101
•L”: medida ii
102
trumentos e o gigantesco depósito para o metal fundido. Trabalharam como
gigantes, esquecidos do repouso, do sono e dos confortos da vida, sem parar de
noite nem de dia, em obediência a Kouan-Yu, e esforçaram-se de todas as
maneiras possíveis para satisfazer os desejos do Filho do Céu.
O Filho do Céu teve conhecimento do sucedido, ficou furioso, mas não disse nada.
Segunda vez se lançou o metal em brasa no molde, mas o resultado foi ainda pior.
Os metais continuavam a recusar, obstinadamente, misturarem-se uns com os
outros, o sino não tinha uniformidade, os lados estavam estalados e fendidos e os
rebordos escoriados e sem graça. Em resumo, mais uma vez foi preciso
recomeçar, com grande desespero de Kouan-Yu.
Quando o Filho do Céu teve conhecimento do sucedido, ficou mais irritado ainda e
mandou um mensageiro levar a Kouan-Yu uma carta escrita em seda cor de limão
e selada com o sinete do Dragão, na qual dizia:
Kouan-Yu tinha uma filha de estonteante beleza, cujo nome, KoNgai, andava
sempre na boca dos poetas e cujo coração era ainda mais belo que o seu rosto.
Ko-Ngai amava tanto o pai que recusara cem óptimos pretendentes só para não
desolar com a sua ausência a morada do progenitor. Ao ver a terrível missiva
amarela selada com o sinete do Dragão, desfaleceu de medo, só de pensar no
que podia acontecer ao pai. Quando recuperou os sentidos e as forças, não
conseguiu dormir
103
nem ter descanso, tanto a atormentava o perigo que o pai corria. Vendeu em
segredo algumas jóias e, com o dinheiro obtido, apressouse a consultar um
astrólogo, ao qual pediu, a troco de grande soma, nue a aconselhasse acerca da
maneira de salvar o pai da desgraça iminente.
O astrólogo observou o céu e o aspecto do Rio de Prata, a que nós chamamos Via
Láctea, examinou os signos do zodíaco, o Hwang-tao ou Estrada Amarela, e
consultou as tabelas dos Cinco Hin, ou Princípios do Universo, e os livros místicos
dos alquimistas.
Ko-Ngai regressou a casa de coração triste, mas guardou segredo do que ouvira e
não disse a ninguém o que fizera.
Por fim chegou o dia terrível em que se efectuaria o terceiro e derradeiro esforço
para moldar o grande sino. Ko-Ngai acompanhou o pai à fundição, juntamente
com a sua aia, e instalaram-se num estrado, de onde avistavam o trabalho dos
fundidores e o lago de metal liquefeito. Os operários trabalhavam em silêncio e o
único som que se ouvia era o crepitar do fogo. O crepitar aumentou,
transformando-se num rugido semelhante ao berro do tufão, e o lago de metal cor
de sangue iluminou-se lentamente, assemelhou-se ao vermelho do Sol a nascer, o
vermelho adquiriu o clarão radioso do ouro e o ouro embranqueceu, tornou-se
ofuscante, como a face prateada da Lua. Os trabalhadores deixaram então de
alimentar as chamas vorazes, pousaram os olhos nos olhos de Kouan-Yu e este
preparou-se para dar o sinal de moldar.
Antes que levantasse a mão, porém, um grito fê-lo voltar a cabeça e ouviu a voz
de Ko-Ngai, pungentemente doce como o canto de uma ave, erguer-se acima da
grande trovoada do fogo:
Enquanto gritava, lançou-se no rio branco do metal fundido, a lava do forno rugiu
ao recebê-la, atirou monstruosas línguas de chamas até ao telhado, transbordou
da cratera de barro, moldou uma turbilhonante fonte de fogos multicores e
acalmou-se, trémula, com relâmpagos e trovões e murmúrios.
Pear! S. Buck
104
O pai de Ko-Ngai, louco de dor, quis lançar-se também no lago ardente, mas
braços fortes seguraram-no e prenderam-no até desmaiar e poder ser
transportado para casa como morto. Quanto à aia de Ko-Ngai estonteada e muda
de dor, olhava para o forno e segurava um sapato,
um sapatinho pequeno e elegante, com bordados de pérolas e flores
o sapato da sua linda menina. Tentara agarrar Ko-Ngai por um pé quando ela
saltara, mas agarrara-lhe apenas no sapato e ficara com ele na mão. Continuou a
fitá-lo, como se tivesse enlouquecido.
