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2 SOMOS OS FILHOS DA REVOLUÇÃO: LEGIÃO URBANA E O BRASIL DOS ANOS


1980

Se você prestar atenção no discurso punk,você percebe que eles falavam a


mesma coisa que o pessoal dos 60.O Sex Pistols falava a mesma coisa,só
que com toda aquela agressividade dos 70, tipo my generation.Era outro
jeito de falar de amor ,porque é algo de que o ser humano não pode
escapar.Alguém pode passar o resto de sua vida martelando a sua guitarra
e dizendo que odeia todo mundo,mas não esqueça:quando Johnny Rotten
cantava And I don‟t care, ele era a pessoa que mais se importava. E se não
tivesse se importado tanto tanto,não berraria daquele jeito.Isso eu sei
porque o Legião Urbana usou o mesmo discurso punk no inicio.Uma coisa
totalmente niilista,destrutiva e anarquista,mas que no fundo estava falando
que queria paz e harmonia no mundo.Aconteceu que na nossa cabeça,as
pessoas dos 60 tinham falado disso da maneira mais clara possível,através de
flores e de amor.Não deu certo,então vamos falar de outra maneira,mais
dura.1

Este relato é de um jovem que viveu intensamente os anos 1980 no Brasil e ajuda a
entender um pouco da mentalidade dos jovens no país que estavam ligados a movimentos
contraculturais e eram divulgadores de seus pensamentos e ideias através do grito estridente
do rock´n roll. A contracultura era um movimento marginal que se propunha a questionar a
cultura dita oficial e já vinha, desde meados dos anos 1960, influenciando uma grande
parcela de jovens ocidentais que se rebelavam contra as sociedades tecnocratas, tendo como
principal centro divulgador de idéias os Estados Unidos da América, mas deve-se ressaltar
que a Europa também deu as suas devidas contribuições para que o movimento se
propagasse pelo mundo.2
No Brasil, a contracultura foi mais evidente a partir dos anos 1970, quando houve um
aumento do número de jovens da classe média entrando nas universidades, pois segundo os
estudiosos da contracultura esse jovem, ao ter contato com o ensino superior, acabava
conhecendo a cultura dominante e tinha conhecimento suficiente da mesma para poder
criticá-la de dentro.
Ao analisarmos com maior interesse o relato de Renato Russo, percebemos o quanto
esse jovem que fala num outro contexto histórico, os anos 1980, carrega a permanência dessa
luta contracultural e sente na pele o mal-estar da modernidade, deixando evidenciar o
sentimento de estranheza de um sujeito histórico jovem perante a sociedade tecnocrata.

1
RUSSO, Renato. Conversações com Renato Russo. Campo Grande: Letra Livre, 1996. p.78.
2
PEREIRA, Carlos Alberto Messeder. O que é contracultura? 8. ed.São Paulo: Brasiliense, 1992.
21

Luciano Carneiro nos ajuda a entender como foi criada a noção do “ser jovem”
associada à música gênero rock, quando nos diz que:

[...] Em outros termos,uma determinada noção de juventude tendo como


referência uma parcela específica de jovens,acabou sendo tomada e
difundida pelos meios de comunicação de massa enquanto sinônimo do
„ser jovem‟ num processo no qual cristalizou-se um modelo de juventude
fundamentado em símbolo de alta carga de positividade na sociedade de
consumo[...]Enfim,um momento em que se admite muito do que deve ser
restringido na vida adulta,no qual tolera-se atitudes inadmissíveis „ao pai
de família‟(atitudes perdulárias, por exemplo) [...]3

E continua: “[...]É precisamente esta imagem de juventude que acabou sendo associada
a partir da indústria cultural ao rock,na seguinte lógica: a música do prazer para a fase do
prazer.4
Essa parcela da juventude associada ao rock é urbana e tentava aproveitar essa fase
áurea da vida ao máximo, antes que a mesma termine, pois para muitos desses jovens a
passagem para a vida adulta seria um rito de passagem dramático 5, por isso atitudes radicais
são até permitidas nessa fase, pois como já vimos seria a fase mais prazerosa da vida desse
sujeito social.
Assim como Renato Russo, esses jovens que nasceram no final dos anos 1950 e início
dos anos 1960 cresceram num ambiente de repressão, os anos escuros dos porões ditatoriais,
estes foram chamados pelos estudiosos de os filhos da ditadura.6
Estamos falando dos anos 1980, do período em que um jovem que se considera
contestador das normas e padrões vigentes já possuía uma relativa liberdade no Brasil para
poder se expressar, mas essa liberdade não era total. Essa juventude dos anos 80 ainda
experimentou alguns resquícios da opressão do período militar. Seria incoerente afirmar que
os jovens ligados aos movimentos artísticos nos anos 80 receberam o mesmo tratamento de
choque que os jovens dos anos 60. O certo é que esse jovem, quando atingiu a maioridade nos
80, tinha muito a falar e a vontade de se expressar contra a sociedade que lhe era imposta. Às

3
ALVES, Luciano Carmelo. Flores no deserto: a Legião Urbana em seu próprio tempo. Dissertação
(Mestrado em História) – Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2002.
4
ALVES, 2002.
5
NERY, Emilia Saraiva. Juventude, ansiedade e a história: um estudo a partir de letras de música
rock. Monografia (Curso de Licenciatura Plena em História) – Universidade Federal do Piauí,
Teresina, 2005.
6
CARVALHO, José Murilo de. O Brasil de Noel a Gabriel. In: CALVACANTE, Berenice;
ELSENBERG. (Orgs.) Decantando a republica: inventário histórico e político da canção popular
moderna. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2004.
22

