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A NOVA REFORMA PROTESTANTE

Època traz reportagem sobre críticas ao modelo teológico

Inspirado no cristianismo primitivo e conectado à internet, um grupo crescente de religiosos critica a


corrupção neopentecostal e tenta recriar o protestantismo à brasileira

Rani Rosique não é apóstolo, bispo, presbítero nem pastor. É apenas um cirurgião geral de 49 anos em
Ariquemes, cidade de 80 mil habitantes do interior de Rondônia. No alpendre da casa de uma amiga
professora, ele se prepara para falar. Cercado por conhecidos, vizinhos e parentes da anfitriã, por 15
minutos Rosique conversa sobre o salmo primeiro (“Bem-aventurado o homem que não anda segundo o
conselho dos ímpios”). Depois, o grupo de umas 15 pessoas ora pela última vez – como já havia orado e
cantado por cerca de meia hora antes – e então parte para o tradicional chá com bolachas, regado a
conversa animada e íntima.

Desde que se converteu ao cristianismo evangélico, durante uma aula de inglês em Goiânia em 1969,
Rosique pratica sua fé assim, em pequenos grupos de oração, comunhão e estudo da Bíblia. Com o passar
do tempo, esses grupos cresceram e se multiplicaram. Hoje, são 262 espalhados por Ariquemes, reunindo
cerca de 2.500 pessoas, organizadas por 11 “supervisores”, Rosique entre eles. São professores, médicos,
enfermeiros, pecuaristas, nutricionistas, com uma única característica comum: são crentes mais
experientes.

Apesar de jamais ter participado de uma igreja nos moldes tradicionais, Rosique é hoje uma
referência entre líderes religiosos de todo o Brasil, mesmo os mais tradicionais. Recebe convites para
falar sobre sua visão descomplicada de comunidade cristã, vindos de igrejas que há 20 anos não lhe
responderiam um telefonema. Ele pode ser visto como um “símbolo” do período de transição que a igreja
evangélica brasileira atravessa. Um tempo em que ritos, doutrinas, tradições, dogmas, jargões e
hierarquias estão sob profundo processo de revisão, apontando para uma relação com o Divino muito
diferente daquela divulgada nos horários pagos da TV.

Estima-se que haja cerca de 46 milhões de evangélicos no Brasil. Seu crescimento foi seis vezes maior
do que a população total desde 1960, quando havia menos de 3 milhões de fiéis espalhados
principalmente entre as igrejas conhecidas como históricas (batistas, luteranos, presbiterianos e
metodistas). Na década de 1960, a hegemonia passou para as mãos dos pentecostais, que davam ênfase
em curas e milagres nos cultos de igrejas como Assembleia de Deus, Congregação Cristã no Brasil e O
Brasil Para Cristo. A grande explosão numérica evangélica deu-se na década de 1980, com o surgimento
das denominações neopentecostais, como a Igreja Universal do Reino de Deus e a Renascer. Elas tiraram
do pentecostalismo a rigidez de costumes e a ele adicionaram a “teologia da prosperidade” (leia o quadro
abaixo). Há quem aposte que até 2020 metade dos brasileiros professará à fé evangélica.

SÍMBOLO O cirurgião Irani Rosique (sentado, de camisa branca, com aBíblia aberta no colo). Sem
cargo de clérigo, ele mobiliza 2.500 pessoas no interior de Rondônia

Dentro do próprio meio, levantam-se vozes críticas a esse crescimento. Segundo elas, essemodelo de
igreja, que prospera em meio a acusações de evasão de divisas, tráfico de armas e formação de quadrilha,
tem sido mais influenciado pela sociedade de consumo que pelos ensinamentos da Bíblia. “O movimento
evangélico está visceralmente em colapso”, afirma o pastor Ricardo Gondim, da igreja Betesda, autor de
livros como Eu creio, mas tenho dúvidas: a graça de Deus e nossas frágeis certezas (Editora Ultimato).
“Estamos vivendo um momento de mudança de paradigmas. Ainda não temos as respostas, mas as
inquietações estão postas, talvez para ser respondidas somente no futuro.”

