A missão de Jesus versus o legalismo religioso: uma
reflexão sobre a necessidade da mensagem do religare
E aconteceu que, completando-se os dias para a sua
assunção, manifestou o firme propósito de ir a Jerusalém. E mandou mensageiros diante da sua face; e, indo eles, entraram numa aldeia de samaritanos, para lhe prepararem pousada. Mas não o receberam, porque o seu aspecto era como de quem ia a Jerusalém. E os discípulos Tiago e João, vendo isso, disseram: Senhor, queres que digamos que desça fogo do céu e os consuma, como Elias também fez? Voltando-se, porém, repreendeu-os e disse: Vós não sabeis de que espírito sois. Porque o Filho do Homem não veio para destruir as almas dos homens, mas para salvá-las. E foram para outra aldeia. (Lucas 9:51-56)
Quem nunca ouviu falar das “guerras santas” entre
judeus e árabes? Também nos é conhecida as tristes histórias de pelejas e lutas entre protestantes e católicos. Ainda em nosso tempo, conhecemos também as disputas de igrejas contra igrejas. Cada uma defendendo a cor da sua bandeira, cada uma defendendo sua estação de rádio ou seu canal de televisão. Reino contra reino, nação contra nação, irmãos contra irmãos. Parece que esquecemo-nos do que bem falou Jesus sobre o reino que se levanta contra ele mesmo não subsistirá. A pior fatia deste bolo bolorento é que muitos se defendem destes disparates com a justificativa de que estão fazendo isso em nome de Deus. Que deus será este? Qual é o nome do deus que ordenou a igreja a realizar a “Santa Inquisição”, na qual milhares de milhares de pessoas morreram decapitadas, queimadas, estranguladas, por não professarem a fé romana? Infelizmente, muitas religiões (se é que posso chamá- las assim) têm se esquivado de sua verdadeira missão indo para um caminho de soberba, de pseudo santidade, de busca insaciável pelo dinheiro, entre outras coisas. A essência da palavra religião vem do vocábulo latim religare, ou seja, religar o homem pecador a um Deus que perdoa e oferece salvação que vem da graça, por intermédio da fé. As pelejas e guerras em que muitas religiões estão inseridas vêm no sentido contrário do proposto pelo religare, desligando o homem do verdadeiro Deus ao apresentarem um deus cruel e racista. Espero, nesta amealhada reflexão, apresentar as palavras de Jesus que nos ajudarão a viver novamente o religare, incitando-nos à premente missão de anunciar o plano de salvação que uni o homem a Deus. Estava próximo o dia em que Jesus haveria de morrer e, posteriormente, ressuscitaria ao terceiro dia conforme a profecia. Porém, antes deste glorioso fato que nos abriu a porta da salvação, Jesus queria abrir a porta de nossas mentes e nos ensinar mais uma lição de como não deveria ser a igreja após a sua assunção.
“E mandou mensageiros diante da sua face; e, indo eles,
entraram numa aldeia de samaritanos, para lhe prepararem pousada”
Para chegar até Jerusalém, era necessário passar pelo
caminho dos samaritanos. Samaria ficava entre a Galiléia e a Judéia. Jesus havia saído da Galiléia e iria à Judéia, para Jerusalém. Para dar início aos seus últimos ensinamentos antes de sua morte vicária, Jesus enviou mensageiros à uma aldeia samaritana a fim de lhes prepararem lugar para pousar. Fica evidente a vontade de Cristo em que seus discípulos anunciem a todas as pessoas que Ele está próximo e quer fazer morada em seus corações. Esta é a missão que Jesus deixou para seus discípulos, ou seja, para sua igreja: apregoar o religare. Anunciar entre os homens que estão perdidos, desesperados, cansados, oprimidos e separados de Deus, que há uma esperança. A missão que Jesus nos deixou foi a de avisar às pessoas desta terra que o Emanuel está próximo de chegar e está muito interessado em entrar em suas casas, em suas vidas e oferecer um reencontro com Deus. Somente Jesus pode fazer isso. “Ele é o caminho a verdade e a vida e ninguém pode chegar ao Pai se não for através dele”. Isto implica em retirar a mensagem da instituição religiosa da frente da missão e colocar a mensagem da cruz. Implica em cantar e pregar com o objetivo de apresentar a estrela da manhã e não as estrelas gospel que estão interessadas em vender seus CDs e DVDs.
