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OLHAR INVASOR E NARRADOR PARANÓICO:

ANÁLISE DE O INVASOR – LIVRO E FILME

Rodolfo Pereira da Silva 1


Prof. Dr. Stélio Torquato Lima 2

Resumo:

As linguagens artísticas contemporâneas têm apresentado características de


hibridismo em suas formas de expressão. No caso da Literatura Brasileira,
desde o início do século XX pode-se perceber influências da linguagem
cinematográfica, como investigou Flora Süssekind no livro O cinematógrafo de
letras (1987). Há, também, casos isolados como Amar, verbo Intransitivo
(1927), de Mário de Andrade, e Operação Silêncio (1979) de Márcio Souza. O
romance O Invasor (2002), de Marçal Aquino, foi escrito concomitantemente à
elaboração do roteiro e da produção do filme homônimo de Beto Brant, o que já
problematiza o conceito de adaptação fílmica. Nesse trabalho, pretende-se
discutir o conceito de narrador na literatura e no cinema, no livro e no filme O
invasor. Na primeira parte, apresentaremos o conceito de tradução
intersemiótica desenvolvido por Roman Jakobson (2007) e Julio Plaza (2008) e
o relacionaremos às obras estudadas. Na segunda parte, as narrativas do filme
e do livro serão analisadas de forma comparativa, a partir do texto „O narrador‟
de Walter Benjamin (1994) e das concepções de Robert Stam (2008) sobre
„narradores neuróticos‟. O livro é narrado em 1ª pessoa, por Ivan. A questão do
“olhar do narrador” no texto literário constitui o leitmotiv que configura seu
estado paranóico. Por outro lado, a narrativa fílmica se constitui através de
diversos olhares. Entretanto, a “invasão do olhar”, através da câmera
cinematográfica – geradora de narrativas –, revela a ubiquidade da corrupção
na geografia da cidade, na hierarquia das classes e na cumplicidade entre
personagens e espectadores.

Palavras-chave: O invasor, narrador literário, narrador cinematográfico.

1. Introdução

As linguagens artísticas contemporâneas têm apresentado


características de hibridismo em suas formas de expressão. No caso da
Literatura Brasileira, desde o início do século XX pode-se perceber influências
da linguagem cinematográfica, como investigou Flora Süssekind no livro O
cinematógrafo de letras (1987). Há, também, casos isolados como Amar, verbo

1
Aluno do Programa de Pós-Graduação em Letras (UFC).
2
Professor Adjunto do Curso de Letras (UFC).
Intransitivo (1927), de Mário de Andrade, e Operação Silêncio (1979), de
Márcio Souza, em que a literatura faz uso de expedientes da linguagem
cinematográfica na construção da narrativa. O romance O Invasor (2002), de
Marçal Aquino, foi escrito concomitantemente à elaboração do roteiro e da
produção do filme homônimo de Beto Brant, o que já problematiza o conceito
de adaptação fílmica.
O presente trabalho surge da reflexão em torno de um estudo
comparativo de duas obras, uma literária, outra cinematográfica, homônimas e
criadas, praticamente, ao mesmo tempo. Refiro-me a O Invasor, novela de
Marçal Aquino e longa-metragem de Beto Brant, ambos de 2002.
Abordaremos, especificamente, a questão do Narrador na novela e no
filme. Nesse sentido, tentaremos estabelecer algumas relações entre as
perspectivas narratológicas encontradas na narrativa literária e na narrativa
cinematográfica. Filme e livro possuem, basicamente, o mesmo argumento:
contam a história de dois sócios (Ivan e Alaor – Ivan e Giba, no filme) que
contratam um matador, Anísio, para assassinar Estevão, o sócio majoritário da
construtora em que trabalham. A partir disso, algo inesperado acontece, Anísio
invade a vida, o trabalho e o meio social a que pertencem Ivan e Alaor (Giba),
causando uma série de tensões e conflitos entre os personagens.
A questão da Invasão é o leitmotiv das duas estruturas narrativas.
Entretanto, é possível diferenciar os modos como os narradores, do livro e do
filme, articularam suas histórias. Na Dissertação de Mestrado de Marcio Pereira
lemos que

