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Constitucionalização do direito civil

Paulo Luiz Netto Lôbo

Sumário
1. O aparente paradoxo: a constitucionali-
zação do direito civil. 2. Publicização e constitu-
cionalização: uma distinção necessária. 3. As eta-
pas do constitucionalismo e a evolução contem-
porânea do direito civil. Codificação. 4. Inserção
do direito civil no Estado social. 5. Descodificação
do direito civil. 6. Tradição patrimonialista do
direito civil e as tendências de repersonalização.
7. Natureza das normas e princípios constitucio-
nais relacionados ao direito civil 8. Fontes cons-
titucionais do direito de família. 9. Fontes cons-
titucionais da propriedade. 10. Fontes constitu-
cionais do contrato. 11. À guisa de conclusão.

1. O aparente paradoxo: a
constitucionalização do direito civil
O direito civil, ao longo de sua história
no mundo romano-germânico, sempre foi
identificado como o locus normativo privile-
giado do indivíduo, enquanto tal. Nenhum
ramo do direito era mais distante do direito
constitucional do que ele. Em contraposição
à constituição política, era cogitado como
constituição do homem comum, máxime
após o processo de codificação liberal.
Sua lenta elaboração vem perpassando
a história do direito romano-germânico há
mais de dois mil anos, parecendo infenso
às mutações sociais, políticas e econômicas,
às vezes cruentas, com que conviveu. Parecia
que as relações jurídicas interpessoais, par-
Paulo Luiz Netto Lôbo é Doutor em Direito ticularmente o direito das obrigações, não
(USP). Professor na UFAL e na Pós-Graduação seriam afetadas pelas vicissitudes históri-
da UFPE. cas, permanecendo válidos os princípios e
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regras imemoriais, pouco importando que Pode afirmar-se que a constitucionali-
tipo de constituição política fosse adotada. zação é o processo de elevação ao plano
Os estudos mais recentes dos civilistas constitucional dos princípios fundamen-
têm demonstrado a falácia dessa visão tais do direito civil, que passam a condicio-
estática, atemporal e desideologizada do nar a observância pelos cidadãos, e a apli-
direito civil. Não se trata, apenas, de cação pelos tribunais, da legislação infra-
estabelecer a necessária interlocução entre constitucional.
os variados saberes jurídicos, com ênfase
entre o direito privado e o direito público, 2. Publicização e constitucionalização:
concebida como interdisciplinaridade uma distinção necessária
interna. Pretende-se não apenas investi-
Durante muito tempo, cogitou-se de
gar a inserção do direito civil na Consti-
publicização do direito civil, que, para
tuição jurídico-positiva, mas os funda-
muitos, teria o mesmo significado de consti-
mentos de sua validade jurídica, que dela
tucionalização. Todavia, são situações
devem ser extraídos.
distintas. A denominada publicização
Na atualidade, não se cuida de buscar a
compreende o processo de crescente inter-
demarcação dos espaços distintos e até con-
venção estatal, especialmente no âmbito
trapostos. Antes havia a disjunção; hoje, a
legislativo, característica do Estado Social
unidade hermenêutica, tendo a Constituição
do século XX. Tem-se a redução do espaço
como ápice conformador da elaboração e
de autonomia privada para a garantia da
aplicação da legislação civil. A mudança
tutela jurídica dos mais fracos. A ação inter-
de atitude é substancial: deve o jurista in-
vencionista ou dirigista do legislador
terpretar o Código Civil segundo a Cons-
tituição e não a Constituição segundo o terminou por subtrair do Código Civil
Código, como ocorria com freqüência (e matérias inteiras, em alguns casos transfor-
ainda ocorre). madas em ramos autônomos, como o direito
A mudança de atitude também envolve do trabalho, o direito agrário, o direito das
uma certa dose de humildade epistemo- águas, o direito da habitação, o direito de
lógica. O direito civil sempre forneceu as locação de imóveis urbanos, o estatuto da
categorias, os conceitos e classificações que criança e do adolescente, os direitos auto-
serviram para a consolidação dos vários rais, o direito do consumidor.
ramos do direito público, inclusive o consti- Se se entende como publicização a
tucional, em virtude de sua mais antiga submissão dessas matérias ao âmbito do
evolução (o constitucionalismo e os direitos direito público, então é incorreto tal enqua-
públicos são mais recentes, não alcançando dramento. O fato de haver mais ou menos
um décimo do tempo histórico do direito normas cogentes não elimina a natureza
civil). Agora, ladeia os demais na mesma originária da relação jurídica privada, vale
sujeição aos valores, princípios e normas dizer, da relação que se dá entre titulares de
consagrados na Constituição. Daí a neces- direitos formalmente iguais; não é esse o
sidade que sentem os civilistas do manejo campo próprio do direito público. É certo
das categorias fundamentais da Constitui- que o Estado social eliminou o critério de
ção. Sem elas, a interpretação do Código e distinção tradicional, a saber, o interesse; o
das leis civis desvia-se de seu correto interesse público não é necessariamente o
significado. interesse social, e os interesses públicos e
Diz-se, com certa dose de exagero, que o privados podem estar embaralhados tanto
direito privado passou a ser o direito no que se considerava direito público,
constitucional aplicado, pois nele se detec- quanto no direito privado.