Nos Estados Unidos, a reinvenção da igreja evangélica está em curso há tempos. A igreja Willow
Creek de Chicago trabalhava sob o mote de ser “uma igreja para quem não gosta de igreja” desde o início
dos anos 1970. Em São Paulo, 20 anos depois, o pastor Ed René Kivitz adotou o lema para sua Igreja
Batista, no bairro da Água Branca – e a ele adicionou o complemento “e uma igreja para pessoas de quem
a igreja não costuma gostar”. Kivitz é atualmente um dos mais discutidos pensadores do movimento
protestante no Brasil e um dos principais críticos da“religiosidade institucionalizada”. Durante seu
pronunciamento num evento para líderes religiosos no final de 2009, Kivitz afirmou: “Esta igreja que está
na mídia está morrendo pela boca, então que morra. Meu compromisso é com a multidão agonizante, e
não com esta igreja evangélica brasileira.”

Essa espécie de “nova reforma protestante” não é um movimento coordenado ou orquestrado por
alguma liderança central. Ela é resultado de manifestações espontâneas, que mantêm a diversidade
entre as várias diferenças teológicas, culturais e denominacionais de seus ideólogos. Mas alguns pontos
são comuns. O maior deles é a busca pelo papel reservado à religião cristã no mundo atual. Um desafio
não muito diferente do que se impõe a bancos, escolas, sistemas políticos e todas as instituições que
vieram da modernidade com a credibilidade arranhada. “As instituições estão todas sub judice”, diz o
teólogo Ricardo Quadros Gouveia, professor da Universidade Mackenzie de São Paulo e pastor da Igreja
Presbiteriana do Bairro do Limão. “Ninguém tem dúvida de que espiritualidade é uma coisa boa ou que
educação é uma coisa boa, mas as instituições que as representam estão sob suspeita.”

Uma das saídas propostas por esses pensadores é despir tanto quanto possível os ensinamentos
cristãos de todo aparato institucional. Segundo eles, a igreja protestante (ao menos sua face mais
espalhafatosa e conhecida) chegou ao novo milênio tão encharcada de dogmas, tradicionalismos,
corrupção e misticismo quanto a Igreja Católica que Martinho Lutero tentou reformar no século XVI.
“Acabamos nos perdendo no linguajar ‘evangeliquês’, no moralismo, no formalismo, e deixamos de
oferecer respostas para nossa sociedade”, afirma o pastor Miguel Uchôa, da Paróquia Anglicana Espírito
Santo, em Jaboatão dos Guararapes, Grande Recife. “É difícil para qualquer pessoa esclarecida conviver
com tanto formalismo e tão pouco conteúdo.”

“É lisonjeador saber que nos consideram ‘pensadores’. Mas o grande problema dos evangélicos
brasileiros não é de inteligência. É de ética e honestidade” RICARDO AGRESTE, pastor da
Comunidade Presbiteriana Chácara Primavera, em Campinas, São Paulo

Uchôa lidera a maior comunidade anglicana da América Latina. Seu trabalho é reconhecido por toda
a cúpula da denominação como um dos mais dinâmicos do país. Ele é um dos grandes entusiastas do
movimento inglês Fresh Expressions, cujo mote é “uma igreja mutante para um mundo mutante”. Seu
trabalho é orientar grupos cristãos que se reúnem em cafés, museus, praias ou pistas de skate. De maneira
genérica, esses grupos são chamados de “igreja emergente” desde o final da década de 1990. “O
importante não é a forma”, afirma Uchôa. “É buscar a essência da espiritualidade cristã, que acabou
diluída ao longo dos anos, porque as formas e hierarquias passaram a ser usadas para manipular pessoas.
É contra isso que estamos nos levantando.”