A própria noção de invasão predominante nas duas narrativas se


reveste de um caráter ideológico, já que demonstra um ponto de
vista de classe. Em ambos os casos, vemos a representação do
olhar das classes média e alta, cuja relação histórica com as classes
mais baixas tem sido de estranheza e desconfiança (PEREIRA,
2007: p. 60),

Porém, neste trabalho, procuraremos investigar outro caminho, no


sentido de explicitar a construção diegética propriamente dita, ao invés de
interpretar sociologicamente as obras. Todavia, o ponto de partida de nossa
abordagem baseia-se em uma discussão sobre o Olhar na sociedade
contemporânea e como escritor, roteiristas e diretor estabeleceram os
respectivos pontos-de-vista de seus narradores.

2. Uma questão de tradução

No texto Aspectos lingüísticos da tradução, Roman Jakobson (2007)


afirma que há três formas de interpretar um signo verbal: através da
reformulação – que “consiste na interpretação dos signos verbais por meio de
outros signos da mesma língua” (JAKOBSON, 2007: p. 64) –; da tradução, que
envolve duas língua diferentes e da tramutação ou tradução intersemiótica, que
trata de interpretações do signo verbal por signos não-verbais. Julio Plaza, em
seu livro Tradução intersemiótica (2008) desdobra a noção de transmutação,
mencionada por Jakobson através de um estudo de ordem filosófica e
semiótica.
Em relação a O invasor, não se trata de um estudo de adaptação de
uma obra literária para o cinema – mesmo que consideremos adaptação como
tradução –, pois temos, na realidade, uma certa simultaneidade de escrita do
livro e do roteiro do filme, como observa Marcio Pereira:

Segundo Alessandra Brum, que entrevistou o escritor Marçal Aquino,


o processo de criação do livro foi interrompido no quarto capítulo,
quando ele começou a se dedicar ao roteiro, a pedido do diretor. Em
seguida, o filme foi produzido e, somente depois, Aquino finalizou o
livro, que foi lançado após o filme. (PEREIRA, 2007: p. 12)

Nesse caso, diferentemente de outros estudos sobre adaptação


fílmica, levamos em conta uma relação dialética em que cinema e
literatura se imbricam, sendo diferente, portanto, daquela em que o
filme vem como um “segundo”, como na maioria dos casos.
(PEREIRA, 2007: p. 13)

Poderíamos caracterizar a escrita do livro O invasor e a produção do


filme homônimo como uma trasmutação até certo ponto. Mas, a partir da
constatação de que o filme somente foi concluído após a produção do filme –
onde teríamos a interpretação de signos não-verbais por signos verbais – como
poder-se-ia classificar esse tipo de tradução? Entrementes, não pretendemos
responder a tal pergunta neste breve trabalho. O que interessa-nos é a
observação e a problematização de construção narrativa contemporânea em
que a hibridização dos gêneros possibilita outras formas de análises.

3. Em busca do Narrador
3.1 Narradores

Segundo Walter Benjamin, “A experiência que passa de pessoa a


pessoa é a fonte q que recorreram todos os narradores” (BENJAMIN, 1994: p.
198). Literatura e Cinema, em seus aspectos narrativos são duas formas de
contar histórias que marcaram o século XX – principalmente com o surgimento
do cinema, em 1895. Benjamin caracteriza, basicamente, duas formas de
narrativas, em função da distância espacial e em função da distância temporal.
No primeiro caso, o narrador é representado pela figura do “marinheiro
comerciante”, que viaja e traz histórias dos lugares por onde andou. No
segundo, temos o “camponês sedentário” que recolhe histórias das gerações e
seus ancestrais. Esses arquétipos do “narrador” baseiam os estudos críticos da
narratalogia. Embora não seja possível identificar este ou aquele tipo de
narrador em estruturas narrativas (literária ou cinematográfica)
contemporâneas.
Ao analisar o “narrador neurótico” das narrativas modernas, na literatura
e no cinema, Robert Stam afirma que “A época moderna tem gostado
especialmente de narradores cambiantes e narradores não-confiáveis” (STAM,
2008: p. 253). Parece-nos, como analisaremos adiante, que o narrador
(literário) de O invasor, Ivan, identifica-se com a descrição de Stam, por sua
fixação no “olhar” e sua crescente paranóia, apesar de ser, supostamente, um
defunto-narrador.