vezes essa vontade é tão grande que ele usa não apenas a voz ou seus escritos para exacerbar
sua condição de “ser jovem”, ele também usa o corpo para protestar. Como exemplo basta
lembrarmos do lendário episódio em que Renato Russo corta os pulsos num momento de crise
existencial7ou pensarmos nos jovens adeptos do movimento punk que usavam pedaços de
ferro fixados no corpo (nariz, orelha, lábio) e cabelos diferentes, tudo com a intenção de
chocar a sociedade que os oprimia. 8
É perceptível que essa nova geração dos 1980, no período da chamada
redemocratização no Brasil “[...] já não era tão cativada pela música popular brasileira,que
muitas vezes,se expressava com letras carregadas de denúncia social e lançando mão de
metáfora para driblar a censura da década anterior.”9
A forma com que os artistas da MPB faziam suas canções já não encontrava tanta
compatibilidade com o que esse jovem dos anos 1980 sentia, até porque as canções críticas
dos anos 60 eram tão metaforizadas, para evidentemente passar pela crítica que, quando a
canção chegava ao receptor, no caso o público, já não tinha o sentido original que o emissor
da canção protesto havia imaginado. Nos anos 1980 uma canção de protesto já tinha uma
certa liberdade para ser direta, por exemplo ao ouvir a canção “Que país é esse?” era mais
fácil entender o que o compositor estava sentindo naquele momento em relação ao que
acontecia no país.
Nesse contexto de maior liberdade de expressão é que surge o grupo Legião Urbana. Os
integrantes dessa banda de rock acreditavam estar fazendo um som altamente influenciado
pelo movimento punk que, no Brasil, ganha maior visibilidade nos anos 1980.
O punk é um fenômeno que surgiu basicamente em meados da segunda metade dos
anos 70, mesmo sabendo que não se pode descartar a possibilidade de o mesmo já acontecer
antes. O movimento teve como centro irradiador a Inglaterra e os Estados Unidos da América;
espalhando-se logo depois por outros países. O termo punk, em inglês, tem vários
significados, mais o comumente usado é de “pessoa desqualificada, inútil, sem valor” e era
assim que se sentiam os jovens adeptos do movimento punk, que em sua maioria eram filhos
de operários e sentiam dificuldade para entrar no mercado de trabalho, mas usavam essa
condição desfavorecida como uma motivação para se rebelarem contra o “sistema” que os
oprimia, chegando a ter uma postura anarquista. Ser radical, aproveitar ao máximo o presente

7
DAPIEVE, Arthur. Renato Russo: o trovador solitário. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006.
8
ALEXANDRE, Ricardo. Punk. In: ALEXANDRE, Ricardo. Dias de luta: o rock e o Brasil dos anos
80. São Paulo: DB&A, 2002. p.19.
9
CARMO, Paulo Sérgio do. Os 80: o rock balança a MPB. In: CARMO, Paulo Sérgio do. Culturas da
rebeldia: a juventude em questão. São Paulo: SENAC-SP, 2003. p. 139.
23

pois o futuro era incerto compunham o “ser jovem” punk. Os jovens acreditavam no slogan
do movimento do it your self ou “faça você mesmo”.10
Em termos musicais surge o punk rock atrelado aos punks essa vertente do rock surge
com a intenção de simplificar uma música; contando com apenas três acordes, era uma música
rápida e agressiva, cuja ênfase estava nas letras carregadas de denúncia social. O punk rock
era o lado oposto da vertente considerada “bom exemplo de rock”11. Estamos falando do rock
progressivo, feito por músicos que em sua maioria eram adeptos da música erudita. Nesse tipo
de rock a ênfase era na sonoridade e a letra da música era um mero complemento dos enormes
solos de guitarra ou outro instrumento. Dessa forma, qualquer um podia se aventurar a fazer
punk rock já que este não necessitava de muito conhecimento de técnica musical para ser
feito.12
Paulo Sérgio do Carmo afirma que “nesse processo, é importante assinalar que no Brasil
não houve uma cópia importada, mas uma identificação adaptada a nossa realidade” 13 e que se
deve ter em mente que o movimento punk passa por uma resignificação ao adentrar o país e
acaba por se tornar um movimento de gangue. Os jovens que viviam no maior estado
industrial brasileiro (São Paulo) tornam-se os pioneiros no estilo musical punk rock; havendo
ainda atritos entre as gangues de cidades vizinhas à capital paulista, caso das cidades do ABC
paulista (Santo André, São Bernardo e São Caetano).
Esse jovem brasileiro que vivia a margem da industrialização se identificava como
proletário e se sentia excluído do acesso à diversão e à cultura, mas via através do raivoso
som punk rock uma alternativa para externalizar sua condição de jovem, falar de sua realidade
periférica e muitas vezes manifestando orgulho de não ser adepto do padrão de vida
burguês. 14 Nesse contexto fica evidente que eram jovens, pregando aquilo que os artistas
profissionais que se consolidaram nos anos 1970 na MPB não tinham mais como pregar, já
que, agora, a situação jovem era totalmente diferente nos anos 1980.15

10
ALVES, Luciano Carmelo. Flores no deserto: a Legião Urbana em seu próprio tempo. Dissertação
(Mestrado em História) – Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2002. f. 150.
11
ALVES, 2002.
12
ALVES, 2002.
13
CARMO, 2003.
14
Muitas vezes os grupos de punk rock se deslocavam para os shows através do transporte público, o
que, na visão do jovem punk era o máximo. Seria uma forma de vivenciar-se na própria pele a
condição de ser proletário e de negar a sociedade consumista ao não possuir um meio de transporte
próprio. ALEXANDRE, 2002.
15
ALEXANDRE, 2002.
24

Nesse cenário do punk rock brasileiro os grupos desse estilo levaram muito a sério o
“faça você mesmo”, pois os jovens divulgavam o show através dos fanzines16 e muitas vezes
tocavam apenas por diversão ou bebida, desde que muitos dos integrantes desses grupos
musicais já exerciam alguma atividade profissional e podiam manter os equipamentos
necessários para os shows. Muitos grupos se tornaram pioneiros nesse estilo musical no
país,17 indo tocar com a cara e a coragem em porões de casas antigas ou bares alternativos das
cidades.
Segundo Paulo Sérgio do Carmo, os grupos que aderiram à ideologia do movimento:

Os punks não se interessavam pela MPB por tratar-se, muitas vezes, de


canções de protesto composta por artistas oriundos da classe media,que se
tornaram ‟burgueses‟ com o sucesso e ganharam dinheiro às custas da
romantização da pobreza ou com melosas canções sobre desencontros
amorosos. Essas eram músicas com temas distantes da realidade urbana da
moçada[...].18

Percebemos ao ter contato com estudiosos da história do rock mundial 19 que nos anos
1980 explode o estilo musical denominado new wave e pós-punk. O primeiro tinha como
característica fundamental o casamento do áudio com o vídeo que tanto foi carimbado na
mente dos jovens dos anos 80 pela (Music Television) MTV nos Estados Unidos da América
e que foi criado para rotular todos os grupos musicais surgidos no fim da euforia do
movimento punk. Musicalmente a new wave superava em partes as limitações sonoras do
punk-rock, mas, ao mesmo tempo, bebia na mesma fonte, devorando-o e o ressignificando e
às vezes chegando à conclusão de que um pop-rock alegre e bobinho não tinha a
agressividade que o movimento punk descarregava na sociedade. A banda símbolo desse
estilo no rock mundial era o The Police20. Já o pós-punk era musicalmente mais vanguardista
com um som que mesclava ruídos de guitarra, sons de microfonia e experimentos de timbres
esquisitos. Essa vertente não usava os meios massivos de comunicação para fazer a

