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Teses

A CONSTRUÇÃO DA CASA NO BRASIL


Autor: Paulo Bertran
Data: 24/11/2006
REFLEXÕES À MARGEM DO VERNÁCULO HISTÓRICO DA ARQUITETURA BRASILEIRA

Paulo Bertran (1948-2005)


Professor, historiador e pesquisador. Foi Diretror do Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central /
Universidade Católica de Goiás e Consultor do IPHAN.

Publicado originalmente em Altiplano: Revista do Cerrado. Disponível online, em 1º de novembro de 2006, no site
www.altiplano.com.br.

* * *

Estas são observações de muitas viagens no país e no exterior, experiências de construir e viver em casas de
barro, o treinamento do olhar de historiador deambulando pelas velhas casas e cidades. Iconografias várias vezes
revistas, livros lidos erraticamente e aos montes, conversas com amigos arquitetos...

Assim, então, foi se constituindo uma tal qual ótica paralela, em torno ao mesmo assunto, revestindo-se de tempo
no fundo das gavetas, com seu cansaço teórico consolidando o texto, em panejamentos necessariamente
sintéticos, visto as dimensões amplas, pouco esmiuçadas ao presente, de elementos a serem pinçados para uma
História da Arquitetura no Brasil.

Casa de povoado de garimpo, em Goiás.

Imagem: www.altiplano.com.br

À mesma linhagem, paradoxal e amalgamadora, pode-se acostar a casa colonial brasileira. Vejamos:

De fato, em Portugal, sobretudo no sul, há algumas edificações em barro – dominantes na tradição brasileira
residencial – porém, mesmo ali, em clima mais quente, imperam as casas de pedra. A palavra árabe 'adobe', não
filia Portugal, necessariamente, ao seu uso intenso, mais comum às regiões moçárabes semi-áridas, ao sul do
Mediterrâneo. Impensável passar-se um longo inverno europeu nas gélidas eco-ressonantes casas de adobe, ou de
barro em geral, em alta escala.

De Trás-os-Montes ao Algarve, quase que só abunda a habitação rupestre, que responde bem ao clássico clima
europeu de quatro estações. A pedra parece que reage mal às variações de clima. É demorada em repassar calor
ou frio, o que permite ao morador da habitação aquecê-la por dentro, mediante fogões e lareiras, conforme
avancem o outono e o inverno.
Casa de pedra em um largo, Soajo, Portugal.

Imagem: Arquitectura popular em Portugal. Lisboa: Associação dos Arquitectos Portugueses, 1980.

No horrendo e seco calor português, do meio do ano, as paredes de pedra, más condutoras do calor externo,
ajudam a manter uma certa umidificação dos interiores. E, à medida que o clima esfria, dificultam que o calor
interno de fogões e chauffages esvaia-se rapidamente. Pedras são elementos – digamos assim –, 'burros': custam
a aprender e custam a desaprender as variações climáticas.

Quando, ainda na primeira metade dos anos de 1500, começaram os portugueses a empreender a colonização
agrícola açucareira da mata atlântica brasileira, fazia já um meio século de sua experiência de choque e de
absorção de culturas e de ecossistemas, até então não trabalhados, na África Ocidental e Oriental, na Índia, na
China e no Japão. Climas tropicais.

Apesar de viajantes ocasionais, como o notável Marco Polo, era a primeira vez, desde a flotilha de Vasco da Gama,
que a civilização ocidental expunha-se em peso ante as antiqüíssimas e estratificadas sociedades do Extremo
Oriente, as únicas que sobreviveram às civilizações clássicas de há 4 mil anos.

Na Índia, verdadeiramente, excetuadas as limitadas experiências nos arquipélagos da Madeira e Açores, o


português aprendeu com o indiano as estratégias de sobrevivência aos trópicos.

Naqueles climas horrendos de Goa e da costa de Malabar, de quando batem as monções no estafante calor,
conheceram as vivendas rústicas cobertas de palhas, com paredes ora de barro, ora das mesmas palhas – o mais
legítimo antecessor dos ranchos de palha e de taipa que já cobriram, e ainda cobrem, de ponta a ponta, este
excessivo Brasil rural e urbano.

A tradição hindu do rancho quadrático, geralmente construído em declive, encontrou-se aqui com o emprego
generalizado do uso da palha nas, às vezes, enormes choças circulares ameríndias, muito mais sofisticadas aliás do
que as casinhas indianas.

