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HISTÓRIAS DE BOTOS - O IMAGINÁRIO RIBEIRINHO E A RELAÇÃO

COM O SOBRENATURAL.

Nair Ferreira Gurgel do Amaral1

O que pretendo expor neste artigo é fruto de experiências acumuladas em


mais de dez anos de convivência com as comunidades ribeirinhas, próximas ao
município de Porto Velho/RO. Juntamente com alunos da graduação e outros
professores que compõem o GEAL – Grupo de Estudos Integrados sobre a Aquisição da
Linguagem, construímos um acervo de textos orais e escritos que já resultaram em
vários livros e artigos publicados pelo grupo. No entanto, a relação que, em princípio,
era meramente acadêmica, buscando dados para pesquisas relacionadas à aquisição e
variação da linguagem, considerando, é claro, a cultura local, tomou proporções não
planejadas. O envolvimento contínuo com os moradores das localidades, com os
professores das escolas, com as crianças, seja através de atividades de extensão ou de
ensino, nos ensinou que o pesquisador, inserido em uma dada comunidade, assimila,
adota e tem o compromisso de divulgar e preservar a cultura desse povo.
Por isso, decidi ir além das propostas iniciais das pesquisas meramente
linguísticas e traçar um paralelo entre a visão adulta e infantil a respeito das
lendas/mitos do Boto.
A confusão entre mito e lenda dá-se por conta da relação existente entre
ambos no passado. Na verdade, essa confusão acontece porque já a herdamos de
nossos antepassados e, como as lendas, foram passando de geração para geração. São
diferenças sutis, reforçadas pelo que lêem nos veículos de comunicação.
“Mito Amazônico; Reza a lenda que o boto-cor-de-rosa; Na mitologia amazônica
encontramos o mito do "Boto Rosa"; A crença neste mito está disseminada; o mito do
boto...”
Como somos favoráveis às mudanças na/da língua, sejam elas lexicais,
semânticas, fonológicas ou discursivas, não há porque exercer rigidamente um
controle sobre os termos.
É nesse sentido que quero reforçar a pouca diferença que faz, especialmente
para os moradores das comunidades pesquisadas, denominar as histórias que eles
contam e vivenciam de Mito ou Lenda. A verdade é que eles existem e o fenômeno a ser
1
Professora Doutora da Universidade Federal de Rondônia – UNIR. Líder do Grupo de Estudos
Integrados sobre a Aquisição da Linguagem – GEAL e Coordenadora do Projeto “Alfabetização de
Ribeirinhos na Amazônia”. E-mail: nairgurgel@uol.com.br
explicado, nem sempre é o que dizem as histórias: “... um desconhecido e atraente rapaz
que conquista com facilidade a mais bela e desacompanhada jovem que cruzar seu caminho e,
em seguida, dança com ela a noite toda, a seduz, a guia até o fundo do rio, onde, por vezes, a
engravida e a abandona”. (santarem.pa.gov.br/conteudo/Lendas).
Mito e Lenda são, na verdade, necessidades humanas, assim como a
religião, a sociedade, a política, a economia, etc. Além do desejo do homem em
entender as coisas do universo, há também o poder, o controle, a superação do medo e
da insegurança. Sendo o Mito e a Lenda uma verdade intuitiva, dispensando, portanto,
as provas, não obedecem à lógica empírica nem científica, apenas tranquilizam o
homem dentro do mundo natural.
Ouvindo narrativas orais ou lendo textos escritos, percebemos que a relação
do ribeirinho com o Boto é mítica, mas é também uma relação de amor e ódio, às vezes,
de respeito.
Analisaremos uma história narrada por um ribeirinho adulto (Texto I),
comparando-a com um texto escrito por um aluno ribeirinho do terceiro ano (Texto II).

