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Observador On-line

| v.6, n.01, jan. 2011 |


Observador On-line | v.6, n. 01 | jan. 2011

Observatório Político Sul-Americano


Instituto de Estudos Sociais e Políticos  
Universidade do Estado do Rio de Janeiro IESP/UERJ
http://www.opsa.com.br

Balanço do governo Alan García (2006-2011) e perspectivas para as


eleições presidenciais de 2011.

Observador On-Line (v.6, n.01, jan. 2011)


ISSN 1809-7588

Beatriz Thomaz Carvalho


Pesquisadora do Opsa
 

Introdução

A primeira década dos anos 2000 foi, sem dúvida, uma das melhores de todos os
tempos para o Peru, principalmente em termos econômicos. Os níveis de
crescimento foram elevados e muitas vezes maiores que a média dos outros
vizinhos latino-americanos. A pobreza diminuiu significativamente e o governo tem
investido na descentralização e na criação de infra-estrutura como forma de
atender melhor às necessidades da população. Entretanto, apesar do excelente
desempenho econômico, a administração de Alan García tem apresentado baixos
níveis de aprovação. Os motivos para isso variaram durante o governo e não
escondem a verdade de que, apesar de todos os avanços do país nos últimos anos,
ainda há muito a ser melhorado. Promessas não cumpridas, a inflação e, mais
recentemente, a volta do fantasma da corrupção governamental são alguns dos
fatores que geram o alto índice de reprovação do governo. O objetivo do presente
artigo é fazer um balanço do governo de Alan García, apontando seus pontos
positivos e negativos, destacando seus avanços e deficiências tanto em termos de
política doméstica quanto de política exterior.

Os triunfos do Governo García

De acordo com uma pesquisa realizada pela empresa Ipsos Apoyo1 e publicada no
jornal El Comercio em julho de 2010, três são os grandes aspectos positivos da
                                                            
1
“Lourdes se afianza y Keiko avanza”. Opinión Data, ano 10, n. 125. Disponível em: http://www.ipsos-
apoyo.com.pe/sites/default/files/opinion_data/Opinion%20Data%20Junio%202010.pdf. Acesso em: 17
mar. 2011.
2

 
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segunda gestão de Alan García2 segundo a opinião pública peruana: Educação,


infra-estrutura e a economia3.

Os avanços na área da educação estão entre os pontos ressaltados como positivos


pelos peruanos, principalmente devido a promulgação da Lei da Carreira Pública do
Magistério, promulgada em julho de 2007. Essa legislação estipulou um plano de
carreira de acordo com a formação acadêmica e méritos (cargos desempenhados,
produção intelectual, etc) dos professores. Além disso, ela estabeleceu um aumento
significativo do orçamento para a educação. Apesar de existirem ainda algumas
pendências, como a municipalização da educação e a superação do caos na gestão
educativa em algumas regiões, a despolitização do projeto educacional e as
modificações na estrutura desse serviço estão entre os aspectos da nova legislação
que foram considerados positivos pela população. Talvez um dos fatores
responsáveis pelo sucesso da política educacional do atual governo tenha sido a
permanência do ministro da Educação, José Antonio Chang, durante todo o
mandato de García4.

No âmbito da infra-estrutura do país, o governo buscou investir como forma de


fomentar a própria economia e sanar a debilidade do país nessa área. A gestão de
García construiu 12 hospitais e reabilitou, construiu e aprimorou mais de 11 mil
quilômetros de estradas. Além disso, existem atualmente mais de dois mil projetos
de água e saneamento em andamento no Peru. Buscou-se ainda melhorar a gestão
dos funcionários públicos, através da criação do Servir, a autoridade nacional do
serviço civil, cujo objetivo é administrar os trabalhadores que estão a serviço do
Estado. Entretanto, segundo Luiz Alfredo Salomão e Reinaldo Gonçalves (2009,
p.12-13), o Peru ainda apresenta problemas na integração física, muito
concentrada na costa. Em matéria de energia elétrica, também há muito a ser feito
para integrar todos os sistemas.

Por último, o manejo econômico é considerado pela opinião pública, segundo o


jornal El Comercio, como um dos triunfos do governo de García. Mesmo com um
modelo de crescimento voltado para o exterior, dependente de algumas poucas
commodities como cobre, ouro, zinco, chumbo, têxteis, pescado e petróleo
(SALOMÃO e GONÇALVES, 2009, p.4), e com uma economia que sofre os efeitos da

                                                            
2
Alan García também foi presidente do Peru entre 1985 e 1990.
3
“Cronología del segundo gobierno de Alan García”. El Comercio, 11/07/2010. Disponível em:
http://www.scribd.com/doc/34181915/Cronologia-del-segundo-gobierno-de-Alan-Garcia. Acesso em: 12
dez. 2010.
4
Diversas pastas sofreram com a troca constante de ministros durante o governo García.
3

 
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crise mundial de 2008, o Peru conseguiu manter uma das melhores taxas de
crescimento do continente.

Alan García, que é membro do Partido Aprista Peruano (Apra, Aliança Popular
Revolucionária Americana), deu continuidade ao modelo econômico adotado por
seu antecessor, Alejandro Toledo (2001-2006)5. Durante o governo García, foram
estabelecidos incentivos fiscais, o esquema de concessões dos serviços públicos foi
aperfeiçoado e foram realizadas parcerias público-privadas para a construção de
obras de infra-estrutura. Todas estas iniciativas foram capazes de atrair
investimentos, mas ao mesmo tempo tornaram o país muito dependente do capital
estrangeiro.