No meio dessa busca pela essência da fé cristã, muitas das práticas e discursos que eram
característica dos evangélicos começaram a ser considerados dispensáveis. Às vezes, até condenáveis.
Em Campinas, no interior de São Paulo, ocorre uma das experiências mais interessantes de recriação de
estruturas entre as denominações históricas. A Comunidade Presbiteriana Chácara Primavera não tem um
templo. Seus frequentadores se reúnem em dois salões anexos a grandes condomínios da cidade e em
casas ao longo da semana. Aboliram a entrega de dízimos e as ofertas da liturgia. Os interessados em
contribuir devem procurar a secretaria e fazê-lo por depósito bancário – e esperar em casa um relatório de
gastos. Os sermões são chamados, apropriadamente, de “palestras” e são ministrados com recursos
multimídias por um palestrante sentado em um banquinho atrás de um MacBook. A meditação bíblica
dominical é comumente ilustrada por uma crônica de Luis Fernando Verissimo ou uma música de Chico
Buarque de Hollanda.
“O que importa é buscar a essência do cristianismo, que acabou diluída porque as formas e
hierarquias passaram a ser usadas para manipular pessoas” MIGUEL UCHÔA, pastor anglicano (à
esquerda na foto, ao lado do bispo Robinson Cavalcanti, da Diocese do Recife)

“Os seminários teológicos formam ministros para um Brasil rural em que os trabalhos são de
carteira assinada, as famílias são papai, mamãe, filhinhos e os pastores são pessoas respeitadas”, diz
Ricardo Agreste, pastor da Comunidade e autor dos livros Igreja? Tô fora e A jornada (ambos lançados
pela Editora Socep). “O risco disso é passar a vida oferecendo respostas a perguntas que ninguém mais
nos faz. Há muita gente séria, claro, dizendo verdades bíblicas, mas presas a um formato ultrapassado.”

Outro ponto em comum entre esses questionadores é o rompimento declarado com a face mais
visível dos protestantes brasileiros: os neopentecostais. “É lisonjeador saber que atraímos gente com
formação universitária e que nos consideram ‘pensadores’”, afirma Ricardo Agreste. “O grande problema
dos evangélicos brasileiros não é de inteligência, é de ética e honestidade.” Segundo ele, a velha
discussão doutrinária foi substituída por outra. “Não é mais uma questão de pensar de formas diferentes a
espiritualidade cristã”, diz. “Trata-se de entender que há gente usando vocabulário e elementos de prática
cristã para ganhar dinheiro e manipular pessoas.”

Esse rompimento da cordialidade entre os evangélicos históricos e os neopentecostais veio a público


na forma de livros e artigos. A jornalista (evangélica) Marília Camargo César publicou no final de 2008 o
livro Feridos em nome de Deus (Editora Mundo Cristão), sobre fiéis decepcionados com a religião por
causa de abusos de pastores. O teólogo Augustus Nicodemus Lopes, chanceler da Universidade
Presbiteriana Mackenzie, publicou O que estão fazendo com a Igreja: ascensão e queda do movimento
evangélico brasileiro (Mundo Cristão), retrato desolador de uma geração cindida entre o liberalismo
teológico, os truques de marketing, o culto à personalidade e o esquerdismo político. Em um recente
artigo, o presidente do Centro Apologético Cristão de Pesquisas, João Flavio Martinez, definiu como
“macumba para evangélico” as práticas místicas da Igreja Universal do Reino de Deus, como banho de
descarrego e sabonete com extrato de arruda.