Texto I
Eu conheci uma moça que morava ali abaixo de São Carlos, num lugar por
nome de Terra Caída e ela tinha os pais dela e os pais dela se separaram e
ela achou por bem ficar com o pai dela e a mãe dela veio embora pra cá,
Porto Velho e ela ficou lá determinado tempo. No treze, catorze anos, ela
queria sair pras baladas, pras festas. Quando foi um dia (os avós dela
sempre dando conselho pra ela), era seis horas da tarde, ela foi pra beira
do rio. Aí, chegando lá, ia passando uns botos boiando, subindo o rio
Madeira, né? E ela foi e pediu que eles viessem buscar ela que ela estava
desgostosa da vida, né? Sentia só. Quando foi marcado o dia pra vir pegar
ela, marcou e eles vieram. Aí, na casa desse senhor que ela estava
morando, tinha uns cachorros. Quando foi a noite, aí os botos começaram
a boiar na beira do rio. Aí, quando chegaram perto da casa, os cachorros
saíram correndo rumo da direção do rio. Aí, só escutava o barulho dentro
da água. Eles contam que era o Boto que vinha buscar ela e ela ficou
doidinha. E era bastannte gente pra segurar ela e ela ficava esperneando e
não conseguiam segurar. Até que meteram ela dentro de um quarto e
trancaram. Foi como amenizou. Passaram muito remédio caseiro foi como
afastou aquilo ali e ela, pra ficar boa, tiveram que levar num curandeiro
pra poder resolver o problema dela. Isso foi um caso que aconteceu com
ela. Tem muita gente que não acredita, mas isso foi um caso realidade.

O ribeirinho, precisando acreditar em suas lendas e em seus mitos como


forma de compreensão de mundo, busca no seu imaginário um modo de enxergar a
vida, não havendo para ele tal dicotomia. A cultura do ribeirinho é fruto de um
imaginário, proporcionado pelo ambiente onde vive - um santuário natural cercado pela
floresta e rios. O contato constante com a natureza proporciona ao ribeirinho a sensação
de estar no paraíso. Loureiro (1995, p. 56) afirma que: “a cultura ribeirinha é fundada
por homens que vivem num mundo imaturo, em vias de contemplar-se, como numa
imensa página do Gênese ainda inacabada”.
É o que percebemos nas passagens do texto oral, narrado por um morador -
os conflitos de uma adolescente diante da separação dos pais e a vontade de participar
de festas. Conflitos e necessidade comuns a qualquer adolescente, seja da zona rural ou
urbana. A forma de desencadear e resolver “o problema” é que toma rumo diferente, no
caso narrado:
... ela foi pra beira do rio... ia passando uns botos boiando...
ela foi e pediu que eles viessem buscar ela que ela estava
desgostosa da vida. Sentia só.

Vemos aí, o sentimento de solidão e o desespero que aproxima-se do


suicídio. O Boto foi a alternativa que restou para dar cabo aos problemas da jovem.
Feito o trato, era só esperar ele vir buscá-la.
Sabemos todos que os animais aquáticos simbolizam o psiquismo, esse
mundo interior e tenebroso através do qual se faz conexão com Deus ou com o Diabo.
Como os botos são seres de que se ligam aos rios amazônicos, lugar de todas as
fascinações e de todos os terrores, é natural, também, que sobrevenha a imagem da mãe
e da deusa-mãe primitiva em seu aspecto generoso e criador e, ao mesmo tempo,
terrível.
Do desespero à loucura, a adolescente insana dá trabalho aos que tentam
impedi-la de praticar ato tão perigoso.
... o Boto que vinha buscar ela e ela ficou doidinha. E
era bastannte gente pra segurar ela e ela ficava
esperneando e não conseguiam segurar. Até que
meteram ela dentro de um quarto e trancaram. Foi
como amenizou.

Entregar-se ao Boto representa perigo. Não pelo que ele possa fazer, mas
principalmente pelo que a natureza possa ajudar no desfecho. O rio é barrento, a
correnteza é forte, é noite. Mais importante: há alguém para quem a vida não tem mais
sentido. A vontade, aliada às condições do cenário, propiciam fim trágico. Mas nada
disso é levado em consideração. O Boto continua sendo o vilão da história. Afinal, nos
rios a lógica nunca prevalece.
Salva do Boto, a quem recorreu por vontade própria, a adolescente se vê
entregue ao misterioso, ao inexplicável, ao sobrenatural.
Passaram muito remédio caseiro... pra ficar boa,
tiveram que levar num curandeiro pra poder resolver
o problema dela.

O caráter não-institucionalizado da cultura ribeirinha tem como raízes a


experiência advinda de sua relação com o meio em que vive, ou seja, não é adquirida na
escola e/ou de forma acadêmica. É uma cultura vivenciada pelo povo e sua
manifestação se desenvolve a partir da aceitação do grupo que perpetua seus costumes
por meio da tradição oral, que estão presentes na religiosidade, nas superstições, nos
mitos, no trabalho e na moradia que compõem a cultura local.
O texto é encerrado com um forte elemento argumentativo que
representa a confirmação da crença desses ribeirinhos.
Isso foi um caso que aconteceu com ela. Tem muita
gente que não acredita, mas isso foi um caso
realidade.