Era o reencontro do mesmo material. Jamais da mesma concepção de moradia. O índio brasileiro vivia em
comunidades tribais muito socializadas. Nos belos domos de palha, viviam diversas famílias ou suas partições
etárias, funcionais e rituais. Já portugueses e hindus, que conheciam os limites entre os espaços públicos e os
privados, eram, a bem dizer, sociedades urbanizadas no sentido aldeão, unifamiliares, não tribais. As casas,
individualizadas, integravam-se a quarteirões compostos por parentescos e por antigas alianças.
Oca das tribos do Xingu.

Imagem: static.flickr.com

O rancho de palhas asiático, importado pelo português para a colonização do Brasil, tem planta quadrática, e ao
contrário do rancho ameríndio – redondo, com a fornalha ao centro –, tem seu fogão na parte mais baixa da casa.

O fogão, no meio rural ou na moradia pobre, não costuma ter chaminé, pois a própria casa é a chaminé, criando
um micro-clima interno saturado de vapor quente que, conforme as disposições climáticas externas, acondiciona o
ambiente da casa a manter secos os pisos de terra batida da moradia. Essa, a lógica ambiental da mais rústica e
disseminada vivenda brasileira. O rancho de palha, ou a sua versão de paredes barreadas. Onde morava um sábio
alienado, meio ocidental, meio índio, o Jeca Tatu.

O barreamento dos ranchos é uma sofisticação contra as insinuações dos ventos e das chuvas. E sobremodo, nas
regiões onde a seca é prolongada, um excelente veículo para a umidificação do micro-clima doméstico. Qualquer
barro não-cozido que vire parede conserva as propriedades do solo. É chão que vira parede e, com isso, leva suas
propriedades de captação hídrica.

Casa de adobe e palha, do Vão do Paraná.

Imagem: www.altiplano.com.br

Mesmo nos mais árduos momentos de estiagem, em clima quase de deserto, com os higrômetros registrando 15%
de umidade relativa do ar, qualquer habitação moderna, pelo efeito do aguadeiro das cozinhas, dos banhos,
plantas de apartamento e outras costuma ter, internamente, uns 20 a 25% a mais de umidade.

Já nas habitações tradicionais de barro, a umidade relativa interna, à sombra, sobe a 30, a 40, às vezes a 50% da
umidade externa, em benefício geral.

É que o barro não queimado, à exemplo do barreado, do universal adobe, e da taipa de pilão – e ao contrário dos
tijolos queimados ou prensados – conserva em si enormes moléculas com capacidade, e até mesmo voracidade, de
armazenar água nas madrugadas mais secas, armazenando garoa da noite.

No dia seguinte, a ação mecânica do sol e dos ventos sobre as paredes de barro impulsiona para o interior da
vivenda a água armazenada nas mega-moléculas de barro in natura, fazendo ali aquele contraste absurdo do
dobro, às vezes quase o triplo da umidade relativa externa.

Se as casas de barro reencontradas pelos portugueses na Índia e na China adaptavam-se bem às monções, aos
calores tropicais, como se comportariam nas chuvas torrenciais ?

Casa colonial, da poetisa Cora Coralina, na cidade de Goiás.

Imagem: www.altiplano.com.br

A solução passava pelo antiqüíssimo fogão à lenha, sem chaminé. Mas passava também por outra solução original,
que dependia de disponibilidade de madeiras nas regiões: o soalho de madeira corrida, assentado sobre um falso
porão, que a nada mais servia, nas casas urbanas, do que para separar a casa da umidade direta do solo, e
adicionalmente, fornecer-lhe um estoque de ar quente, por baixo.

Muitas vezes, esses falsos porões eram inteira ou parcialmente murados, deixando para sua aeração, de tanto em
tanto, pequenos gradis ou óculos que cumprissem aquela função. Eram assim na casa do meu avô, em Anápolis. E
era uma casa moderna, construída nos anos 1920, dispondo já de alpendre e jardim.

Mas o folclore popular, às vezes, situa nos porões, absurdamente, a mancha negra das senzalas. Enorme figuração
imaginária. Nenhum senhor de escravos, em sã razão, iria meter seus caros servos em tão doentias condições dos
porões. A menos que as casas estivessem abarrotadas, como no Rio de Janeiro dos anos 1850, com estoques de
café, propiciando pela exigüidade e má sanidade uma seqüência de epidemias de colera morbis, febre amarela e
outros.

