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Resumo:
1. Introdução
1
Aluno do Programa de Pós-Graduação em Letras (UFC).
2
Professor Adjunto do Curso de Letras (UFC).
Intransitivo (1927), de Mário de Andrade, e Operação Silêncio (1979), de
Márcio Souza, em que a literatura faz uso de expedientes da linguagem
cinematográfica na construção da narrativa. O romance O Invasor (2002), de
Marçal Aquino, foi escrito concomitantemente à elaboração do roteiro e da
produção do filme homônimo de Beto Brant, o que já problematiza o conceito
de adaptação fílmica.
O presente trabalho surge da reflexão em torno de um estudo
comparativo de duas obras, uma literária, outra cinematográfica, homônimas e
criadas, praticamente, ao mesmo tempo. Refiro-me a O Invasor, novela de
Marçal Aquino e longa-metragem de Beto Brant, ambos de 2002.
Abordaremos, especificamente, a questão do Narrador na novela e no
filme. Nesse sentido, tentaremos estabelecer algumas relações entre as
perspectivas narratológicas encontradas na narrativa literária e na narrativa
cinematográfica. Filme e livro possuem, basicamente, o mesmo argumento:
contam a história de dois sócios (Ivan e Alaor – Ivan e Giba, no filme) que
contratam um matador, Anísio, para assassinar Estevão, o sócio majoritário da
construtora em que trabalham. A partir disso, algo inesperado acontece, Anísio
invade a vida, o trabalho e o meio social a que pertencem Ivan e Alaor (Giba),
causando uma série de tensões e conflitos entre os personagens.
A questão da Invasão é o leitmotiv das duas estruturas narrativas.
Entretanto, é possível diferenciar os modos como os narradores, do livro e do
filme, articularam suas histórias. Na Dissertação de Mestrado de Marcio Pereira
lemos que
3. Em busca do Narrador
3.1 Narradores
3
Ver Capítulo I, “Óbito do Autor” (ASSIS, 2008: p. 41).
4
Texto: ASSIS, 2008: 37. Imagem: Revista Continuum Itaú Cultural, núm. 13, p. 37 – ago 2008
– www.itaucultural.org.br/revista. Acesso em: 29/03/2009.
É importante apontar uma tensão intrínseca à narrativa – a ameaça do
invasor –, que constitui um elemento convergente em relação ao fechamento
da história e, consequentemente, ao assassinato de Ivan. Nesse sentido, no
livro, Ivan apresenta gradualmente sua paranóica visão em relação à realidade,
que, apesar de distorcida, é plenamente verossímil.
O filme também confirma a suspeita da morte de Ivan. Além da
inexorável sugestão de Anísio para Giba, de que execute Ivan (Sequência 101
do Roteiro), temos a inusitada cena final (Sequência 108) em que aparece
Marina dormindo “um sono inocente”, como descreve a rubrica do roteiro.
Podemos resgatar a indelével definição de Brás Cubas em relação ao sono:
“... dormir é modo interino de morrer.”5 para, em termos sígnicos, demonstrar
que a cena aponta para a morte de Ivan, dissipando qualquer dúvida em
relação a seu assassinato.
Por outro lado, quero crer que o Narrador do livro, Ivan, usa de
determinadas digressões metaliterárias, de forma figurada, para referir-se a sua
situação de defunto autor. Por exemplo, no Capítulo Dois, encontramos, pelo
menos, três trechos em que Ivan se permite refletir brevemente acerca de
questões que estão diretamente ligadas a elementos constitutivos da narrativa
de O Invasor. No primeiro caso, referindo-se ao seu casamento com Cecília,
Ivan conclui que “Coisas mortas são imunes a ameaças.” (AQUINO, 2002: p.
29). Enquanto vivo, Ivan vê-se progressivamente ameaçado por Estevão,
Anísio e Alaor; além das figuras do pai, da tatuagem e das imagens refletidas
em espelhos. Porém, morto, ele conta sua história sem medo ou amarras,
apresentando ao leitor os fatos e seu crescente pavor de forma crua e direta.
Um pouco mais adiante, Ivan, parado diante de um semáforo, conclui: “Cada
um com suas tatuagens e suas histórias para contar ou esconder.” (AQUINO,
2002: p. 1). Ora, enquanto vivo, Ivan não conta (para a esposa, para a
amante, para a mãe o que lhe atormenta) e esconde tudo (ameaças,
paranóias, planos) de todos. Porém, morto passa a contar (aos possíveis
narratários) e não esconder mais nada. Afinal, um defunto autor não tem mais
nada a esconder, não há ameaças a temer, por isso, escolhe contar sua
5
Idem, Capítulo XIX, p. 85.
história. Por fim, Ivan observa que “Há certos cadáveres que, por razões que
ignoramos não se decompõem.” (AQUINO, 2002: p. 32). Novamente, uma
constatação acerca de seu casamento com Cecília, que se configura numa
alusão ao seu estado mórbido, porém capaz de contar uma história.
