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Mariana

 Rachel  Roncoletta  e  Regina  Barbosa  


O  projeto  do  autor:  design  de  moda  e  o  poder  inventivo  do  usuário  
6º  Colóquio  Internacional  de  Moda  
São  Paulo:  Universidade  Anhembi  Morumbi,  2010  

O Projeto do Autor: design de moda e o poder inventivo do usuário

The Project of the Author: fashion design and the user’s inventive ability

Profa. Ms. Mariana Rachel Roncoletta (Universidade Anhembi Morumbi)

Profa. Ms. Regina Barbosa (Universidade Anhembi Morumbi)1

Resumo

Este artigo discute os papéis do designer de moda e do usuário, a partir do


entendimento de que o primeiro é autor de um projeto em que oferece ao
usuário um discurso materializado, do qual este toma partes a fim de escrever,
ele próprio, novas mensagens, ressignificando-as de maneira autoral.

Palavras-chave – Moda, Designer Autoral, Usuário

Abstract

This paper proposes to discuss the roles of the fashion designer and the user,
by understanding that the first is the author of a project in which it is offered to
the user a materialized discourse, of which it takes parts so the user can write,
itself, new messages, by re-signifying them.

Key-words - Fashion, Authoral Designer, User

                                                                                                                         
1
Mariana Rachel Roncoletta é stylist, jornalista, professora e pesquisadora. Doutoranda em Design pela
FAU-USP com a pesquisa que discute o design de calçados para a saúde e a imagem pessoal do portador
de deficiência física. Mestre em Design pela Universidade Anhembi Morumbi, professora da mesma
instituição e da Pós-Graduação em Styling e Imagem de Moda do SENAC. Bacharel em moda pela
FASM-SP. Atuou como stylist da Vogue Brasil.
Regina Barbosa é designer de moda e ilustradora, professora e pesquisadora. Mestre em Design pela
Universidade Anhembi Morumbi, professora da mesma instituição. Bacharel em Negócios da Moda com
Habilitação em Design de Moda pela Universidade Anhembi Morumbi.

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Mariana  Rachel  Roncoletta  e  Regina  Barbosa  
O  projeto  do  autor:  design  de  moda  e  o  poder  inventivo  do  usuário  
6º  Colóquio  Internacional  de  Moda  
São  Paulo:  Universidade  Anhembi  Morumbi,  2010  
Introdução

No resultado do projeto em design de moda, os processos de


construção do designer de moda se encontram com os processos inventivos do
usuário. É premissa deste projeto criar para um outro alguém. O designer de
moda é o responsável por materializar ideias imateriais que um corpo fará
vestíveis, corpo este que se apropria da criação do outro para fazê-la de si
mesmo.

Este estudo percorre as interfaces entre o designer que propõe um


discurso por intermédio de produtos, imagens e talvez o mais importante ideias
e o usuário, que se conecta com tais idéias e constrói um discurso sobre si
mesmo.

O projeto do designer autoral

Projetar artefatos nada mais é que projetar a possibilidade de que


certas interfaces venham à tona. Dessa forma, os artefatos não
existem fora do envolvimento humano. (KRIPPENDORFF, 2000, p. 89)
Ao projetar uma coleção de design de moda, o que se oferece está
muito além da roupa. De fato, na concepção de uma coleção de design de
moda é ofertado um discurso materializado, em formas, cores, texturas,
coreografias, música e imagens as mais diversas. Busca-se encantar o incauto
transeunte, fazer com que ele se relacione com aquele momento e, sobretudo,
que deseje fazer parte daquela história.

Em 2006, como conclusão da graduação em Moda, apresentei minha


coleção, intitulada Um Dia Perfeito. Dentro de uma construção autoral, senti-me
livre para oferecer a minha leitura de dia perfeito, composta por toda sorte de
banalidade. Sim, porque os dias perfeitos não são necessariamente os dias
mais importantes da vida de qualquer um, mas aqueles cuja lembrança aquece
a alma.