“Mas não o receberam, porque o seu aspecto era como
de quem ia a Jerusalém”
Para chegar a Jerusalém, muitos outros judeus
desviavam-se deste caminho a fim de fugir das “Guerras Santas” que alguns samaritanos preparavam. Havia uma rivalidade entre os judeus e os samaritanos. De um lado, os judeus desprezavam os samaritanos e, por outro, os samaritanos detestavam os judeus. A luta, entre outras coisas, era puramente religiosa. Os samaritanos criam que o local de adoração a Deus seria no monte Gerizim. Por outro lado, os judeus defendiam que o local de adoração a Deus seria em Jerusalém, no templo. Jesus deixou bem claro em João 4:1-30 que o local de adoração não é nem no monte, nem no templo. Ensinou que os verdadeiros adoradores de Deus o adoram em espírito e em verdade, onde quer que eles estejam. Notemos como Jesus vai além dos caprichos religiosos! Porém, deixou claro que os samaritanos deveriam reconhecer que a salvação veio dos judeus, referindo-se a si mesmo como o salvador. Com isso, os samaritanos, nesta história, representam uma grande massa de pessoas que adoram a Deus, porém, não sabem fazê-lo de forma livre e espontânea, estão presos nos caprichos e costumes religiosos. Prova é que não aceitaram Jesus e seus discípulos em sua aldeia, justamente por que pareciam que estavam preparados para irem a Jerusalém. Ou seja, “se vão para outro lugar adorar a Deus, não são dignos nem de nossa amizade”. É o que muitos estão a fazer neste tempo hodierno. No afã de realizar as vontades de sua “gangue espiritual”, preparam-se para lutar contra aqueles que, por ironia, servem ao mesmo Deus, porém, em lugares diferentes. Não importa se um guarda o sábado, o outro o domingo. Não importa se uma utiliza o véu e a outra proíbe o corte do cabelo. Não importa se um não quer assistir televisão e o outro não come carne de porco. Se estas picuinhas fossem mesmo tão importantes como é o religare, o apostolo Paulo não teria dito isto:
Um faz diferença entre dia e dia; outro julga iguais todos
os dias. Cada um tenha opinião bem definida em sua própria mente. Quem distingue entre dia e dia para o Senhor o faz; e quem come para o Senhor come, porque dá graças a Deus; e quem não come para o Senhor não come e dá graças a Deus. Porque nenhum de nós vive para si mesmo, nem morre para si. Porque, se vivemos, para o Senhor vivemos; se morremos, para o Senhor morremos. Quer, pois, vivamos ou morramos, somos do Senhor. Foi precisamente para esse fim que Cristo morreu e ressurgiu: para ser Senhor tanto de mortos como de vivos. Tu, porém, por que julgas teu irmão? E tu, por que desprezas o teu? Pois todos compareceremos perante o tribunal de Deus. Como está escrito: Por minha vida, diz o Senhor, diante de mim se dobrará todo joelho, e toda língua dará louvores a Deus. Assim, pois, cada um de nós dará conta de si mesmo a Deus. (Romanos 15:5-12)
Porém, os discípulos de Jesus não entenderam bem a
lição que o mestre queria ensinar e destilaram do seu veneno contra aqueles que não professavam o mesmo ritual ou a mesma tradição religiosa.
“E os discípulos Tiago e João, vendo isso, disseram:
Senhor, queres que digamos que desça fogo do céu e os consuma, como Elias também fez?” Estes judeus representam os que querem converter a força aqueles que não concordam com a sua maneira de adorar a Deus. Quão soberbos foram os discípulos de Jesus! Que direito tinham eles de julgarem os samaritanos a ponto de desejarem a sua morte? Pensavam que só eles eram “santos” e não respeitaram as diferenças. Entendamos que, não respeitar, não é a mesma coisa de não concordar. Posso discordar de um comportamento de alguém, porém, isto não me da o direito de desrespeitá-lo. Como temos nos relacionado com as pessoas que são diferentes de nós? Este nosso relacionamento tem promovido o religare ou só tem função de julgar a outrem? Relembremo-nos deste relato bíblico:
Depois todos foram para casa, mas Jesus foi para o
monte das Oliveiras. De madrugada ele voltou ao pátio do Templo, e o povo se reuniu em volta dele. Jesus estava sentado, ensinando a todos. Aí alguns mestres da Lei e fariseus levaram a Jesus uma mulher que tinha sido apanhada em adultério e a obrigaram a ficar de pé no meio de todos. Eles disseram: – Mestre, esta mulher foi apanhada no ato de adultério. De acordo com a Lei que Moisés nos deu, as mulheres adúlteras devem ser mortas a pedradas. Mas o senhor, o que é que diz sobre isso? Eles fizeram essa pergunta para conseguir uma prova contra Jesus, pois queriam acusá-lo. Mas ele se abaixou e começou a escrever no chão com o dedo. Como eles continuaram a fazer a mesma pergunta, Jesus endireitou o corpo e disse a eles: – Quem de vocês estiver sem pecado, que seja o primeiro a atirar uma pedra nesta mulher! Depois abaixou-se outra vez e continuou a escrever no chão. Quando ouviram isso, todos foram embora, um por um, começando pelos mais velhos. Ficaram só Jesus e a mulher, e ela continuou ali, de pé. Então Jesus endireitou o corpo e disse: – Mulher, onde estão eles? Não ficou ninguém para condenar você? – Ninguém, senhor! – respondeu ela.Jesus disse:– Pois eu também não condeno você. Vá e não peque mais! (João 8:1-11)
É impressionante o número de fariseus, em tempo
