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vas do “senso comum”, usadas por liberais e Deve se levar em consideração o fato de que
conservadores, popularizadas nos textos cul- esse é um projeto de formação social, port-
turais, ajudam a mobilizar o consentimento anto circunscrito ao espaço público. E é este
às posições políticas hegemônicas, no caso o movimento a ser considerado na análise
atual, toma corpo a retórica neoliberal con- de projetos que utilizam os meios na edu-
tida no hipertexto midiático. cação, em circuito aberto de televisão, a par-
De todo modo, a inserção do projeto Te- tir de uma concepção híbrida da expressão
lecurso 2000 no espaço público brasileiro é público-privado.
um fato, embora desperte controvérsia sobre Como as estratégias culturais são orga-
a sua amplitude social. As decisões que in- nizadas em torno de uma pedagogia pública?
fluenciaram o processo político de sua con- Esta era a pergunta inicial para chegarmos
cepção nunca foram debatidas junto aos seg- ao Telecurso. A partir daí o estudo repassou
mentos sociais que estão envolvidos direta as diversas maneiras como a cultura se rela-
ou indiretamente com a educação de jovens ciona com o poder e como e onde as funções
e adultos. O projeto queimou algumas etapas culturais são simbólicas ou institucionais na
comunicacionais requeridas à sua implemen- educação. Foi levada em consideração a
tação. Não levou em consideração a intera- prática imediata da política cultural empre-
ção entre a formação da vontade institucio- gada na estratégia proposta. A análise tam-
nalizada e os espaços públicos culturalmente bém procurou responder quais as noções de
mobilizados. No que pese a chancela go- diferença, de responsabilidade civil, comu-
vernamental, através dos Ministérios do Tra- nitária e de pertencimento, que estão sendo
balho e Educação, o poder de decisão coube produzidas em um determinado lugar, com
às organizações empresariais. Esta conduta específicas formações discursivas e práticas,
por si só já representa um claro antagonismo o que, segundo HALL (1996: p.4), são ele-
entre o seu locus de concepção/produção e o mentos constitutivos de uma pedagogia púb-
espaço público onde ele é veiculado.A polê- lica crítica.
mica se acirra quando se resgata a discussão A política cultural de uma nação, ainda se-
sobre formação fundamental. Sua inserção gundo HALL (1996), é, em parte, as estraté-
não é aceita por se tratar de um projeto de gias que cada povo escolhe para regular e
educação à distância, supletiva, que por suas distribuir o saber. Mas a capacidade de
próprias características não suporta seguir as pensar politicamente é, também, mediada
trajetórias escolar fundamentais, iniciais, de pelas formas como cada cultura é governada.
cultura geral e humanística. São os projetos culturais, resultantes dos sis-
Partiu do segmento empresarial a idéia de temas de cultura nacionais, que modelam as
conceber o Telecurso e, mais ainda, a arre- práticas humanas, a conduta e a ação social
gimentação dos recursos que o viabilizaram. do cidadão. Portanto, as formas como as pes-
Também coube ao empresariado nacional a soas interagem com as instituições e em so-
condução do processo político. No entanto, ciedade, dependem da maneira como os seus
a ausência de outros segmentos sociais no sistemas culturais estão conduzindo questões
comando coloca em xeque a iniciativa de- ligadas à identidade política e seus significa-
vido a sua abrangência político-pedagógica. dos.
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do trabalho e para as nossas existências ao atualidade. Por outro lado, reconheceu nos
deslocar para outras dimensões experiências estudos culturais a possibilidade de matizar
de tempo e espaço. Uma terceira força, esta o estilo posto na programação
contraditória, impulsiona a busca por identi-
dades. A reconstrução das identidades políti-
3 É comparando que se entende
cas, culturais, sociais, territoriais, religiosas,
éticas, nacionais, entre outras, está na ordem A análise da programação observa como são
do dia e, curiosamente, coexiste com a ex- negociados os significados postos no eixo
pansão do processo de globalização. “atitudes de cidadania” -, escolhido na pro-
A reestruturação do capitalismo mun- posta técnica-pedagógica do projeto. A ver-
dial impulsiona a reacomodação do Estado- são considerada se apresenta no Caderno de
nação, bem representada pela mídia para as- Capacitação 1 - Conhecendo o Telecurso
segurar a hegemonia do projeto político da 2000 -, (1999).