Quando tocou, a voz do sino soou mais profunda, mais suave e mais potente que
a de qualquer outro sino, ouviu-se, até, mais longe que os cem lis pretendidos. Era
como um ribombo de trovoada estival, como uma voz colossal a proferir um nome
- um nome de mulher vezes sem conta: Ko-Ngai!... Ko-Ngai!... Ko-Ngai!...
105
i!
4 ••}
t,
Esta alegre e graciosa história da Arábia é contada com leveza e espírito. Destina-
se a
provocar o riso e as duas aves escolhidas para inspirarem esse estado de espirito
-a
notas trágicas de mágoa e as relações humanas entre califa e vizir são divertidas
e,
Oh, meu senhor, não sei se venho com ar preocupado, mas sei que, no pátio do
palácio, se encontra um bufarinheiro com tão belas coisas que, mesmo que não
queira, não posso deixar de entristecer por Possuir tão pouco dinheiro.
Pearls. Buck
106
O califa, que desejava havia algum tempo oferecer um presente ao seu grão-vizir,
ordenou ao escravo que trouxesse imediatamente o bufarinheiro à sua presença.
O escravo obedeceu e, pouco depois, trazia o bufarinheiro, um homem baixo e
atarracado, de cara morena e vestido de farrapos. Transportava uma caixa com
toda a espécie de mercadorias: colares de pérolas, anéis, pistolas ricamente
adornadas, taças e pentes. O califa e o vizir examinaram tudo e aquele escolheu
umas belas pistolas para si e para Mansor e um pente cravejado de pedras
preciosas para a mulher deste. Quando o bufarinheiro ia a fechar a caixa, o califa
reparou numa gavetinha e perguntou-lhe se não continha nada para venda. O
homem abriu a gaveta e mostrou-lhes uma caixa com um pó preto e um
pergaminho cheio de estranhos caracteres que nem o califa nem o seu vizir
perceberam.
- Comprei estes dois artigos a um mercador que os encontrou numa rua de Meca -
respondeu o bufarinheiro. - Ignoro qual seja o seu valor, mas, como não me
servem para nada, de bom grado lhos venderei por uma bagatela.
O califa, que gostava de ter antigos manuscritos na sua biblioteca, embora não os
soubesse ler, comprou o manuscrito e a caixa e mandou embora o vendedor.
Depois, sentindo curiosidade de saber o que diriam os estranhos caracteres,
perguntou ao vizir se conhecia alguém capaz de os decifrar.
- Muito gracioso senhor e amo - respondeu Mansor -, perto da Grande Mesquita
vive um homem chamado Selim, o Sábio, que conhece todas as línguas existentes
debaixo do Sol. Mande-o chamar, pois talvez saiba decifrar estes misteriosos
caracteres.
- Selim-disse-lhe o califa -, sei que és um sábio. Olha bem para este manuscrito e
vê se o consegues ler. Se conseguires, oferecer-te-ei um traje de honra, mas se
não conseguires ordenarei que te dêem doze palmadas nas faces e vinte e cinco
nas solas dos pés, pois falsamente te intitulas Selim, o Sábio.
- Seja de acordo com a tua vontade, senhor! - Depois olhou durante muito tempo
para o manuscrito e, de súbito, exclamou:
107
«Tu que achastes estes objectos, louva Alá pela sua misericórdia.
- É a isto que chamo um bom negócio, Mansor - disse, quando ficou só com o
vizir. - Anseio pelo momento em que poderei transformar-me num animal. Espero-
o cedo, amanhã de manhã; iremos para o campo, aspiraremos o pó da caixinha e
ouviremos o que se diz no ar, na terra e no mar!
Na manhã seguinte, mal o califa Chasid acabou de se vestir e de tomar o pequeno
almoço, o grão-vizir apareceu, de acordo com as ordens recebidas, para o
acompanhar na sua expedição. O califa meteu a caixinha no cinto e, depois de
ordenar aos criados que ficassem no palácio, pôs-se a caminho, na companhia de
Mansor. Atravessaram primeiro os jardins do palácio, mas procuraram em vão
uma criatura que os tentasse a servirem-se do pó mágico. Por fim o vizir sugeriu
que andassem um pouco mais, até um tanque que ficava fora da cidade e onde
vira muitas vezes diversas criaturas, sobretudo cegonhas, cuja aspecto grave e
digno e constante palrice lhe despertara a atenção.