ta o projeto de vida em comum que a Muitos propugnam pela superação da
Constituição impõe1. velha dicotomia, que resiste à falta de outra
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mais convincente e mantém sua utilidade nomeadamente no campo econômico (codi-
no plano didático. Os arautos de seu desa- ficação).
parecimento têm em mente o grau de inter- Os códigos civis tiveram como paradig-
venção do Estado (legislador ou juiz) em ma o cidadão dotado de patrimônio, vale
certas relações, para considerá-las publici- dizer, o burguês livre do controle ou
zadas. No Estado social (welfare state), todos impedimento públicos. Nesse sentido é que
os temas sociais juridicamente relevantes entenderam o homem comum, deixando a
foram constitucionalizados. O Estado social grande maioria fora de seu alcance. Para os
caracteriza-se exatamente por controlar e iluministas, a plenitude da pessoa dava-se
intervir em setores da vida privada, antes com o domínio sobre as coisas, com o ser
interditados à ação pública pelas constitui- proprietário. A liberdade dos modernos, ao
ções liberais. No Estado social, portanto, não contrário dos antigos2, é concebida como
é o grau de intervenção legislativa, ou de não-impedimento. Livre é quem pode deter,
controle do espaço privado, que gera a gozar e dispor de sua propriedade, sem im-
natureza de direito público. O mais privado pedimentos, salvo os ditados pela ordem
dos direitos, o direito civil, está inserido pública e os bons costumes, sem interfe-
essencialmente na Constituição de 1988 rência do Estado.
(atividade negocial, família, sucessões, pro- As primeiras constituições, portanto,
priedade). Se fosse esse o critério, então nada regularam sobre as relações privadas,
inexistiria direito privado. cumprindo sua função de delimitação do
Independentemente do grau de interven- Estado mínimo. Ao Estado coube apenas
ção estatal, se o exercício do direito se dá estabelecer as regras do jogo das liberdades
por particular em face de outro particular, privadas, no plano infraconstitucional, de
ou quando o Estado se relaciona paritaria- sujeitos de direitos formalmente iguais,
mente com o particular sem se valer de seu
abstraídos de suas desigualdades reais.
império, então o direito é privado.
Consumou-se o darwinismo jurídico, com a
Em suma, para fazer sentido, a publici-
hegemonia dos economicamente mais
zação deve ser entendida como o processo
fortes, sem qualquer espaço para a justiça
de intervenção legislativa infraconstitucio-
social. Como a dura lição da história
nal, ao passo que a constitucionalização
tem por fito submeter o direito positivo aos demonstrou, a codificação liberal e a ausên-
fundamentos de validade constitucional- cia da constituição econômica serviram de
mente estabelecidos. Enquanto o primeiro fe- instrumento de exploração dos mais fracos
nômeno é de discutível pertinência, o segundo pelos mais fortes, gerando reações e
é imprescindível para a compreensão do conflitos que redundaram no advento do
moderno direito civil. Estado social.
Em verdade, houve duas etapas na
evolução do movimento liberal e do Estado
3. As etapas do constitucionalismo e a
liberal: a primeira, a da conquista da liberdade;
evolução contemporânea do direito civil.
a segunda, a da exploração da liberdade3.
Codificação Como legado do Estado liberal, a liberda-
O constitucionalismo e a codificação (es- de e a igualdade jurídicas, apesar de formais,
pecialmente os códigos civis) são contem- incorporaram-se ao catálogo de direitos das
porâneos do advento do Estado liberal e da pessoas humanas, e não apenas dos sujeitos
afirmação do individualismo jurídico. Cada de relações jurídicas, e nenhuma ordem jurí-
um cumpriu seu papel: um, o de limitar pro- dica democrática pode delas abrir mão. Os
fundamente o Estado e o poder político códigos cristalizaram a igualdade formal de
(Constituição), a outra, o de assegurar o mais direitos subjetivos, rompendo a estrutura
amplo espaço de autonomia aos indivíduos, estamental fundada no jus privilegium, nos
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locais reservados às pessoas em razão de desempenharam funções relevantes que os
suas origens. mantiveram como o núcleo do direito
positivo. Para Francisco Amaral 4, que
4. Inserção do direito civil no perfilha a tese da descodificação, o conjunto
Estado social de valores e idéias que formaram o caldo de
cultura dos grandes códigos encontra-se
O Estado social, no plano do direito, é
superado, nomeadamente suas funções
todo aquele que tem incluída na Constitui-
políticas, filosóficas e técnicas.