Neste contexto, toda a concepção da coleção era a de um convite a


vivenciar momentos de um dia perfeito, eqüidistantes da perfeição como
construto objetivo e sim subjetivo do seu criador. Podemos compreender a

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moda como um sistema de idéias, transformadas em produtos por intermédio
da interpretação subjetiva de seu criador, o designer de moda, conceito este
reforçado por Preciosa (2004, p. 30), ao dizer:

“[a moda] como forma absolutamente singular de sintonizar ideias,


sensações, que vão modelando o contemporâneo, encarnando-as.
Neste sentido, ela, em certa medida, pode nos oferecer um diagnóstico
do mundo em que vivemos. Nas suas mais variadas manifestações, ela
nos propõe modos subjetivos que serão vestidos por nós.”
Assim, pensei naqueles dias que poderia chamar de perfeitos e
encontrei neles um universo de banalidades: dias perfeitos rescendem a café
fresco e àquela touceira de dama da noite da casa da vizinha (cheiro de verão)
e soam como gargalhadas de criança.

Encontrei nas minhas lembranças alguns pontos comuns: o dinamismo


leve simbolizado pelas bolhas de sabão e o balanço do clube, a luz das
memórias de dias de sol e a falta de arestas pautaram as silhuetas. Destas
lembranças abstratas vieram as formas arredondadas, o toque macio e as
cores da cartela que materializaram o conceito da coleção.

Os tecidos da coleção eram também muito banais: cambraia pele de


ovo – a mesma dos lençóis do meu berço e das minhas batas de criança – e
piquê, o tecido que minha mãe usava para nossos conjuntinhos de verão e me
lembrava as casinhas de abelha, textura que apareceria na coleção, porém
descaracterizada.

As cores eram as da memória: o branco dos lençóis, dos vestidinhos


de verão, das roupas das filhas de Iemanjá nas oferendas da praia, e um
marrom dourado produzido em casa mesmo com um tingimento feito com café.
O resultado parece o sépia, foto antiga, desbotada, manchada.

No conjunto, eu pensava que a coleção precisava ter um aspecto


atemporal, elegante, assim como minhas memórias pareciam muito vivas, no
passado, mas ainda presentes em mim. Eu não poderia lidar com excessos.
Isso era a condição principal: era preciso ser simplesmente, elegante. Não
podia ser infantil, e tinha que ser feminina. Sem frescura, mas com frescor.

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Aos poucos, a coleção começou a ganhar este corpo, arredondado, a
textura lisa e o toque macio. Faltava pensar o outro corpo, aquele que a
habitaria, com todos os seus complementos. Nos primeiros croquis, durante o
processo de pensar a coleção, os cabelos estavam soltos, eram longos e
quase se via o bronzeado da pele da modelo. Mas, durante o desenvolvimento,
estas moças ganharam chapeuzinhos cloche2 brancos, numa referência á
década de 20. São também da mesma década as referências de beleza do
desfile: um busto de Brecheret intitulado Daisy e um auto-retrato de Tarsila do
Amaral: pele clara, olhos discretos mas não apagados e a boca bem vermelha.

Fig. 1 e Fig. 2: Desfile “Um Dia Perfeito” realizado em novembro de 2006 pela designer de
moda. A Fig. 2 é a apresentação do vestido concebido pela designer que será transformado
pela usuária. Fotos: frames do vídeo de apresentação. Fonte: as autoras.
Além dos chapéus, o único acessório foi o calçado. Pensando em
anular os pés a fim de reforçar a relevância das roupas, as modelos calçaram
sapatilhas de lona branca. Às vésperas do desfile, desenvolvi também, a
pedido, uma grande bolsa arredondada em piquê, para acompanhar o primeiro
look.

Ao mesmo tempo em que pensava a coleção, concebi o convite que


consistia em uma espécie de envelope que, aberto, ganhava a silhueta de um
catavento, em papel tríplex branco, contendo um CD com a trilha sonora para
                                                                                                                         
2
Pequeno chapéu em forma de sino, bastante comum na década de 1920, usado com a aba curta bem
baixa sobre os olhos, feito usualmente em feltro, mas também encontrado em palha e outros materiais.
(Nota das autoras)

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dias perfeitos. No interior do envelope uma etiqueta redonda dizia “Regina
Barbosa convida para Um Dia Perfeito” e o endereço e data em que seria
realizado o evento.

