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MONSEN
BRASIL 2001
Digitalização: Argo
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INTRODUÇÃO
APÊNDICES
QUADRO 1
1) Mundo subdesenvolvido
2) Mundo desenvolvido
QUADRO 4
QUADRO 6
QUADRO 8
1965 2000
Suécia 2497 8679
Austrália 2009 4612
Nova Zelândia 1932 3195
Alemanha Oriental 1574 8355
Tchecoslováquia 1554 7046
Israel 1334 5839
Polônia 962 3680
Romênia 757 3224
África do Sul e Sudoeste 503 906
Argentina 492 1300
México 455 680
Brasil 280 506
Colômbia 277 359
Taiwan 221 837
R.A.U 166 480
Tailândia 126 402
Indonésia 99 123
Paquistão 91 200
Nigéria 83 125
Fonte:Kahn e Wiener — The Year 20C0.
1.4 — Variações Brasileiras em torno das Projeções de Kahn e Wiener
Pelo que vimos na secção anterior, as projeções de renda per
capita contidas no livro "The Year 2000" são muito pouco alentado-
ras para o Brasil. A esperança que podemos nutrir é a de que Kahn
e Wiener tenham construído as projeções medianas para o nosso fu-
turo com base em hipóteses excessivamente pessimistas. Os 506 dó-
lares per capita previstos para o ano 2000 resultam da suposição
de que a nossa população cresça de 3,1% ao ano até 1975, de 2,9%
ao ano daí até 1985, e de 2,4% anuais nos últimos quinze anos do
século, e de que o produto real cresça de 4,5% ao ano. As proje-
ções demográficas extrapolam plausivelmente os resultados dos úl-
timos censos, com a hipótese complementar de que o desenvolvimento
contenha levemente as taxas de natalidade. A taxa de crescimento
prevista para o produto real, no entanto, é inferior à média re-
gistrada nos últimos cinqüenta anos e, sobretudo, aos índices al-
cançados no período de após-guerra, como atestam os dados do Qua-
dro 9.
QUADRO 9
Período (% ao ano)
1920/1967 4,8
1946/1967 5,2
1950/1961 5,9
1950/1967 5,1
1956/1961 7,0
* Taxas médias geométricas interpoladas entre extremos.
Fonte:Fundação Getúlio Vargas.
QUADRO 10
Projeções para o ano 2000
Taxa de cresci-
Produto total População Renda per
mento do produto
real (% ao ano) (bilhões de dó- (milhões de capita (dólares
lares de 1965) habitantes) de 1965)
4,5 107,4 212,1 506
5,0 126,9 212,1 598
5,5 149,8 212,1 706
6,0 176,8 212,1 834
6,5 208,4 212,1 983
7,0 245,6 212,1 1.158
QUADRO 11
Projeções para o ano 2000
Taxa de cresci-
Produto total População (mi- Renda per capi-
mento do produto
real (% ao ano) (bilhões de dó- lhões de habi- ta (dólares de
lares de 1965) tantes) 1965)
1
Entre 1930 e 1940 a produção de cimento Portland aumentou de 87 mil para 745 mil toneladas anuais.
físico de importações caiu de 41% entre 1939 e 1942. As exporta-
ções, embora sofrendo alguma redução em quantidade, ganharam em
diversificação e foram beneficiadas pela melhoria das relações de
trocas. Essas condições do comércio com o exterior geraram fortes
tensões inflacionárias internas e forçaram o racionamento de vá-
rios produtos. Em compensação o país pôde acumular um bom volume
de reservas em divisas e a indústria nacional, afastada a concor-
rência externa, expandiu-se em ritmo bastante rápido. Assim, se-
gundo os índices da Fundação Getúlio Vargas, entre 1940 e 1947 o
produto real pôde crescer de 5,1% ao ano, a componente industrial
aumentando, em média, de 6,5% anuais.
Terminada a Segunda Guerra Mundial, a primeira preocupação do
Governo parece ter sido de desafogar a demanda de importações. Com
a intensidade da procura reprimida, com a alta internacional dos
preços e com o bloqueio de alguns de nossos saldos externos, as
reservas cambiais se esgotaram rapidamente. Em 1248, restabelece-
ram-se os controles quantitativos de importações por intermédio da
CEXIM. Em face da incessante escassez de dólares, firmou-se desde
então a política de incentivo à industrialização, baseada na forte
proteção contra a concorrência externa, primeiro pelo regime das
licenças de importação (que eram negadas para os produtos com si-
milar nacional), depois pelo sistema de taxas múltiplas de câmbio,
e mais tarde pela introdução de pesadas tarifas aduaneiras.