doutrina neoliberal. O fundamentalismo de O Caderno de Capacitação 1, escolhido
mercado, contido na doutrina, transformou a para abalizar a lógica de produção do Tele-
maneira como cada povo lida com a identi- curso 2000 é mais recente e reproduz, em
dade e com a conexão entre resistência co- parte, o documento técnico-pedagógico que
munitária e os novos movimentos sociais. serviu de base de no lançamento do projeto
Esta terceira força é aferida na medida em em circuito nacional em 1996. A mudança
que a categoria cidadania, como construto fundamental diz respeito ao deslocamento
identitário, está sendo enfocada na análise do das atitudes de cidadania dos princípios para
Projeto estudado. o eixo temático principal. Nessa nova ver-
Para tanto, foram extrapoladas as barrei- são, as práticas cidadãs estão sendo apon-
ras do conceito mais conhecido, as três di- tadas como um tema transversal a todas as
mensões clássicas de MARSHALL (1967): disciplinas veiculadas na programação. Exa-
direitos e deveres civis, políticos e sociais, tamente como acontecia com o tema tra-
onde se agrega uma nova dimensão, a cultu- balho na versão que regia os fundamentos
ral. A regra foi reconsiderar o cidadão atual do “Telecurso 2000 -Educação para o Tra-
a partir da expansão das redes de comuni- balho”, em 1994. Na introdução, o docu-
cação e informação. Registrando sua lícita mento técnico-pedagógico se apresenta as-
presença na rede imaginária do sistema de sim: “participar da construção de uma so-
expansão global e observando as novas re- ciedade mais justa e solidária exige oferecer
dimensões territoriais que o abrigam física, e meios para que todos exerçam plenamente a
simbolicamente na sociedade atual. sua cidadania” (FRM: 1999, p.2).
A proposta educativa do projeto Telecurso A construção de noções de cidadania, que
foi revista estabelecendo relações entre po- surge com todo vigor nos documentos de
der, ideologia e resistência na esfera social e 1999, relaciona-se diretamente com o pro-
em seu lócus de produção imanente. A pes- jeto normatizador de educação nacional im-
quisa fez a conexão entre os sistemas cul- plantado pelo Governo federal: os Parâme-
turais e os estudos de mídia e observou a tros Curriculares Nacionais - PCNs; conce-
relevância que o campo midiático ocupa na bido para estandardizar o sistema brasileiro
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de educação. Os PCNs convergem para uma até sem lhes modificar a natureza, mas tam-
norma instrumental comum, apesar de re- bém podem convergir.
conhecerem as diferenças regionais - cultu- Em termos quantitativos, as fitas foram vi-
ral e econômico-social do país. É um projeto stas na seqüência apresentada pelo projeto.
governamental audacioso porque se situa na A única exceção desse procedimento refere-
discussão do processo de globalização em al- se às aulas de matemática porque as fitas in-
guns aspectos - técnicos, econômicos e cul- iciais apresentaram problemas no ambiente
turais - e tem como objetivo manter as ca- onde foram requisitadas. Elas foram vistas a
racterísticas nacionais. Desperta a discussão partir da aula 21 até a 60, de um total de 80
sobre identidades e pertencimento na socie- aulas. História Geral e do Brasil, foi anali-
dade brasileira. sada através das aulas 1 a 33, de um total de
Entre os objetivos do Ensino Fundamen- 40 aulas; Ciências de 1 a 40, de um total de
tal, os Parâmetros Curriculares Nacionais 70 aulas; Geografia, de 1 a 37, de um total de
indicam que os alunos sejam capazes de: 50 aulas. A disciplina de Português foi vista
“compreender cidadania como participação nos programas/aula de 1 a 36 e mais a fita
social e política, assim como exercício de di- N0 6, que apresenta as aulas de 41 a 47 em
reitos e deveres políticos civis e sociais, ado- um universo de 90 aulas. O estudo de Língua
tando, no dia-a-dia, atitudes de solidarie- Estrangeira - Inglês - não foi considerado. A
dade, cooperação e repúdio às injustiças, re- análise de expressão alcançou mais de 50 por
speitando o outro e exigindo para si o mesmo cento dos programas apresentados.