Escravos, principalmente no século XIX, eram um bem caríssimo, sobremodo as escravas de leite, que regulavam
suas gestações pelas gestações da senhora, de forma a esta – segundo os costumes do século XIX – manterem
seinhos salientes à mostra, enquanto os das escravas de leite, amamentando os sinhozinhos e seus próprios filhos,
de tanto chupados, iam parar à altura dos umbigos, como revela a iconografia da época.

E nos porões, o que se passava ? Nada. Usualmente serviam só para acumular ar quente e comprimido, que além
de liberar a antiga casa das friagens do solo, formava, já vimos, um bolsão de ar quente, que somado às pressões
de ar quente do fogão de lenha, mantinha a casa de terra liberta das umidades do tempo da chuva.

Não eram simples casas, essas dos antigos tempos. Eram autênticas fábricas ambientais de morar. Com uma falha
grave no sistema: o fogão de lenha. O problema é que o uso ininterrupto do fogão, com sua fumaça, desidrata a
pele, envelhecendo precocemente os moradores da casa, o que se pode constatar, em nossos tempos, em algumas
regiões brasileiras.

Mas onde, enfim, o corpus histórico da Arquitetura brasileira ?

No que nos habituamos chamar de 'vernáculo barroco colonial brasileiro', talvez tão só tenhamos uma idéia
tornada em ideologia, crescida à sombra da grande e genial árvore do inventor do patrimônio histórico brasileiro –
Rodrigo de Mello Franco – estendendo suas generosas galhadas por sobre Lúcio Costa, Niemeyer, Sílvio de
Vasconcellos e toda a 1ª geração da moderna Arquitetura brasileira. E a poetas, como Mário de Andrade e Carlos
Drummond.

Da esquerda para a direita: Cícero Dias,

Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda,

José Américo de Almeida,

Rodrigo Melo Franco de Andrade

e António Bento. Década de 1930.

Imagem: prossiga.bvgf.fgf.org.br

Pouco existe – a não ser como concepção ideográfica – o 'barroco colonial brasileiro', em pelo menos dois de seus
termos: nem 'barroco', nem 'colonial'.

'Barroco', porque entre nós foi ilimitado conceitualmente e, apesar de diferentes linguagens, a literatura como que
nos diz cobrir os três primeiros séculos do período colonial português no Brasil, mas já não o século XIX. Pois já
não éramos país independente, onde meia dúzia de arquitetos franceses plantou uma dúzia de prédios
neoclássicos no oceano brasileiro que continuava, no entanto, a produzir 'barroco' ?

Pode ser que, no litoral brasileiro, a arquitetura religiosa pague altos tributos à portuguesa, e menores à italiana,
mas me parece – via construtores da novíssima Ordem Jesuíta – seriam modelos novos, de exportação para a
cristianização, mais pelo império da fé do que pela inércia das tradições arquitetônicas antigas do Reino. Se em
Portugal os há, de recorte jesuíta, provêm do mesmo propósito regenerativo do império inaciano da fé.

O mesmo se aplica às construções militares, nos portos tropicais, onde a velha tradição de castelos portugueses de
pouco valia, substituídos no novo mundo por plantas defensivas mais simples e eficazes, adaptadas à nova era dos
canhões de alcance longo, marítimos. São relativamente escassos em Portugal.

Se predominou entre nós o esquematismo e o simplismo jesuíta, a arquitetura religiosa no Brasil levava,
originalmente, a marca de ofício das ordens monásticas construtoras. Algumas eram antiqüíssimas, como a de São
Bento; outras medievais como a de São Francisco, e só uma particularmente moderna – já vimos –, a Companhia
de Jesus. Mas todas pioneiras, contemporâneas da conquista dos novos mundos evangelizáveis.

Os mosteiros tinham seus padres engenheiros, seus artistas cinzeladores, suas escolas de artífices. Construir
igrejas na América, ou na sofisticada Ásia, passou a ser um símbolo de marca e ostentação e, ao mesmo tempo,
propaganda do novo na Europa, entulhada de medievalismo grosseiro e de um novo e esfuziante estilo, condizente
com o status adquirido pelos novos ricos, aventureiros da América.
As igrejas franciscanas da Paraíba e Pernambuco são os exemplos disto: a melhor e mais elegante arquitetura
antiga do Brasil, quiçá das Américas.