Entre 1947 e 1956, dentro dessa política de desenvolvimento
liderada pela industrialização substitutiva de importações, o pro-
duto real cresceu de 5,6% ao ano em média. A taxa de expansão da
agricultura não foi particularmente brilhante — 3,9% ao ano — mas
a do setor secundário atingiu a média anual de 8,8%. Dessa feita a
industrialização não mais se limitou à ampliação das atividades
tradicionais, mas se aprofundou na produção de matérias-primas e
bens de capital que até então eram exclusivamente supridos por im-
portações.
Entre 1956 e 1961 o Brasil alcançou as taxas de crescimento
mais espetaculares dos últimos cinqüenta anos. O produto real ex-
pandiu-se, em média, de 7% ao ano, a componente agrícola aumen-
tando de 5,8% a. a industrial de 11,1% anuais. A fórmula de desen-
volvimento então adotada foi a de industrialização a qualquer cus-
to, escudada em fortíssima proteção aduaneira e apoiada por gran-
des incentivos cambiais, e a proliferação das grandes obras públi-
cas federais, de acordo com o Programa de Metas do Governo Kubits-
chek. É verdade que esse crescimento eufórico se baseava numa po-
lítica fácil de substituição de importações e numa exploração de
vantagens a curto prazo que iria transferir sérios problemas para
o decênio de 1960. É verdade também que os índices do produto real
amplificam o êxito da política de desenvolvimento no período em
questão pela presença de três distorções estatísticas. Primeiro,
por levarem em conta a superprodução de café, estimulada pelos ex-
cepcionais preços externos alcançados entre 1953 e 1955; dentro
dos "cobwebs" longos das culturas perenes, a partir de 1957 come-
çaram a se acumular os estoques invendáveis da rubiácea, em boa
parte responsáveis pelo crescimento de 5,8% da produção agrícola
(o que, normalmente seria uma taxa quase excepcional, dada a baixa
elasticidade-renda da procura de produtos alimentares). Segundo,
porque os índices de produto real superestimam a melhoria do bem-
estar material quando o desenvolvimento é liderado por uma substi-
tuição de importações fortemente apoiada na proteção aduaneira: as
indústrias novas, exatamente as que mais crescem, entram nos índi-
ces com um peso inflado pela ineficiência de seus custos. Tercei-
ro, porque os índices de produto real também superestimam os re-
sultados do desenvolvimento quando a oferta de determinados bens e
serviços passa a ser racionada; e, entre 1956 e 1961, agravou-se o
racionamento de diversos serviços — habitação, abastecimento de
água, telefones, para citar três exemplos1. Em todo o caso é fora
de dúvida que o período em questão não se destacou apenas pelo ê-
xito estatístico: foi uma fase em que se modificou profundamente a
estrutura econômica do país e em que se implantou uma fórmula de
desenvolvimento, a qual, se não é profícua a longo prazo, pelo me-
nos se deve considerar digna de análise.
Desde 1962 as taxas de crescimento do produto real têm sido
bem menos brilhantes (sobretudo quando expostas à subtração demo-
gráfica), em virtude de uma série de anomalias que levaram alguns
pessimistas a encampar a tese algo estranha da estagnação estrutu-
ral da economia brasileira. Em 1962 e 1963 as taxas de aumento do
produto real se limitaram respectivamente a 5,4% e a 1,6% em parte
pelas distorções herdadas do período anterior, em parte pela agi-
tação política e pela instabilidade institucional promovidas no
Governo João Goulart, em parte pelas condições climáticas adversas
que prejudicaram a produção agrícola. Após a Revolução de 31 de
março de 1964 o Governo procurou implantar uma política que visava
simultaneamente à contenção da taxa inflacionária e à retomada do
desenvolvimento. Como os dois objetivos facilmente entram em con-
flito a curto prazo (embora não num horizonte mais amplo), e como
era indispensável situar o combate à inflação como prioridade cro-
nológica, não é surpreendente que as taxas de aumento do produto
real tenham sido provisoriamente insatisfatórias nos últimos anos:
3,1% em 1964, 3,9% em 1965, 3,4% em 1966 e 4,9% em 1967. Há indí-
cios de que o crescimento em 1968 foi bem mais convincente, mas,
até o momento em que se escrevia este livro, não se dispunha de
suficiente informação estatística a esse respeito.