ção a regulação da ordem econômica e
Desaparecendo essas funções prestan-
social. Além da limitação ao poder político,
tes, os códigos tornaram-se obsoletos e cons-
limita-se o poder econômico e projeta-se
tituem óbices ao desenvolvimento do direito
para além dos indivíduos a tutela dos
direitos, incluindo o trabalho, a educação, a civil. Com efeito, a incompatibilidade do
cultura, a saúde, a seguridade social, o meio Código Civil com a ideologia constitucio-
ambiente, todos com inegáveis reflexos nas nalmente estabelecida não recomenda sua
dimensões materiais do direito civil. continuidade. A complexidade da vida con-
A ideologia do social, traduzida em temporânea, por outro lado, não condiz com
valores de justiça social ou distributiva, a rigidez de suas regras, sendo exigente de
passou a dominar o cenário constitucional minicodificações multidisciplinares, con-
do século XX. A sociedade exige o acesso gregando temas interdependentes que não
aos bens e serviços produzidos pela econo- conseguem estar subordinados ao exclusivo
mia. Firmou-se a communis opinio de que a campo do direito civil. São dessa natureza
solidez do poder residiria, substancialmen- os novos direitos, como o direito do consu-
te, no econômico e, relativamente, no midor, o direito do meio ambiente, o direito
político. Daí a inafastável atuação do da criança e do adolescente.
Estado, para fazer prevalecer o interesse A Revolução Industrial, os movimentos
coletivo, evitar os abusos e garantir o espaço sociais, as ideologias em confronto, a
público de afirmação da dignidade humana. massificação social, a revolução tecnológica
Nem mesmo a onda de neoliberalismo e glo- constituíram-se em arenas de exigências de
balização, que agitou o último quartel do liberdade e igualdades materiais e de
século, abalou os alicerces do Estado social, emersão de novos direitos, para o que a
permanecendo cada vez mais forte a neces- codificação se apresentou inadequada.
sidade da ordem econômica e social, inclu- O direito de família, como parte da codi-
sive com o advento de direitos tutelares de ficação civil, sofreu essas vicissitudes em
novas dimensões da cidadania, a exemplo grau mais agudo. A mulher foi a grande
da legislação de proteção do consumidor. ausente na codificação. As liberdades e
Enquanto o Estado e a sociedade muda- igualdades formais a ela não chegaram,
ram, alterando substancialmente a Consti- permanecendo a codificação, no direito de
tuição, os códigos civis continuaram ideo- família, em fase pré-iluminista. Nas
logicamente ancorados no Estado liberal, grandes codificações do século passado
persistindo na hegemonia ultrapassada (e a concepção de nosso Código Civil é oi-
dos valores patrimoniais e do individua- tocentista), o filho é protegido sobretudo na
lismo jurídico. medida de seus interesses patrimoniais e o
matrimônio revela muito mais uma união
5. Descodificação do direito civil de bens que de pessoas5.
Enquanto perduraram as condições de Proliferaram na década de setenta deste
sobrevivência do Estado liberal, principal- século, e daí em diante, as legislações sobre
mente no século XIX (no Brasil, até à Consti- relações originariamente civis caracteriza-
tuição social de 1934), os códigos civis das pela multidisciplinaridade, rompendo
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a peculiar concentração legal de matérias pessoa humana, adotado pelas constitui-
comuns e de mesma natureza dos códigos. ções modernas, inclusive pela brasileira
Nelas, ocorre o oposto: a conjunção de vários (artigo 1º, III). A repersonalização reencon-
ramos do direito no mesmo diploma legal, tra a trajetória da longa história da emanci-
para disciplinar matéria específica, não pação humana, no sentido de repor a pes-
se podendo integrar a determinado código soa humana como centro do direito civil,
monotemático. Utilizam-se instrumentos passando o patrimônio ao papel de coadju-
legais mais dinâmicos, mais leves e menos vante, nem sempre necessário.
cristalizados que os códigos – embora, às Até mesmo o mais pessoal dos direitos
vezes, sejam denominados “códigos”, em civis, o direito de família, é marcado pelo
homenagem à tradição, a exemplo do predomínio do conteúdo patrimonializante,
código do consumidor –, dotados de na- nos códigos. No Código Civil brasileiro de
tureza multidisiciplinar. A variedade de 1916, por exemplo, dos 290 artigos do Livro
problemas que envolve o trato legal de Família, em 151 o interesse patrimonial
dessas matérias não pode estar subsumi- passou à frente. Como exemplo, o direito
da nas codificações tradicionais, pois, assistencial da tutela, curatela e da ausência
quase sempre, além das relações civis, constitui estatuto legal de administração de
reclamam o disciplinamento integrado e bens, em que as pessoas dos supostos desti-
concomitante de variáveis processuais, natários não pesam. Na curatela do pródigo,
administrativas e penais. Por outro lado, a prodigalidade é negada e a avareza é pre-
esses novos direitos são informados miada. A desigualdade dos filhos não era
necessariamente de dados atualmente inspirada na proteção de suas pessoas,
irrefutáveis de vários ramos das ciências mas do patrimônio familiar. A maior parte