3.2 Olhar Invasor do(s) Narrador(es)

Quando deparamo-nos com as capas do livro e do DVD d‟O Invasor


(Figuras 1 e 2), é possível perceber que as fotografias ali reproduzidas
investem significativamente na atualização simbólica elaborada por cada
narrativa. No livro, capa e contra-capa mostram o rosto de Ivan em
“primeiríssimo plano”, que é, na realidade, um fotograma da sequência em que
ele “deu o serviço completo” do plano de executar Estevão. Por outro lado, a
fotografia da capa do DVD mostra o olhar “invasor” de Anísio.

Capa do Livro Capa do DVD


Figura 1 Figura 2

Dois aspectos são importantes em relação a nossa argumentação para


descrever os Narradores d‟O Invasor. Em primeiro lugar, temos o papel do
Olhar em cada um dos suportes da narrativa: novela, roteiro e filme. A escolha
do Olhar como mediador entre Narrador e leitor/espectador se dá a partir de
uma estética literária/cinematográfica que estabelece um diálogo tenso com a
sociedade contemporânea, cujo cenário é a cidade de São Paulo. Segundo
Pereira,
A narrativa de O invasor (livro e filme) é ... a representação de um
olhar espantado diante da impunidade e do quadro de corrupção ao
qual nossa sociedade foi capaz de chegar, o que faz um par com a
visão de muitos de nós: percebe a gravidade da situação, mas não
vê soluções. [grifo nosso] (PEREIRA, 2007: p. 64)

Em segundo lugar, devemos nos deter na força semântica da “invasão”


– tendo por contraponto a “ameaça” – que estabelece os principais conflitos do
drama criado por Marçal Aquino, seja do ponto-de-vista diegético, seja a partir
das relações entre os personagens. Poderíamos, ainda, explorar os
significados sociais, psicológicos e culturais sugeridos pela trama, o que será
feito na medida em que tais questões possam esclarecer aspectos
relacionados aos Narradores da história.
De um modo ou de outro, assumimos que O Invasor apresenta uma
narrativa “invasiva” que se desenrola em sentidos variados quando
comparamos livro e filme. Os enredos, literário e fílmico, desenvolvem-se
através dos olhares do Narrador que atualiza a história através da mediação de
seu modo de ver, modo esse marcado pela contemporaneidade da cultura
visual, da imagem enquadrada por uma câmera (da tela, da fotografia).
Em suma, olho, câmera, tela e foco narrativo se con-fundem numa
imbricada relação semiótica. Semelhantemente, narrador, leitor, personagem e
espectador também são con-fundidos através de seus olhares, estabelecendo
uma cumplicidade que invade, sem pedir licença, porém com certa permissão,
e mistura, promiscuamente, porém de forma asséptica, interior-exterior, centro-
periferia, loucura-sanidade, bem-mal.

3.3 Narrador: um novo Brás Cubas?

Ivan, o narrador da novela O invasor, está morto. Assumo esta


afirmação considerando a inevitabilidade de sua execução ao final do livro e
algumas pistas que o próprio narrador nos apresenta em seu relato post
mortem. Desse modo, é inevitável, também, uma aproximação entre Ivan e
Brás Cubas, defunto autor3 criado por Machado de Assis (Figura 3).
No capítulo Treze, ao encontrar-se subitamente com Cecília, Ivan afirma:
“Abri a porta e olhei pela última vez para seu rosto.” [grifo nosso] (AQUINO,
2002: p. 114), o que demonstra a confirmação de que se trata de um defunto
autor.

“Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver


dedico como saudosa lembrança estas memórias póstumas.”4
Figura 3

3
Ver Capítulo I, “Óbito do Autor” (ASSIS, 2008: p. 41).
4
Texto: ASSIS, 2008: 37. Imagem: Revista Continuum Itaú Cultural, núm. 13, p. 37 – ago 2008
– www.itaucultural.org.br/revista. Acesso em: 29/03/2009.
É importante apontar uma tensão intrínseca à narrativa – a ameaça do
invasor –, que constitui um elemento convergente em relação ao fechamento
da história e, consequentemente, ao assassinato de Ivan. Nesse sentido, no
livro, Ivan apresenta gradualmente sua paranóica visão em relação à realidade,
que, apesar de distorcida, é plenamente verossímil.
O filme também confirma a suspeita da morte de Ivan. Além da
inexorável sugestão de Anísio para Giba, de que execute Ivan (Sequência 101
do Roteiro), temos a inusitada cena final (Sequência 108) em que aparece
Marina dormindo “um sono inocente”, como descreve a rubrica do roteiro.
Podemos resgatar a indelével definição de Brás Cubas em relação ao sono:
“... dormir é modo interino de morrer.”5 para, em termos sígnicos, demonstrar
que a cena aponta para a morte de Ivan, dissipando qualquer dúvida em
relação a seu assassinato.
Por outro lado, quero crer que o Narrador do livro, Ivan, usa de
determinadas digressões metaliterárias, de forma figurada, para referir-se a sua
situação de defunto autor. Por exemplo, no Capítulo Dois, encontramos, pelo
menos, três trechos em que Ivan se permite refletir brevemente acerca de
questões que estão diretamente ligadas a elementos constitutivos da narrativa
de O Invasor. No primeiro caso, referindo-se ao seu casamento com Cecília,
Ivan conclui que “Coisas mortas são imunes a ameaças.” (AQUINO, 2002: p.
29). Enquanto vivo, Ivan vê-se progressivamente ameaçado por Estevão,
Anísio e Alaor; além das figuras do pai, da tatuagem e das imagens refletidas
em espelhos. Porém, morto, ele conta sua história sem medo ou amarras,
apresentando ao leitor os fatos e seu crescente pavor de forma crua e direta.
Um pouco mais adiante, Ivan, parado diante de um semáforo, conclui: “Cada
um com suas tatuagens e suas histórias para contar ou esconder.” (AQUINO,
2002: p. 1). Ora, enquanto vivo, Ivan não conta (para a esposa, para a
amante, para a mãe o que lhe atormenta) e esconde tudo (ameaças,
paranóias, planos) de todos. Porém, morto passa a contar (aos possíveis
narratários) e não esconder mais nada. Afinal, um defunto autor não tem mais
nada a esconder, não há ameaças a temer, por isso, escolhe contar sua

5
Idem, Capítulo XIX, p. 85.
história. Por fim, Ivan observa que “Há certos cadáveres que, por razões que
ignoramos não se decompõem.” (AQUINO, 2002: p. 32). Novamente, uma
constatação acerca de seu casamento com Cecília, que se configura numa
alusão ao seu estado mórbido, porém capaz de contar uma história.
3.4 A questão do narrador literário: Olhar do narrador, olhar do leitor

