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1 Esta construção contradi1; o que aprendemos na escola: os "protopaulistas" entravam na mata com
pouca ou nenhuma proteção, tanto pela carência de recursos devida à miserabilidade em que viviam,
quanto pelo aprendizado das técnicas indíg~ de sobrevivência nesse ambiente. Essa frugalidade no
Figura 3 - Trajes e apetrechos do bandeirante
vestuário é a origem do tenno "emboabas", celebrizado na GuelTlldos Emboabas. tenno pejorativo dos
bandeirantes para os portugueses recém-chegados às minas. que protegiam o corpo para enfrentar as
caminhadas nas malas. Para melhores infonnaçõcs. ver Davidoff. BandeirantismlJ. verso e reverso.
Mas a contribuição de Belmonte não se restringiu à imagem do ban-
deirante. Participante da Revolução Constitucionalista de 1932, utilizou o
bico-de-pena como arma de propaganda. De vários cartazes e gravuras (mui-
tas dessas peças não assinadas, mas com traços que lembram o artista),
selecionamos o cartaz para a Campanha do Ouro Para o Bem de São Paulo
(Figura 6), em que a composição expressa a idéia da unidade popular em
tomo do movimento, uma vez que são representados "todos" os setores da
sociedade paulista: os senhores de posses entregando a pequena arca e a
própria aliança, um negro idoso e com o terno em desalinho, que parece
representar os desfavorecidos em geral, a dama que está a tirar um brinco,
a rica senhora a entregar um vaso precioso e o menino doando sua pequena
economia. Essas figuras, dispostas em primeiro plano, estão à frente de
uma multidão que adentra o recinto, com um significado claro: todos os
setores devem contribuir, e todos os membros de cada estrato da sociedade
são chamados e estão colaborando. A expressão serena, levemente
enternecida, expressa a disposição em desfazer-se de um bem por vontade
própria em favor de uma causa, gesto que engrandece o sujeito, como na
imagem bíblica de Jó: "Deus deu, Deus tirou, bendito seja o nome do Se-
nhor" (o deus, no presente caso, é São Paulo, personificado como uma en-
tidade coletiva). Por fim, esse grupo em primeiro plano reúne-se em torno
de dois símbolos importantes: o monte e a mesa. O significado do monte é
ancestral, simboliza a colheita, a festa, enfim, a celebração do trabalho co-
letivo, comunitário, que é o que deu origem àquele amontoado de benefíci-
os: "Um monte significa que se tem muito à disposição, não precisando
trazer mais as coisas de longe" (CANETII, 1983, p.96).
A Campanha do Ouro é mais que uma campanha financeira: ela é
capaz de demonstrar que a comunidade dos paulistas está' saciada, conse-
gue amontoar os frutos de seu trabalho, seu sustento convertido em objetos
valiosos, e desfazer-se deles porque seu poder tornaráfácil produzir mais,
reaver os tesourosll• É uma demonstração de pujança' e superioridade pe-
l
rante o inimigo empobrecido das outras regiões, fas~inado
~,' - perante esse es- ,
• Este sentimento de superioridade é intensificado durante a ocupação da cidade de São Paulo por
soldados nordestinos. resultando daí um dos embriões do preconceito contra nordestinos que marca o
estado. A literatura paulista da época da cidade ocupada é pródiga em exemplos de cenas de claro
deboche e desprezo pelas tropas de ocupação. como podemos ver em Comélio Pires. Chorando e
Rindo ... Episódios e llnedocras da Guerra Paulista, p.36- 7.
A gravura reproduzida na Figura 7 tornou-se também um dos ícones
p~de crescer pela confiança na durabilidade do valor das peças que o com-
da memória do movimento constitucionalista. Evoca a ligação genética!
poem. A população doando o ouro, no cartaz, expressa também essa confi-
hereditária entre o bandeirante e o soldado constitucionalista. A posição
an~a, e a ~on~an~a de que o tesouro será capaz de garantir outra durabilida-
superior do bandeirante no desenho, e o fato de ele e o soldado segurarem
de. a de SI propno e de seu modo de vida.
firmemente na mão esquerda uma arma coloca-os na aparência de pai e
filho, como se o bandeirante fosse a sombra cronológica do voluntário
constitucionalista.
ver Circe Biuencourt. Procedimentos metodoltiKicos em pesquisa Jobre illwKellS no ensino de Hisrtiria,
mensagem. A convocação para o cumprimento do dever para com a R
p.265 seq.
lução Constitucionalista de 1932 não é feita, por esse cartaz, de uma manei- tante da frase. Em letra de imprensa, ainda que menos espessa, está a palavra
ra genérica, dispersa: ela é mirada para cada indivíduo, não para a massa. cumprir, formando com a sua semelhante uma mensagem: você cumprir. O
Mesmo com o olhar desviado, o cartaz continua olhando e cobrando, mag- apelo à consciência e à noção de dever é feito em letra cursiva, e vem comple-
netizando o olhar, exigindo uma atitude para aliviar a tensão estabelecida. mentar com a argumentação moral a convocação primordial do cartaz.