ou da ética. dos impedimentos matrimoniais não têm
as pessoas, mas seus patrimônios, como
6. Tradição patrimonialista do direito valor adotado.
civil e as tendências de repersonalização O desafio que se coloca aos civilistas é a
capacidade de ver as pessoas em toda sua
A codificação civil liberal tinha como
dimensão ontológica e, por meio dela, seu
valor necessário da realização da pessoa a
patrimônio. Impõe-se a materialização dos
propriedade, em torno da qual gravitavam os
demais interesses privados, juridicamente sujeitos de direitos, que são mais que
tutelados. O patrimônio, o domínio incon- apenas titulares de bens. A restauração
trastável sobre os bens, inclusive em face do da primazia da pessoa humana, nas
arbítrio dos mandatários do poder político, relações civis, é a condição primeira de
realizava a pessoa humana6. adequação do direito à realidade e aos
É certo que as relações civis têm um forte fundamentos constitucionais.
cunho patrimonializante, bastando recordar Orlando de Carvalho7 julga oportuna
que seus principais institutos são a proprie- a repersonalização de todo o direito civil
dade e o contrato (modo de circulação da – seja qual for o envólucro em que esse
propriedade). Todavia, a prevalência do direito se contenha –, isto é, a acentuação
patrimônio, como valor individual a ser de sua raiz antropocêntrica, da sua
tutelado nos códigos, submergiu a pessoa ligação visceral com a pessoa e os seus
humana, que passou a figurar como pólo de direitos. É essa valorização do poder jurisgê-
relação jurídica, como sujeito abstraído de nico do homem comum, é essa centralização
sua dimensão real. em torno do homem e dos interesses ime-
A patrimonialização das relações civis, diatos que faz o direito civil, para esse autor,
que persiste nos códigos, é incompatível o foyer da pessoa, do cidadão mediano, do
com os valores fundados na dignidade da cidadão puro e simples.
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7. Natureza das normas e princípios 8. Fontes constitucionais do direito
constitucionais relacionados ao de família
direito civil Penso que a característica fundante da
De um modo geral, a doutrina passou a família atual é a afetividade. As Constitui-
entender que os princípios constitucionais ções liberais sempre atribuíram à família o
são auto-executáveis. Todavia, as lições papel de célula básica do Estado. As decla-
contidas nos manuais e cursos de direito rações de direito, como a Declaração
civil permanecem reproduzindo as noções Universal dos Direitos do Homem, de 1948,
relativas a artigos que restaram com eles em sinal dos tempos, preferiram vinculá-la
incompatibilizados. à sociedade (art. 16.3: “A família é o núcleo
Após algumas vacilações iniciais, pre- natural e fundamental da sociedade ...”; na
valeceu no Supremo Tribunal Federal a tese, Constituição brasileira, art. 226: “A
a meu ver acertada, da revogação das família, base da sociedade, ...”), como
normas infraconstitucionais anteriores que reconhecimento da perda histórica de sua
sejam incompatíveis com as normas e função política. A função política despon-
princípios da Constituição, quando ela tava na família patriarcal, cujos fortes traços
entrou em vigor8. marcaram a cena histórica brasileira, da
No caso do direito de família, os preceitos Colônia às primeiras décadas deste século.
da Constituição que impõem a igualdade Em obras clássicas, vários pensadores9
entre homem e mulher e entre os cônjuges assinalaram este instigante traço da forma-
são auto-executáveis e bastantes em si. ção do homem brasileiro, ao demonstrar que
Todas as normas que instituíram direitos e a religião e o patrimônio doméstico se colo-
deveres diferenciados entre os cônjuges caram como irremovíveis obstáculos ao
restaram revogadas integralmente. Apenas sentimento coletivo de res publica. Por trás
desse modo, o intérprete não invade o campo da família, estavam a religião e o patrimônio,
próprio do legislador, evitando expandir em hostilidade permanente ao Estado,
direitos antes atribuídos apenas ao marido apenas tolerado como instrumento de
ou à mulher. interesses particulares. Em suma, o público
Ante a eficácia plena das normas e prin- era (e ainda é, infelizmente) pensado como
cípios constitucionais que fundamentam as projeção do espaço privado-familiar.
relações civis, apesar de seus enunciados A família atual brasileira desmente essa
genéricos, é inadequada a interpretação, tradição centenária. Relativizou-se sua
conforme à Constituição, da legislação civil função procracional. Desapareceram suas
anterior com ela incompatível, porque este funções política, econômica e religiosa, para
princípio de hermenêutica constitucional as quais era necessária a origem biológica.