Um vídeo de menos de um minuto feito em PB, com todas as falhas do


vídeo caseiro realizado por um não profissional, mostrava uma garotinha de 2
ou 3 anos brincando. A trilha sonora era a primeira parte de Duerme Negrito,
gravado por Mercedes Sosa. Uma música de ninar, um convite pra um passeio
pela memória.

Ao fim da exibição do vídeo, as luzes da passarela foram acesas e


duas máquinas de bolhas de sabão foram ligadas. Imagino que tenha causado
um quase nada de espanto que não fosse uma coleção de moda infantil. A
coreografia foi pensada de modo a desenhar círculos. Sem exageros, sem
grandes evoluções.

Quando tudo terminou, coloquei a coleção no armário e ela ficou lá, a


espera de alguém que a resgatasse e permitisse àquelas peças uma
existência. Afinal:

[Os artefatos] são construídos, compreendidos e reconhecidos quando


usados pelas pessoas, que têm objetivos próprios. (...) O design não
pode ser bem sucedido sem a comunicação (...) com os usuários.”
(KRIPPENDORFF, 2000, p. 90)
No ano seguinte, a coleção foi emprestada algumas vezes à
Universidade, a fim de ser exposta. Emprestei a amigas, e, eu mesma usei
uma das peças algumas vezes, mas o uso que faço é reverente. Ainda que
ensaie deslocamentos, levando-as a outros contextos, ainda são signos de um
dia perfeito.

O objeto foi ofertado dentro de um discurso que o promoveu, mas


quando o usuário se apossa dele, os discursos e fórmulas são reconstruídos.
Assim, comecei a me desfazer destas peças, com anos de atraso, pretendendo
que elas tivessem um destino e pudessem ter seu significado subvertido, por
usuários que os reconfigurassem, quer como história, quer como forma. Com
diz Krippendorff (2000, p. 90) a “reconfigurabilidade (...) permite que os
usuários (re)projetem os seus próprios mundos”.

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Se tomarmos de empréstimo a teoria das cinco peles de
Hundertwasser, em que o homem é pensado em camadas chamadas de “pele”,
sendo a primeira a epiderme, a segunda pele a roupa, a terceira a casa, a
quarta diz respeito ao meio social e a identidade. Por fim, a quinta pele trata do
próprio planeta Terra. Assim, podemos entender que este apossar-se do objeto
é também uma forma de construir relações consigo e com os outros, no sentido
em que o usuário se vale da segunda pele (a roupa) para revestir a primeira
pele, mas também protegê-la, negá-la e confirmá-la. Também é fazendo uso da
segunda pele que o usuário promove vínculos e identificações sociais (a quarta
pele). Sobre essa percepção de Hundertwasser, diz Pierre Restany: Ao
aperceber-se que a sua segunda pele lhe servia de passaporte social, o artista
pensou na relação do vestuário com o estado civil. (RESTANY, 2003, p. 38)

É neste contexto de construção de novos discursos por parte do


usuário que se encerra o trabalho do designer. A partir deste momento - o
momento em que o projeto acabado ganha autonomia e existe em um novo
âmbito - é preciso abrir espaço e observar as novas possibilidades construtivas
do usuário.

O designer de moda é aquele que cria para um outro alguém. É o


responsável por trazer para o material, idéias imateriais vestíveis por um corpo.
Corpo este que se apropria da criação do outro para fazê-la de si mesmo.

O poder inventivo do usuário

O usuário de moda não é um usuário de design, é um usuário do


design de moda. O seu corpo é sua primeira pele e os artefatos de design de
moda configuram a sua segunda pele, camada esta que se relaciona com a
camada social. Neste sentido podemos compreender que cada individuo,
diferente por si só, ao combinar elementos do design de moda se apropriam da
criação do designer para se re-configurar e se relacionar socialmente e
subjetivamente. São diversos os signos manifestados por esta camada que tem
origem no próprio corpo.