16
Uma forma de divulgar os shows que iram acontecer, consistia no envio de mensagens ou gravuras
desenhadas ou pintadas no papel e depois reproduzidas em máquinas de xérox para baratear e
aumentar a produção dos mesmos.
17
Dentre os principais grupos podemos citar: Cólera, Inocentes, Verminoses e outros. Ricardo
Alexandre (Dias de luta: o rock e o Brasil dos anos 80) e Arthur Dapieve (BRock: o rock brasileiro
dos anos 1980 no Brasil) apontam características e entrevistas dos principais grupos de música rock
que surgiram nos anos 1980 no Brasil.
18
CARMO, 2003, p.148.
19
FRIEDLANDER, 2002, p. 370.
20
O The Police era uma banda formada por 3 jovens na Inglaterra em meados de 1977 mesclando
reggae, ska em melodias pop e que tinha no vocal o cantor Sting que mesmo com o fim da banda
continuou ganhando fãs na sua carreira solo. ALEXANDRE, 2002.
25

divulgação. Os grupos musicais adeptos do pós-punk contavam com os circuitos alternativos


de música para alavancar sua arte21.
O grupo Legião Urbana talvez já estivesse nesse cosmopolitismo sonoro, já que
percebemos canções do grupo tendenciando para new wave e outras mais vanguardistas
sonoramente chegando ao pós-punk. Ao termos contato com a biografia do compositor e líder
do Legião Urbana22, percebemos que a maior parte dos integrantes eram filhos de classe
média23 e não eram tão proletários como pregava-se o movimento punk. O próprio Renato
Russo afirma que esses jovens que se reuniam para falar de música, beber e fumar eram punks
de fim de semana24. Ao pensarmos no jovem punk brasileiro e em todas as características que
lhe eram atribuídas, realmente ser punk para esses jovens de classe média de Brasília era um
paradoxo.
Do ponto de vista da sonoridade percebemos muito da influência do punk rock no grupo
pesquisado. Como exemplo justificativo dessa aproximação do grupo Legião Urbana com a
proposta do punk-rock, basta lembrarmos da música Que país é esse, onde esta canção
harmonicamente composta por “3 acordes”, bem no estilo punk-rock de ser e de se fazer,
mostrando-se uma canção com guitarras carregadas de som distorcido e agressividade na
letra, incorporando bem o estilo do do-it-yourself (faça você mesmo).
Mas na nossa pesquisa não queremos sustentar como verdade absoluta que todas as
canções do Legião Urbana constantes nos quatro primeiros álbuns mantinham aproximação
apenas com a proposta do punk-rock. Aqui também percebemos que o próprio compositor já
assumia sua ligação com o pós-punk, new wave e até mesmo com artistas emblemáticos dos
anos 1960: “[...]Eu queria cantar que nem Iggy Pop,David Bowie,Jim Morrison,diferenciava.
E eu estava tentando escrever como Bob Dylan e John Lydon.Referências,referências[...]”25
Ao observar os referenciais musicais de Renato Russo, fica menos complexo entender
como esse modo de ser jovem cosmopolita vai se constituindo, quando se fala de uma cultura
musical nos anos 1980, pois percebe-se que esse jovem consumia tanto compositores
clássicos dos anos 1960 como Bob Dylan, que alavancou toda uma geração com seu rock
folk, e “David Bowie”, que é considerado no cenário do rock mundial como o “camaleão do

21
ALAXANDRE, 2002.
22
DAPIEVE, Arthur. Renato Russo: o trovador solitário. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006.
23
Com exceção de Renato Rocha, que era filho de sargento militar, os demais integrantes pertenciam à
família de classe média, como é o caso de Dado Villa-Lobos que era filho de diplomata e Renato
Russo, filho de economista do Banco do Brasil, tendo os dois morado fora do Brasil e uma grande
bagagem cultural para os jovens que frequentavam a chamada “turma da Colina”.
24
ALEXANDRE, 2002.
25
DAPIEVE, 2006.
26

rock” por possuir uma grande capacidade de se adaptar em diferentes estilos de música rock e
em diferentes contextos temporais.
Um instrumento de repressão que foi amplamente usado durante o período ditatorial
continuava sendo nos anos 80 o principal inimigo da juventude ligada aos movimentos
culturais: a policia. Aqui cabe duas canções do grupo por nós analisado: Baader-Meinhof
Blues (1985) e Faroeste Caboclo (1978-1987).

A violência é tão fascinante


E nossas vidas são tão normais
E você passa dia e noite e sempre vê
Apartamentos acesos. Tudo parece ser tão real
Mas já vimos esse filme também. 26

[...] Já no primeiro roubo ele dançou


E pro inferno ele foi pela primeira vez,
Violência e estupro do seu corpo
Vocês vão ver, eu vou pegar vocês [...]
[...] Agora santo cristo era bandido
Destemido e temido no Distrito Federal
Não tinha nenhum medo de polícia
Capitão ou traficante, playboy ou general[...]27

Percebemos, nas letras, como esse jovem se expressava sobre a institucionalização da


violência através do órgão repressor policial. Essas canções expressam um sentimento de
descontentamento com esse órgão policial que ao invés de proteger o cidadão acaba é por
generalizar a violência, ao ponto de ser considerada normal a violência institucionalizada
pelo estado. Essas canções são compostas numa fase em que a banda Legião Urbana
acreditava no ideal punk e nada mais correto para um jovem que se diz punk do que botar em
prática o lema do movimento “faça você mesmo” e enfrentar, mesmo que muitas vezes
apanhando, o inimigo de frente. Quando revisitamos as histórias de vida desses jovens vimos
que confrontos de jovens punks contra a polícia eram algo comum. Vimos em parágrafos
anteriores que punk no Brasil acaba se tornando sinônimo de movimento de gangue e muitas
vezes a violência era estimulada não apenas contra a policia, mas também contra gangues
punks rivais. Nesse contexto, outra canção emblemática contribui com versos expressivos:

26
VILLA-LOBOS, Daddo; RUSSO, Renato; BONFÁ, Marcelo. Baader-Meinhof Blues. Intérprete:
Legião Urbana. Legião Urbana. São Paulo: EMI, 1986.
27
RUSSO, Renato. Faroeste Caboclo. Intérprete: Legião Urbana. Que país é esse (1978-1987). São
Paulo: EMI, 1987.
27