deriva da presunção de constitucionalidade Hoje, a família recuperou a função que, por
da lei. Em face da orientação que prevaleceu certo, esteve nas suas origens mais remotas:
no STF, não se trata de juízo de constitucio- a de grupo unido por desejos e laços afetivos,
nalidade, mas de revogação das normas em comunhão de vida. Sendo assim, é
infraconstitucionais anteriores, o que afasta exigente de tutela jurídica mínima, que
a sobrevivência ou aproveitamento de respeite a liberdade de constituição,
qualquer de seus efeitos. convivência e dissolução; a auto-respon-
As considerações gerais até aqui expos- sabilidade; a igualdade irrestrita de di-
tas são melhor especificadas nos três insti- reitos, embora com reconhecimento das
tutos principais do direito civil, a saber, a diferenças naturais e culturais entre os
família, a propriedade e o contrato, ressal- gêneros; a igualdade entre irmãos biológicos
tando o conteúdo que passaram a ostentar e adotivos e o respeito a seus direitos funda-
a partir dos fundamentos constitucionais. mentais, como pessoas em formação; o forte
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sentimento de solidariedade recíproca, que absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde,
não pode ser perturbada pelo prevaleci- à alimentação, à educação, ao lazer, à
mento de interesses patrimoniais. Em profissionalização, à cultura, à dignidade,
trabalho que dediquei ao assunto, denomi- ao respeito, à liberdade e à convivência
nei esse fenômeno de repersonalização das familiar e comunitária”, além de colocá-la
relações familiares10. É o salto, à frente, da “a salvo de toda forma de negligência,
pessoa humana no âmbito familiar. discriminação, exploração, violência,
Embora a família tenha perdido sua crueldade e opressão”. Não é um direito
função de unidade religiosa (deus domés- oponível apenas ao Estado, à sociedade ou
tico, dos romanos; capela da casa grande, a estranhos, mas a cada membro da própria
dos senhores rurais brasileiros), os temas família. É uma espetacular mudança de
de direito de família continuam mesclados paradigmas.
de interferências religiosas. Casamento, O princípio da liberdade diz respeito ao
divórcio, planejamento familiar, filiação são livre poder de escolha ou autonomia de
recorrentes em posições, às vezes extrema- constituição, realização e extinção de
das, de grupos religiosos que procuram entidade familiar, sem imposição ou restri-
influir nas opções legislativas e nas ções externas de parentes, da sociedade ou
políticas públicas. do legislador; à livre aquisição e adminis-
Três são os mais importantes princípios tração do patrimônio familiar; ao livre
constitucionais regentes das relações fami- planejamento familiar; à livre definição dos
liares: o da dignidade da pessoa humana, o modelos educacionais, dos valores culturais
da liberdade e o da igualdade. e religiosos; à livre formação dos filhos,
O princípio da dignidade humana pode desde que respeite suas dignidades como
ser concebido como estruturante e confor- pessoas humanas; à liberdade de agir,
mador dos demais nas relações familiares. assentada no respeito à integridade física,
A Constituição, no artigo 1º, tem-no como mental e moral.
um dos fundamentos da organização social O princípio da igualdade, formal e
e política do país, e da própria família (artigo material, relaciona-se à paridade de direitos
226, § 7º). Na família patriarcal, a cidadania entre os cônjuges ou companheiros e entre
plena concentrava-se na pessoa do chefe, os filhos. Não há cogitar de igualdade entre
dotado de direitos que eram negados aos pais e filhos, porque cuida de igualar os
demais membros, a mulher e os filhos, cuja iguais. A conseqüência mais evidente é o
dignidade humana não podia ser a mesma. desaparecimento de hierarquia entre os que
O espaço privado familiar estava vedado à
o direito passou a considerar pares, tornan-
intervenção pública, tolerando-se a subju-
do perempta a concepção patriarcal de
gação e os abusos contra os mais fracos. No
chefia. A igualdade não apaga as diferenças
estágio atual, o equilíbrio do privado e do
entre os gêneros, que não podem ser ignora-
público é matrizado exatamente na garantia
do pleno desenvolvimento da dignidade das das pelo direito. Ultrapassada a fase da
pessoas humanas que integram a comuni- conquista da igualdade formal, no plano do
dade familiar, ainda tão duramente violada direito, as demais ciências demonstraram
na realidade social, máxime com relação às que as diferenças não poderiam ser afasta-
crianças. Concretizar esse princípio é um das. A mulher é diferente do homem, mas
desafio imenso, ante a cultura secular e enquanto pessoa humana deve exercer os
resistente. No que respeita à dignidade da mesmos direitos. A história ensina que a
pessoa da criança, o artigo 227 da Consti- diferença serviu de justificativa a precon-
tuição expressa essa viragem, configurando ceitos de supremacia masculina, vedando à
seu específico bill of rigths, ao estabelecer que mulher o exercício pleno de sua cidadania
é dever da família assegurar-lhe, “com ou a realização como sujeito de direito.
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9. Fontes constitucionais da social, como se lê no artigo 182, § 2º,
propriedade relativamente à propriedade urbana, e no
art. 186, relativamente à propriedade rural.