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Corpo meu, corpo seu, corpo do outro encontram lugar de destaque na
obra Fenomenologia da Percepção, de Merleau-Ponty, que privilegia o mundo
das experiências vividas como primeiro plano da configuração do ser humano e
do conhecimento pela percepção. A percepção fenomenológica, nas palavras
de Chauí (2000, p. 157), podemos compreender: “é a relação entre elas [as
coisas] e nós e nós e elas; uma relação possível porque elas são corpos e nós
também somos corporais”. É dotada de significação, tem sentido na nossa
história de vida e faz parte da nossa experiência, depende da nossa vivência
corporal, das situações de nossos corpos. É a forma de comunicação que
estabelecemos com os outros e com as coisas, envolve nossa personalidade,
desejos e paixões, “é a maneira fundamental dos seres humanos estarem no
mundo”, complementa a autora.

É o corpo que nos personifica e nos torna presentes no mundo. É o


responsável por nos conectar com o mesmo. Apesar do limite físico de nossos
corpos, da nossa própria pele, ele é o nosso elo de comunicação com o meio
sociocultural, conceito reforçado por Castilho e Martins (2005, p. 87) ao dizer:

“Padrões de comportamentos, traços da cultura, diálogos sócio-


históricos são aspectos que podem ser reconhecidos nos corpos, cuja
realidade se funde no caráter comunicacional dos seres humanos.”
Quando o usuário utiliza um artefato de um determinado designer de
moda recombinado com outros artefatos, o mesmo já está subvertendo a
criação original do designer. O usuário utiliza-se do seu potencial criativo para
se comunicar com o mundo. Esta comunicação, vale ressaltar nunca será
aquela prevista em sua plenitude pelo designer, mesmo que o usuário carregue
um look completo de passarela, já que o transeunte possui um outro corpo. O
indivíduo vivenciará o objeto de acordo com a sua própria percepção, sua
vivência e sua historia, inserido naquele contexto.

Ted Polhemus, antropólogo anglo-americano, autor da teoria do


Supermercado de Estilos, sugere que a aparência está cada vez mais ligada à
comunicação, uma vez que o ser humano utiliza o corpo e a forma de se vestir
para se promover e marcar sua presença, referindo-se aos usuários. Em sua
obra Street Style (1994), o autor discute a relação entre modos de vestir,

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modos de se comportar e músicas, que definem diferentes tribos urbanas
americanas e europeias durante o século XX. Muitas destas tribos possuíam
uma ideologia de vida identificada pelo autor, como os punks, góticos,
skinheads, surfistas, apenas para citar alguns. Polhemus aponta para a mistura
de referências e inspirações dos usuários, a partir dos anos 1990, sem
necessariamente uma identificação ideológica, como se estivéssemos num
supermercado, escolhendo determinados produtos pelos aspectos estéticos,
reforçando a singularidade da moda e do indivíduo, transformando-nos em neo-
hippies, neo-punks ou neo-new romantics.

Esta teoria afirma nossa despreocupação com a possível ditadura das


tendências de moda, aproximando nossa investigação da moda como
propostas de ideias transformadas em produtos que podem ou não serem
“selecionados” pelo usuário, já que um dia podemos ser neo-hippies e no outro
neo-punks. A partir dos anos 1990, as opções de escolhas são maiores
comparadas aos anos 1950, proporcionando uma moda mais individualizada,
complementa o autor. Mas será que os usuários participam de maneira
completamente livre e inventiva ao construir seus looks?

A moda é, por princípio, efêmera e paradoxal, afirma Lipovetsky (1989).


Por um lado, continuamos encontrando propostas e imposição de tendências
como nos áureos tempos da alta-costura, e, posteriormente, do prêt-à-porter,
mas, por outro, encontramos mais opções de escolha hoje do que nos anos
1950. Este caráter paradoxal da moda, por mais democrática e individualizada
que nos é apresentada no contemporâneo parece também nos forçar a se
enquadrar nos padrões da indústria cultural, minimizando o poder inventivo do
usuário.