Tenho medo e eu sei porquê:


Estamos esperando
Quem é o inimigo?
Quem é você?
Nos defendemos tanto tanto sem saber
Porque lutar[...]28

Apesar de o cantor-compositor afirmar que essa era sua primeira música com uma
sensibilidade mais gay29, concordamos com Adalberto Paranhos ao tentar perceber as distintas
faces do mesmo e não tomar a opinião do emissor da mensagem como verdade absoluta, pois
essa mensagem original pode ser resignificada pelo ouvinte.30
No âmbito da economia, o Brasil nos anos 80, sobretudo após a medida adotada pelo
presidente José Sarney de implantar um novo plano econômico, o Plano Cruzado, começa a
apresentar o que era uma falsa prosperidade econômica, pois:

[...]congelava os preços e o câmbio e recalculava os salários à média do


último trimestre, acrescida de um bônus de 8%. O decreto extinguia a
correção monetaria e criava o seguro-desemprego e o gatilho salarial,que
reajustaria automaticamente os salários toda vez que a inflação chegasse a
20%[...]31

Esse novo plano econômico era uma tentativa de reparar os danos que a economia
brasileira sofreu quando houve a transição do regime militar para um regime civil, havendo,
nesse contexto, uma recessão econômica resultado da falência daquilo que entrou para a
historiografia brasileira dos anos 1970 com o nome de “milagre econômico” 32.Vale ressaltar
que essa prosperidade, mesmo falsa, foi algo bom para os grupos de rock que estouraram no
Brasil anos 80: “Com a inflação domada na marra,veio o aumento do poder de compra e uma
injeção de novos consumidores no mercado. Até julho,a indústria de discos no Brasil já
crescera 30% em relação ao mesmo período de 1985.”33

28
BONFÁ, Marcelo; RUSSO, Renato. Soldados. Intérprete: Legião Urbana.Legião Urbana. São
Paulo: EMI, 1985.
29
DAPIEVE, 2006.
30
PARANHOS, Adalberto. A música popular e a dança dos sentidos: distintas faces do mesmo.
Artcultura: Revista de História, Cultura e Arte, Uberlândia, n. 9, 2004.
31
ALEXANDRE, Ricardo. O plano cruzado. In: ALEXANDRE, 2002, p.239.
32
ALVES, Luciano Carneiro. As quatro estações da Legião Urbana. In: ALVES, 2002.
33
ALVES, 2002.
28

E ainda: “o plano cruzado e sua aparente estabilidade monetária foram um anabolizante


e tanto para a indústria brasileira. A reboque, a música pop nacional viveu seus tempos de
maior prosperidade”34.
O grande exemplo de que o Plano Cruzado alavancou o mercado fonográfico brasileiro
aconteceu com o grupo musical RPM, que bateu recordes de venda no seu albúm Rádio
Pirata, lançado em 1986, alcançando a incrível marca de 2,2 milhões de cópias vendidas35, o
que revelava a sede de consumo desse jovem dos anos 1980. Vale ressaltar que esse novo
mercado fonográfico era bem imprevisível, a ponto de o próprio grupo musical RPM acabar
alguns anos depois e entrar para a historiografia do pop-rock nacional como grande exemplo
de “ir do céu ao inferno” em um curto espaço de tempo na cena rock do país.
A respeito da produção fonográfica nos anos 1980 e toda as caracteristicas que a
indústria da referida época marcou na música, Eduardo Vicente afirma:

[...]Ao final da década de 1970, porém, prenunciava-se a crise que iria


interromper a trajetória ascendente da indústria já a partir de
1980,determinando mudanças significativas no cenário.Elas implicariam
numa maior racionalização das atividades das empresas que reduziram seus
elencos e passaram a atuar mais decisivamente na exploração de novos
mercados e no desenvolvimento de produtos destinados a nichos
específicos.Em relação à redução dos elencos,entendo que ela atingiu
fortmente a presença da indústria em segmentos de consumo mais restrito,
como a música instrumental e a MPB de caráter mais experimental,por
exemplo,o que acabou favorecendo o surgimento de uma significativa cena
independente representada por nomes como Antonio Adolfo,Boca Livre e os
artistas da Lira Paulistana, entre outros.Quanto à exploração de novos
mercados, a década de 80 foi fortemente marcada pela busca de novas faixas
etárias de consumidores, refletida especialmente na explosão da música
infantil e do rock. Em relação ao rock, isso implicou, em alguma medida,na
prospecção de novos artistas e na sua preparação para o mercado
fonográfico. Já em relação à musica infantil,a cena foi inteiramente
construida pela indústria e totalmente apoiada,como veremos mais adiante,
nos programas televisivos desenvolvidos para esse público.[...]36

Em relação ao último ponto tratado por Eduardo Vicente, quando ele se refere à
construção do cenário música infantil nos anos 1980 e a relação desta cena com os programas
televisivos, Paulo Sérgio do Carmo nos diz:

34
ALVES, 2002.
35
DAPIEVE, Arthur.BRock. O rock brasileiro dos anos 80. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006.
36
VICENTE, Eduardo. Segmentação e consumo: a produção fonográfica brasileira: 1965-1999.
Artcultura: Revista de História, Cultura e Arte, Uberlândia, v. 10, n. 16, 2008, p. 102.
29

Na televisão, Xuxa explode com a erotização da programação infantil. Está


em toda parte: cinema, publicidade, discos, shows. Nessa época de abertura
política, o grupo musical Os Menudos incitavam as adolescentes a cantar,
dançar e gritar, sem parar, com a palavra de ordem: „Não se reprima,não se
reprima!‟.37

Em relação a essa explosão de grupos musicais que incitavam a erotização do corpo


adolescente, o grupo Os Menudos saía na frente, já que a maioria dos integrantes levava as
fãs ao delírio ao exibir sua dança e seu corpo; o próprio Renato Russo chega a gravar uma
música do grupo, a famosa Hoje a noite não tem luar; versão do grupo Legião Urbana gravada
no albúm MTV acústico do referido grupo.
Ainda no âmbito da indústria fonográfica brasileira dos anos 1980 a autora Rita de
Cássia Morelli trata das questões de constituição e desconstituição da MPB e da implantação
do mercado moderno de música brasileira, sustentando o argumento que mesmo após essa
modernização a MPB continuou com conteúdo de origem nacional-popular e não
internacional-popular, conceito defendido por Renato Ortiz, e vai além:

