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Weber, L.N.D. (2004). A evolução das relações parentais: uma abordagem etológica. Psicologia
Argumento, 22(38), 19-26.
Resumo : o presente texto tem como objetivo apresentar, de maneira breve e didática, a
perspectiva evolucionária do comportamento humano abordada pela Etologia e analisar, a partir
desta perspectiva, o surgimento da família e do amor entre pais e filhos. O apego é comprendido
como uma necessidade primária foi um mecanismo básico desencadeador e mantenedor de maior
investimento parental humano que contribuiu para o desenvolvimento da família humana. São
exploradas algumas competências básicas do bebê que revelam sua natureza social.
Palavras-chave : etologia; investimento parental; família; competências do bebê.
Abstract: The aim of this text is to present, in an instructive fashion, an evolutionary view of
human behavior, as addressed through Etiology and particular analyses. Based on this view,
family and child-parent love emergences. "Attachment" is understood as a primary need which is
a basic mechanism that triggers and maintains significant human parental investment,
contributing to family development. In addition, basic baby skills which pertain to social nature
are explored.
Key-words: etiology, parental investment, family, baby skills.
Imagine a seguinte cena: uma mãe está amamentando o seu bebê recém-nascido enquanto
o pai brinca com os outros filhos dando cambalhotas e fazendo-lhes cócegas. Se você imaginou
uma bonita família de olhos azuis ou relembrou sua vivência com seus filhos não se sinta
ofendido, pois a cena descrita é de uma família de chimpanzés... Só a semelhança
comportamental entre a cena descrita e a cena familiar que cada pessoa tem em seu imaginário
seria suficiente para mostrar a importância do estudo do comportamento de outros animais.
Os papéis de mãe e de pai nos são tão intimamente familiares que parece que se sabe tudo
o que é necessário sobre eles. Todas as pessoa são, obviamente, filhos e a maioria das mulheres
1
Psicóloga; Professora e Pesquisadora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Paraná;
Coordenadora do Laboratório do Comportamento Humano; Doutora em Psicologia pela USP. UFPR – Departamento
de Psicologia, Praça Santos Andrade, 50 / 1º. Andar 80020-300 Curitiba – PR. E-mail: lidia@ufpr.br
tornam-se mães: dados internacionais mostram que 85% dos mulheres acima de 40 anos (que
passaram pela idade gestacional) têm filhos (SMALL, 1998). Logo, a compreensão da relação
ente pais e filhos é vital e para compreender a maternidade e a paternidade de maneira mais
profunda e é preciso buscar subsídios não só na Psicologia, mas em outras áreas de
conhecimento, uma vez que somos, por essência, seres bio-sócio-psicológicos.
Uma área que nos proporciona um enfoque interessante sobre as relações parentais é a
Etologia - o estudo comparativo do comportamento: “é a disciplina que aplica ao comportamento
animal e humano todas as metodologias e todas aquelas perguntas feitas nos outros ramos da
Biologia, desde o tempo de CHARLES DARWIN”. A Etologia teve seu início na Alemanha, no
fim da década de 1930 com os estudos do austríaco KONRAD LORENZ que tinha clara
influência dos trabalhos de DARWIN. Em 1973, KONRAD LORENZ, KARL VOM FRESCH, e
NICHOLAS TIMBERGEN ganharam o prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia por terem criado
uma nova ciência, a Etologia. Sua principal premissa é a perspectiva evolucionária, ou seja, o
comportamento é um produto e um instrumento do processo de evolução através da seleção
natural. É preciso lembrar que a seleção natural não atua sobre o gene mas sobre a seleção do
gene. Em uma mesma espécie existe grande variabilidade e a pressão seletiva em um ambiente
evolucionário ocorreu sobre indivíduos que se mostraram mais adaptados biologicamente, isto é,
sejam portadores de uma carga genética que contribui para a sua sobrevivência e de seus
descendentes. Diversamente do termo "adaptação" em Psicologia, o processo de adaptação
evolucionária ocorreu não na história individual mas na história da espécie.
É possível argumentar que o ser humano é especial e muito diferente dos outros animais.
De fato ele é, mas atualmente a teoria da evolução proposta por Darwin parece ser inquestionável
em certos aspectos, e mesmo que alguém se sinta absolutamente diferente dos nossos parentes
mais próximos, os pongídeos (chimpanzés, gorilas, orangotangos e bonobos), as pesquisas
recentes reduziram de forma drástica a distância teórica entre macacos e homens. De fato, ao
adotar essa teoria da evolução, é preciso acreditar na continuidade entre o comportamento dos
animais e do homem, e ter consciência que, apesar de a Etologia enfatizar o estudo dos animais,
tem o objetivo de entender o ser humano. Apesar de os humanos se sentirem tão especiais em
relação a outros animais, o código genético (DNA) humano e o do chimpanzé tem 99,4% de
semelhança de acordo com achados mais recentes, o que nos faz muito mais parecidos do que
supõe nossa vã psicologia. Na verdade, os humanos estão mais próximos dos chimpanzés do que
os chimpanzés estão dos gorilas! De fato foi um grande golpe no arrogante narcisismo humano
ter de refazer a própria imagem divina pelo parentesco com os primatas...