A propriedade é o grande foco de tensão
Neles, evidentemente, não se esgota seu
entre as correntes ideológicas do liberalismo
alcance. A desapropriação por interesse
e do igualitarismo. O direito de propriedade,
social arma o Poder Público de poderoso
no Estado democrático e social de direito,
instrumento para alcançá-la, pois não se
como o da Constituição brasileira de 1988,
trata de expropriação tradicional, que
termina por refletir esse conflito. No artigo 5º,
transfere o bem particular para o domínio
dois incisos estabelecem regras que constitu-
público, mas de transferência de bem
em uma antinomia, se lidos isoladamente: o
particular, que não realizou a função social,
XXII (XXII – é garantido o direito de propriedade)
para o domínio ou posse de destinatários
é a clássica garantia da propriedade privada,
particulares, que presumivelmente a reali-
do Estado liberal; o XXIII (XXIII – a propriedade
zarão. No caso da propriedade urbana,
atenderá a sua função social) é a dimensão
outros mecanismos de intervenção estatal
coletiva e intervencionista, própria do
estão previstos: o parcelamento ou a edifi-
Estado social. A antinomia é reproduzida
cação compulsórios e o imposto progressivo
no artigo 170, que trata da atividade econô-
no tempo. O conflito entre a concepção
mica. Em um, dominante é o interesse indi-
individualista da propriedade e a concepção
vidual; em outro, é o interesse social. Mais
social emerge na reação que se nota nos
que uma solução de compromisso, houve
tribunais à implementação, pelos municí-
uma acomodação do conflito.
pios, do imposto progressivo sobre terrenos
O caminho indicado para a superação
urbanos desocupados, apenas utilizados
do impasse é a utilização do critério herme-
para fins especulativos.
nêutico do princípio da proporcionalidade,
Depreende-se da Constituição que a
largamente adotado pelos teóricos da
utilidade e a ocupação efetivas são determi-
interpretação constitucional e pelas cor-
nantes, prevalecendo sobre o título de
tes constitucionais, nomeadamente o do
domínio, que transformava o proprietário
balanceamento ou da ponderação de direitos
e interesses em conflito11. Veda-se a inter- em senhor soberano, dentro de seus limites,
pretação isolada de cada regra, ou a hege- permitido como estava a usar, gozar e dispor
monia de uma sobre outra, devendo-se de seus domínios como lhe aprouvesse,
encontrar o sentido harmônico de ambas, segundo conhecida formulação da legislação
pois têm igual dignidade constitucional. civil tradicional. O direito à habitação entrou
A função social é incompatível com a na cogitação dos juristas, competindo com
noção de direito absoluto, oponível a todos, o direito de propriedade.
em que se admite apenas a limitação O direito de propriedade deve ser com-
externa, negativa. A função social importa patível com a preservação do meio ambiente,
limitação interna, positiva, condicionando que foi elevado a macrolimite constitucional
o exercício e o próprio direito. Lícito é o insuperável (artigo 225 da Constituição), no
interesse individual quando realiza, igual- sentido da construção in fieri do desenvol-
mente, o interesse social. O exercício do vimento ecologicamente sustentável. O meio
direito individual da propriedade deve ser ambiente é bem de uso comum do povo e
feito no sentido da utilidade não somente prevalece sobre qualquer direito individual
para si, mas para todos. Daí ser incompatível de propriedade, não podendo ser afastado
com a inércia, com a inutilidade, com a até mesmo quando se deparar com exigên-
especulação. cias de desenvolvimento econômico (salvo
Para determinadas situações, a Consti- quando ecologicamente sustentável). É
tuição estabelece o conteúdo da função oponível a todos e exigível por todos. A
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preservação de espaços territoriais protegi- e juridicamente; vínculo que tanto é mais
dos veda qualquer utilização, inclusive para legítimo quanto fruto de sua liberdade e
fins de reforma agrária, salvo mediante lei. autonomia. Essa visão idílica da plena
A concepção de propriedade, que se realização da justiça comutativa, que não
desprende da Constituição, é mais ampla admitia qualquer interferência do Estado-
que o tradicional domínio sobre coisas juiz ou legislador, pode ser retratada na
corpóreas, principalmente imóveis, que os expressiva petição de princípio da época:
códigos civis ainda alimentam. Coenvolve quem diz contratual, diz justo.
a própria atividade econômica, abrangendo A Constituição apenas admite o contrato
o controle empresarial, o domínio sobre que realiza a função social, a ela condicio-
ativos mobiliários, a propriedade de marcas, nando os interesses individuais, e que
patentes, franquias, biotecnologias e considera a desigualdade material das
outras propriedades intelectuais. Os partes. Com efeito, a ordem econômica tem
direitos autorais de software transformaram por finalidade “assegurar a todos existência
seus titulares em megamilionários. As rique- digna, conforme os ditames da justiça
zas são transferidas em rápidas transações social” (art. 170). À justiça social importa “re-
de bolsas de valores, transitando de país a duzir as desigualdades sociais e regionais”
país, em investimentos voláteis. Todas essas (art. 3º e inciso VII do art. 170). São,
dimensões de propriedade estão sujeitas ao portanto, incompatíveis com a Constituição
mandamento constitucional da função social. as políticas econômicas públicas e priva-
das denominadas neoliberais, pois pressu-
10. Fontes constitucionais do contrato põem um Estado mínimo e total liberdade
ao mercado, dispensando a regulamentação
A ordem econômica se realiza mediante
da ordem econômica, que só faz sentido por
contratos. A atividade econômica é um
complexo de atos contratuais direcionados perseguir a função social e a tutela jurídica
a fins de produção e distribuição dos bens e dos mais fracos e por supor a intervenção
serviços que atendem às necessidades estatal permanente (legislativa, governa-
humanas e sociais. É na ordem econômica mental e judicial).