É arquitetura nova, americana, livre para assumir vastas dimensões, liberta dos entulhados espaços
metropolitanos, ardente na vaidade de seus arquitetos inovadores. Só há um entrave, legado da velha tradição,
muito portuguesa por sinal: a quadrática torre sineira. Esta sim descende – talvez por falta de alternativa técnica
– da torre de menagem do castelo medieval. Encimada pela cúpula franciscana ou pela pirâmide beneditina vigerá
por três séculos na arquitetura brasileira antiga.

Nas capitais do Vice-Reino – Salvador e Rio de Janeiro –, tanto franciscanos quanto beneditinos, quanto carmelitas
e capuchos e os onipresentes jesuítas, e ainda engenheiros civis, erguerão suas babilônias aplastradas, após
diversas reformas, em legítima arquitetura brasileira antiga.

Mas a arquitetura jesuíta espalhou-se mais que todas. A ordem era novíssima – de 1540 –, e nascera para
evangelizar o novo mundo. Não formara ainda escolas de arquitetos, como os franciscanos.

Justo talvez por esta falha, deriva por partido arquitetônico simplório, acompanhando as missões de esgarçados
indígenas refugiados da guerra às fronteiras da colonização, tornando-se, por excelência – mudará mais tarde –, o
cânone das comunidades pobres: uma, duas torres laterais, o frontão triangular, a residência simples, raras
arcadas. Enfim, exultante ao encontrar a taipa nacional – asiática, do litoral e do sertão –, exceto – pasme-se –,
nos monumentos políticos tardios das missões gaúchas ! Passaram-se dois séculos, e já tinham ali vernáculo mais
sofisticado.

Ruínas jesuíticas de São Miguel, RS.

Imagem: Brasil: norte, sul, leste, oeste.

São Paulo: Editora Talento, 1999.

Já a arquitetura civil, depois de passagens do lusitano pelo trópico indiano, parece lixar-se para a tradição ibérica.
A peça mais usada da habitação é a arejada varanda, nome vindo – diz o dicionário de R. L. Turner –, do
indo-ariano asiático, do sânscrito váraté. 'Monjolo', o popular pilão hidráulico, como o nome indica, também é de
herança hindu.

Depois que o colonizador português aprendeu os fartos potenciais de uso da floresta tropical, acionando-se a lei do
menor esforço pôs-se em andamento uma autêntica revolução estrutural nos sistemas construtivos no novo
mundo. Em vez das cantarias de pedra da velha tradição lusitana medieval – ainda empregada em construções de
igrejas e mosteiros litorâneos e na casa-forte baiana de Garcia d'Ávila –, brevemente a tudo avassalará a casa
inteiramente estruturada com o generoso madeirame tropical. E em vez das paredes de blocos rochosos ou grés,
paredes de barro de diferentes técnicas, principalmente o pau-a-pique, quase exótico em Portugal, senão que
inexistente.

Falta madeira na metrópole, devorada no século das navegações pelo turbilhão dos estaleiros navais – a ponto de
transferirem-se logo, para o Brasil, boa parte dos armadores portugueses. Tal a escassez de madeira no Reino,
que o nosso José Bonifácio de Andrada e Silva, estando por lá em princípios dos 1800, propôs como emergência
um plano de reflorestamento de Portugal...

Isto, com o que podemos chamar de 'vernáculo construtivo brasileiro litorâneo dos anos 1500 e 1600'. Já mestiço.
Já brasileiro.

Quando sobrevém a colonização aurífera do interior do país – em Minas Gerais, antes em São Paulo – acentua-se
a já antiga tradição brasileira nas artes da carpintaria naval, e o uso de madeira adquire dimensões gigantescas,
com as vastas disponibilidades de relictos da mata atlântica que cercava as cidades clássicas das montanhas
centrais de Minas.

O vernáculo do interior montanhês, que talvez deva certa inspiração, jamais estudada, às modas arquitetônicas
vigentes então no Império Austríaco, e pelo início, tanto a mestres baianos quanto aos paulistas de tradição
construtiva jesuíta. Quem sabe se de construtor goense, inspirado pelo Feng-Shuei, como se adivinha nos telhados
de pagode da cidade do Serro ?