3.4.1 Lendo o que Ivan vê

Wolfgang Kaiser afirma que “nos romances, contos, novelas, etc., o


narrador se encontra no mesmo plano que o seu público.” (KAISER, 1976: p.
215). No livro O invasor, a trama se desenrola a partir do relato de Ivan,
marcadamente enfatizada pelo olhar do personagem-narrador. É um narrador
em primeira pessoa, facilmente identificado pelas marcas textuais das
desinências verbais presentes na novela. As questões que devem ser
problematizadas no que se refere ao Narrador do livro, quanto à construção da
narrativa organizada em capítulos, serão examinadas nos itens a seguir.
Partimos da hipótese de que o Narrador, um defunto autor, organiza seu
relato não na forma de Memórias, como seria de se esperar se o comparamos
a Brás Cubas, mas a partir do que viu, do que olhou; ou seja, seus olhos, mais
do que sua memória, guia sua escrita. Desse modo, o que lemos em O Invasor
atualiza o que Ivan “olhou”.
Marçal Aquino, jornalista, escritor e roteirista, possui uma escrita que
pode ser caracterizada como visual6, cinematográfica. O autor de O Invasor
apresenta-nos uma história rápida, entrecortada e progressivamente truncada,
que se desenvolve em diálogo com as tensões, conflitos e percepções do
personagem-narrador Ivan.
Livro e filme possuem uma linha narrativa em comum: aquela “contada”
por Ivan no livro. Pelo menos, até o Capítulo Quatro, as duas histórias, textual
e audiovisual, mantém a mesma sequência dos fatos, orientada pelo que foi
narrado por Ivan, desde o início, com uma ressalva. Roteiro e filme apresentam
a primeira cena, que conta o momento da contratação do matador
(correspondente ao Capítulo Um), através do ponto-de-vista de Anísio.

6
O próprio escritor reconhece tal característica, conforme depoimento a Rádio Itaú Cultural,
entretanto, define-se como escritor que escreve roteiros. É possível ouvir a entrevista no site:
http://www.itaucultural.org. br/index. cfm?cd_pagina= 2752&categoria=33970 - Acesso em
02/04/2009.
A partir da “invasão” do ponto-de-vista de Anísio, no caso do filme, as
duas obras ganham desenvolvimentos diferenciados. O livro mantém a
perspectiva do olhar de Ivan, dessa forma, o leitor lê o que Ivan vê. No filme,
como veremos mais adiante, as opções para os desdobramentos da história se
realizam na complexidade de outros pontos-de-vista, de outros narradores.
Henri Cartier-Bresson (1908-2004), fotógrafo francês, foi considerado o
“olho do século” XX. Iniciou sua carreira artística como pintor, trabalhou como
assistente de cineasta e fotógrafo jornalístico. Segundo Marilane Borges7, “ele
costumava afirmar que um bom fotógrafo deve captar o „instante decisivo‟ - o
momento exato de bater a foto, quando se alinham „cabeça, olho e coração‟ “.
Sua visão de mundo era trágica e seu trabalho era marcado pela preocupação
de transformar realidade em arte. A menção a Cartier-Bresson justifica-se por
causa de sua peculiar aparição na novela O Invasor. Em três momentos
distintos, uma fotografia do artista francês é mencionada. Ela se encontra na
sala de Ivan, no escritório da construtora em que trabalha:

“Estevão faz uma pausa e olha para a foto que decora a parede às
minhas costas: um casal atravessando uma rua cheia de poças, que
refletem um céu baixo e nublado. Cartier-Bresson, Paris.” (AQUINO,
2002: p. 36)

“Anísio entrou na minha sala, examinou o ambiente e se deteve


diante da reprodução de Cartier-Bresson.” (AQUINO, 2002: p. 69)

“Parei diante da cena parisiense registrada por Cartier-Bresson. Eu


estava emocionado. Toquei o quadro: Paris era um bom lugar para
refrescar a cabeça enquanto eu decidia que rumo daria à minha
vida.” (AQUINO, 2002: p. 111)

A fotografia na parede e o olhar de quem a olha (Estevão, Anísio e Ivan,


respectivamente) parecem fornecer ao Narrador e, consequentemente, ao leitor
elementos hermenêuticos que convidam para “abrir os olhos”, assim como Ivan
o faz na iminência de sua morte (cf. AQUINO, 2002: p. 126).
A narrativa textual de O Invasor é constituída pelo Olhar. Os signos
textuais que apontam para tal afirmação con-formam as escolhas do Narrador.
A fotografia de Cartier-Bresson dialoga com o caráter visual da história e de
sua construção. Realidade e sonho, tragicidade e banalidade, enquadrados e

7
http://www.conteudoeditora.com.br/publicacoes/?ec=290&cs=15
registrados em seus momentos únicos, contrapõem-se na imagem descrita por
Ivan.