que emerge o Estado social e se cristaliza a Uma das mais importantes realizações
ideologia constitucionalmente estabelecida. legislativas dos princípios constitucionais
Os princípios gerais da atividade eco- da atividade econômica é o Código do
nômica, contidos nos artigos 170 e seguintes Consumidor, que regulamenta a relação
da Constituição brasileira de 1988, estão a contratual de consumo. Seu âmbito de
demonstrar que o paradigma de contrato abrangência é enorme, pois alcança todas
neles contidos e o do Código Civil não são as relações havidas entre os destinatários
os mesmos. O Código contempla o contrato finais dos produtos e serviços lançados no
entre indivíduos autônomos e formalmente mercado de consumo por todos aqueles que
iguais, realizando uma função individual. a lei considera fornecedores, vale dizer, dos
Refiro-me ao contrato estruturado no que desenvolvem atividade organizada e
esquema clássico da oferta e da aceitação, permanente de produção e distribuição desses
do consentimento livre e da igualdade bens. Assim, o Código do Consumidor
formal das partes. O contrato assim gerado subtraiu da regência do Código Civil a quase
passa a ser lei entre as partes, na conhecida totalidade dos contratos em que se inserem
diccção dos Códigos Civis francês e italiano, as pessoas, em seu cotidiano de satisfação de
ou então sintetizado na fórmula pacta sunt necessidades e desejos econômicos e vitais.
servanda. O contrato encobre-se de inviola- Talvez uma das maiores características do
bilidade, inclusive em face do Estado ou da contrato, na atualidade, seja o crescimento do
coletividade. Vincula-se o contratante ética princípio da equivalência material das
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prestações, que perpassa todos os funda- predispostas pela empresa a todos os
mentos constitucionais a ele aplicáveis. Esse adquirentes e utentes de bens e serviços,
princípio preserva a equação e o justo constituindo, em muitos países, o modo
equilíbrio contratual, seja para manter a quase exclusivo das relações negociais. A
proporcionalidade inicial dos direitos e obri- legislação contratual clássica é incapaz de
gações, seja para corrigir os desequilíbrios enfrentar adequadamente esses problemas,
supervenientes, pouco importando que as o que tem levado todos os países organiza-
mudanças de circunstâncias pudessem ser dos, inclusive os mais ricos, a editarem
previsíveis. O que interessa não é mais a legislações rígidas voltadas à proteção do
exigência cega de cumprimento do contrato, contratante mais fraco, apesar da retórica
da forma como foi assinado ou celebrado, neoliberal.
mas se sua execução não acarreta vantagem
excessiva para uma das partes e desvanta- 11. À guisa de conclusão
gem excessiva para outra, aferível objetiva-
A constitucionalização do direito civil,
mente, segundo as regras da experiência
entendida como inserção constitucional dos
ordinária. O princípio é espécie do macro-
fundamentos de validade jurídica das
princípio da justiça contratual, que, por sua
relações civis, é mais do que um critério
vez, abrange a boa fé objetiva, a revisão
hermenêutico formal. Constitui a etapa mais
contratual, o princípio venire contra factum
importante do processo de transformação,
proprio, o princípio da lesão nos contratos,
ou de mudanças de paradigmas, por que
a cláusula rebus sic stantibus, a invalidade
passou o direito civil, no trânsito do Estado
das cláusulas abusivas, a regra interpretatio
liberal para o Estado social.
contra stipulatorem. O conteúdo conceptual, a natureza, as
Outro interessante campo de transfor- finalidades dos institutos básicos do direito
mação da função dos contratos é o dos con- civil, nomeadamente a família, a proprie-
tratos, negociações ou convenções coletivas, dade e o contrato, não são mais os mesmos
já amplamente utilizadas no meio traba- que vieram do individualismo jurídico e da
lhista. À medida que a sociedade civil se ideologia liberal oitocentista, cujos traços
organiza, o contrato coletivo se apresenta marcantes persistem na legislação civil.
como um poderoso instrumento de solu- As funções do Código esmaeceram-se, tor-
ção e regulação normativa dos conflitos nando-o obstáculo à compreensão do direito
transindividuais. O Código do Consumi- civil atual e de seu real destinatário; sai de
dor, por exemplo, prevê a convenção cena o indivíduo proprietário para revelar,
coletiva para regular os interesses dos em todas suas vicissitudes, a pessoa huma-
consumidores e fornecedores, por meio de na. Despontam a afetividade, como valor
entidades representativas. essencial da família; a função social, como
Na perspectiva do pluralismo jurídico, conteúdo e não penas como limite, da
acordos são firmados estabelecendo regras propriedade, nas dimensões variadas; o
de convivência comunitária, desfrutando princípio da equivalência material e a tutela
de uma legitimidade que desafia a da do contratante mais fraco, no contrato.