O mito/lenda foi uma das formas encontradas para explicar o desconhecido


ou expressar seu modo de conceber o mundo. Por isso, contar sua história significa falar
sua verdade, pois, não tendo nenhum compromisso com a razão, sua consciência mítica
manifesta o modo como o homem ribeirinho enxerga a vida. Segundo Eliade (1998,
p.12): “O mito é considerado uma história sagrada e, portanto, ‘uma história
verdadeira’, porque sempre se refere à realidade”.
A assimilação da idéia do real-irreal também é estimulada pela presença da
floresta e das águas que formam os rios, já que abrigam os dois tipos antropogenéticos
ligados à atividade proveniente da relação do trabalho do homem na terra e motivadores
do devaneio.

Texto II
Na Comunidade tinha um Boto e ele morava no rio Madeira. Ele virava homem e as
pessoas não sabiam de onde ele veio. Um dia, teve festa na Comunidade, vieram
pessoas de longe e ele veio também. Todo mundo olhava para ele e uns falavam: De
onde ele veio? Ninguém sabia. Ele estava de roupa branca, chapéu branco, sapatos
brancos, calça branca, terno branco. Ele puxou uma mulher pelo braço e começou a
dançar. Dançaram a noite inteira e ele falou: Eu estou cansado e foi direto para o rio.
A mulher perguntou o nome dele, ele não falou nada e começou a andar e pulou dentro
do rio Madeira. E o meu avô, avó, tio, tia falaram que ele era um Boto.

As crianças, nem sempre, atribuem ao Boto tamanho poder, chegando


mesmo, em alguns momentos, a tê-lo como mais um adversário nas águas dos rios. As
histórias que contam, sempre ouvidas dos mais velhos, são relatadas em terceira pessoa
e com os verbos no passado:
...tinha um Boto; ... morava no rio Madeira; Ele virava
homem; ... não sabiam; ... Um dia, teve festa; ... vieram
pessoas; ... olhava para ele; ... falavam; ... Ele estava de roupa
branca; Ele puxou uma mulher pelo braço; ... Dançaram a
noite inteira; ... A mulher perguntou o nome dele, ele não
falou nada e começou a andar e pulou dentro do rio
Madeira;... falaram que ele era um Boto.

Apesar de não assumirem o que estão relatando, é possível perceber


elementos típicos das comunidades em que vivem, ou seja, há o cuidado de inserir o
povo e o rio nessa história que para eles parece não fazer muito sentido e pertencer a um
passado longínquo. Vejamos: /Na Comunidade tinha um Boto; ele morava no rio
Madeira;... teve festa na Comunidade; ...pulou dentro do rio Madeira/. É certo que o
Boto existe, a história não podem garantir, mas de qualquer forma, a comunidade e o rio
precisam ser os meus.
O desfecho aqui, diferentemente do texto do adulto, não representa um forte
elemento argumentativo. Pelo contrário, há uma quase negação de tudo que foi relatado
acima, ou, pelo menos, uma estratégia discursiva que isenta o autor do texto de qualquer
compromisso com a verossimilhança do que foi escrito.
E o meu avô, avó, tio, tia falaram que ele era um Boto.
Encontramos um sujeito que se ausenta e marca, ao mesmo tempo, sua
presença no texto. Um exemplo forte de que a subjetividade pode estar presente em
todas as formas de convivência.
Os elementos culturais presentes nas narrativas podem ser observados pela
assimilação da idéia do real-irreal, quando o aluno insere o boto (animal) e o boto
(homem), e pela conjunção carnal entre o animal e o homem.

REFERÊNCIAS
ELAIDE, Mircea. O sagrado e o profano: A essência das religiões. Coleção Vida e
cultura. Lisboa: Editora Livros do Brasil, 1998.
LOUREIRO, João de Jesus Paes. Cultura Amazônica: uma poética do imaginário.
Belém: CEJUP, 1995.
http://www.infoescola.com/redacao/mito-ou-lenda/. Acessado em 15/02/2010.
http://www.santarem.pa.gov.br/conteudo/Lendas. Acessado em 16/02/2010.

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