Fotografias de Henri Cartier-Bresson8


Figura 4 Figura 5

Há um espelhamento e sobreposição dos três personagens. O par


Estevão e Anísio aponta, nitidamente, para o lugar-papel de Anísio na
narrativa: invasor que ocupará o lugar de Estevão. O par Anísio-Ivan indicaria
o desejo de cada um: Anísio deseja o mundo da classe média; Ivan, já no
clímax de sua paranóia, deseja uma fuga da realidade.
Podemos destacar a força da imagem para a narrativa contemporânea
e, mais especificamente, na literatura de Marçal Aquino. Nesse sentido,
encontramos no texto aqui analisado, em seu diálogo com o filme, um
hibridismo de linguagens textuais e visuais. No caso do filme, é possível
identificar técnicas cinematográficas e audiovisuais (ficção, documentário,
televisão, performances, instalações, etc).

3.4.2 Olhar enquadrado


Há algo na novela de Marçal Aquino que salta aos olhos, literalmente.
Numa leitura mais atenta, é possível observar o uso recorrente dos verbos
Olhar e Ver e de palavras formadas pelos radicais dos respectivos verbos.
No levantamento feito, verificou-se que há 274 ocorrências de palavras
com os radicais de Olhar e Ver, sendo que 127 (46,4% do total) estão
presentes nos quatro primeiros capítulos do livro. Pode-se, ainda, verificar um
total de 321 vocábulos, cujo campo semântico se aproxima dos sentidos de Ver
e Olhar, entre os quais, os verbos: encarar, espiar, examinar, notar, observar.

8
As fotografias foram encontradas através do site de busca www.google.com.br
Essa informação estatística, aparentemente deslocada da discussão em
relação ao Narrador da trama, é de fundamental importância para avaliarmos a
construção da narrativa de O Invasor. A ênfase no Olhar pode ser considerada
como um elemento metaliterário, pois é através dele que se estabelecem o fio
condutor da narrativa e suas principais tensões.
Em seu estudo sobre o papel mediador da televisão na
contemporaneidade, Rosane Borges afirma que “vivemos imersos no mundo
das imagens pontuadas pelos dispositivos do ver e do olhar” (BORGES, 2008:
p. 2), em que o uso de tecnologias que produzem e fazem existir o olhar, causa
no homem uma razão paranóica, fazendo-o sentir-se constantemente vigiado.
Ao analisar programas de televisão, Borges conclui
que o trançado de códigos, fundado no som, na imagem e na escrita,
nos enreda de tal modo que nós somos teleguiados pelas narrativas
do veículo. Na lógica do imaginário tecnológico contemporâneo é o
olhar o anfitrião que conduz seu hóspede para lhe mostrar
objetos da casa...” [grifo nosso] (BORGES, 2008: p. 3).

Mesmo a autora, em seu artigo, faz a ressalva de que ao tratar do


contexto televisivo, é possível estender a análise para outras mídias
audiovisuais, como o cinema. É nesse sentido que recorro seus argumentos
para articular a relação do olhar e sua importância na construção narrativa de
O Invasor, seja na forma literária, seja na forma fílmica.
Ivan, o narrador da novela, guia, medeia o olhar do leitor, narratário,
através de seu próprio “olhar”. Entretanto, seu olhar não é meramente um olhar
pessoal, mas um olhar que se pretende mediador de outro(s) olhar(es), do
leitor, no caso do livro, do espectador, no caso do filme:

O olhar do indivíduo é capturado, apreendido pelo olhar da imagem.