A escolha de García de prezar pela estabilidade macroeconômica e pelo


investimento propiciou um clima econômico favorável, que entre outras coisas,
garantiu ao Peru “grau de investimento” externo, devido à redução do risco-país.
Segundo o informe do Índice de Desenvolvimento Financeiro 2010 do Fórum
Econômico Mundial, o Peru está entre os vinte países com maior estabilidade
financeira no mundo. O país foi eleito como o melhor lugar para se investir na
América do Sul, alcançando o posto 36 na medição do “Doing Business” (DB 2011),
elaborado anualmente pela Corporação Financeira Mundial, um braço financeiro do
Banco Mundial. A taxa de crescimento do Peru tem alcançado níveis elevados, de
em média 6,5% ao ano, o que fez com que o PIB aumentasse de US$ 56 milhões
em 2002 para US$ 85 milhões em 20096. Dessa forma, García pôde acumular
reservas internacionais e adiantar o pagamento de dívidas e compromissos junto a
credores externos como foi o caso da dívida com o Clube de Paris, quitada em maio
de 2007 (COTLER, 2009, p.172), antes, portanto, do prazo final estabelecido para o
pagamento7.

Outro traço marcante da política econômica de Alan García foi a intensificação da


assinatura de TLCs. O tratado com os Estados Unidos foi assinado no final do
governo de Toledo e entrou em vigor durante o governo García, que foi obrigado a
fazer uma série de concessões e ajustes constitucionais para que o acordo fosse
ratificado pelo senado americano.

                                                            
5
Garcia é considerado por alguns como um traidor dos ideais do seu partido, ao abraçar as propostas
neoliberais. O Apra é um partido de raízes socialistas e de natureza nacionalista e distributiva.
(SALOMÃO e GONÇALVES, 2009, p.5).
6
Anuário Estatístico América Latina e Caribe. Cepal, 2010. Disponível em:
http://websie.eclac.cl/anuario_estadistico/anuario_2010/. Acesso em: 29 fev. 2011.
7
O Peru pagou de forma antecipada o valor nominal dos vencimentos da dívida comercial do período
2007-2015, que somavam US$ 2,6 bilhões (44% do total da dívida do país com o Clube de Paris). Banco
de Eventos OPSA. [Ver: Peru, 23/05/2007].
4

 
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Os senadores da bancada republicana norte-americana exigiram que o Peru


adotasse uma série de normas trabalhistas, ambientais, de segurança e de
proteção de patentes de medicamentos para continuar negociando o acordo
econômico. Para que a negociação pudesse evoluir, o Peru fez mudanças em sua
legislação como a ampliação dos direitos trabalhistas e a criação de um Ministério
do Meio Ambiente. Devido às exigências americanas, o tratado entrou em vigor
somente em janeiro de 2009.

Entre os acordos mais importantes, podemos incluir a assinatura do TLC com a


China em 2008, atualmente o segundo maior parceiro comercial do Peru, atrás
apenas dos EUA. O acordo com a China entrou em vigor no começo de 2010 e
causou reações negativas por parte da sociedade, que temia a falência de
empresas, principalmente têxteis, por causa da concorrência chinesa. O TLC com a
China nunca chegou a ser ratificado pelo Congresso. O governo apenas emitiu uma
nota oficial comunicando a entrada em vigor do acordo, acompanhada de uma
interpretação legal de que certos acordos comerciais estariam dispensados de
ratificação no Legislativo e passariam apenas por sanção presidencial8.

Foi assinado também um TLC com a União Européia (UE). Em 2007, a Comunidade
Andina de Nações (CAN), da qual participam Bolívia, Colômbia, Equador e Peru,
começou a realizar reuniões com a UE para a consolidação de um acordo
econômico. Devido às divergências internas da CAN, o bloco não conseguiu chegar
a um acordo, o que levou o Peru a tentar negociar bilateralmente com a UE a partir
de 2009 (MONTEIRO, 2010, p.3-9). Em 2010, o acordo foi finalmente assinado, em
termos semelhantes ao firmado com os EUA. Alan García qualificou o TLC como
“win-win” e celebrou a inclusão de temas como meio ambiente, trabalho e direitos
humanos. Juntamente com os TLC com os EUA e com a China, estes acordos são
responsáveis por 80% do comércio exterior peruano (MONTEIRO, 2010, p.9-10).

Durante o governo de García também foram assinados TLCs com o Canadá (2008),
Singapura (2008) e com a Associação Européia de Livre Comércio (2010), da qual
fazem parte Suíça, Islândia, Liechtenstein e Noruega. No final de 2010, o governo
terminou a negociação de um TLC com o Japão e com a Coréia do Sul, e vem
negociando acordos com países da América Central e com a Índia.

García também soube manejar a economia peruana durante a crise de 2008. No


final desse ano, o governo anunciou em cadeia nacional de televisão, um plano de

                                                            
8
Banco de Eventos OPSA. [Ver: Peru, 28/02/2010].
5

 
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investimentos para atenuar os efeitos da crise mundial. O plano consistiu em


aumentar os investimentos do setor público e realizar medidas legais para
incentivar o crescimento do investimento privado. Em outubro de 2008 o governo
já havia facilitado a entrada e saída de capitais no país ao eliminar o imposto de
9% cobrado anteriormente, além de ter dado poderes à Superintendência Nacional
de Administração Tributária (Sunat) para simplificar os tramites burocráticos de
operações de entrada e saída de capital estrangeiro9.

O crescimento da economia peruana trouxe diversos benefícios. O aumento das


receitas fiscais, causado pelo crescimento da economia peruana, possibilitou
maiores gastos com políticas sociais para redução da pobreza, políticas para
promover a descentralização e dinamizar a demanda interna. O governo García
aumentou consideravelmente o seu gasto social, com exceção aos gastos relativos
ao pagamento de pensões, que, depois de um grande aumento no governo Toledo,
permaneceram estáveis. Os gastos com educação e saúde básicas, saneamento,
alimentação, nutrição e água aumentaram 72% entre 2006 e 2009, segundo dados
do Ministério da Economia e Finanças. Já os gastos complementares (educação
secundária e superior, infra-estrutura social e produtiva, construção de linhas
elétricas, estradas nas regiões rurais, entre outros) aumentaram 55% no mesmo
intervalo de tempo. Como um todo, os gastos sociais no Peru durante o governo
García teriam aumentado 60% (excetuando os gastos com pensões). Durante o
governo de Alan García, houve uma diminuição dos níveis de pobreza e pobreza
extrema como demonstra os gráficos do Instituto Nacional de Estatística e
Informática do Peru (INEI):