Assim que chegaram viram uma cegonha a passear de um lado para o outro, com
um ar imponente, a caçar rãs e, de vez em quando, a murmurar - assim parecia,
pelo menos! - qualquer coisa. Viram tam-
bém
Apostaria a minha barba, gracioso amo - disse o grão-vizir -, em corno estas duas
pernaltas vão travar uma boa conversa! Que tal se n°s transformássemos em
cegonhas?
108
Enquanto falava, o califa viu a cegonha que voava descrever um círculo sobre a
sua cabeça e descer gradualmente. Sem perda de tempo, tirou a caixa do cinto,
deu uma boa fungadela, ofereceu outra a Mansor e gritaram juntos:
- Mutabor!
Entretanto, a cegonha que voava pousara. Primeiro raspou o bico com a pata e
alisou as penas, e depois aproximou-se da outra cegonha. As duas novas
cegonhas aproximaram-se também e, surpreendidas, ouviram a seguinte
conversa:
- Muitíssimo obrigado, mas esta manhã não tenho apetite. Estou aqui com um
objectivo muito diferente. Hoje terei de dançar para os convidados do meu pai e,
por isso, vim até cá, para me treinar um pouco, sossegadamente.
109
nosso riso ter assustado as estúpidas criaturas, pois provavelmente acabariam por
cantar também!
- Por Meca e Medina! - exclamou o califa. - Seria uma brincadeira de muito mau
gosto se tivesse de continuar cegonha até ao fim dos meus dias! Tente recordar a
estúpida palavra, pois passou-me por completo.
- Devemos inclinar-nos três vezes na direcção do Oriente e dizer Mu... mu... mu...
As duas aves encantadas vaguearam tristemente pelos prados, sem saberem que
fazer. Não conseguiam libertar-se da sua nova forma! Seria inútil regressarem à
cidade e dizerem quem eram, pois ninguém acreditaria numa cegonha que
dissesse ser um califa... E, mesmo que acreditassem, consentiria o povo de
Bagdade que uma cegonha o governasse?
Vaguearam assim vários dias, enganando a fome com frutos que tinham certa
dificuldade em comer com o longo bico e sem conseguirem habituar-se às rãs e
aos lagartos. O seu único consolo, na triste situação em que se encontravam, era
a faculdade de voarem, o que lhes permitia sobrevoarem com frequência os
telhados de Bagdade, para verem como corriam as coisas por lá.
Nos primeiros dias notaram, nas ruas, sinais de muita inquietação, mas no quarto
dia, quando se encontravam empoleirados no telhado
110
- Compreende agora, grão-vizir, porque fui encantado? Este Mirza é filho do meu
mortal inimigo, o poderoso mágico Kaschnur, que num momento de cólera jurou
vingar-se de mim. Mas não desesperarei! Vem comigo, meu fiel amigo; iremos ao
túmulo do Profeta e talvez, naquele local sagrado, o encanto se quebre.
Mas voar não era tarefa fácil, pois as duas cegonhas tinham pouca prática, e
passadas duas horas o vizir declarou, ofegante:
- Oh, meu senhor, não posso ir mais longe! Voa depressa de mais para mim e,
além disso, anoitece e não seria má ideia procurarmos um lugar para passarmos a
noite.
Chasid concordou com a sugestão do seu vizir e, vendo no vale que sobrevoavam
umas ruínas que pareciam capazes de os abrigar, começaram a descer. O edifício
onde se propunham passar a noite parecia ter sido, em tempos, um castelo. Viam-
se ainda algumas belas colunas, entre as ruínas, e vários quartos razoavelmente
conservados testemunhavam antigo esplendor. Chasid e o companheiro
percorreram os corredores, à procura de um lugar seco, mas de súbito Mansor
estacou.
- Meu amo e senhor, se não fosse absurdo um grão-vizir - e ainda mais uma
cegonha! - ter medo de fantasmas, sentir-me-ia nervosíssimo, pois alguém ou
alguma coisa acaba de suspirar e gemer perto de mim.