ordem estatal. Assim, os valores decorrentes da mudan-
Na economia oligopolizada existente em ça da realidade social, convertidos em
nossas sociedades atuais, o contrato, em seu princípios e regras constitucionais, devem
modelo tradicional, converte-se em instru- direcionar a realização do direito civil, em
mento de exercício de poder, que rivaliza seus variados planos.
com o monopólio legislativo do Estado. Quando a legislação civil for claramente
As condições gerais dos contratos, verda- incompatível com os princípios e regras
deiros códigos normativos privados, são constitucionais, deve ser considerada
108 Revista de Informação Legislativa
revogada, se anterior à Constituição, ou 3
Cf. Paulo Luiz Netto Lôbo, O Contrato – Exigências
inconstitucional, se posterior à ela. Quando e Concepões Atuais, São Paulo, Saraiva, 1986,
p.11. Hannah Arendt (Entre o Passado e o Futuro,
for possível o aproveitamento, observar-se-á São Paulo, 1979, p. 188-220) sublinhou que o
a interpretação conforme a Constituição. Em liberalismo, não obstante o nome, colaborou
nenhuma hipótese, deverá ser adotada a para a a eliminação da noção de liberdade no
disfarçada resistência conservadora, na âmbito político.
conduta freqüente de se ler a Constituição a
4
A Descodificação do Direito Civil Brasileiro, Revista
do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Brasília,
partir do Código Civil. 8(4) 545-657, out./dez. 1996, passim.
A perspectiva da Constituição, crisol das 5
Nesse sentido, Francesco Galgano, Il Diritto Privato
transformações sociais, tem contribuído fra Codice e Costituzione, Bologna, Zanichelli,
para a renovação dos estudos do direito 1988, p. 20.
civil, que se nota, de modo alvissareiro, nos
6
Hans Kelsen, em sua Teoria Pura do Direito (São
Paulo, Martins Fontes, 1987, nota 25, p. 183),
trabalhos produzidos pelos civilistas da demonstra como é muito significativa, nesse
atualidade, no sentido de reconduzi-lo ao aspecto, a filosofia jurídica de Hegel, para quem
destino histórico de direito de todas as a esfera exterior da liberdade é a propriedade:
pessoas humanas. “(...) aquilo que nós chamamos pessoa, quer
dizer, o sujeito que é livre, livre para si e se dá
nas coisas uma existência”; “Só na propriedade
a pessoa é como razão”.
Notas
7
A Teoria Geral da Relação Jurídica, Coimbra, Ed.
Centelha, 1981, p. 90-2.
1
Cf. Ricardo Luis Lorenzetti, Fundamentos do Direito 8
Desde a Adin nº 2, rel. Min. Paulo Brossard, de
Privado, trad. Vera Maria Jacob de Fradera, São 6.2.92, predominou a tese de não haver incons-
Paulo, Ed. Ver. dos Tribunais, 1998, p. 253. titucionalidade formal superveniente. Enquanto
2
Para os antigos, livre é quem pode exercer a ação à inconstitucionalidade material, firmou-se a
política, quem pode participar do autogoverno orientação de que a antinomia da norma antiga
da cidade; os demais são escravos. Nesse com a Constituição superveniente resolve-se na
sentido, a liberdade é positiva, enquanto a dos mera revogação da primeira, a cuja declaração
modernos é negativa. É conhecido o elogio da não se presta a ação direta, embora caiba recurso
liberdade dos modernos no famoso discurso de extraordinário, e não recurso especial (neste
Benjamin Constant, alguns anos após a Revo- último sentido, v. R. Esp. nº 68.410 do STJ).
lução Francesa (De la liberté des anciens comparé 9
Especialmente Nestor Duarte, A Ordem Privada e a
a celle des modernes, Paris, 1819), entendida como Organização Política Nacional, Brasília, Ministério
a desempedida fruição dos bens privados. Na da Justiça, 1966/1997; Gilberto Freire, Casa
antiga Roma, os escravos exerciam a atividade Grande e Senzala, Rio de Janeiro, Record, 1994;
econômica (eram “livres” para exercê-la); Darcy Ribeiro, O Povo Brasileiro, São Paulo, Cia.
alguns eriqueceram, mas a cidadania era-lhes das Letras, 1995.
vedada. Entre os modernos, ocorreu a inversão: 10
In O Direito de Família e a Constituição de 1988,
livre é o que detém a livre iniciativa econômica, Carlos Alberto Bittar (org.), São Paulo, Ed.
pouco importando que seja submetido a uma Saraiva, 1989.
autocracia política: o exemplo frisante foram 11
Cf. J. J. Gomes Canotilho, Proteção do Ambiente e
as ditaduras militares que exasperaram o Direito de Propriedade, Coimbra, Coimbra
liberalismo econômico. Editora, 1995, p. 83.

Referências bibliográficas conforme original.


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