Peru: Taxas de Pobreza total e pobreza extrema10

Pobreza total Pobreza extrema


Domínio geográfico
2006 2009 2006 2009
Nacional 44.5 34.8 16.1 11.5
Âmbito
Urbano 31.2 21.1 4.9 2.8
Rural 69.3 60.3 37.1 27.8

Domínio geográfico
Costa urbana 29.9 21.4 3.0 2.3
Costa rural 49.0 40.6 14.4 9.2
Serra urbana 40.2 31.3 10.3 6.8

                                                            
9
Banco de Eventos OPSA [Ver: Peru, 09/12/2008].
10
Fonte: ENAHO-INEI 2006 e 2009

 
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Serra rural 76.5 65.6 46.5 33.2


Selva urbana 49.9 32.5 18.1 8.8
Selva rural 62.3 57.4 24.6 23.8
Lima Metropolitana 24.2 14.1 0.9 0.2

Entre 2006 e 2009, o governo de García logrou diminuir o percentual de pobreza de


44,5% para 34,8% da população total. Dentro desse grupo de baixo poder
aquisitivo, em 2006, 16,1% se encontravam em situação de pobreza extrema. Em
2009, essa porcentagem diminuiu para 11,5%. Devido a maior arrecadação do
governo, que também tem distribuído mais receita, os serviços públicos foram
ampliados e estão se estendendo a regiões e setores antes excluídos do orçamento
público (COTLER, 2009, p.173). Programas sociais como o “Vaso de Leche” tem
ajudado a suprir as necessidades básicas da população pobre. A iniciativa distribui
uma cesta básica diária de alimentos para uma parcela da população considerada
vulnerável. Entretanto, o nível de pobreza no Peru ainda é bastante alto,
principalmente na área rural. Nessas zonas a atuação do Estado é mais deficiente,
o que dificulta o acesso da população aos benefícios oferecidos pelo governo. A
porcentagem de pobres na Serra rural, por exemplo, é de 65% da população, ou
seja, mais da metade dos moradores dessa área ainda continua em uma situação
de pobreza.

Os pontos negativos do governo de García

Entre os principais pontos negativos do governo, segundo avaliação da opinião


pública feita pelo jornal El Comercio, estão a corrupção e os conflitos sociais. Além
disso, a avaliação positiva das políticas econômicas de Alan García não é
unanimidade. O baixo nível de aprovação do governo11 é um dos indicadores de que
o crescimento econômico não trouxe os benefícios esperados pela população.

Ao mesmo tempo em que o governo se vangloria de seus feitos econômicos,


especialistas alertam para a fragilidade do sucesso peruano. Salomão e Gonçalves
(Op. Cit., p. 29) apontam para a dependência de capital externo, da necessidade de
exportar grandes quantidades de produtos para equilibrar a balança de
pagamentos12 e do preço das commodities metálicas. O Peru é muito dependente
de um pequeno número de mercados, 50% de suas exportações são para os EUA, a
                                                            
11
De acordo com uma pesquisa de opinião realizada pelo Instituto de Opinião Pública da Universidade
Católica do Peru em março de 2011, 69% dos peruanos desaprova a gestão de Alan García.
12
A maior parte das exportações peruanas são commodities, que possuem menor valor agregado em
relação aos produtos industrializados. Para equilibrar sua balança de pagamentos e poder pagar os bens
industrializados que importa, o Peru necessita exportar em grande quantidade.
7

 
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China e a UE. A pauta de exportação do país também não é variada, 67% dos
produtos exportados pelo Peru são commodities metálicas, têxteis, pescados e
petróleo bruto. Dessa forma, o modelo de desenvolvimento peruano é
extremamente ligado ao ambiente externo, que se deteriorado por muito tempo
pode vir a gerar problemas para o país.

Ao final de seu mandato, Alan García deixará para trás uma economia menos
industrializada e exportadora de produtos de baixo valor agregado efeitos da
assinatura de inúmeros Tratados de Livre Comércio (TLCs).

A sensação da população peruana é de que distribuição de renda não evoluiu no


mesmo passo que o crescimento da economia. Ou seja, os avanços econômicos não
trouxeram avanços sociais na mesma proporção. Segundo o relatório
Latinobarómetro 2010, apenas 10% da população está satisfeita com o estado atual
da economia peruana.

Visto que o setor de mineração corresponde a cerca de 50% do PIB e das


exportações do país e é pouco intensivo de trabalho, isso faz com que os
mecanismos de redistribuição não alcancem a maioria das famílias com baixa
qualificação, beneficiando somente aqueles que já estavam, de alguma forma,
incluídos na sociedade (CRUZ JÚNIOR, 2007, p.6). O taxa de emprego também não
acompanhou a expansão da economia, o que é um dos motivos dos débeis
resultados em termos de distribuição de renda13.

Dessa forma, pode-se entender que a política econômica engendrada por Alan
García trouxe benefícios diversos. A economia e as exportações peruanas
cresceram, o governo passou a arrecadar e gastar mais em benefícios sociais.
Entretanto, nem toda a população foi beneficiada pelo crescimento econômico. A
expansão dos empregos não aumentou na mesma proporção que a economia.
Segundo Cotler (2009, p.177-178), 60% da população peruana não possui
emprego formal. Suas práticas não só são desconhecidas pelo governo, mas
também por vezes combatidas, como extração ilegal e narcotráfico. De acordo com
dados publicados em 2010 pelo Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD), o desenvolvimento humano avança de maneira desigual
no Peru e existem minorias e populações isoladas que ainda não se beneficiam com

                                                            
13
“Empleo 2006-2010: hemos mejorado?”. La Republica, 30/12/2010.
8

 
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pujança econômica. O Peru aparece em quarto lugar no ranking de disparidade na


América do Sul14.

Em relação à corrupção, grande parte da opinião pública tem a impressão de que


esta aumentou durante o mandato de García. Principalmente depois de 2008,
vários foram os escândalos e esquemas descobertos que obrigaram diversos
funcionários do governo e ministros do gabinete de García a renunciar.