Quando adentra porém a mineração no cerrado de Goiás, Mato Grosso e das mesmas Gerais, fracos de madeira e
de pedras de cantaria, o estilo aplastra-se, embute-se, adequa-se a uma mesologia mais escassa. Surge o
vernáculo Cerrado. E pela sua simplicidade e eficácia, espalha-se por todo o interior brasileiro.

Todos esses estilos neobrasileiros atingem a apoteose no longo século do Império. Herdam das escolas tardias do
Aleijadinho – talvez tão gênio na Arquitetura quanto na Escultura –, e dos artífices de Minas, culminando com a
audácia vertical do Rio de Janeiro no século XIX, como se vê nos desenhos de W. J. Burchell, em 1828, a mais
importante iconografia do Brasil antigo sob o ponto de vista de História da Arquitetura.
Igreja de São Francisco de Assis, Ouro Preto.

Arquiteto Antonio Francisco Lisboa (Aleijadinho), 1766.

Imagem: Brasil: norte, sul, leste, oeste.

São Paulo: Editora Talento, 303p., ilustrado, 1999.

Parece-me então, por todo o exposto, de que pouco existe arquitetura 'colonial' brasileira, a menos que a
consideremos apenas como marco político, o que não pode ser determinante em matéria de tradições construtivas.
Existe arquitetura antiga – devidamente miscigenada com inevitáveis estilos e modas do grande ramo do
vernáculo ocidental – mas estrutural, funcionalmente, e mesmo arquitetonicamente, fundada coisa brasileira.

Não se trata de negar a umbilical, a genética filiação da arquitetura antiga brasileira ao seu tronco, mas de
entender-se que transposto o trópico do Equador, no Brasil amplificou-se ou agigantou-se por tal forma o debuxo
português, que é mais realista falar-se de tradição 'brasileiro-portuguesa' do que o contrário. A exemplo do fado,
introduzido em Portugal – com base no lundu brasileiro – pelo carioca famoso do século XVIII, Domingos Caldas
Barbosa. Ou das prodigiosas conseqüências alimentares do milho, cultivado pelo indígena brasileiro e introduzido
na dieta ocidental.

Duas ou três igrejas de pedra, construídas a baixo custo em Portugal – para servir, também, como utilíssimos
lastros de navios –, não podem utilizar-se a pretexto para a formulação de um automático raciocínio de
alinhamento colonial ou cultural, obscurecendo o fato de que pouquíssimos são os monumentos ou cidades do
antigo Reino capazes de ombrear, pelo menos no que hoje resta, com as grandes e opulentas cidades brasileiras
do período.

Não se trata de rejeitar a matricialidade da cultura arquitetônica portuguesa, mas a construção ideológica do olhar
colonialista, tanto o nosso como o alheio. Pode existir maior estafermo do que repetir-se a generalização – ou a
frase de efeito, em que os franceses são mestres – de um preconceituoso Lévi-Strauss, ou de um André
Maulreaux, extasiado com Ouro Preto, de taxar a melhor arquitetura do mundo no século XX – a de Oscar
Niemeyer, em Brasília – de "barroca" ?

"Barroca", como ? Pelas nuances de branco do concreto aparente ? É Ouro Preto 'barroca', ou foi apenas uma
cidade rica, capital da rica província de Minas Gerais, reconstruída com opulência durante a decadência do ouro e,
no século XIX, com as rendas de uma forte economia regional ?

Também o gênio na História – como o próprio Niemeyer – tem sido categoria muito maltratada e incompreendida
pelos historiadores.

Ao cerrarem-se as fechaduras, realmente meritórias, do século XX, quem há de lembrar-se a gosto de algo de Le
Corbusier, ou da feiúra industrial de uma Bauhaus, responsável talvez pela baixa qualificação estética da
arquitetura do século, no concerto dos outros séculos ?

Daqui a cem anos, desemocionalizados o tempo e as ideologias, o esteta do futuro renderá justiça a uma das mais
belas praças da história da humanidade – a de Niemeyer, em Brasília – e andará se perguntando o que teriam
feito de belo uns desconhecidos Corbusier ou Walter Gropius.

São hipóteses a considerar-se, talvez excessivamente radicais em suas formulações antitéticas, mas com alguma
aptidão para franquear certa reflexão sobre as bases do nosso pensamento histórico-arquitetônico.
Praça dos Três Poderes, Brasília. Arquitetos Lucio Costa e Oscar Niemeyer.

Imagem: www.stf.gov.br
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