O califa parou, também, e ouviu distintamente uma espécie de choro abafado, que
parecia mais de ser humano que de animal. Cheio de curiosidade, ia a correr para
o local de onde lhe parecera vir o som, mas o vizir segurou-lhe numa asa com o
bico e suplicou-lhe que não se expusesse a novos e desconhecidos perigos. O
califa, porém, sob cujo peito de cegonha batia um coração valente, soltou-se,
perdendo algumas penas, e seguiu apressadamente por um corredor escuro, até
encontrar uma porta entreaberta, através da qual ouviu, com a maior clareza,
suspiros misturados com soluços. Empurrou a porta com o bico, mas ficou no
limiar, espantado com o que viu. No chão do quarto em ruínas, frouxamente
iluminado por uma janelinha gradeada, encon-
111
trava-se uma grande coruja. Enormes lágrimas rolavam-lhe dos grandes olhos
redondos e o bico arqueado proferia, em voz rouca, tristes aueixas. Assim que viu
o califa e o vizir, que entretanto se acercara também, a coruja soltou um grito de
alegria, limpou delicadamente as lágrimas, com as asas castanhas sarapintadas,
e, com grande surpresa dos recém-chegados, dirigiu-se-lhes em bom e humano
árabe:
pois foi-me profetizado que me aconteceria uma coisa boa por intermédio de uma
cegonha.
- Ouçam a minha história e ficarão a saber que não sou menos infortunada que
vocês. Meu pai é o rei das índias e eu sou Lusa, a sua única filha. O mágico
Kaschnur que os encantou, foi também a causa das minhas desventuras. Um dia
procurou o meu pai e pediu-lhe a minha mão para o seu filho Mirza. O meu pai,
que é um pouco impetuoso, ordenou que o atirassem pela escada abaixo.
Passado pouco tempo, o malvado conseguiu aproximar-se de mim, sob outra
forma. Um dia, quando me encontrava no jardim e pedi um refresco, transformou-
se em escravo e trouxe-me uma bebida que me transformou imediatamente nesta
feia ave. Desmaiei de terror e ele transportou-me para aqui e gritou-me, na sua
voz terrível: «Ficarás aqui, sozinha e hedionda, desprezada até pelos brutos, até
ao fim dos nossos dias ou até que alguém, de sua livre vontade, te peça que sejas
sua esposa! Assim me vingo de ti e do teu orgulhoso pai!». Depois disso, muitos
meses passaram. Triste e sozinha, para aqui tenho vivido como uma eremita,
dentro destas paredes, evitada pelo mundo e um terror até mesmo para os
animais. As belezas da natureza estão-me vedadas, pois de dia sou cega e só
quando a Lua ilumina este lugar com a sua pálida luz o véu cai dos meus olhos e
volto a ver.
Pear! S. Buck
112
A coruja calou-se e limpou de novo os olhos com a asa, pois o relato dos seus
tormentos arrancara-lhe mais lágrimas.
- Sou da mesma opinião, meu senhor, pois em menina uma mulher de virtude
vaticinou-me que uma cegonha me traria grande felicidade... E creio poder dizer-
lhe como poderemos salvar-nos.
- O mágico vem uma vez por mês a estas ruínas. Não longe deste quarto existe
um grande salão onde costuma banquetear-se com os seus companheiros.
Tenho-os observado muitas vezes. Contam uns aos outros as suas patifarias e é
muito possível que a palavra mágica que vocês esqueceram seja mencionada.
- Oh, queridíssima princesa! - exclamou o califa. - Quando é que ele vem e onde
fica o tal salão?
- Não me julguem antipática, mas só posso satisfazer esse desejo com uma
condição.
- Fala, fala! - pediu-lhe Chasid. - Pede, e de boa vontade satisfarei o teu desejo.
- Deveras? Para a minha mulher me arrancar os olhos, quando voltar para casa?
Além disso, sou velho, ao passo que vossa alteza ainda é jovem, solteiro e um
partido melhor para uma princesa moça e encantadora.