Em outubro de 2008, Alan García enfrentou uma das piores crises do seu governo.
Denúncias foram feitas afirmando que membros do governo e do partido do
presidente estariam envolvidos em fraudes no sistema de licitações para
15
concessões de exploração de petróleo no país . Uma emissora de televisão
divulgou gravações de áudio que mostravam Alberto Quimper, ex-diretor da estatal
Perúpetro, a estatal que administra as licitações de concessão de direitos de
exploração de petróleo, e Rómulo León, ex-ministro do primeiro mandato de
García, afirmando que receberam pagamentos ilegais da empresa petrolífera
norueguesa Discovery Petroleum. Um dia após o vazamento das gravações, o
presidente Garcia anunciou a suspensão dos cinco contratos de direitos de
exploração da companhia norueguesa. Como conseqüência, uma semana depois,
praticamente todo o gabinete de García, inclusive o chefe do Conselho de Ministros,
Jorge Del Castillo, renunciou.

Os escândalos envolvendo ministros em esquemas de corrupção e críticas quanto


ao manejo de certas situações forçaram diversas trocas de titulares nas pastas do
gabinete presidencial. A pasta do Interior, por exemplo, até o final do governo, terá
tido pelo menos sete titulares. Pilar Mazzeti, que ocupou o cargo entre 2006 e
2007, renunciou quando acusada de irregularidades na licitação e compra de
veículos para a Polícia Nacional. Mercedez Cabanillas, titular da pasta em 2009,
também renunciou devido às criticas em relação ao modo como lidou com a
situação de crise ocorrida em Bagua no mesmo ano, onde os protestos na região
deixaram dezenas de mortos, tanto civis quanto policiais. Empossado em setembro
de 2010, Fernando Barrios, renunciou a pasta em dezembro do mesmo ano devido
à denúncias de recebimento de indenizações irregulares. As investigações sobre o
caso descobriram outras 500 pessoas que haviam recebido indenizações irregulares
assim como o ministro Barrios, totalizando cerca de 200 milhões de sóis pagos
indevidamente.

                                                            
14
“El desarrollo humano no va a la par del crecimiento”. La Republica, 09/12/2010.
15
Banco de eventos OPSA [ver: Peru, 10/10/2008].
9

 
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Outro grave problema da administração de Garcia foi a multiplicação de conflitos


sociais. A Defensoria do Povo aponta a existência de mais de 169 manifestações
sociais ativas no Peru16. No ano de 2010, o jornal La Republica contabilizou 16
mortos e 200 feridos em conflitos sociais com a polícia. A maioria das revoltas gira
em torno de controvérsias envolvendo recursos naturais. Os enfrentamentos entre
a polícia e o Sendero Luminoso17 também foram freqüentes e deixaram dezenas de
policiais mortos nos últimos quatro anos. Desde o segundo semestre de 2006 até o
primeiro semestre de 2010, cerca de 1,5 mil pessoas morreram em decorrência da
violência política no Peru18. A vontade do governo de aprovar projetos sem consulta
popular previa seria uma das causas de tantos conflitos. Com a emissão da lei
n.1095, que autoriza a intervenção das Forças Armadas nesses conflitos, a
tendência é que esses choques com a polícia se tornem mais violentos19.

A maioria dos conflitos se encontra em processo de diálogo e não chegou a nenhum


tipo de solução. Uma das revoltas sociais mais sérias se deu em junho de 2009,
quando 450 policiais entraram em choque com mais de 3 mil indígenas para tentar
liberar uma via bloqueada pelos manifestantes na região de Bagua, que
protestavam contra medidas do governo que regulamentavam a exploração de
recursos hídricos na região amazônica20. Segundo estimativas divulgadas na
imprensa, pelo menos 72 pessoas foram mortas e mais de 100 ficaram feridas
durante o confronto21.

A promulgação da Lei Florestal e da Fauna Silvestre, mais conhecida como “Lei da


Selva”22, também causou diversas manifestações. A população protestou contra a
possibilidade de venda e exploração das terras tradicionalmente ocupadas por
comunidades indígenas por empresas de mineração e a lei foi revogada em
200923.Em outubro de 2006, indígenas tomaram o lote petrolífero 1AB, localizado
na comunidade de Olaya, em Andoas, no departamento de Loreto, e explorado pela
empresa argentina Pluspetrol, Esse tipo de manifestação foi comum durante o
                                                            
16
Cronología del segundo gobierno de Alan García. El Comercio 11/07/2010. Disponível em:
http://www.scribd.com/doc/34181915/Cronologia-del-segundo-gobierno-de-Alan-Garcia.
17
Organização de viés maoísta fundada na década de 1960 e considerada como terrorista pelo governo
peruano. Dividido em facções, esses grupos realizam freqüentes ataques a comboios da policia. O
governo alega que a organização está envolvida com o narcotráfico, forma pela qual se financiaria.
18
Mapa da Estabilidade. Observatório Político Sul Americano. Primeiro Semestre/2010, p.18. Disponível
em: http://observatorio.iesp.uerj.br/pdfs/11_mapaestabilidade_10_mapa_10_01.pdf.
19
“Protestas sociales dejaron como saldo 16 muertos y más de 200 heridos”. La Republica, 29/12/2010.
20
A Lei de Recursos Hídricos foi aprovada pelo Congresso peruano no dia 13 de março de 2009,
regulamentando o uso econômico e social de todos os recursos hídricos do país e delegando poderes a
Autoridade Nacional de Águas (ANA) para regulamentar o preço e as formas de exploração desse
recurso. Banco de Eventos OPSA [ver: Peru, 13/03/2009].
21
Banco de Eventos OPSA [ver: Peru, 06/06/2009].
22
Esta lei permitia a concessão de título de propriedade dos terrenos improdutivos da Amazônia.
23
Banco de Eventos OPSA [ver: Peru, 18/06/2009].
10

 
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governo de García. A empresa, segundo os manifestantes, era responsável pela


contaminação do rio Corrientes24.