respeito...” (MEC/SEF, 1998: p. 7). A pro-
posta dos Parâmetros é bem direta no que se
4 Motivando a autodeterminação
refere ao direito dos alunos brasileiros sobre
o acesso aos conhecimentos indispensáveis Em princípio, verificamos a pertinência ou
para a construção de sua cidadania. não da tese central proposta na normatização
Cidadania é um fenômeno espacial e dos PCN, onde se situam os parâmetros ins-
temporal, historicamente definido, mesmo trumentais de desenvolvimento da cidadania
quando se apresenta enquanto entidade legal nacional. Foi refletida uma lógica exeqüí-
e territorial, sobre a qual são associados di- vel e predominante nas instituições nacionais
reitos e deveres. Tanto os Parâmetros Curri- que permite aceitar a noção de integração ter-
culares Nacionais (PCNs), que normatizam a ritorial contida na construção de identidades.
educação brasileira , como o Telecurso 2000, Tal lógica admite que a formação da cidada-
elegeram a construção de noções de cida- nia passa em primeira mão pelo reconheci-
dania como eixo principal na formação es- mento das identidades nacionais, representa-
colar. Por essa razão, este trabalho escol- das pelos grupos sociais nelas contidos.
heu confrontar o sentido de cidadania con- Para tanto, repassamos a crise do conceito
tido em ambos os projetos. A comparação de Estado-nação, ressaltada no processo de
é legítima. Os valores que estão sendo atri- globalização de bens e serviços. A crise
buídos ao conceito de cidadania em ambos joga contra uma unicidade entre identidades,
os projetos, o de educação nacional, e o Te- nações e Estados. Por outro lado, o que se
lecurso 2000 podem divergir, algumas vezes apreende do deslocamento do conceito do
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Estado-nação é que na atualidade o Estado quê e para quê isso acontece. Sobre o quem
luta incondicionalmente para reconstruir sua e para quê, ele mesmo dá a pista: estaria con-
legitimação e instrumentalidade, juntando as tido na resposta o grande conteúdo simbólico
sociedades civis locais para se projetar no dessa identidade que está sendo construída,
processo de expansão das redes transnacio- bem como o de seu significado para aqueles
nais. que se identificam ou dela se excluem.
Essa é uma estratégia articulada por parte O autor identifica três formas de origens
dos governos mundiais para fazer fase aos de construção de identidade:
imperativos globais comuns. Para tanto, são
usados os sistemas educacionais no sentido • “Identidade legitimadora: introdu-
de promover coesão social e transmitir a zida pelas instituições dominantes
idéia de identidade nacional. No caso do da sociedade no intuito de expandir
Brasil, o projeto normativo é mais auda- e racionalizar sua dominação em re-
cioso porque abre espaço para uma coalizão lação aos atores sociais, tema este
de interesses sociais fundamentados em uma que está no cerne da teoria de au-
identidade (re)construída. toridade e dominação de Sennett,6
Para se entender o procedimento de recon- e se aplica a diversas teorias do
strução é interessante se chegar à visão de nacionalismo7 .
CASTELLS (1999: p. 60) sobre o assunto. • Identidade de resistência: criada
Ele entende por identidade a fonte de signi- por atores que se encontram em
ficado e experiência de um povo. Citando posições/condições desvalorizadas
CALHOUN, CASTELLS (2001) apresenta o e/ou estigmatizadas pela lógica
conceito: da dominação, construindo, assim,
trincheiras de resistência e sobrevi-
Não temos conhecimento de um povo vência com base em princípios di-
que não tenha nomes, idiomas ou cultu- ferentes dos que permeiam as in-
ras em que alguma forma de distinção stituições da sociedade, ou mesmo
entre o eu e o outro, nós e eles, não seja opostos a estes últimos, conforme
estabelecida... O autoconhecimento - in- propõe Calhoun ao explicar o sur-
variavelmente uma construção, não im- gimento da política de identidade8 .