Eis o momento em que ocorre a mediação, pois é o instante do
brilho, é a fascinação. É o instante fotográfico, onde alguma coisa se
realiza na imagem. (BORGES, 2008: p. 6)

Segundo Ismael Xavier,

a mediação exercida está entre o aparato cinematográfico e o olho


natural, onde existe uma série de elementos e operações comuns
que favorecem uma identificação do meu olhar com o da câmera,
resultando daí um forte sentimento da presença do mundo
emoldurado na tela (XAVIER, 2003 apud BORGES, 2008: p. 8).
3.4.3 Paranóia

No filme, a paranóia de Ivan é representada cinematograficamente pelo


“crescente isolamento”: No bar, na noite do crime (Seq. 26), na obra (Seq. 56),
e quando compra o revólver (Seq. 72 e 73) – entretanto, vale observar que o
Roteiro do filme não registra textualmente esse processo de isolamento e crise.
Ainda, no filme, sua paranóia culmina com a distorção da realidade ao
chegar ao apartamento de Cláudia (Seq. 84), demonstrada através da imagem
distorcida, quando Ivan desce uma escada labiríntica, em plongée. Mais
adiante, após a batida do carro, Ivan passa a andar a pé sozinho, de
madrugada, numa grande avenida de São Paulo (Seq. 100 – filmada em longo
travelling com variação de planos), e, finalmente, no primeiríssimo plano (Seq.
102) na delegacia.
Seria pretensão novamente aproximar Ivan de Brás Cubas? No início do
capítulo VII, Brás Cubas anuncia: “Que me conste, ainda ninguém relatou o seu
próprio delírio; faço-o eu, e a ciência mo agradecerá.” (ASSIS, 2008: p. 51).
Podemos afirmar que nesse aspecto, O Invasor também aproxima seus
narradores. Ivan, não mais ameaçado, apresenta de forma livre e lúcida seu
delírio paranóico, conforme diversas passagens:

“Paranóia minha, pensei. Mas isso não me tranquilizou.” AQUINO,


2002: p. 16).

“Não seja paranóico, caralho.” (AQUINO, 2002: p. 55).

“Eu estava à beira de um esgotamento. Tinha dormido pouco nos


últimos dias, não conseguia raciocinar direito. E levava um susto
cada vez que o telefone tocava. Achava que era a polícia avisando
que vinha me apanhar.” (AQUINO, 2002: p. 58).

“O pavor não me dava trégua.” (AQUINO, 2002: p. 81).

“Larga de ser paranóico, porra. Pense um pouco, Ivan” (AQUINO,


2002: p. 83).

“O resto do tempo eu passava atordoado. Uma atmosfera irreal me


cercava. As coisas aconteciam sem controle. Um princípio de
loucura.” (AQUINO: 2002, p. 85).

“Você tá doente, Ivan, precisa se tratar.” (AQUINO, 2002: p. 100).


[grifos nossos]
3.5 A questão do narrador fílmico: Olhares do narrador e do espectador

É a partir do Capítulo Cinco (no livro) e da Sequência 25 (no roteiro) que


se estabelecem as principais diferenças no que se refere ao(s) Narrador(es) da
trama. Como já é sabido, Marçal Aquino interrompeu a escrita do livro no
quarto capítulo. Ângela Gandier fez a seguinte avaliação das implicações
narratológicas dessa quebra que gerou bifurcações nos focos narrativos na
escrita do roteiro:
Após o lançamento do filme, Aquino decide retomar o
desenvolvimento e a conclusão do livro, quando percebe o equívoco
da opção feita pela focalização interna: o ponto de vista do narrador
e personagem principal, Ivan, está atado à restrição dos elementos a
relatar, em função da reduzida capacidade de conhecimento dessa
personagem a respeito dos acontecimentos do tempo futuro, ou seja,
o desconhecimento do narrador é semelhante ao dos leitores. Ivan é
o personagem que rege a representação narrativa, que tem como
ponto de partida o acerto como matador de aluguel, Anísio, habitante
da periferia de São Paulo. Os fatos da narrativa ocorrem fora de sua
consciência e fora mesmo de sua existência, e aqui entra o
desconcerto maior: o narrador esbarra na impossibilidade de relatar
a própria morte.9