Em 2010, foram vários os conflitos e greves envolvendo a venda de gás para outros
países. Foram divulgados documentos do processo de licitação em que a empresa
responsável pela comercialização do gás o exportava a um preço menor do que
vendia dentro do Peru, o que gerou diversos protestos. Os peruanos temem que o
gás extraído seja em sua maioria vendido para o mercado exterior, o que geraria
uma escassez interna além de aumentar o preço interno do mesmo.

Também em 2010, a construção de um projeto hídrico para irrigação da região de


Arequipa, causou revolta na região de Cuzco. Os habitantes da região temiam que a
construção do projeto pudesse acarretar na falta de água. Depois de uma greve e
de diversas manifestações que deixaram um morto, o governo regional aceitou
negociar. Entretanto, assim como a questão envolvendo a exportação do gás, as
negociações não chegaram a qualquer conclusão.

Em abril de 2010, cinco mineradores morreram e vinte e três ficaram feridos ao


entrar em choque com a polícia em protesto ao decreto n. 012/2010, que regula a
atividade extrativista no Perú e exige o registro e pagamento de impostos, a
adequação das normas de trabalho e a preservação do meio ambiente. Os
mineradores rejeitam a legislação, pois apenas 10% estão legalizados na atividade
e temem a falta de competitividade caso haja a entrada de capital externo para
exploração do ouro em grande escala, como planejava o governo.

A forma como o governo lidou com esses conflitos foi muitas vezes criticada pelo
alto número de mortes e gerou diversas crises. Segundo Cotler (2009, p.185-186)
os crescentes protestos são resultado do uso de mecanismos tecnocráticos para
encarar questões como a divisão social, a debilidade do Estado e a fragmentação
política. E para piorar a situação, diante desse cenário, García muitas vezes
inclinou-se por soluções autoritárias, acusou críticos do governo, atacou organismos
defensores dos direitos humanos e criminalizou os protestos sociais. Dessa forma,
os conflitos sociais se multiplicaram durante todo o governo Alan García.

Outro tipo de conflito comum principalmente nos primeiros anos da gestão García
foram os envolveram os plantadores de coca. Diversas vezes esses grupos se
revoltaram contra iniciativas governamentais para a erradicação de cultivos ilegais

                                                            
24
Banco de Eventos OPSA [ver: Peru, 10/10/2006].
11

 
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da planta. Em 2006, o governo lançou o Plano Vale do Rio Apúrimac e Ene (VRAE,
na sigla em espanhol) com objetivos de garantir a paz, combater o narcotráfico e
os remanescentes do Sendero Luminoso e promover o desenvolvimento da região.
Entretanto, os entraves burocráticos, a corrupção e a falta de recursos financeiros e
de capacidade política impediram que a iniciativa alcançasse resultados
expressivos. Em 2009, o plano foi relançado, baseando-se em três eixos
fundamentais: desenvolvimento econômico e social; segurança e legalidade; e
comunicação e participação (SANTOS, 2010). 

Em 2007, Alan García, anunciou um plano de desenvolvimento agrário para apoiar


agricultores da zona do Alto Huallaga a converterem seus cultivos de folha de coca
para cultivos alternativos25. Mesmo assim, o governo tem trabalhado em duas
frentes: a erradicação voluntária é coordenada pela Comissão Nacional para o
Desenvolvimento e Vida sem Drogas (DEVIDA), enquanto a erradicação forçada é
realizada pela Unidade de Controle e Redução da Folha de Coca no Alto Huallaga
(CORAH, na sigla em espanhol) (SANTOS, 2010). Durante o governo houve
diversos casos de ataques do Sendero Luminoso a integrantes do CORAH.

Segundo a professora de Ciência Política da UNESP e pesquisadora do Instituto


Nacional de Ciência e Tecnologia para estudos sobre os Estados Unidos, Marcela
Santos (2010), fica evidente que a estratégia de luta antidrogas perpetrada pelo
governo peruano, centrada amplamente na erradicação forçada, não tem
funcionado. Enquanto não forem atacadas as causas estruturais do problema - a
pobreza e a carência de outros recursos - este não deve ser resolvido. A própria
ajuda americana ao Peru para controlar o narcotráfico deveria centrar-se mais em
uma abordagem multilateral que visasse fortalecer as ações relacionadas ao
desenvolvimento sustentável.

De acordo com Santos (2010), a área de cultivo de coca continua crescendo no


Peru. O fato de a folha de coca estar ligada a uma cultura milenar do povo torna
essa uma questão difícil de ser resolvida. Em junho de 2007, por exemplo, o
governo se reuniu com cocaleiros para atender a uma de suas demandas, negociar
a retirada da folha de coca da lista de substâncias ilícitas da Convenção de Viena
sobre Estupefacientes. A paralisação dos cocaleiros havia começado em maio do
mesmo ano e também demandava a retirada do escritório do DEVIDA na região26.

                                                            
25
Banco de Eventos OPSA [ver: Peru, 27/04/2007].
26
Banco de dados OPSA [ver: Peru, 21/06/2007].
12

 
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Outro ponto negativo que pode ser destacado sobre o governo de Alan García foi a
não realização de uma reforma efetiva do Estado. Apesar de o presidente ter
procurado manter o esforço de descentralização iniciado pelo governo de Toledo,
suas ações não trouxeram mudanças realmente significativas. Das reformas
prometidas por García poucas realmente progrediram. Depois das medidas
efetuadas logo depois de sua eleição, como da diminuição do salário do presidente
e de outros funcionários públicos, poucas foram as promessas que se concretizaram
(CRUZ JÚNIOR, 2007, p.8).

Reformas importantes, como a do Poder Judiciário, ainda não foram feitas. Mesmo
com a eleição de César San Martin como novo presidente no final de 2010, o que
marcou a volta da independência do órgão frente ao poder político27, o Poder
Judiciário sofre com a quantidade de causas atrasadas, a corrupção, o baixo
orçamento, entre outros fatores28.