Não é possível imaginar que o ser humano da atualidade tenha surgido no vácuo e de
maneira independente de suas extensas heranças biológicas e culturais, tão interligadas entre si
que, às vezes, é quase impossível perceber suas origens. CHAUVIN (1996) afirma que "no plano
teórico, eu penso que é loucura imaginar que podemos estudar o homem fora de todo contexto
animal, pois para qualquer biólogo o homem e é um vertebrado da classe dos primatas, à qual ele
pertence por todas as suas fibras. No aspecto prático, eu não penso que o comportamento animal
possa ter uma utilidade imediata para o psicólogo, a não ser um ponto essencial que os etólogos
assinalaram: é a maneira de olhar os sujeitos e de descrever o que eles fazem. E no caso dos
homens, não se trata somente de escutar o que eles dizem. Observação e descrição são
freqüentemente colocadas à distância como sempre soube a sabedoria popular".
É preciso deixar claro que, apesar do forte ramo biológico, o desenvolvimento da Etologia
é interdisciplinar e ela não é considerada um enfoque inatista, mas interacionista. Na verdade não
se pode explicar natureza e cultura uma sem a outra, pois “em muitas circunstâncias, natureza e
cultura parecem operar no mesmo sentido, criando condições para um fortalecimento de laços
familiares” (BUSSAB, 2000, p. 17). É possível afirmar sem erro que o ser humano é uma espécie
essencialmente cultural e social. Estudiosos indicam que os instrumentos, a caça, a linguagem e
mesmo a cultura tenham aparecido no processo de hominização, ou seja, vieram antes que a
espécie humana tenha realmente nascido: "a cultura não é um produto tardio da história humana.
Não surge como uma emergência de um Homo sapiens fisicamente pronto, que pode então,
através dela, romper com a natureza. Ao contrário, ela é uma das molas do processo de
hominização: a evolução física do homem seria incompreensível se a vida cultural não
constituísse um dos seus fatores. Evolução biológica não se opõe à evolução cultural, tal como
fatores genéticos não se opõem a fatores ambientais" (CARVALHO, 1998). Existe uma
indissociável interação: a cultura construiu esse homem que a reconstrói permanentemente e um
bebê somente se torna humano quando interage com essa cultura, e “o homem é a um só tempo,
criatura e criador da cultura” (BUSSAB & RIBEIRO, 1998, p. 182).
O bebê: o mundo do bebê não é somente uma confusão sonora e luminosa e ele não nasce
como uma tabula rasa ou um ser passivo pronto para absorver o mundo como uma esponja. O
bebê que as pesquisas começaram a decifrar há cerca de 30 anos mostra-se impregnado de
competências particulares que denotam sua natureza social, fortemente preparado para
estabelecer relações afetuosas personalizadas. O bebê, mesmo prematuro, reage ao olhar e à fala
afetiva abrindo mais os olhos e prestando atenção; apesar da visão do recém nascido estar um
pouco desfocada, ele prefere padrões que se assemelham a um rosto humano; com 45 dias de vida
discrimina e prefere o rosto de sua mãe e com 3 semanas, prefere o rosto da mãe a de um
estranho. O melhor desempenho visual de um recém nascido acontece a uma distância de 20cm a
25 cm, a distância usual entre o rosto da mãe e bebê durante a amamentação; o bebê mostra
preferência por sons agudos, portanto vozes femininas a masculinas; com 12 horas de vida é
capaz de discriminar e prefere a voz de sua mãe; com 12 dias de vida, o bebê alimentado no seio
discrimina e prefere o cheiro de sua mãe, contra o de outras mulheres mesmo que lactantes; desde
o primeiro dia de vida, o recém-nascido move seu corpo em sincronia com a fala dos adultos e o
mais interessante é que independentemente da cultura, o "baby talk" é sempre o igual e todos os
bebês que parecem estar prontos a ouvir o que seus pais têm a lhes dizer: existe uma clara
sincronia melódica entre a fala dos adultos e dos bebês. O coração, esse órgão de emoções,
também entra em ritmo: um estudo sobre reações de bebês a suas mães, pais e estranhos, revelou
através de registros gráficos que o bebê sincronizava seus batimentos cardíacos aos de sua mãe e
de seu pai quando estes se aproximavam dele, mas o mesmo não ocorria diante de um estranho
(CONDON & SANDERS, 1974; MACFARLANE,1975; SHAAL ET AL.,1980; MASI &
SCOTT, 1983; YOGMAN ET AL., 1983; FIELD ET AL., 1984; SMALL, 1998).
Como indica BORTOLETTO-DUNKER e LORDELO (1993, p. 10), “os recém-nascidos
apresentam um repertório de comportamentos que os capacitam para as trocas sociais com o seu
meio, através de sinais comunicativos e de capacidades de regular o seu próprio comportamento
pelo do parceiro”. Existe algo mais cativante e terno do que o sorriso de um bebê? A sua
capacidade de regular o comportamento de um adulto é fascinante e compõe o passo a passo de
um caminho de afeto, desde o sorriso inato ou "não-social" ao riso com emoção. Otta (1994)
afirma que nas primeiras semanas de vida os bebês sorriem automaticamente a qualquer pessoa,
familiar ou estranha. Entre 3 a 5 meses eles começam a demorar um pouco mais para sorrir a
pessoas estranhas, enquanto continuam sorrindo da mesma forma para suas mães. Aos 8 meses o
bebê começa a reagir com medo diante de estranhos e o sorriso social é altamente seletivo. A mãe
torna-se o seu porto-seguro e a partir do qual poderá aventurar-se em outras direções. De
qualquer maneira, não há como negar que “os sorrisos dos bebês são coisas poderosas e
fascinantes, deixando suas mães enfeitiçadas e escravizadas. Quem irá duvidar de que o bebê que
mais prontamente retribui um sorriso à sua mãe é o mais amado e o mais bem cuidado?”
(BOWLBY, 1982, p. 35).
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