Não é outro o objetivo da propaganda: provocar uma atitude no consumi- Além da bandeira, símbolo da unidade semi-nacional do estado, o
dor, aqui um consumidor de ideologias e seu sistema de valores. É consoan- capacete de aço do soldado é também símbolo da Revolução
te ao sentido da individualização da mensagem publicitária: do "comprem!" Constitucionalista de 1932, na medida em que faz referência a mais uma
ao "compre!". campanha de mobilização, a subscrição para financiar a produção do capa-
O dedo que aponta para quem alha, além de consolidar em definitivo cete. De fato, os armamentos improvisados pelas forças constitucionalistas
a intimação, tem um caráter bélico na definição dos objetivos da convoca- acabaram tornando-se referências obrigatórias da memória do movimento.
ção. Segundo Canetti (1983, p.242): Isto é atestado, por exemplo, pela marchinha "Trem Blindado", grande su-
cesso do carnaval de 1933, em que a matraca, o capacete de aço, os canhões
A mão funcionou como modelo e estímulo, não apenas como um todo. Tam- falsos para enganar a aviação e o próprio trem blindado são utilizados para
bém os dedos em separado, e principalmente o dedo indicador estendido, ironizar o movimento dos paulistas. Do outro lado, esses mesmos objetos
adquiriram um significado. O dedo se afinava na extremidade e se apresen- são conservados e expostos como relíquias, ou mesmo como fetiches do
tava armado com uma unha; a sensação ativa do espetar foi dada primeira-
heroísmo daqueles tempos.
mente por ele. (grifo do autor) No estudo dos rituais escolares, discutindo um caso específico de
educação católica, McLaren (1992, p.112) destaca a importância dos sím-
o dedo apontado é a origem psicológica da formação das armas de
bolos visuais para a criação de um ambiente religioso: essa característica
impacto e de arremesso. O gesto de apontar é, portanto, bastante adeqJlado
da escola é dada pela visibilidade daqueles símbolos. Na escola pública
para convocar para a atividade guerreira.
paulista, não é simples definir um eixo que forme e defina o ambiente da
O vento é um outro símbolo de massa que aparece indiretamente
escola, pois há uma multiplicidade de apelos em suas figuras expostas. No
nessa peça de propaganda, fazendo tremular a bandeira de São Paulo. As
caso da escola Cesário Coimbra, um grande crucifixo ocupa um lugar rela-
bandeiras têm mais força de atração quando em posição dinâmica, movidas
tivamente central no hall de entrada, mas antes que o vejamos, passamos
pelo vento, que quando estaticamente caídas sobre os mastros, sem movi-
pelos mastros das bandeiras nacional, estadual e do município, um retrato
mento. O vento, variável na intensidade e no som que produz, age com o
de Anchieta, um outro do patrono da escola (por sinal, fazendeiro na cida-
simbolismo de um ser vivo, e imprime uma direção, consolida um objetivo
de, senador e comandante militar da região no período da Revolução
expresso na figura e no texto (cumprir um dever). Sendo invisível, o vento
Constitucionalista, exilado pelo Governo Provisório), além de um mural
presta-se a simbolizar as massas que não estão visíveis na figura, mas que
que é ocupado periodicamente pelos temas do calendário cívico e resulta-
são capazes dê marchar numa direção, e fazem tremular a bandeira - que
dos de trabalhos. Há, portanto, uma multiplicidade d6 símbolos, e o hall é
representa a.unidade regional - de São Paulo. Sobre o caráter da bandeira,
Canetti afirma ser a mesma "o vento que se toma visível", como as nuvens,
a
apenas uma amostra. Nessa multiplicidade, ide"()lógia-dapaulistanidade
ainda é capaz de guardar um espaço devido à presença d~ mapa pitoresco
porém com as características determinadas pelos homens; chamando a aten-
pintado por José Washt Rodrigues (cf. MARTINS, 1954), em um quadro
ção pelo movimento, a bandeira é utilizada pelos povos para demonstrar
posicionado na parede da biblioteca, representando as batalhas de 19321\
que o ar que existe acima deles lhes pertence.
Contribui para a intimação a maneira em que aparece a palavra você: (Figuras 9 elO).
destacada pela espessura superior a qualquer outro grupo na composição, " Vale destacar, como comprovação da tese de que a paulistanidade, ao menos no formato em que a
em letra de imprensa, centralizada e no alto da página. É o mesmo que abordamos nesta pesquisa. vem se diluindo, o fato de que esse quadro, registrado por nossas observações
enfatizá-la com a voz, aumentar o volume de sua pronúncia perante o res- durante as pesquisas em 1996, não está mais presente no local desde janeiro de 1998, pelo menos.
Figura 10
Figura 10 - Cartaz de propaganda paulista contra o
Governo Provisório de Vargas