Inspirando-me em Eduardo Vicente,poderia dizer que o que determinava a


maior ou a menor penetração popular dessas diferentes expressões do rock
era na verdade o pertencimento ao campo restrito da música popular
brasileira que o sotaque inerente à primeira delas revelava. Mas isto me leva
a explorar a hipótese de que o próprio BRock dos anos 1980,a despeito da
ausência do sotaque ,não representou uma retomada pura e simples desse
rock mais urbano e de maior sucesso dos anos de 1970, e não se constituiu,
desse modo, em expressões direta do internacional-popular no campo da
música-popular brasileira,na medida em que também retomou,a seu modo,a
tradição poética e política da MPB, engajando-se também ele no processo de
construção da nação. Entretanto, segundo essa minha hipótese, o BRock
teria retomado a tradição MPB justamente para massificá-la, para ampliar o
circuito de sua circulação e de seu consumo, ao mesmo tempo, em que a
mobilização política também se tornava massiva, com o acirramento das
campanhas pela redemocratização do país.
Nesse sentido, o BRock teria oferecido à indústria fonográfica o produto
capaz de modernizar o mercado de música popular no país,tornando-o
jovem, não porque não tivesse sotaque,mas porque,compartilhando, na maior
parte das vezes, o prestigio da MPB, tornava massivo o apelo ao
engajamento no processo político, ao mesmo tempo em que o fazia na
linguagem musical das massas jovens internacionais. De fato, como
observou Vicente,enquanto LPs e compactos dominavam o mercado de
música popular,havia uma hierarquia entre esses suportes que não deixava
de estar associada à maior ou menor consagração no campo musical, já que
o Lp vendia os próprios artistas,enquanto os compactos vendiam apenas
música.E se nos lembrarmos de que nos anos de 1970 a música estrangeira
era a mais consumida em compactos simples ou duplos pela massa dos

37
CARMO, 2003, p.141.
30

jovens urbanos, teremos que reconhecer que a transformação e a


modernização do mercado brasileiro de música tinham mesmo que passar
pela consagração como artistas de uma geração de músicos brasileiros que se
dispuseram a fazer no Brasil a música internacionalizada que antes era
consumida em compactos, e que a consagração desses músicos como artistas
só podia passar naquele momento pela retomada poética e política da MPB.38

Nesse Brasil do Plano Cruzado vale a pena comentar que não apenas discos vendiam
muito, mas:

[...] Faltava carne e leite em todas as grandes cidades do Brasil.Tornou-se


comum a cobrança de ágio para garantir ao consumidor uma porção deste ou
daquela artigo. Algo precisava ser feito,mas o PMDB não queria mexer no
Plano Cruzado antes das eleições. Em 21 de novembro poucas horas após o
partido do governo ter elegido 22 governadores em 23 estados, José Sarney
anunciou o descongelamento dos preços. Sentindo-se traída, a nação se
mobilizou com furia.Logo em dezembro, fizeram dezenas de feridos num
choque entre a PM e manifestantes na capital federal. 39

Percebemos no nosso estudo que a canção Metrópole ajuda a entender esse caos e o
sentimento de estranheza em relação às grandes cidades e tudo o que vinha junto com a
modernidade: burocracia, espetacularização da violência na TV e padronização do tempo.

É sangue mesmo,não é mertiolate


E todos querem ver
E comentar a novidade.
É tão emocionante um acidente de verdade
Estão todos satisfeitos com o sucesso do desastre:

Vai passar na televisão


Por gentileza,aguarde um momento
Sem carteirinha não tem atendimento
Carteira de trabalho assinada,sim senhor.
Olha o tumulto:façam fila por favor.

Todos com a documentação.


Quem não tem senha não tem lugar marcado.
Eu sinto muito mas,já passa do horário.
Entendo seu problema mas não posso resolver:
È contra o regulamento,está bem aqui,pode ver.
Ordens são ordens.

38
MORELLI, Rita de Cássia Lahoz. O campo da MPB e o mercado moderno de música no Brasil: do
nacional-popular à segmentação contemporânea. Artcultura: Revista de História, Cultura e Arte,
Uberlândia, v. 10, n. 16, 2008, p. 93.
39
ALEXANDRE, 2002, p. 282.
31

Em todo caso já temos sua ficha.


Só falta o recibo comprovando residência.
Pra limpar todo esse sangue,chamei a faxineira-
E agora eu vou indo senão perco a novela
E eu não quero ficar na mão.40

Percebe-se na referida canção o claro mal-estar que a modernidade causava nesse


jovem, quando se referia a ligação deste com a cidade. O ser jovem desse período não se
reconhecia com um lugar que não lhe pertencia. Mas para evidenciarmos isso de fato, vamos
mostrar o lugar de fala41 desse sujeito histórico ou seja, vamos falar de Brasília, cidade onde
as histórias de vida dos integrantes da banda Legião Urbana, se cruzaram:

[...] Enquanto uma cidade criada para ser fundamentalmente administrativa,


Brasília tem na sociabilidade um problema crônico.Em estudo publicado no
final dos anos 60, José Pastore já ressaltava que uma das queixas mais
frequentes em Brasilia refere-se à falta de oportunidade para lazer. Sendo
uma cidade nova, Brasilia parece ter negligenciado até o momento, o
desenvolvimento das condições de lazer. E a existência de opções de lazer é
fator fundamental para criação de laços de sociabilidade numa cidade cuja
população tem tantos imigrantes como Brasília[...]. 42

E continua:

[...]Esta carência de opções de lazer também foi sentida pelos filhos da


classe média na segunda metade dos anos 70, Renato Russo entre eles,
que não tinha afeição a opções como sessões cinematográficas
promovidas pelas embaixadas ou outros eventos cultos [...].43

É perceptível não apenas na canção Metrópole44 mas em várias outras45, o mal-estar e o


estranhamento desse jovem com a cidade. A respeito disso, Renato Russo afirma:

40
RUSSO, Renato. Metrópole. Intérprete: Legião Urbana. Dois. São Paulo: EMI, 1986.
41
CERTEAU, Michel de. Fazer historia e a operação historiográfica. In: CERTEAU, Michel. A escrita
da história. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982. p.31-119.
42
O autor Luciano Carneiro Alves utiliza o livro Brasília: a cidade e o homem do autor José Pastore
para mostrar a pequena possibilidade de sociabilidade na cidade. ALVES, 2002, f.108.
43
ALVES, 2002.
44
RUSSO, Renato Metrópole. Intérprete: Legião Urbana. Dois. São Paulo: EMI, 1986.
45
Canções como Tédio com um “T” bem grande pra você, química, a dança, todas canções
emblemáticas na relação de amor e ódio desses jovens com a cidade de Brasília e com a falta de lazer.
32