Não podemos ser hipócritas, temos que assumir a nossa parcela de


culpa dentre aqueles que fazem moda e propõem para os usuários que só se
sintam bem inseridos nos padrões estéticos daquele momento. A indústria
cultural do modismo é cruel. A moda faz parte da indústria cultural3, assim
como o cinema e as artes, no Brasil as telenovelas são responsáveis por mais
                                                                                                                         
3
Para se aprofundar no assunto, ver: MORIN, Edgar e ADORNO, Theodor. La industria cultural.
Buenos Aires: Editora Galerna, 1967.

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de 80% da informação de moda4 consumida pelo país. É geradora de
demanda, desejos e padrões.

Ampliando o poder inventivo do usuário

Em qual lugar está escrito que uma blusa deve possuir função de
blusa, ou uma calça só pode ser usado como calça? Os artefatos de design de
moda são configurados, na maioria das vezes seguindo as funções do design.
Segundo Löbach (2001:58-66), os produtos possuem três funções: a) a função
prática – relações entre o produto e seus usuários no nível fisiológico de uso; b)
a função estética – relação entre o produto e o usuário no nível dos processos
sensoriais, um aspecto psicológico da percepção sensorial durante o uso5; e c)
função simbólica – determinada pela capacidade psíquica e social de fazer
conexões entre a aparência percebida sensorialmente e a capacidade mental
de associação de idéias (símbolos).

Vale ressaltar que as funções estão entrelaçadas, como afirma Ono


(2004, p. 73): “As funções de uso [práticas] encontram-se, como as funções
simbólicas, diretamente vinculadas à percepção do usuário e ao contexto em
que se insere.” Em sua tese, a autora afirma que as soluções dos produtos
variam de acordo com os aspectos socioculturais: uma motocicleta pode ser
utilizada como meio de locomoção relacionado ao trabalho por um motoboy,
enquanto o mesmo objeto pode ser considerado um veículo de passeio por
outro usuário. Diferentes contextos, diferentes funções simbólicas.

Kasper (2004, p. 01), em seu artigo Aspectos do Desvio de Função,


questiona a função como propriedade de um objeto quando o uso de um
artefato é desviado do seu uso considerado adequado (projetado para executar
determinada função). Nas palavras do autor: uma chave inglesa utilizada como

                                                                                                                         
4
Informação apresentada pela antropóloga Miriam Goldenberg na palestra Corpo, Moda e Ética realizada
no dia 27/04/2010 e oferecida pelo programa de Pós-Graduação do Mestrado em Design da Universidade
Anhembi Morumbi.
5
Em sua obra o autor relata a tarefa (configurar os produtos de acordo com as condições perceptivas
humanas atendendo sua percepção multissensorial) desenvolvida na Escola Profissional de Bielefelf
durante o inverno de 1973/1974 na disciplina “Problemas Práticos da Ergonomia”. Nesta tarefa, os alunos
criaram um mostrador de balança que transmitia maior segurança (entendida como sensação ou estado
psíquico) no processo de leitura por sua aparência melhor estruturada. Löbach (2001:59-64).

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martelo. Na moda, podemos verificar alguns exemplos de objetos com funções
de uso desviadas pelos usuários, redirecionando a função simbólica: um
cadarço de sapato utilizado como cinto, uma camisa como saia.

Para desviar a função de vestido preconcebido pela designer utilizei da


experimentação: o vesti de diversas formas, desloquei os braços das cavas,
inverti as costas pelas frentes, o usei como saia, blusa e até mesmo como gola.
O objetivo central era alterar a concepção de uma dia perfeito, proposto pela
designer para conceber a idéia de um dia perfeito para a usuária. A utilização
da técnica de inversão me pareceu a idéia que melhor simbolizava a alteração
por ser representante intermitente de um ciclo que se complementa.