hodierno, que insistem em levantar suas mãos cheias de pedras para matar os “pecadores irreconciliáveis”. O legalismo religioso credita mais valor às suas regras do que ao ser humano. Envoltos em uma pseudo santidade e adestrados por uma pseudo religião, tais inquisidores se esquecem de sua própria natureza humana e corruptível. Não conseguem suportar suas próprias mazelas, suas próprias sujeiras, por isso escondem-se por detrás de uma persona eclesiástica. São tão perversos que necessitam, desesperadamente, encontrar erros nas outras pessoas para sentirem-se mais santos, mais aliviados, mais corretos. É o que encontramos na oração do fariseu:
Jesus também contou esta parábola para os que
achavam que eram muito bons e desprezavam os outros: – Dois homens foram ao Templo para orar. Um era fariseu, e o outro, cobrador de impostos. O fariseu ficou de pé e orou sozinho, assim: “Ó Deus, eu te agradeço porque não sou avarento, nem desonesto, nem imoral como as outras pessoas. Agradeço-te também porque não sou como este cobrador de impostos. Jejuo duas vezes por semana e te dou a décima parte de tudo o que ganho.” – Mas o cobrador de impostos ficou de longe e nem levantava o rosto para o céu. Batia no peito e dizia: “Ó Deus, tem pena de mim, pois sou pecador!” E Jesus terminou, dizendo: – Eu afirmo a vocês que foi este homem, e não o outro, que voltou para casa em paz com Deus. Porque quem se engrandece será humilhado, e quem se humilha será engrandecido. (Lucas 18:9-14)
É mais cômodo apedrejar, zombar e criticar o próximo
do que olhar para dentro de si e reconhecer seus próprios erros e imperfeições. Muitos – como fora aqueles discípulos de Jesus – preferem condenar o próximo a corrigir seus próprios caminhos. Poderíamos denominar tal comportamento como projeção. Quando não suportamos certos conteúdos de nossa personalidade, tendemos a buscar uma defesa psíquica para não encararmos tal realidade em nós. Com isso, projetamos este conteúdo em um “bode expiatório” e não enxergamos que o problema está em nós mesmos, nem tão pouco, enxergamos o problema que poderemos causar sobre a outra pessoa. Jesus também nos adverte sobre este mesmo assunto:
Não julguem os outros para vocês não serem julgados
por Deus. Porque Deus julgará vocês do mesmo modo que vocês julgarem os outros e usará com vocês a mesma medida que vocês usarem para medir os outros. Por que é que você vê o cisco que está no olho do seu irmão e não repara na trave de madeira que está no seu próprio olho? Como é que você pode dizer ao seu irmão: “Me deixe tirar esse cisco do seu olho”, quando você está com uma trave no seu próprio olho? Hipócrita! Tire primeiro a trave que está no seu olho e então poderá ver bem para tirar o cisco que está no olho do seu irmão. (Mateus 7: 1-6)
“Voltando-se, porém, repreendeu-os e disse: Vós não
sabeis de que espírito sois”
Ao desejarem fogo para os samaritanos, os discípulos
de Jesus receberam uma repreensão do mestre e mais uma lição de vida: Os que condenam, os que matam, os que ofendem os outros por qualquer motivo (no contexto, por rixas religiosas), não conhecem a Deus. Estão fora da visão, do objetivo, do religare. Não fora matando os protestantes, as bruxas, os homossexuais, as prostitutas, os judeus, etc., (através da “Santa Inquisição”), que a igreja religou o homem a Deus. Pelo contrário, após os mil anos de trevas, surge um tempo chamado Renascimento cuja época fora marcada por ataques veementes contra a igreja e seus métodos assombrosos de evangelismo. Infelizmente a Idade Média apresentou um deus cruel, impiedoso e preconceituoso. Envolvidos em suas doutrinas e caprichos, perderam a noção do religare e não apresentaram um Deus que perdoa, que muda a vida do homem e que, pela graça (favor imerecido), oferece salvação a todos que crêem em Jesus Cristo e não na igreja.
“Porque o Filho do Homem não veio para destruir as
almas dos homens, mas para salvá-las. E foram para outra aldeia.”
Esta é a quinta lição que Jesus deixou naquela
ocasião: a missão de Jesus em contraste com a soberba e o legalismo religioso. “Porquanto Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para que julgasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele.” (João 3:17). Que possamos voltar a apregoar o religare, sem julgar as pessoas, sem condená-las, sem desejar que desça fogo em suas aldeias. Alguns líderes religiosos (se é que posso chamá-los assim), para se defender de seus próprios defeitos, ameaçam seus seguidores com palavras de maldição. Quantas e quantas vezes ouvi líderes fracassados como esses a desejarem tumores nas línguas de pessoas fofoqueiras que freqüentam suas igrejas, entre outros tipos de ameaça (usei esse exemplo por ser mais “popular” entre algumas religiões e entre alguns destes falsos profetas). O religare é diferente. É a mensagem de amor, um amor ágape, isto é, que ama incondicionalmente. É uma mensagem sem preconceitos e sem defesa de opiniões próprias. A mensagem do religare vai além das tradições, vai além das doutrinas passageiras de homens, “vai além do véu”! O texto desta reflexão finaliza dizendo que saíram daquele local e foram alhures. Se alguém não aceitar a mensagem do religare, não julguemos, não desprezemos, simplesmente sigamos para outra aldeia.