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Argumentaram durante algum tempo, mas por fim, quando o califa compreendeu
que o seu vizir preferiria continuar cegonha até ao fim da vida a desposar a coruja,
resolveu comprometer-se e cumprir a condição exigida. A coruja ficou encantada e
afirmou que não podiam ter chegado em melhor altura, pois era muito provável
que os mágicos se reunissem naquela mesma noite.
No êxtase de voltarem a ser o que eram, amo e servo caíram nos braÇos um do
outro, a rir e a chorar. Como descrever a sua surpresa quando, ao voltarem-se de
novo, viram na sua frente uma linda senhora, maravilhosamente vestida?
Era ela! O califa ficou tão encantado com a sua graça e beleza que
PearlS. Buck
114
afirmou ter sido, afinal, uma grande sorte haver sido transformado em cegonha!
Nunca na vida lhe acontecera nada melhor!
•sá
•**••
O vizinho invejoso
Este conto de encantar do antigo Japão relaciona-se com um bom cão. É raro (
encontrar um cão assim na Ásia, mesmo numa história, pois os cães asiáticos têm
uma certa tendência para serem ariscos e maus. Talvez isso se deva ao facto de
não serem tratados como animais de estimação. Usam-nos como guardas,
sobretudo nas; aldeias, e fazem-nos passar fome, para que desempenhem bem
essa missão. Nesta p história, contudo, um cãozinho dá sorte a um velho casal
que o trata como a um t filho. Claro que, visto tratar-se de um conto de fadas, o
cão é encantado e castiga o mal e recompensa o bem.
115
Há muito, muito tempo vivia numa aldeia um velho casal que, visto não ter filhos a
quem amar e cuidar, dedicava todo o seu afecto a um cãozinho. Era um
animalzinho bonito que, em vez de se tornar mimado ou mau quando não obtinha
o que queria - como às vezes acontece, até, com as crianças-, se mostrava grato
aos donos pela sua bondade e nunca os deixava, quer estivessem em casa, quer
fora dela.
ladrar e saltar e o barulho que fazia atraiu a velhota, que saiu de casa para ver o
que acontecera.
Mas o invejoso vizinho não fez caso das suas palavras e todos os dias vinha com
o mesmo pedido, até que os velhotes, que não gostavam de dizer «não» a
ninguém, prometeram emprestar-lhe o animalzinho só por uma noite ou duas.
Assim que se apanhou com ele soltou-o na horta, mas o cão limitou-se a correr de
lado para lado e o homem não teve outro remédio senão esperar com a paciência
que pôde arranjar. À noite levou-o para casa.
Sentiu tanta cólera contra o cão que assim o enganara que pegou numa picareta e
o matou, sem saber o que fazia. Quando se lembrou de que teria de dar uma
explicação ao velho casal, ficou aterrorizado, mas como não ganharia nada
calando-se, arvorou uma expressão muito triste e dirigiu-se à horta do vizinho.
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A história não tardou a chegar aos ouvidos do vizinho invejoso, o qual se apressou
a ir perguntar, ao casal se tinha um almofariz que lhe emprestasse. O velho não
gostou muito de emprestar o seu precioso tesouro, mas como não sabia dizer que
não o vizinho levou-o.
Mal chegou a casa, pegou num grande punhado de arroz e começou a descascá-
lo, ajudado pela mulher, mas em vez das moedas de ouro que esperavam o arroz
transformou-se em sementes tão malcheirosas que tiveram de fugir, mas só
depois de, furiosos, partirem o almofariz e deitarem fogo aos bocados.
Mas nessa noite o cão apareceu outra vez em sonhos ao dono e disse-lhe que
fosse buscar as cinzas do almofariz e as levasse para casa. Quando o grande
Manchu a quem aquela parte do território pertencia tosse à capital, o velho devia
levar as cinzas à estrada pela qual o coreJ° Passar ia e, assim que o visse surgir,
subir a todas as cerejeiras, uma
Pear! S. Buck
por uma, e espalhar nelas as cinzas. As árvores não tardariam a florir como jamais
haviam florido.
Desta vez o velho não precisou de consultar a mulher para saber se devia fazer o
que o cão lhe dissera. Assim que se levantou foi a casa do vizinho, recolheu as
cinzas do almofariz, guardou-as num vaso de porcelana e levou-as para a estrada,
em cuja berma se sentou à espera da passagem do Manchu. As cerejeiras
estavam nuas, pois era a estação em que costumavam vender-se rebentos
envasados às pessoas ricas, para que os tivessem em casa, onde
desabrochariam e enfeitariam os aposentos. Quanto às árvores que ladeavam a
estrada, ninguém se lembraria de procurar nelas um botão que fosse antes que
decorresse pelo menos um mês.