[...] A gente fazia rock por necessidade lá. Além de ser uma
necessidade de você ir contra o tédio da cidade é uma necessidade
física mesmo, de você expressar. Ao passo que, se eu estivesse aqui
no Rio, ia à praia,ia comer um sanduiche natural,e não teria tanta
necessidade assim [...]. 46

Além das características já enfatizadas sobre a referida canção ainda cabe destacar que o
trecho “olha o tumulto façam fila por favor”47 caberia na nossa análise para mostrar o poder
que a multidão, esse fenômeno tipico da modernidade, possui48.
Quando se busca a visão dos estudiosos dos movimentos juvenis no Brasil dos anos
1980 percebe-se que eles constroem uma certa analogia entre o percurso desses jovens e a
questão da desilusão de estarem perdidos em busca de se encontrar. Ao tentar refutar essa
ideia o autor Luciano Carneiro afirma que:

[...]O cotidiano identificado a partir das letras, fruto de uma análise


baseada na constatação descrição, sem maiores relações entre as
canções e o contexto, salvo no tocante à angústia causada pela vida na
cidade. Nesse sentido, a análise passa a ser estritamente temática,
confluindo apenas para a fundamentação de uma dada leitura sobre o
cotidiano dos jovens, marcado pelo descompromisso com o mundo e
pela deambulação, o vagar pela cidade. Tal cotidiano é urbano,
angustiante, violento, contraditorio, tecnológico e vazio, alimentando
um desejo de viajar (escapar dele). Enfim, é um cotidiano que não é
vivido, com sentido positivo. E, para Almerinda Guerreiro, as canções
não materializam alternativas a ela. [...]49

Luciano Carneiro, na sua pesquisa sobre o Legião Urbana desvincula o compositor


Renato Russo do rótulo de “poeta da desilusão” e vai ainda mais longe com as críticas ao
trabalho sobre as tribos urbanas dos anos 1980 no Brasil, de Almerinda Guerreiro, afirmando
que:

[...] Por issso, entendemos que as representações nas quais Almerinda


Guerreiro sustenta sua leitura de desesperança e despreocupação em relação
ao cotidiano urbano precisam ser melhor contextualizadas, nelas também é

46
ASSAD, Simone (Coord). Renato Russo de A a Z: as ideias do líder da Legião Urbana. Campo
Grande(MS): Letra livre, 2000. p.41.
47
RUSSO, Metrópole, 1986.
48
BENJAMIN, Walter. Charles Baudelaire: um lírico no auge do capitalismo. 3.ed. São Paulo:
Brasiliense, 1994.
49
Luciano Carneiro critica as análises superficiais de Almerinda de Sales Guerreiro sobre as canções e
tribos jovens no Brasil anos 1980. ALVES, 2002, p. 87.
33

possível perceber que quem as produziu enquanto artistas e com eles


compactuou. Uma tarefa ainda a se realizar é delinear melhor as fronteiras
entre os grupos juvenis e os percursos dos jovens ao transitarem por eles,
estando isso implicado numa análise mais particular das concepções de
mundo tanto de artistas quanto de seus respectivos públicos. Isso pode levar
à conclusão que de fato as fronteiras não existem (hipótese de dificil
comprovação no nossso entender), mas se não for feito, continuaremos a
conjecturar sobre os jovens do período[...]50

Sobre o final dos anos 80, Ricardo Alexandre afirma que “em dezembro, quando a
inflação acumulada no ano chegou a 65,9%, a Legião Urbana registrou em disco uma velha
canção dos tempos de aborto elétrico: Que país é este?” 51
Essa canção não teria melhor momento para ser lançada, pois externalizava para o
âmbito público toda a sujeira do âmbito privado no país. Mesmo após Renato Russo já cantar
essa canção, antes mesmo dos 80, e relutar em gravá-la por acreditar que um dia a situação no
país iria melhorar e essa canção fosse ficar anacrônica.52

Nas favelas no senado


Sujeira pra todo lado
Ninguem respeita a constituição
Mas todos acreditam no futuro da nação

Que país é esse?


Que país é esse?
Que país é esse?

No Amazonas,no Araguaia iá,iá,


Na baixada Fluminense
Mato Grosso,nas Gerais e no
Nordeste tudo em paz
Na morte eu descanso,mas o sangue anda solto
Manchando os papéis e documentos fiéis
Ao descanso do patrão

Que país é esse?


Que país é esse?
Que país é esse?
Que país é esse?

Terceiro mundo ,se for


Piada no exterior
Mas o Brasil vai ficar rico
Vamos faturar um milhão
Quando vendermos todas as almas

50
ALVES, 2002, p. 87.
51
ALEXANDRE, 2002, p.282.
52
DAPIEVE, 2006.
34

Dos nossos índios no leilão

Que país é esse?


Que país é esse?
Que país é esse?”53

No âmbito de uma cultura juvenil, em 1981 surge nos Estados Unidos da América a
MTV o que ajudou amplamente a divulgar a nova música new wave que tinha como ponto
forte o casamento da música com o vídeo.

Nos primeiros anos da MTV, os artistas mais ecléticos eram os que mais
produziam vídeos. Asssim, a MTV, apresentava a seus telespectadores uma
série de músicas da new wave. No entanto,as rádios encaravam a MtV como
uma ameaça e fizeram de tudo para denegrir o novo formato[...]54

A partir do momento em que surge uma outra via de comunicação do artista com o
jovem, no caso a MTV, os programas de rádio que até então eram predominantes na difusão
da música jovem passam a sentir a concorrência da televisão que disputava, agora, a atenção
desse jovem. A resistência das rádios era grande, mas eles não possuiam o trunfo das imagens
que tanto conquistavam o jovem, já que isso era algo novo e tudo que é novo causa
estranhamento e curiosidade.
Os rádios começam a alertar o público para falsa verdade que a MTV poderia estar
passando para seu público. O argumento era o de que nem todo artista que tinha clipe no
programa era realmente o mais querido pelo público, pois esse artista poderia ter usado
recursos financeiros da gravadora para comprar um espaço no programa, o que é comumente
conhecido como “jabá”, apesar dessa prática ser geralmente negada por empresários,
produtores, artistas ou gravadoras em geral. Apesar de os programas de rádio que começaram
a divulgar a música rock no final dos anos 1950 terem passado pelos mesmos escândalos, na
tentativa desesperada de recuperar território faziam acusações similares à que havia recebido
no passado.
Ao mesmo tempo que a MTV ajudava a fomentar nos jovens que estavam sedentos por
informações o interesse por bandas e artistas preferidos, começa-se a questionar o impacto
dessa TV na vida do agente político jovem pois: “[...] Muitos críticos tinham a impressão de