1
É possível, não obstante, que o crescimento do setor terciário tenha sido subestimado. O Apêndice I explica alguns
pormenores técnicos dessas distorções dos índices do produto real.
séries a preços constantes de 1953. Transformadas em percentagens
do produto nacional bruto, essas estimativas se acham transcritas
no Quadro 13. Antes de tirar qualquer conclusão vale notar que,
como muitas outras estatísticas brasileiras, essas estimativas fo-
ram construídas com base em certas hipóteses algo ousadas, em face
da insuficiência de informações diretas. Assim, a formação bruta
de capital fixo só pôde ser calculada pelos critérios ortodoxos
(compras de novos equipamentos mais valor de novas construções)
para os anos de 1949 e 1958, e ainda aí foi necessário incluir no
valor dos equipamentos uma percentagem mais ou menos arbitrária a
título de margem de comercialização. Para os demais anos, a forma-
ção bruta de capital fixo foi obtida extrapolando ou interpolando
esses dados básicos por um índice que combina o consumo aparente
de matérias-primas e as importações de bens de capital. Assim, a
fidedignidade da série está condicionada à hipótese de que esse
índice realmente reflita com precisão as flutuações nos investi-
mentos fixos. Também, por falta de informações, o consumo pessoal
teve que ser calculado como resíduo, a partir das estimativas do
produto e das demais componentes da despesa. Nessas condições, um
erro na cifra de investimento dá lugar a um erro de sinal contrá-
rio na estimativa do consumo pessoal.
QUADRO 12
TAXAS ANUAIS DE CRESCIMENTO DO
PRODUTO REAL POR SETORES
(% a.a)
PRODUTO REAL 3,7 4,6 5,1 7,0 7,0 3,7 5,4 4,8
1947/1950 11,9
1951/1954 15,2
1955/1963 13,8
1964/1966 10.7
O substancial aumento da taxa média de investimentos fixos de
1947/1950 para 1951/1954 teria sido provocado pelo relaxamento dos
controles de importações (muito apertados pela CEXIM entre 1948 e
1950 e grandemente liberados em 1951 e 1952, quando se temia que a
guerra da Coréia degenerasse num conflito mundial). As menores fa-
cilidades de importação e a alta relativa dos preços dos bens de
capital (que não puderam contar com subsídios cambiais tão genero-
sos) teria sido a causa do declínio da taxa de investimentos fixos
no período 1955/1963. Um declínio ainda mais acentuado iria veri-
ficar-se no triênio 1964/1966, em virtude dos esforços de conten-
ção inflacionária aplicados pelo Governo. É muito possível, toda-
via, que esta última queda tenha sido exagerada pelas imprecisões
das estatísticas — como contrapartida da superestimativa (como re-
síduo) do consumo pessoal em 1965 e 1966.
É interessante salientar que as oscilações da taxa bruta de
investimentos no período em análise não se deveram apenas às flu-
tuações do esforço de poupança, mas muito particularmente às mu-
danças nos preços relativos dos bens de capital. O Quadro 14 des-
taca esses dois efeitos, confrontando a taxa bruta de formação de
capital (investimentos fixos mais variação de estoques) a preços
correntes e a preços de 1953. Como se pode observar, as oscilações
da taxa a preços correntes (a qual se associa ao esforço de pou-
pança) foram relativamente bem menos intensas do que as da taxa a
preços constantes. Os anos de maior taxa real de investimentos fo-
ram aqueles em que as importações de bens de capital eram benefi-
ciadas por subsídios cambiais especialmente intensos. Nos últimos
anos da série os preços relativos dos bens de capital teriam que
subir — em parte porque não seria possível sustentar esses subsí-
dios cambiais sem chegar à virtual insolvência externa, em parte
porque grande parcela dos equipamentos antes importados passou a
ser produzida no país. Essa é uma observação importante para a a-
valiação da política de desenvolvimento do decênio passado e para
o seu confronto com os métodos a serem recomendados daqui para o
futuro.
Quanto aos estoques, o seu nível absoluto caiu entre 1947 e
1950, em parte pela rápida absorção dos novos excedentes de café,
em parte pelos rígidos controles de importações aplicados na épo-
ca. Com a liberação desses controles, os estoques aumentaram subs-
tancialmente em 1951 e 1952. Entre 1953 e 1964 o crescimento anual
dos estoques oscilou em torno da média de 1,3% do produto nacional
bruto, nessa percentagem incluída a acumulação dos excedentes de
café (particularmente entre 1957 e 1961).
Examinemos agora as componentes externas da despesa nacional.
A preços constantes, a capacidade para importar cresceu entre 1947
e 1956 de 6,5% para 8,2% da renda nacional bruta, caindo nos anos
subseqüentes até 5,3% em 1965 e 1966. A expansão na primeira fase
deveu-se à considerável melhoria das relações de troca com o exte-
rior, em boa parte decorrente da alta internacional dos preços de
café. Na segunda fase o movimento das relações de trocas se inver-
teu, mas o país pôde contar com substancial ingresso de recursos
externos, sob a forma de investimentos diretos, financiamentos e,
em certos anos, pelo endividamento internacional desordenado. De
fato, até 1963, o Governo pouco cuidou de incentivar as exporta-
ções. O crescimento econômico só não chegou a ser obstado pelo
gargalo da capacidade para importar devido à melhoria das relações
de troca numa primeira fase, ao ingresso de capitais estrangeiros
numa segunda e, nos últimos anos, aos efeitos da política de subs-
tituição de importações.