Não esperava havia muito tempo quando viu, ao longe, uma nuvem de poeira e
calculou que fosse o cortejo do Manchu. Era, de facto. Os homens que o
compunham vestiam os mais belos fatos e a multidão que enchia a estrada
curvava-se até ao chão, à passagem do séquito. Só o velho não se curvou, facto
que não passou despercebido ao grande senhor. Este ordenou a um dos
cortesãos que lhe perguntasse porque desobedecera aos antigos costumes, mas,
antes que o mensageiro o alcançasse, o velho trepara à árvore mais próxima e
espalhara as cinzas, num gesto largo. As flores brancas desabrocharam, num
instante, e o Manchu rejubilou, cumulou o velho de presentes e convidou-o para o
seu palácio.
Claro que o vizinho invejoso não tardou a saber também essa novidade e o
coração quase lhe estoirou de inveja. Apressou-se a ir ao local onde queimara o
almofariz e a recolher um resto de cinzas que o velho deixara, as quais levou para
a estrada, na esperança de que a sua sorte fosse tão boa, ou mesmo melhor, que
a do vizinho.
Quando o libertaram toda a gente da aldeia descobrira a sua maldade e não lhe
permitiram que lá continuasse a viver. Como não se emendou, foi de mal a pior e
teve um fim desgraçado.
Era uma vez um menino filho de um rei que governava um grande país através do
qual passava um largo rio, O rei ficou quase louco de alegria quando o menino
nasceu, pois sempre desejara um filho para lhe herdar a coroa, e convidou as
fadas mais poderosas para verem o maravilhoso bebé. Passada uma hora ou
duas eram tantas as fadas que cercavam o berço que o infantezinho parecia
correr o perigo de morrer asfixiado. O rei, que as observava ansiosamente, ficou
preocupado ao ver o seu ar grave.
119
n
120
Durante momentos o rei ficou imóvel, horrorizado com o que ouvira, mas como era
um homem que não perdia facilmente a esperança, começou logo a inventar
planos para poupar ao príncipe o terrível destino que lhe fora vaticinado. Mandou
chamar o seu mestre construtor e encarregou-o de erigir uma fortaleza no pico de
uma montanha, a qual seria mobilada com os objectos mais preciosos daquele
palácio e toda a espécie de brinquedos com que uma criança pudesse sonhar.
Deu ainda ordens estritas para que uma guarda percorresse o castelo noite e dia.
Um dia, quando já tinha idade suficiente para correr sozinho pelos terraços, olhou
para o outro lado do fosso e viu um cãozinho que era uma verdadeira bola de pêlo
a saltar e a brincar. Ora o garoto nunca vira um cão, pois estes animais tinham
sido afastados dele para evitar que a profecia das fadas se cumprisse. Voltou-se
para o pajem que o acompanhava e perguntou-lhe:
O pajem ficou sem saber que fazer. Tinha ordens severas para não recusar nada
ao príncipe, mas lembrava-se da profecia e achava o assunto muito sério. Por fim
achou conveniente contar tudo ao rei e deixá-lo decidir a ele.
Arranjou-se, por isso, um cachorrinho, tão igual ao outro como se fossem gémeos
- e talvez fossem.
Os anos passaram e o rapaz e o cão brincaram juntos, até aquele se tornar alto e
forte. A certa altura escreveu ao pai a seguinte mensagem:
Mais uma vez o rei satisfez os seus desejos e o moço e o cão partiram num barco
para a outra margem do rio, naquele ponto tão largo que quase podia ser um mar.
Esperava-o um cavalo preto, amarrado a uma árvore, e o príncipe montou e
cavalgou até onde a fantasia o levou sempre seguido pelo cão. Nunca houvera
príncipe tão feliz como ele. Por fim avistou um palácio real.