Fig. 3 e 4: O vestido da figura 2 com o forro para o lado de fora e as costas do vestido
aberta. Em ambas propostas foram utilizadas as técnicas de inversão realizadas em abril de
2010. Fonte: as autoras
Partindo deste principio, de inverter, sem romper: o vestido se fez blusa
trazendo o seu forro confeccionado de tule para o lado externo da peça. Me
apropriei dos fragmentos de Um Dia Perfeito combinando-os com fragmentos
de uma imagem pessoal de moda em reconfiguração por contrastes – de
ideias, formas e texturas. Alterei os seguintes elementos perceptíveis do design
de moda: as texturas – o tule antes preconcebido para ser um material que
proporcionasse volume, explodiu para uma textura externa; a silhuetas se

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transformam de oval para assimétrica com ombros volumosos; a cartela de cor
suave e banal se constituiu por contrastes sutis na composição do colar de
miçangas e da flor com elementos bases do look em cores densas e pesadas -
da legging preta e sapatos de verniz vermelhos.

Considerações finais

Neste artigo que combina estudos fenomenológicos com experimentais


registramos a participação inventiva do usuário que transforma a função
vestido do design em peças do artefato de outras naturezas. Ao realizarmos tal
transformação utilizando a técnica de criação inversão, as funções de uso,
estética, simbólicas e até mesmo emocionais se reconfiguraram de outra
maneira compondo não mais o dia perfeito proposto pelo designer e sim
fragmentos subjetivos da inversão da perfeição do usuário.

O usuário de moda não é um simples usuário, mas sim um indivíduo


que comunica idéias, símbolos e vontades por intermédio de sua imagem, seu
styling pessoal. Ele se apropria da criação do designer de moda para
manifestar sua própria inventividade, fazendo uso de sua segunda pele que
promove vínculos e identificações sociais com a quarta pele.

Neste processo poético e inventivo do usuário encontramos a memória


do designer persuadida por aquele que a usa e faz da sua interpretação
subjetiva uma forma absolutamente singular de sintonizar idéias,
parafraseando Preciosa.

Referências Bibliográficas:

CASTILHO, Kathia e MARTINS, Marcelo. Discursos da moda: semiótica,


design e corpo. Cap. 1: A comunicação de moda por meio do design. São
Paulo: Editora Anhembi Morumbi, 2005.

CHAUI, Marilena. Convite a Filosofia. São Paulo: Editora Ática, 2000.

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São  Paulo:  Universidade  Anhembi  Morumbi,  2010  
KASPER, Christian Pierre. “Aspectos dos desvios da função”. IFCH – Unicamp,
outubro de 2004. Acessado entre abril a junho de 2008. Disponível em:
www.ifch.unicamp.br/cteme/Pierre_ATP.pdf.

KRIPPENDORFF, Klaus. Design Centrado no Ser Humano: uma necessidade


cultural. Estudos em Design. Rio de Janeiro: Volume 8, Número 3, p. 87-98,
setembro de 2000.

LIPOVETSKY, Gilles. O Império do efêmero – a moda e seu destino nas


sociedades modernas. São Paulo: Editora Schwarcz, 1989.

LÖBACH, Bernard. Design industrial – base para a configuração dos produtos


industriais. São Paulo, Editora Blucher, 2001.

MORIN, Edgar e ADORNO, Theodor. La industria cultural. Buenos Aires:


Editora Galerna, 1967.

ONO, Maristela. Design Industrial e diversidade cultural. Tese para obtenção


do título de doutor do programa de Pós Graduação em Design e Arquitetura da
Faculdade de Arquitetura da Universidade de São Paulo. São Paulo, FAU –
USP, 2004.

POLHEMUS, Ted. Street Style. Londres: Thames and Hudson, 1994.

PRECIOSA, Rosane. Produção Estética – notas sobre roupas, sujeitos e


modos de vida. São Paulo: Editora Anhembi Morumbi, 2004.

RESTANY, Pierre. Hundertwasser: o pintor-rei das cinco peles. Editora


Taschen, 2008.

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