Tais críticas, até pouco tempo atrás, ficavam restritas aos bastidores teológicos e às discussões
internas nas igrejas. Livros mais antigos – como Supercrentes, Evangélicos em crise, Como ser cristão
sem ser religioso e O evangelho maltrapilho (todos da editora Mundo Cristão) – eram experiências
isoladas, às vezes recebidos pelos fiéis como desagregadores. “Parece que a sociedade se fartou de tanto
escândalo e passou a dar ouvidos a quem já levantava essas questões há tempos”, diz Mark Carpenter,
diretor-geral da Mundo Cristão.
“As pessoas não querem mais dogmas, elas querem autenticidade. Minha postura é, juntos, buscarmos
algumas respostas satisfatórias a nossas inquietações” ED RENÉ KIVITZ, pastor da Igreja Batista da
Água Branca, em São Paulo

O pastor Kivitz – que publicou pela Mundo Cristão seus livros Outra espiritualidade e O livro mais
mal-humorado da Bíblia – distingue essa crítica interna daquela feita pela mídia tradicional aos
neopentecostais “A mídia trata os evangélicos como um fenômeno social e cultural. Para fazer uma crítica
assim, basta ter um pouco de bom-senso. Essa crítica o (programa) CQC já faz, porque essa igreja é
mesmo um escracho”, diz ele. “Eu faço uma crítica diferente, visceral, passional, porque eu sou
evangélico. E não sou isso que está na televisão, nas páginas policiais dos jornais. A gente fica sem
dormir, a gente sofre e chora esse fenômeno religioso que pretende ser rotulado de cristianismo.”

A necessidade de se distinguir dos neopentecostais também levou essas igrejas a reconsiderar uma
série de práticas e até seu vocabulário. Pastores e “leigos” passam a ocupar o mesmo nível hierárquico, e
não há espaço para “ungidos” em especial. Grandes e imponentes catedrais e “cultos shows” dão lugar a
reuniões informais, em pequenos grupos, nas casas, onde os líderes podem ser questionados, e as relações
são mais próximas. O vocabulário herdado da teologia triunfalista do Antigo Testamento (vitória,
vingança, peleja, guerra, maldição) é reconsiderado. Para superar o desgaste dos termos, algumas igrejas
preferem ser chamadas de “comunidades”, os cultos são anunciados como “reuniões” ou “celebrações” e
até a palavra “evangélico” tem sido preterida em favor de “cristão” – o termo mais radical. Nem todo
mundo concorda, evidentemente. “Eles (os neopentecostais) é que não deveriam ser chamados de
evangélicos”, afirma o bispo anglicano Robinson Cavalcanti, da Diocese do Recife. “Eles é que não têm
laços históricos, teológicos ou éticos com os evangélicos.”

Um dos maiores estudiosos do fenômeno evangélico no Brasil, o sociólogo Ricardo Mariano (PUC-
RS), vê como natural o embate entre neopentecostais e as lideranças de igrejas históricas. Ele lembra que,
desde o final da década de 1980, quando o neopentecostalismo ganhou força no Brasil, os líderes das
igrejas históricas se levantaram para desqualificar o movimento. “O problema é que não há nenhum órgão
que regule ou fale em nome de todos os evangélicos, então ninguém tem autoridade para dizer o que é
uma legítima igreja evangélica”, afirma.

Procurado por ÉPOCA, Geraldo Tenuta, o Bispo Gê, presidente nacional da Igreja Renascer em
Cristo, preferiu não entrar em discussões. “Jesus nos ensinou a não irmos contra aqueles que pregam o
evangelho, a despeito de suas atitudes”, diz ele. “Desde o início, éramos acusados disto ou daquilo,
primeiro porque admitíamos rock no altar, depois porque não tínhamos usos e costumes. Isso não nos
preocupa. O que não é de Deus vai desaparecer, e não será por obra dos julgamentos.” A Igreja Universal
do Reino de Deus – que, na terceira semana de julho, anunciou a construção de uma “réplica do Templo
de Salomão” em São Paulo, com “pedras trazidas de Israel” e “maior do que a Catedral da Sé” – também
foi procurada por ÉPOCA para comentar os movimentos emergentes e as críticas dirigidas à igreja. Por
meio de sua assessoria, o bispo Edir Macedo enviou um e-mail com as palavras: “Sem resposta”.
O sociólogo Ricardo Mariano, autor do livro Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo
no Brasil (Editora Loyola), oferece uma explicação pragmática para a ruptura proposta pelo novo
discurso evangélico. Ateu, ele afirma que o objetivo é a busca por uma certa elite intelectual, um público
mais bem informado, universitário, mais culto que os telespectadores que enchem as igrejas populares.
“Vivemos uma época em que o paciente pesquisa na internet antes de ir ao consultório e é capaz de
discutir com o médico, questionar o professor”, diz. “Num ambiente assim, não tem como o pastor proibir
nada. Ele joga para a consciência do fiel.”