53
RUSSO, Renato. Que país é esse? Intérprete: Legião Urbana. Que país é esse (1978-1987). São
Paulo: EMI, 1987.
54
FRIEDLANDER, 2002, p. 370.
35

que os videoclipes reforçavam tendências negativas que ainda ocorriam na sociedade. Os


adolescentes sentavam-se passivamente em frente a uma caixa esperando por uma resposta”55.
Sobre essa questão, Paulo Sérgio do Carmo nos diz:

No videoclipe os atrativos são o movimento,o ritmo frenético e a rapidez das


imagens:nenhum plano dura mais que cinco minutos.Muitas vezes não há
enredo,tudo se move pela estimulação de efeitos visuais.Isso explica uma
sensibilidade nova do jovem contemporâneo,cada vez mais incapaz de viver
sem estímulos sonoros e visuais.Como consequência,sua visão da realidade é
fragmentada e se valorizam o transitório e o fugidio. Um jovem acostumado
ao ritmo frenético das imagens estranha a lentidão dos filmes das décadas
passadas,como foi observado pelos educadores.56

Ao analisarmos o contexto em que a MTV foi criada e a forma de atuação desta para
com seu público alvo observaremos a talvez gênese da ideia de que o jovem dos anos 1980
era alienado e passivo diante do mundo ao seu redor. Devemos compreender que os críticos
que atribuem a esse jovem dos anos 1980 o status de alienado se esquece de que nem todos os
jovens tinham acesso ao referido canal de televisão, já que a MTV surge em 1º de agosto de
198157 como um canal de televisão a cabo. Cabe ressaltar que nem toda familia tinha
condição financeira para pagar assinatura de televisão a cabo, consequentemente o jovem
menos favorecido economicamente ficava quase à margem desse novo produto da mídia que
ganhava a confiança desse seu público alvo, no caso, a juventude. Em nossa perspectiva a
MTV alienava o jovem que recebia passivamente o conteúdo passado pela televisão, mas que
não podemos generalizar isso a ponto de aceitarmos que o jovem dos anos 1980 de maneira
geral, era alienado. Ressaltamos aqui que esse era outro “modo de ser jovem” dos 1980, o
jovem que se deixou levar pelas maravilhas midiáticas.
Esse uso da TV é constatado por nós nos seguintes versos da canção Metrópole, de
1986:

[...] Estão todos satisfeitos


Com o sucesso do desastre:
Vai passar na televisão[...]

[...]E agora eu vou indo se


Não perco a novela

55
FRIEDLANDER, 2002, p.371.
56
CARMO, 2003, p.156.
57
FRIEDLANDER, 2002.
36

E eu não quero ficar na mão.58

Em alguns trechos da canção Faroeste Caboclo também se evidencia essa ideia:

[...]E o Santo Cristo não sabia o que fazer


Quando viu o reporter da televisão
Que deu noticia do duelo na TV
Dizendo a hora o local e a razão[...]

[...]E olhou pro sorveteiro e pras câmeras e


A gente da TV que filmava tudo ali[...]59

Na década de 1980, os megaeventos viram febre no mundo musical. Os debates em


torno das questões sociais também estavam na mira dos grandes artistas.

Na verdade, artistas e promotores de shows escolheram ligar estas causas a


grandes eventos de forma a divulgar questões políticas, levantar fundos,
envolver mais artistas e ajudar a promover os negócios do rock. Estes
„megaeventos‟- as turnês Live Aid,Farm Aid e pelos direitos humanos da
anistia internacional foram as maiores-esperavam redirecionar temas como
sexo, drogas e rock and roll, para uma discusssão de responsabilidade
social[...]60

Os megaeventos logo suscitaram questionamentos sobre seu impacto perante o público


alvo, ou seja, a juventude fanática por seus ídolos pop, pois os temas típicos do cotidiano dos
jovens ligados aos movimentos culturais dos anos 1970 eram o “sexo, drogas e rock and roll”
estava agora dividindo espaço de debates com a nova iniciativa. Os agentes históricos
estavam transformando da sua condição de porta-voz da juventude e os questionamentos eram
se esse artista estava realmente sendo um mediador simbólico das questões sociais e politicos
ou se simplesmente estava utilizando esse jovem como massa de manobra.

[...] Os pesquisadores discordam sobre o impacto cumulativo destes e outros


eventos.Alguns consideram que eles serviam para cooptar as intenções
oposicionistas do público,transformando-as em lucros para as
empresas,enquanto forneciam uma segura válvula de escape para fãs que
desejassem expressar sua insatisfação.Outros,como Dave Marsh,acreditavam

58
RUSSO, Metrópole, 1986.
59
RUSSO, Renato. Faroeste Caboclo. Intérprete: Legião Urbana. Que país é esse (1978-1987). São
Paulo: EMI, 1987.
60
FRIEDLANDER, 2002, p.373.
37

que eles promoviam „um novo despertar de um segmento do público do rock


para seu próprio potencial social e um salto qualitativo na consciência do
público a respeito dos terríveis problemas da pobreza,fome,dos sem-teto e do
racismo‟[...].61

E ainda, para o mesmo autor:

[...] Outras organizações também perceberam um aumento no interesse e


ativismo.Assim,o envolvimento de artistas foi o fator diferencial:ele expôs
seus fãs a importntes debates,estimulando-os a pensar e agir. Ao mesmo
tempo,entretanto,também era óbvio que a indústria da música,embora
sempre cuidadosa em passar uma imagem de liberal,tomava decisões no
mercado,um status quo favorável às poderosas corporações
multinacionais,mantendo um controle crescente sobre as vendas da cultura
popular.As controvérsias políticas eram perigosas para este tipo de
controle e não vendiam discos tão bem quanto outros temas como sexo e
rebeldia (segura) [...].62

Percebe-se então que muitos desses megaeventos organizados no mundo que uniam
músicas e causas sociais, tinham todo um carácter ideólogico e muitas vezes eram motivados
pela ânsia da indústria cultural que consome tudo que pode gerar lucro. Nesse caso, as
grandes empresas patrocinadores desses megaeventos viam na massa jovem o seu poder de
consumo e investiam pesado em propaganda e em comerciais que induzissem esse jovem
fanático por seu ídolo a comparecer aos grandes espetáculos, tudo sob o argumento de estar
lutando por causas sociais, o que às vezes rendia frutos63, mas também escondia grandes
interesses corporativos. Nesse processo, a MTV ajuda a propagar esses megaeventos
musicais, mesmo que ao seu modo e quando os shows eram reprisados no referido canal,
havia toda uma edição de imagens que desviava parte do conteúdo do evento, a causa socio-
politica para mostrar apenas as apresentações artísticas.64