Dessa forma, o que temos é o seguinte: uma narrativa literária com


narrador em primeira pessoa, Ivan, que guia sua diegese de forma visual.
Quando observamos a escrita do roteiro e a respectiva montagem do filme O
Invasor, encontramos focos narrativos diferenciados que exploram aspectos
que interessam ao projeto do diretor, Beto Brant, conforme analisado por
Marcio Pereira em sua Dissertação de Mestrado.
Há, de fato, uma mútua tradução intersemiótica em relação às duas
obras. A partir da Sequência 25, os focos narrativos acompanham e exploram
personagens fora do alcance da visão de Ivan, se comparamos a narrativa do
livro.
Uma técnica “cinematográfica” presente no texto escrito é a antecipação
de um fato que será reiniciado mais adiante. Como, por exemplo, o início do
Capítulo Cinco, quando lemos a descrição “policial” – vale observar que o
relato é, possivelmente, o único não presenciado por Ivan – de como os corpos

9
GANDIER, 2004 apud SILVA, 2005:78.
de Estevão e Silvana foram encontrados10. A última frase do capítulo retoma
(reload) o texto inicial.
Técnica semelhante é utilizada no Capítulo 10, quando Ivan resolve
visitar a sua mãe. Novamente, a última frase do capítulo remete ao fato de
abertura do mesmo. No Capítulo 12, que se inicia com o relato da compra do
revólver, o “salto para trás” acontece antes do final do capítulo, à página 105.
Uma comparação entre as duas “construções narrativas” possibilita
observar uma crescente quebra na narrativa literária (a partir do Capítulo 9),
acompanhada de uma crescente variação dos focos narrativos (a partir da
Sequência 70), que culmina com uma montagem paralela que converge nas
desesperadas ações de Ivan.
Se resgatamos as informações contidas no livro sobre o pai de Ivan
(fraco, suicida, ou seja, um espelho do próprio filho), podemos entender que a
paranóia de Ivan leva-o à própria execução, como se fosse um suicídio
praticado por outrem. O perseguido se deixa transformar em vítima, pensando-
se predador, ameaçando Cecília, Anísio, Alaor (Giba) e Paula (Cláudia).

4. Considerações finais

O Invasor, livro e filme, literatura e cinema, constrói uma visão tensa a


partir de questões contemporâneas acerca da imagem, seja através da escrita
de Marçal Aquino, marcada por uma linguagem cinematográfica, eivada por
elementos visuais (vocabulário, linguagem direta, referência a espelho,
fotografia e visão distorcida da realidade); seja através do olhar do diretor Beto
Brant, que aborda a realidade brasileira através de um cinema que articula
técnicas e possibilidades audiovisuais (cinema, televisão, vídeo, documentário).
O narrador literário configura-se como “neurótico” em sua forma de
percepção e avaliação da realidade. O olhar do narrador guia a leitura e
interpretação do leitor. Dessa forma, tal estrutura dialoga com as possibilidade
de construção narrativa cinematográfica. Embora, no filme O invasor, as linhas
narrativas descolam-se do olhar de Ivan para fixar-se em Anísio.

10
AQUINO, 2002: p. 51.
As “invasões” se estabelecem em múltiplas direções, de forma
rizomática, representada por todos os personagens, em suas atitudes,
trajetórias, relações e interesses. As “invasões” possibilitam “hibridizações” de
espaços e personas, classes e poderes, através de jogos de espelhamentos
presentes nas duas “narrativas” (textual e cinematográfica).

Referências

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2008.

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STAM, Robert. A literatura através do cinema: realismo, magia e a arte da


adaptação. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.

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