A maior parte da movimentação crítica no meio evangélico acontece nas grandes cidades. O próprio
pastor Kivitz afirma que “talvez não agisse da mesma forma se estivesse servindo alguma comunidade
em um rincão do interior” e que o diálogo livre entre púlpito e auditório passa, necessariamente, por uma
identificação cultural. “As pessoas não querem dogmas, elas querem honestidade”, diz ele. “As dúvidas
delas são as minhas dúvidas. Minha postura é, juntos, buscarmos respostas satisfatórias a nossas
inquietações.”

Por isso mesmo, Ricardo Mariano não vê comparação entre o apelo das novas igrejas protestantes e
das neopentecostais. “O destino desses líderes será ‘pescar no aquário’, atraindo insatisfeitos vindos de
outras igrejas, ou continuar falando para meia dúzia de pessoas”, diz ele. De acordo com o presbiteriano
Ricardo Gouveia, “não há, ou não deveria haver, preocupação mercadológica” entre as igrejas históricas.
“Não se trata de um produto a oferecer, que precise ocupar espaço no mercado”, diz ele. “Nossa
preocupação é simplesmente anunciar o evangelho, e não tentar ‘melhorá-lo’ ou torná-lo mais
interessante ou vendável.”

O advento da internet foi fundamental para pastores, seminaristas, músicos, líderes religiosos e
leigos decidirem criar seus próprios sites, portais, comunidades e blogs. Um vídeo transmitido pela Igreja
Universal em Portugal divulgando o Contrato da fé – um “documento”, “autenticado” pelos pastores,
prometendo ao fiel a possibilidade de se “associar com Deus e ter de Deus os benefícios” – propagou-se
pela rede, angariando toda sorte de comentários. Outro vídeo, em que o pregador americano Moris
Cerullo, no programa do pastor Silas Malafaia, prometia uma “unção financeira dos últimos dias” em
troca de quem “semear” um “compromisso” de R$ 900 também bombou na rede. Uma cópia da sentença
do juiz federal Fausto De Sanctis (lembre AQUI) condenando os líderes da Renascer Estevam e Sônia
Hernandes por evasão de divisas circulou no final de 2009. De Sanctis afirmava que o casal “não se
lastreia na preservação de valores de ética ou correção, apesar de professarem o evangelho”. “Vergonha
alheia em doses quase insuportáveis” foi o comentário mais ameno entre os internautas.

Sites como Pavablog, Veshame Gospel, Irmãos.com, Púlpito Cristão, Caiofabio.net ou Cristianismo
Criativo fazem circular vídeos, palestras e sermões e debatem doutrinas e notícias com alto nível de
ousadia e autocrítica. De um grupo de blogueiros paulistanos, surgiu a ideia da Marcha pela ética, um
protesto que ocorre há dois anos dentro da Marcha para Jesus (evento organizado pela Renascer).
Vestidos de preto, jovens carregam faixas com textos bíblicos e frases como “O $how tem que parar” e
“Jesus não está aqui, ele está nas favelas”.

