Centro de Pesquisa e Pós-graduação sobre as Américas Pensamento Social e Político na América Latina II Prof ª. Simone Rodrigues Pinto
Aluna: Layla Jorge T. Cesar – 11/0075820
Resenha 4 – BETHELL, Leslie. “Ideas and ideologies in twentieth century Latin America”
O avanço do positivismo na América Latina do século XIX, como doutrina filosófica,
política e científica, é minuciosamente analisado por Bethell neste texto, a partir de uma revisão bibliográfica das produções de maior destaque nessas áreas elaboradas por autores locais. Para situar um ponto de partida em sua discussão, Bethell define as linhas básicas do que nomeia como “positivismo”, um conjunto de idéias que se expressa em duas dimensões. A primeira, o sentido filosófico, onde aparece como teoria do conhecimento na qual o método científico representa a única forma de produção de conhecimento pelo homem. Os elementos desse método são a ênfase na observação e experiência – e consequente rejeição de qualquer forma de saber apriorística – e a busca por leis ou relações de causalidade entre fenômenos. A segunda dimensão, o sentido social, é expressa pelo positivismo na compreensão da sociedade como um organismo em desenvolvimento, não como conjunto de indivíduos, donde se deriva que a única maneira de estudar uma sociedade seja através da história de seu desenvolvimento – que em Comte seguiria a classificação das sociedades dentro da lei dos três estágios evolutivos. Nessa conformação analítica unilinear e cumulativa, a observação científica deve sempre seguir do mais simples, geral, independente e abstrato ao mais complexo e interrelacionado. Por esta razão, a sociologia seria a mais complexa das ciências, posto que haja sido criada depois de todas as outras e, portanto, seja a que possui maior interrelação com outras formas de saber. Na filosofia Comteana nada se perde. O desenvolvimento social se dá de forma cumulativa, e a consequência disso é a impossibilidade de se romper com o passado, com uma trajetória sócio- histórica. O homem está fadado a sustentar o peso de seu legado. Na América Latina a influência positivista teve grande peso na reforma para modernização do ensino superior, seguindo três principais características orientadoras da concepção de educação: ênfase no aprendizado enciclopédico; tendência a valorização das práticas científicas e empiricistas em detrimento do conhecimento humanista; aderência ao secularismo e ao controle do estado. Bethell considera que os educadores de então acreditaram que o investimento curricular em matérias científicas encorajaria a ordem mental e social, corrigindo o comportamento anárquico característico da região. Já no final do século XIX, havia pouca dissidência entre as elites sobre a compreensão da sociedade como um organismo análogo à natureza, determinado pelo evolucionismo social, sob maior influência de Spencer do que propriamente de Comte. As diferenças entre esses dois autores seriam para Bethell a causa da maior aderência latinoamericana à produção de Spencer. Enquanto para Comte a sociedade correspondia a um ideal de coletividade hierarquicamente organizada e não competitiva, onde o Estado e a sociedade se tornassem unos, Spencer pregava o laissez-faire, o utilitarismo, a sociedade industrial individualista liberal e sem Estado, noções que, aparentemente, condiziam mais com a herança latina do gênio ibérico. Outro posicionamento importante distinguia as produções comteana e spenceriana. À primeira faltava uma dimensão antropológica presente na segunda. Comte restringia-se ao homem branco e europeu como um modelo universal, ao passo que Spencer se referia a toda natureza. A raça, como elemento do sistema evolucionista de Spencer, tornou-se uma preocupação central na América Latina. A partir daí é possível recuperar as origens do racismo no século XIX, enraizado na Europa e difundido por dois acontecimentos importantes: em primeiro lugar, os movimentos de unificação política na formação dos estados-nação que orientaram a busca europeia por peculiaridades que definissem uma nacionalidade, como a língua, a geografia, a religião, como expressas na produção romântica da historiografia, literatura e filologia. Secundariamente, a mudança de atitude da Europa em relação aos negros quando aumentam as oportunidades de contato intercultural. Os ideais iluministas do bom selvagem e de uma civilização universal levariam, afirma Bethell, à conclusão de que apenas algumas raças, isto é, grupos humanos diferentes uns dos outros por características físicas herdadas, teriam capacidade para desenvolver sua humanidade e elevar-se. No que se refere ao desenvolvimento latinoamericano, pode-se observar os reflexos desse tipo de consideração em autores como Le Bon, para quem a América Latina seria apenas uma instância da decadência latina universal. Ou ainda que o resultado do casamento interracial na América Latina teria sido a causa da instabilidade psicológica de seus habitantes. Este formato de análise unilinear e restritivo é introjetado pelos intelectuais latinoamericanos, cuja produção deste período é marcada por um forte caráter de auto-depreciação, na leitura dos mestiços como seres inferiores, que carregavam o pior das raças de sua formação em três características principais: a arrogância ibérica e a tristeza e preguiça indígenas. Nota-se, no âmbito político um movimento de hostilidade contra as clássicas doutrinas liberais e democráticas, efeito cujos desdobramentos seriam sentidos na transição política aos regimes autoritaristas.