Algumas medidas de reforma de fato foram implantadas, como a redução das


exigências para aprovação de projetos de investimentos, que facilita a burocracia e
fortalece a descentralização do sistema. Em abril de 2007, foi aprovado o Plano
anual de transferências setoriais aos governos regionais que transfere 185
competências para os governos locais29. Em dezembro do mesmo ano, foi
promulgada a Lei Orgânica do Poder Executivo, que delimita as competências
exclusivas do presidente, dos ministros e dos organismos públicos do Poder
Executivo de acordo com a Lei de Bases de Descentralização3031. A descentralização
é uma questão importante para buscar atender melhor as demandas da população,
prejudicada pelo alto grau de centralização dos recursos em Lima. Essa seria uma
forma de estender a presença do Estado até as áreas mais remotas do país. Para
Ademar Seabra da Cruz Júnior (2007, p.5) a descentralização serve como um
impulso para que a prosperidade econômica alcance os mais pobres. Em 2005 o
governo transferiu menos de US$2 milhões para regiões, já em 2007, esse valor
chegou a US$5 milhões, sendo que destes 70% poderia ser alocado pelo governo
regional nos projetos de sua escolha.

Quanto aos avanços em termos de reformas políticas, em dezembro de 2009, o


Congresso aprovou o segundo turno nas eleições, além de cotas de representação

                                                            
27
Durante o governo Fujimori, o Poder Judicial não funcionava como um órgão independente, pois
corroborava com as políticas fujimoristas.
28
“Pasó otro año y ausente em el pais uma verdadera reforma”. La Republica, 01/01/2011.
29
Banco de Eventos OPSA [ver: Peru, 11/04/2007].
30
Banco de Eventos OPSA [ver: Peru, 20/12/2007].
31
Lei promulgada em 2002.
13

 
Observador On-line | v.6, n. 01 | jan. 2011

de mulheres, jovens e indígenas dentro dos partidos nas eleições nacionais. Em


outubro de 2010, a implementação do voto eletrônico foi aprovada e este já
começou a ser regulamentada. Em abril de 2010, o governo peruano apresentou o
Plano 2021. Esta iniciativa procura estabelecer algumas metas que o país deve
alcançar até o ano 2021. Entre algumas propostas do Plano estão: a instituição de
um sistema legislativo bicameral, maior descentralização federativa,
estabelecimento de metas para crescimento anual de 6%, taxa de investimento de
25%, aumento da tributação de 5% para 20% em relação ao PIB32 e redução da
pobreza em 13%.

Mesmo com esses avanços, o Estado peruano ainda é muito deficiente. Essa
“fraqueza estatal” em atender as demandas sociais, controlar o território e fazer
cumprir a ordem legal, gera uma desconfiança com relação aos órgãos públicos e
poderes estatais. Diante dessa situação, o governo também não foi capaz de
realizar reformas destinadas a adaptar os obsoletos órgãos públicos às demandas
sociais e da globalização (COTLER, 2009, p.177-178). A criação, por exemplo, de
um legislativo bicameral, promessa de campanha de Alan García, não se
concretizou. Essa é uma das muitas promessas de reforma que o presidente foi
incapaz de cumprir, o que também gera um descontentamento por parte dos
eleitores.

A população, que sente dificuldades para fazer valer suas reivindicações por meios
institucionais, acaba por não reconhecer como legítimas as autoridades e normas
legais, o que aumenta o repúdio pelo Estado. Ao mesmo tempo, a forte repressão
por parte do governo, incentivou a população a usar mecanismos não institucionais
para buscar seus direitos e forçou o uso da violência como forma de transformar a
ordem social (COTLER, 2009, p.179). Instituições importantes do Estado, como o
Congresso, o Poder Judicial e o Poder Executivo são amplamente desacreditados
pela população, devido a crise do sistema de partidos e da representação política
no país. De acordo com uma pesquisa, 66% dos entrevistados afirmaram estar
insatisfeitos ou muito insatisfeitos com o funcionamento da democracia no Peru33.
De acordo com o Informe Latinobarómetro 2010 existe uma percepção negativa do
Estado no Peru. Segundo o relatório, 63% dos peruanos acreditam que o governo
age somente em beneficio de poucos. Apenas 14% dos peruanos confiam no

                                                            
32
Especialistas afirmam que houve pouca vontade política do governo em avançar no tema de
responsabilidade fiscal e expansão da tributação.
33
“Crece descrédito en instituciones”. La Republica 09/12/2010.
14

 
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Congresso e somente 25% confia no governo. Quanto aos partidos políticos,


apenas 13% dos entrevistados afirmaram confiar nessa instituição.

A política externa de García

Segundo Cruz Júnior (2007, p.11), desde o final do governo Toledo, o Peru já vinha
ocupando um lugar de prestígio no cenário internacional. O paísfoi eleito para o
Conselho de Segurança (período 2007-2008), presidiu o Foro de Cooperação Ásia-
Pacífico (APEC) em 2008 e conseguiu a extradição de Fujimori do Chile.

Para Natalia Maciel (2008, p.13), a política externa de García, liderada pelo
chanceler José Antonio García Belaunde, caracteriza-se por uma inserção
pragmática no cenário internacional. O país busca uma participação mais ativa nos
organismos internacionais34 e nos eixos dinâmicos da globalização econômica como
forma de atingir o desenvolvimento econômico. Aproveitando o bom desempenho
de sua política econômica nos últimos anos, o Peru procurou incentivar e atrair os
investimentos externos e manter uma imagem de credibilidade política. De acordo
com Cruz Júnior (2007, p.13), a presidência peruana da APEC “(...) consolida a
visão do país de buscar integrar-se aos eixos dinâmicos da globalização econômica,
representados pelas oportunidades de comércio e investimentos em países da Bacia
do Pacífico e da Ásia do Leste (...)”.