A maior parte desses blogueiros trafega entre assuntos tão diversos como teologia, política,
televisão, cinema e música popular. O trânsito entre o “secular” e o “sagrado” é uma das características
mais fortes desses novos evangélicos. “A espiritualidade cristã sempre teve a missão de resgatar a pessoa
e fazê-la interagir e transformar a sociedade”, diz Ricardo Agreste. “Rompemos o ostracismo da igreja
histórica tradicional, entramos em diálogo com a cultura e com os ícones e pensamento dessa cultura e
estamos refletindo sobre tudo isso.”

Em São Paulo, o capelão Valter Ravara criou o Instituto Gênesis 1.28, uma organização que ministra
cursos de conscientização ambiental em igrejas, escolas e centros comunitários. “É a proposta de Jesus,
materializar o amor ao próximo no dia a dia”, afirma Ravara. “O homem sem Deus joga papel no chão? O
cristão não deve jogar.” Ravara publicou em 2008 a Bíblia verde, com laminação biodegradável, papel de
reflorestamento e encarte com textos sobre sustentabilidade.
“O homem sem Deus joga papel no chão? O cristão não deve jogar. É a proposta de Jesus,
materializar o amor ao próximo no dia a dia” VALTER RAVARA, “ecocapelão”, criador do Instituto
Gênesis 1.28 e da Bíblia verde

A então ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, escreveu o prefácio da Bíblia verde. Sua
candidatura à Presidência da República angariou simpatia de blogueiros e tuiteiros, mas não o apoio
formal da Assembleia de Deus, denominação a que ela pertence. A separação entre política e religião
pregada por Marina é vista como um marco da nova inserção social evangélica. O vereador paulistano e
evangélico Carlos Bezerra Jr. afirma que o dever do político cristão é “expressar o Reino de Deus” dentro
da política. “É o oposto do que fazem as bancadas evangélicas no Congresso, que existem para conseguir
facilidades para sua denominação e sustentar impérios eclesiásticos”, diz ele.

DA WEB ÀS RUAS – Blogueiros que organizam a Marcha pela ética, um movimento de protesto
incrustado dentro da Marcha para Jesus, promovida pela Renascer

O raciocínio antissectário se espalhou para a música. Nomes como Palavrantiga, Crombie, Tanlan,
Eduardo Mano, Helvio Sodré e Lucas Souza se definem apenas como “música feita por cristãos”, não
mais como “gospel”. Eles rompem os limites entre os mercados evangélico e pop. O antissectarismo torna
os evangélicos mais sensíveis a ações sociais, das parcerias com ONGs até uma comunidade funcionando
em plena Cracolândia, no centro de São Paulo. “No fundo, nossa proposta é a mesma dos reformadores”,
diz o presbiteriano Ricardo Gouveia. “É perceber o cristianismo como algo feito para viver na vida
cotidiana, no nosso trabalho, na nossa cidadania, no nosso comportamento ético, e não dentro das quatro
paredes de um templo.”
A teologia chama de “cristocêntrico” o movimento empreendido por esses crentes que tentam tirar
o cristianismo das mãos da estrutura da igreja – visão conhecida como “eclesiocêntrica” – e devolvê-
lo para a imaterialidade das coisas do espírito. É uma versão brasileiramente mais modesta do que a Igreja
Católica viveu nos tempos da Reforma Protestante. Desta vez, porém, dirigida para a própria igreja
protestante. Depois de tantos desvios, vozes internas levantaram-se para propor uma nova forma de
enxergar o mundo. E, como efeito, de ser enxergadas por ele. Nas palavras do pastor Kivitz: “Marx e
Freud nos convenceram de que, se alguém tem fé, só pode ser um estúpido infantil que espera que um
Papai do Céu possa lhe suprir as carências. Mas hoje gostaríamos de dizer que o cristianismo tem, sim,
espaço para contribuir com a construção de uma alternativa para a civilização que está aí. Uma sociedade
que todo mundo espera, não apenas aqueles que buscam uma experiência religiosa”.

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