O rei que nele vivia não estava para se maçar a governar bem o seu país nem se
importava que o povo vivesse, ou não, alegre e feliz. Passava o tempo a fazer
charadas e a inventar projectos em que mais valeria não se ocupar. Quando o
jovem príncipe chegou ao reino, acabava o rei de completar uma maravilhosa
casa para a sua única filha. A casa tinha setenta janelas, todas a setenta pés do
chão, e o rei mandou o arauto real anunciar nas fronteiras dos reinos vizinhos que
daria a filha como esposa a quem conseguisse trepar pelas paredes até à janela
onde ela se encontrava.
A fama da beleza da jovem era grande e, por isso, não faltaram príncipes
dispostos a tentar a sua sorte. O palácio devia parecer muito engraçado, todas as
manhãs, com os príncipes de fatos coloridos a treparem pelas paredes de
mármore branco. Mas embora alguns conseguissem ir mais longe que outros,
nenhum conseguira ainda chegar ao cimo. Desciam e na manhã seguinte
tornavam a tentar.
Haviam decorrido já vários dias em tão fúteis tentativas quando o jovem príncipe
chegou. Como era simpático e delicado, os outros príncipes receberam-no com
agrado na casa que fora posta à sua disposição e mandaram-lhe preparar um
banho convenientemente perfumado, para repousar da longa viagem.
O jovem príncipe tinha motivos para guardar segredo quanto à sua identidade e,
por isso, mentiu:
- Meu pai era o estribeíro-mor do rei do meu país, enviuvou e voltou a casar. Ao
princípio tudo correu bem, mas assim que a minha madrasta teve filhos seus,
começou a odiar-me e eu fugi para que não me acontecesse nenhum mal.
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No dia seguinte viu os jovens subirem pelas paredes e fixou os pontos que
pareciam mais difíceis, resolvido a subir de outra maneira, quando chegasse a sua
vez. Dia após dia observou as tentativas dos pretendentes, até adquirir a certeza
de que conhecia de cor o plano das paredes. Tentou, então, graças ao que
aprendera com os malogros dos outros, conseguiu agarrar-se a uma pequena
saliência após outra e chegou, com grande inveja dos seus amigos, ao parapeito
da janela da princesa. De baixo, os jovens viram a mão branca da donzela
estender-se para o puxar para dentro.
- Ele que volte para a sua terra! - gritou, colérico. - Esperará que dê a minha filha a
um exilado?
E, na sua fúria, começou a partir as taças. O jovem que lhe trouxera a novidade
ficou tão assustado que voltou para junto dos amigos e contou o que o rei dissera.
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- Diz-me quem és, pois jamais acreditarei que não te corre sangue real nas veias.
Mas o príncipe ainda tinha as suas razões para guardar segredo e repetiu a
mesma história. O rei tomara-se de tal simpatia por ele que não insistiu. O
casamento efectuou-se no dia seguinte e o jovem casal recebeu como presente
de noivado grandes manadas de gado e uma enorme propriedade.
Decorridas várias semanas o príncipe disse à mulher: -A minha vida está nas
mãos de três criaturas: um crocodilo, uma serpente e um cão.
- Se sabes isso, porque trazes contigo aquele imundo animal? Darei ordens para o
matarem imediatamente!
O mais que a princesa conseguiu que lhe prometesse foi que usaria sempre uma
espada e iria sempre acompanhado de alguém quando saísse do palácio.
Poucos meses depois do seu casamento, o príncipe soube que o pai estava velho
e doente e desejava ter o filho a seu lado. O jovem não pôde ficar surdo a
semelhante mensagem, despediu-se ternamente da mulher e iniciou a viagem de
regresso. Como a distância era grande, foi obrigado a descansar muitas vezes na
estrada e sucedeu que, quando certa noite dormia numa cidade na margem de um
grande rio, um enorme crocodilo saiu da água e se dirigiu, silenciosamente, em
direcção ao quarto do príncipe. Por sorte um dos guardas acordou no momento
em que a fera tentava passar, sorrateira, e fechou-o num grande átrio, guardado
por um gigante que só o abandonava de noite, quando o crocodilo dormia. Assim
continuou durante mais de um mês, pois quando o príncipe pensou que seria
pouco provável que pudesse abandonar outra vez o reino do pai, mandou chamar
a mulher e
PearlS. Buck
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surpresa, uma voz falou-lhe e o jovem viu tratar-se de um crocodilo o que tomara
por um tronco.