No entanto, segundo Maciel (2008, p.14), o Peru busca se inserir


internacionalmente em detrimento das relações com seus vizinhos do Cone Sul. A
maior parte dos acordos econômicos é assinada com países de outros continentes
ou então com países vizinhos que possuem capacidade de investimento ou
ideologias afins, como foi o caso do Brasil e é o da Colômbia. A grande preocupação
do governo García com relação aos vizinhos tem sido principalmente questões de
fronteira e segurança, como migração e combate ao narcotráfico. A relação com os
países sul-americanos tem se restringido aos Conselhos Permanentes de Consulta e
Cooperação, as denominadas reuniões 2+2, onde se reúnem os ministros das
Relações Exteriores e da Defesa de ambos os países. Dessa forma, Maciel (2008,
p.14) conclui que os objetivos de desenvolvimento econômico peruano não se
cruzam com os processos de integração na América do Sul. Esse afastamento fica
claro com, por exemplo, a decisão do Peru de negociar bilateralmente o TLC com a
UE, em razão das desavenças internas da CAN. Durante o encerramento da XV

                                                            
34
O Peru ratificou o Tratado Constitucional da Unasul em maio de 2010, é membro ativo da APEC e
entrou no Acordo Estratégico Transpacífico de Associação Econômica, do qual fazem parte Chile, Nova
Zelândia, Brunei e Singapura.
15

 
Observador On-line | v.6, n. 01 | jan. 2011

Reunião de Cúpula do Foro da APEC, em 2007, García anunciou a criação do Arco


do Pacífico35 afirmando que esta iniciativa era uma contraposição às “economias
primitivas” da região, em alusão à Bolívia, Equador e Venezuela (MACIEL, 2008,
p.4).

As relações com o Chile foram conturbadas durante o inicio do governo. Em 2007, o


governo peruano entregou ao embaixador chileno em Lima uma nota de protesto a
um projeto de lei que previa a criação de uma região no Chile, que estaria
invadindo território peruano36. Em 2008, o Peru apresentou uma demanda à Corte
Internacional de Justiça em Haia para a revisão de sua fronteira marítima com o
Chile. Já em 2009, foram abertas investigações acerca do envolvimento de
militares peruanos em atividades de espionagem para o governo chileno37. O
presidente García por vezes reclamou do aumento dos gastos militares na América
do Sul, se referindo principalmente ao Chile e propondo um pacto de não agressão.
Os ministros de seu gabinete chegaram a visitar outros países fazendo campanha
para a diminuição do armamentismo no continente.

Entretanto, no final de 2010 e início de 2011, a relação entre os dois países teve
uma expressiva melhora. Com a visita de Piñera ao Peru e de García ao Chile, os
dois mandatários se comprometeram a agilizar a homologação dos gastos militares
e aprofundar a confiança mútua entre seus países. Ambos afirmaram que aceitarão
a decisão do tribunal de Haia acerca do contencioso fronteiriço e que esse conflito
não deve atrapalhar a relação entre Peru e Chile.

Além do Chile, dois países isoladamente ocupam posição prioritária dentro da


polícia externa peruana: os EUA e o Brasil. Os EUA são o maior investidor externo
no Peru e gozam de uma grande afinidade com o governo García em relação ao
combate ao narcotráfico. De acordo com Santos (2010), o Peru tem buscado
cooperar com os EUA nesse tema como forma de barganha, já que estava
empenhado na aprovação de um TLC com o país norte americano38.

A celebração do TLC com os EUA evidencia a visão pragmática da política externa peruana
nesta década, onde desavenças foram observadas apenas com o Chile e o Japão (...), em
menor medida, com o Equador, por questões pontuais associadas ao conflito de 199539 e à

                                                            
35
Bloco político-econômico com objetivo de congregar países da costa do Oceano Pacífico. Seus
membros são: Chile, Colômbia, Panamá, Peru e Canadá.
36
Banco de Eventos OPSA [ver: Peru, 10/01/2007].
37
Banco de Eventos OPSA [ver: Peru, 19/11/2009].
38
Houve um aumento da erradicação forçada das plantações de coca durante o governo de Alan García.
39
Em 1995, Peru e Equador entraram em guerra por causa de uma disputa territorial envolvendo a
demarcação de fronteiras.
16

 
Observador On-line | v.6, n. 01 | jan. 2011

própria questão da delimitação dos limites marítimos com o Chile. (CRUZ JÚNIOR, 2007,
p.12)

Com o Brasil as relações também tem tido destaque, segundo Cruz Júnior (2007,
p.12). O Peru propôs em 2004, junto com o Brasil, o projeto de integração sul-
americano e ambos definiram uma parceria estratégica de integração da infra-
estrutura física, integração econômico-comercial e participação peruana no Sistema
de Proteção da Amazônia (SIPAM). Os investimentos brasileiros têm aumentado no
Peru e os dois países vêm promovendo importantes iniciativas de desenvolvimento
fronteiriço. Em março de 2007, foi assinado um acordo entre a Perupetro e a
Petrobrás, para construção de um pólo petroquímico no Peru. Em maio de 2008, foi
assinado um acordo de integração energética entre os dois países para a execução
de projetos hidrelétricos no Peru com vistas a exportar sua produção para o Brasil.

Durante visita ao Peru em julho de 2009, o chanceler Celso Amorim disponibilizou


linhas de financiamento de bancos estatais brasileiros para a construção da estrada
Interoceância. Além disso, foi assinado um acordo para o estabelecimento de um
regime especial de tributação de comercio nas localidades fronteiriças e outro
estabelecendo regras para trabalhadores peruanos no Brasil e brasileiros no Peru40.
Em março de 2010, foi assinado um acordo para a redução das barreiras fito-
sanitárias entre Brasil e Peru.

Quanto as relações com a Bolívia, estas foram um pouco complicadas


principalmente durante o inicio do governo. Durante as eleições de 2006, o
presidente da Bolívia, Evo Morales, apoiou abertamente o candidato Ollanta
Humala, o que por vezes causou um desconforto dentro do Peru. Em 2009, diante
da violência em Bagua, Morales chegou a afirmar que o acontecido era o começo do
“genocídio dos TLC” e que o acordo econômico com os Estados Unidos representava
a “entrega da selva amazônica às empresas transnacionais”41.