61
FRIEDLANDER, 2002, p.374.
62
FRIEDLANDER, 2002, p.376.
63
Em junho de 1988, houve uma grande mobilização entre os artistas para libertar Nelson Mandela da
prisão. Cf: FRIEDLANDER, 2002.
64
FRIEDLANDER, 2002.
38

Figura 1: Palco do Rock in Rio sendo desmontado, depois da ordem do governador Leonel
Brizola. Fonte: CIDADE-FANTASMA. Veja, São Paulo, 20 fev. 1985.
39

Figura 2: Reportagem sobre a cidade do Rock que agora era uma cidade fantasma.
Fonte: CIDADE-FANTASMA. Veja, São Paulo, 20 fev. 1985.

É importante ressaltar que essa onda de megaeventos também influenciou o movimento


rock no Brasil, pois de 11 a 20 de janeiro de 1985 ocorreu no país o primeiro Rock in Rio,
trazendo atrações internacionais de grande porte e fazendo com que as bandas brasileiras
aumentassem o grau de profissionalismo, mas associando a ideia já enfatizada por nós de que
esses megaeventos também tinham um duplo sentido ideológico. Para Ricardo Alexandre:

[...] De forma oportuna ou oportunista, o rock se instalou como o herói de


mais um verão. Dessa vez, com a habilidade para vender revistas, camisas,
chaveiros ou toalhas de mesa. O próprio Rock in Rio, por trás do slogan (dez
dias de música e paz), disfarçava um bem engendrado evento de marketing.
Ainda que o festival tenha de fato aberto as portas do show biz mundial,
ninguém parecia acreditar no empresário Roberto Medina quando este dizia
40

que seu maior intuito era ver „um brasileiro,uma inglesa e um argentino
dançando e cantando lado a lado[...]‟65

O certo é que o festival Rock in Rio (sendo ou não um produto de marketing para
conquistar a massa) acaba dando força a esta juventude que no Brasil também estava sedenta
por informações de seus artistas preferidos, fossem eles nacionais ou internacionais, no caso
dos últimos com a oportunidade de estar frente à frente, ao vivo e a cores com grandes ícones
da música rock mundial. Além disso, o festival coloca na mídia brasileira esse novo mercado
de consumo, mostrando aos grandes empresários a sua rentabilidade.
No final dos conturbados anos 80 os impactos ambientais no Brasil eram enormes, “a
Amazônia arde em chamas com as queimadas na mata e o líder seringueiro Chico Mendes,
um dos defensores da floresta, é assassinado”66. Nesse contexto seriam mais que apropriados
os seguintes versos da canção Fábrica:

O céu já foi azul,mas agora é cinza


O que era verde aqui,já não existe mais.
Quem me dera acreditar
Que não acontece nada
De tanto brincar com fogo,
Que venha o fogo então,
Esse ar deixou minha vista cansada,
Nada demais 67

Nos anos 1980 estourava “o samba” como objeto de estudo entre os historiadores da
música. Sobre isso, Marcos Napolitano nos fala:

Se as reflexóes sobre o tropicalismo e a „moderna‟ MPB dominaram o


debate,desde meados dos anos 1970,na década seguinte assistiu-se à
consolidação de uma literatura de peso sobre um outro tema crucial na
formação da música popular no Brasil:o samba urbano carioca.Nota-se,de
1974 em diante,a crescente edição de livros sobre essa temática,quase
sempre abordando o fenômeno da escolas de samba como universo social
estruturado e complexo. 68

65
ALEXANDRE, 2002, p.193.
66
CARMO, 2003, p.158.
67
RUSSO, Renato. Fábrica. Intérprete: Legião Urbana. Dois. São Paulo: EMI, 1986.
68
NAPOLITANO, Marcos. A historiografia da música popular brasileira (1970-1990): síntese
bibliográfica e desafios atuais da pesquisa histórica. Artcultura: Revista de História, Cultura e Arte,
Uberlândia, v. 8, n. 13, 2006, p.145.
41

Algo bastante recorrente nas produções acadêmicas dos anos 1980 eram as biografias
dos grandes expoentes do samba, ainda conforme Marcos Napolitano:

No geral,tais biografias oferecem,na melhor das hipóteses,perfis


sociológicos, dados biográficos e psicológicos, panoramas de épocas,além
de mapear a obra dos biografados. Neste sentido,servem como ponte para
outros ensaios temáticos mais verticalizados.Foram e são valiosas como
elementos de referência, cobrindo lacunas informativas que permitem
aprofundar temas conexos.69

E ainda:

Também no início dos anos 1980 esboçou-se um certo boom de pesquisas na


área de letras sobre música popular brasileira. Além de MPB stricto sensu,o
samba passou a ser objeto de análise poético-musical. Desfeitos junto à
PUC-Rio. São desse momento ainda as obras igualmente pioneiras de Adélia
Meneses, uma análise literária sobre Chico Buarque,e de Antonio Pedro,
sobre o samba durante o Estado Novo. Em todos esses trabalhos a ênfase no
exame das letras, isoladas de outros parâmetros estéticos e culturais da
canção, constitui um primeiro olhar metodológico mais sistemático sobre o
sentido histórico e cultural das canções. Com o tempo, tal abordagem passou
a ser criticada pelo campo de estudos da música popular, sem prejuízo do
impacto que essas obras tiveram em sua época, junto a programas
universitários até então refratários ao tema. De qualquer forma, certas
perspectivas desses trabalhos determinaram alguns eixos de discussão. Por
exemplo, a tipologia de canções que conformam a obra de Chico Buarque,
proposta por Adélia, ainda não foi superada significativamente por nenhum
outro trabalho sobre o compositor (lirismo nostálgico, canções de
repressão,variante utópica,vertente crítica), bem como a importância da
música popular para o projeto ideológico do estado novo,tantas vezes
retomada na pesquisa acadêmica. Nos anos 80, surgiria um outro viés de
análise, que passou a examinar as tensas relações entre „erudito‟ e „popular‟
na música brasileira, merecendo menção a obra de fôlego de Arnaldo
Contier sobre a modernidade musical em Villa-Lobos, concluída em 1988,
mas nunca publicada na íntegra.70

69
NAPOLITANO, 2006, p-147.
70
NAPOLITANO, 2006, p-147.

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