- Não podes escapar-me - ouviu a fera dizer, quando se refez da surpresa. - Sou o
teu destino e vás para onde fores e faças o que fizeres, encontrar-me-ás sempre à
tua frente. Há apenas uma maneira de te libertares do meu poder: se conseguires
abrir na areia seca uma cova que permaneça cheia de água, o meu encanto
quebrar-se-á; se não conseguires, morrerás depressa. Dou-te essa oportunidade.
Agora vai.
- Como pode um buraco na areia permanecer cheio de água? perguntou por fim. -
Claro que se escoará toda! O crocodilo chamou-lhe uma «oportunidade», mas
bem podia ter-me logo arrastado para o rio. Razão teve ao dizer que não lhe
posso escapar.
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ma nascente onde pudessem saciá-la e, mesmo que houvesse, não teria tempo
para se deter, pois ainda tinha muito caminho que percorrer e devia regressar ao
palácio antes de anoitecer, não fosse o crocodilo declarar que o príncipe não
cumprira as condições estipuladas. Disse palavras animadoras ao burrinho, que
zurrou em resposta, e continuaram a avançar firmemente. Que contentes se
sentiram ambos quando avistaram, ao longe, uma rocha escarpada! Esqueceram
que tinham sede e que o sol estava quente e o chão pareceu voar debaixo deles,
até que o burro parou, por iniciativa própria, à sombra fresca. Mas embora o burro
pudesse descansar, a princesa não podia, pois a planta que procurava crescia no
cimo da rocha, em redor de cuja base havia uma larga fenda. Felizmente trouxera
consigo uma corda e, dando-lhe um nó corredio numa ponta, atirou-a para o outro
lado, com todas as suas forças. Na primeira tentativa a corda escorregou para o
fosso e ela teve de a puxar e atirar de novo, mas por fim o nó prendeu-se em
qualquer coisa - não podia ver o quê - e a jovem confiou todo o peso do seu corpo
à precária ponte, que podia partir-se de um momento para o outro e provocar a
sua queda entre as rochas. Se assim acontecesse, a sua morte seria tão certa
como a do príncipe.
Mas tal não aconteceu e a princesa chegou, sã e salva, ao outro lado. Faltava a
parte pior da sua tarefa. Assim que pisou uma saliência da rocha, a pedra partiu-
se debaixo dos seus pés e deixou-a no mesmo lugar. Entretanto, as horas
passavam e era quase meio-dia. O coração da pobre princesa estava cheio de
desespero, mas ela não desistia da luta. Olhou à sua volta e encontrou, um pouco
acima, uma pedra pequena, que parecia mais resistente que as outras, e,
apoiando-se muito ao de leve nas que ficavam de permeio, conseguiu, à custa de
tremendo esforço e com as mãos feridas e a sangrar, chegar ao cimo do rochedo.
Mas aí soprava um vento tão forte que a poeira levantada quase a cegava e teve
de se deitar no chão e procurar a preciosa erva às apalpadelas.
Durante momentos terríveis pensou que a rocha era árida e que a sua viagem fora
inútil, pois por muito que tacteasse só encontrava cascalho e pedras. De súbito, os
seus dedos tocaram algo macio, numa fenda. Era uma planta, sem dúvida, mas
seria a que procurava? Não podia ver, pois o vento soprava cada vez com mais
força, mas deixou-se ficar onde estava e contou as folhas. Uma, duas, três... sim,
sim, eram quatro! Agarrando um punhado de plantas, arrancou-as e con-
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servou-as bem seguras na mão, enquanto se virava, quase arrastada pelo vento,
para descer a rocha.
O príncipe libertara-se para sempre do segundo dos seus três destinos! Ficou a
ver o crocodilo desaparecer, feliz por estar livre, quando lhe chamou a atenção um
pato selvagem que voou perto deles, a procurar abrigo entre os caniços da
margem. Logo a seguir o cão surgiu, disparado, a perseguir a ave, e chocou
violentamente com as pernas do dono. O príncipe cambaleou, desequilibrou-se e
caiu de costas no rio, onde a lama e os juncos o prenderam. Gritou por socorro e a
mulher acorreu, trazendo, felizmente, a corda consigo. O pobre e velho cão
morreu afogado, mas o príncipe foi puxado para terra.
FIM