No final de 2010, o governo de García deu um grande passo na aproximação com a


Bolívia. Os dois países relançaram o “Boliviamar”42, agora denominada “Mar
Bolívia”. A zona foi ampliada e se transformou em Zona Franca Industrial e
Econômica Especial (Zofie, sigla em espanhol). Nessa área, as indústrias bolivianas
que se instalarem estarão livres de tributação. As empresas bolivianas terão direito
a propriedade dentro da zona e a Armada boliviana terá acesso a navegação no
                                                            
40
Banco de Eventos OPSA [ver: Peru, 14/08/2009].
41
Banco de Eventos OPSA [ver: Peru, 16/06/2009].
42
A “Boliviamar” é uma zona cedida pelo Peru para a Bolívia em 1992, mas que, até 2010, não havia
entrado em funcionamento.
17

 
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porto de Ilo, que fica no departamento de Moquegua. Dessa forma, a Bolívia ganha
uma zona para escoar suas exportações e para a entrada de importações, enquanto
o Peru obtém benefícios com o comércio boliviano, impulsionando o
desenvolvimento da costa sul. Além disso, García declarou que a disputa por uma
saída para o mar entre Bolívia e Chile é uma questão bilateral e que não se
envolverá nessa questão.

Com o Equador, diversas reuniões foram realizadas tratando principalmente de


temas como imigração e segurança fronteiriça. Em junho de 2010, os dois países
firmaram acordos de cooperação para ajudar a população fronteiriça e os
imigrantes, concordando em compartilhar o serviço de assistência consular. As
“embaixadas binacionais” visam representar conjuntamente os dois países e
expandir a prestação de serviços a nacionais peruanos e equatorianos no exterior43.
Mais recentemente, em junho de 2010, diante da contenda envolvendo as
fronteiras marítimas com o Chile, o presidente García assegurou ao Equador que o
Peru não possui qualquer problema fronteiriço com esse país.

Com a Colômbia, houve a assinatura de um acordo de integração comercial para


construir um espaço comum de investimento (MACIEL, 2008, p.12). Em fevereiro
de 2009, foi assinado um acordo de cooperação militar entre os dois países. Peru e
Colômbia vêm intensificando os esforços para integrar as estratégias de luta contra
o tráfico de drogas desde 200744. Acordos sobre segurança nas fronteiras e um
convênio de combate ao terrorismo entre os dois países também foram assinados.

De acordo com Natalia Maciel (2008, p.10), a relação do Peru com os países da
América do Sul nos dois primeiros anos do mandato de Alan García foi marcada por
alguns conflitos e relativos êxitos. Durante o restante de seu governo, o padrão foi
similar. As questões de segurança e de fronteiras continuaram a dominar a pauta
de discussões com os outros países sul-americanos. Entretanto, com a aproximação
do fim de seu governo, Alan García realizou alguns esforços para revigorar o
relacionamento com vizinhos continentais. Iniciativas como o relançamento do “Mar
Bolívia” e os avanços na relação com o Chile indicam uma vontade de aproximação
com os países da América do Sul.

                                                            
43
Banco de Eventos OPSA [ver: Peru, 12/06/2010].
44
Banco de eventos OPSA [ver: Peru, 25/02/2009].
18

 
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Conclusão

O governo García avançou consideravelmente em termos econômicos, tornando o


Peru um dos países que mais atraem investimentos na América do Sul. Durante os
cinco anos de mandato, García assinou inúmeros TLCs e buscou um lugar de maior
protagonismo para o Peru no cenário internacional.

Em termos de estabilidade macroeconômica, seu mandato foi um sucesso. Graças a


adoção de um modelo de economia neo-liberal, o governo de García conseguiu
manter taxas altas de crescimento, em torno de 6,5% ao ano, mesmo durante a
crise de 2008.

No entanto, o crescimento econômico não trouxe benefícios sociais na mesma


proporção. Apesar de o governo ter aumentado o gasto social, investido na criação
de hospitais e estradas, o país ainda possui problemas sérios em diversas áreas.
Essa deficiência faz com que grandes parcelas da população ainda estejam
excluídas. Mesmo com uma diminuição pobreza, que caiu de 44,5% em 2006 para
34,8% da população em 2009, 60,3% da população rural do Peru é considerada
pobre ou extremamente pobre. O Estado peruano é deficiente e não consegue
atender as demandas do interior do país, o que faz com que diminui a confiança da
populaçao nas instituições governamentais.

Diante do rápido crescimento econômico que, no entanto, não se traduziu em


benefícios sociais, o nível de aprovação do presidente Alan García decaiu. As
iniciativas do governo passaram a ser mais questionadas e os conflitos sociais se
multiplicaram ao longo do governo. O modo como García lidou com a maioria
dessas manifestações, criminalizando-as, só aumentou seu nível de desaprovação.
Apesar das tentativas de passar uma imagem de governo íntegro e não corrupto,
diversos escândalos afetaram a popularidade de García. Dessa forma, o governo viu
sua popularidade cair ao longo do governo.

Apenas as relações com os vizinhos apresentaram uma melhora significativa no


decorrer do mandato de García. No começo do governo, o Peru estava muito
empenhado em se inserir nos eixos dinâmicos da globalização econômica, em
detrimento da relação com os países da América do Sul. Entretanto, no final do
governo García foram realizadas importantes iniciativas para melhorar a relação do
Peru com seus vizinhos, principalmente o Chile e a Bolívia.

19

 
Observador On-line | v.6, n. 01 | jan. 2011

Podemos concluir que o governo de Alan García conseguiu melhorar a inserção


internacional do Peru, atrair investimentos e, dessa forma, possibilitar uma grande
expansão da economia do país. Entretanto, não houve uma melhora da situação
social do Peru na mesma proporção. Essa desilusão com os benefícios do
crescimento econômico, o alto nível de corrupção do governo e a forma como este
lidou com os conflitos sociais existentes no país terminaram por torná-lo
extremamente impopular ao longo do seu mandato.

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http://websie.eclac.cl/anuario_estadistico/anuario_2010/. Acesso em: 29 fev.
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