3.4 A questão do narrador literário: Olhar do narrador, olhar do leitor
6
O próprio escritor reconhece tal característica, conforme depoimento a Rádio Itaú Cultural,
entretanto, define-se como escritor que escreve roteiros. É possível ouvir a entrevista no site:
http://www.itaucultural.org. br/index. cfm?cd_pagina= 2752&categoria=33970 - Acesso em
02/04/2009.
A partir da “invasão” do ponto-de-vista de Anísio, no caso do filme, as
duas obras ganham desenvolvimentos diferenciados. O livro mantém a
perspectiva do olhar de Ivan, dessa forma, o leitor lê o que Ivan vê. No filme,
como veremos mais adiante, as opções para os desdobramentos da história se
realizam na complexidade de outros pontos-de-vista, de outros narradores.
Henri Cartier-Bresson (1908-2004), fotógrafo francês, foi considerado o
“olho do século” XX. Iniciou sua carreira artística como pintor, trabalhou como
assistente de cineasta e fotógrafo jornalístico. Segundo Marilane Borges7, “ele
costumava afirmar que um bom fotógrafo deve captar o „instante decisivo‟ - o
momento exato de bater a foto, quando se alinham „cabeça, olho e coração‟ “.
Sua visão de mundo era trágica e seu trabalho era marcado pela preocupação
de transformar realidade em arte. A menção a Cartier-Bresson justifica-se por
causa de sua peculiar aparição na novela O Invasor. Em três momentos
distintos, uma fotografia do artista francês é mencionada. Ela se encontra na
sala de Ivan, no escritório da construtora em que trabalha:
“Estevão faz uma pausa e olha para a foto que decora a parede às
minhas costas: um casal atravessando uma rua cheia de poças, que
refletem um céu baixo e nublado. Cartier-Bresson, Paris.” (AQUINO,
2002: p. 36)
7
http://www.conteudoeditora.com.br/publicacoes/?ec=290&cs=15
registrados em seus momentos únicos, contrapõem-se na imagem descrita por
Ivan.
8
As fotografias foram encontradas através do site de busca www.google.com.br
Essa informação estatística, aparentemente deslocada da discussão em
relação ao Narrador da trama, é de fundamental importância para avaliarmos a
construção da narrativa de O Invasor. A ênfase no Olhar pode ser considerada
como um elemento metaliterário, pois é através dele que se estabelecem o fio
condutor da narrativa e suas principais tensões.
Em seu estudo sobre o papel mediador da televisão na
contemporaneidade, Rosane Borges afirma que “vivemos imersos no mundo
das imagens pontuadas pelos dispositivos do ver e do olhar” (BORGES, 2008:
p. 2), em que o uso de tecnologias que produzem e fazem existir o olhar, causa
no homem uma razão paranóica, fazendo-o sentir-se constantemente vigiado.
Ao analisar programas de televisão, Borges conclui
que o trançado de códigos, fundado no som, na imagem e na escrita,
nos enreda de tal modo que nós somos teleguiados pelas narrativas
do veículo. Na lógica do imaginário tecnológico contemporâneo é o
olhar o anfitrião que conduz seu hóspede para lhe mostrar
objetos da casa...” [grifo nosso] (BORGES, 2008: p. 3).
9
GANDIER, 2004 apud SILVA, 2005:78.
de Estevão e Silvana foram encontrados10. A última frase do capítulo retoma
(reload) o texto inicial.
Técnica semelhante é utilizada no Capítulo 10, quando Ivan resolve
visitar a sua mãe. Novamente, a última frase do capítulo remete ao fato de
abertura do mesmo. No Capítulo 12, que se inicia com o relato da compra do
revólver, o “salto para trás” acontece antes do final do capítulo, à página 105.
Uma comparação entre as duas “construções narrativas” possibilita
observar uma crescente quebra na narrativa literária (a partir do Capítulo 9),
acompanhada de uma crescente variação dos focos narrativos (a partir da
Sequência 70), que culmina com uma montagem paralela que converge nas
desesperadas ações de Ivan.
Se resgatamos as informações contidas no livro sobre o pai de Ivan
(fraco, suicida, ou seja, um espelho do próprio filho), podemos entender que a
paranóia de Ivan leva-o à própria execução, como se fosse um suicídio
praticado por outrem. O perseguido se deixa transformar em vítima, pensando-
se predador, ameaçando Cecília, Anísio, Alaor (Giba) e Paula (Cláudia).
4. Considerações finais
10
AQUINO, 2002: p. 51.
As “invasões” se estabelecem em múltiplas direções, de forma
rizomática, representada por todos os personagens, em suas atitudes,
trajetórias, relações e interesses. As “invasões” possibilitam “hibridizações” de
espaços e personas, classes e poderes, através de jogos de espelhamentos
presentes nas duas “narrativas” (textual e cinematográfica).
Referências