porta o quanto possa parecer uma desco-
berta - nunca está totalmente dissociado • Identidade de projeto: quando
da necessidade de ser conhecido, de mo- os atores sociais, utilizando-se de
dos específicos, pelos outros” - CAL- qualquer tipo de material cultural ao
HOUN apud CASTELLS (2001: p. 22). seu alcance, constroem uma nova
identidade capaz de redefinir sua
Não é difícil concordar com o fato de que a posição na sociedade e, ao fazê-
identidade cultural de um povo é construída. lo, de buscar a transformação de
Ainda segundo CASTELLS (2001: p. 23), toda a estrutura social. Esse é o
a principal questão que envolve a discussão, caso, por exemplo, do feminismo
diz respeito a como, por quem, a partir do que abandona as trincheiras de re-
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claro que a constituição do senso de cidada- de comunicação. Com a sua tradição oral
nia, proposto em ambos os projetos revistos, inequívoca. O Telecurso 2000 tem um papel
somente acontece quando os alunos são ca- fundamental na confecção do amálgama que
pazes de pensar os seus papéis enquanto su- parece ser a representação que a sociedade
jeitos da história. faz dela mesma e projeta através dos meios.
Para garantir o construto identitário do Tem o mérito de trazer para o campo da edu-
aluno, ou seja, o exercício pleno de suas cação os códigos culturais que os alunos têm
funções políticas, produtivas e culturais, am- acesso em seu cotidiano.
bos os projetos precisam estar atentos a toda Dito de forma simples, o Telecurso repre-
uma complexa compleição que articula a senta exatamente o produto final de uma so-
noção de cidadania. Seria necessário desco- ciedade que atravessa aceleradas mudanças
brir um princípio unificador dentro da nação tecnológicas sobrevivendo aos seus próprios
que seja válido aos interesses e vontades co- antagonismos. É a cara do Brasil rural, po-
muns. No entanto, a sombra obscura da for- voado de antenas parabólicas, cuja popula-
mação cultural brasileira persiste e é preciso ção permanece sentada em uma praça qual-
aprender a lidar com ela. quer, sem escolas, assistindo a última tele-
Pensando na convivência pacífica se chega novela. Melodramas reais, cujos enredos en-
à intersecção dos dois projetos que mais am- fatizam as nossas contradições econômico-
bicionam a formação social brasileira. A co- sociais, as passividades do presente, a guerra
mum união em torno de um mesmo ponto. permanente e sem solução entre as elites e o
A aceitação de que a sociedade atual se- povo.
ria o palco inequívoco de uma sociedade É também no Telecurso que a sociedade
civil mediada pelo consumo e pela infor- brasileira descobre que nenhum programa de
mação. Dessa forma, a flexibilidade plá- televisão é poderoso o suficiente para en-
stica da formação brasileira, defendida por terrar a realidade desigual que a sustenta.
SILVA (1996), estaria sendo reconhecida e A televisão serve, no caso, para lembrar ao
exaltada. Nem a escola, nem as instituições, telespectador que existe uma sociedade de
podem prescindir de incorporar ao processo consumo de massas, estratificada, onde dois
de formação cultural do povo brasileiro, o mundos convivem e se alternam contradito-
seu imaginário. O projeto normatizador ne- riamente: o pensado e o vivido. Já a nor-
cessita integrar os fios que tecem a ficção e matização dos PCN existem, e é bom que
a realidade, de maneira cuidadosa, para con- existam, para lembrar a todos que é possí-
seguir articular uma amálgama definitiva li- vel à construção de um mundo mais igual.
gando educação e imaginário. Descartando, Um mundo povoado de sujeitos sociais, con-
portanto, a preocupação de formar apenas e victos de seu papel na construção de um
através da racionalidade sábia, a serviço da Estado de direito democrático. Cumprem a
humanização da vida. sua função de tentar harmonizar, de maneira
Mas qual imaginário é esse que parece simples, as dimensões simbólicas da socie-
estar em permanente conflito? Talvez seja o dade, com seus processos produtivos e ope-
imaginário que surge na relação direta que o racionais. Nesse caso, ele existe para nor-
país mantém com a televisão, com os meios
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