QUADRO 14
TAXA BRUTA DE INVESTIMENTOS (%)
1947/1950 7,0
1951/1954 9,0
1955/1960 8,3
1961/1963 6,0
1964/1966 4,7
QUADRO 15
POPULAÇÃO ECONOMICAMENTE ATIVA TOTAL E SETORIAL
TAXAS GEOMÉTRICAS DE CRESCIMENTO ANUAL (% ao ano)
SETOR 1940/1950 1950/1960 1940/1960
QUADRO 16
TAXAS MÉDIAS DE CRESCIMENTO GEOMÉTRICO
DO PRODUTO POR PESSOA ATIVA
(% ao ano)
SETOR 1940/1950 1950/1960 1940/1960
QUADRO 17
ESTRUTURA DO PRODUTO INDUSTRIAL POR USOS (%)
(em Cr$ de 1955)
QUADRO 19
PARTICIPAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DE TRANSFORMAÇÃO
NO EMPREGO E NO PIB
% do emprego
% do produto
industrial
PAÍSES industrial
na população
no PIB
empregada
Fonte: "Some Factors in Economic Growth in Europe during the 1950' s"
— ONU.
Contas Nacionais do Brasil.
(1) Inclui Construção Civil.
(2) Emprego referido à População Economicamente Ativa.
Qualitativamente não há que discutir a propriedade dessa ori-
entação. A nossa pauta tradicional de exportações era composta de
produtos de demanda internacional pouco elástica. Se o país não
modificasse a sua estrutura econômica no sentido da substituição
de importações, as oportunidades de crescimento sustentáveis pela
poupança interna seriam facilmente estranguladas pelo descompasso
entre as compras ao exterior e a capacidade para importar. Descen-
do aos pormenores, no entanto, várias distorções parecem ter pon-
tilhado o crescimento da economia brasileira, particularmente de-
pois de 1950. Em primeiro lugar a erosão inflacionária, que nos
acabou levando à beira da hiperinflação no Governo Goulart. Em se-
gundo lugar, a sustentação do desenvolvimento não por um alto es-
forço de poupança, mas por uma exploração artificial da relação
capital/produto. Terceiro, o excessivo protecionismo a certos se-
tores industriais. Por último, o negligenciamento às exportações,
que se expandiram a taxas ínfimas na maior parte do período em,
análise.
Como veremos no capítulo V é muito provável que a inflação
pouca relação tenha mantido com a industrialização substitutiva de
importações. A alta geral de preços parece ter resultado simples-
mente das reiteradas tentativas de implantação de uma política de
incompatibilidade distributiva — uma política que se esforçava por
dividir o bolo em fatias de soma superior ao todo. É provável, a-
inda, que à custa do abafamento de certos períodos de euforia
transitória, o Brasil pudesse ter implantado o mesmo processo de
industrialização com muito poucas tensões inflacionárias, se os
Governos tivessem prestado maior atenção às limitações de ordem
financeira. Na realidade a inflação não parece ter-se correla-
cionado positivamente com o desenvolvimento, mas apenas o acompa-
nhado numa espécie de paralelismo espúrio. E é certo que a explo-
são inflacionária entre 1961 e 1964, pelos seus impactos imediatos
e pela posterior necessidade de sua correção, acabou criando sé-
rios prejuízos às taxas de crescimento do produto real no presente
decênio.
A exploração artificial da relação capital/produto talvez te-
nha sido estruturalmente mais importante, pois foi parte essencial
da política de desenvolvimento do decênio de 1950. Pelo que suge-
rem as Contas Nacionais, o Brasil não tem sido um país excepcio-
nalmente esforçado em matéria de taxa de poupança. O desenvolvi-
mento rápido do período 1947/1961 foi em grande parte conseguido
graças a uma relação incremental capital/produto extremamente fa-
vorável, a julgar pelos padrões internacionais: 2,2 em termos bru-
tos anuais, e em moeda de 1953. Esse excelente nível de produtivi-
dade monetária dos investimentos pôde ser sustentado graças a três
fatores: ao estilo extensivo do aumento da produção agrícola, ba-
seado não na melhoria dos rendimentos por hectare, mas na amplia-
ção da área cultivada, o que permitia que se produzisse mais com
muito pouca aplicação de capital; aos subsídios cambiais à impor-
tação de equipamentos, os quais tornavam artificialmente baixos os
seus preços; e ao negligenciamento de vários investimentos soci-
ais, em habitação, abastecimento d'água etc, os quais tradicional-
mente pioram a média da relação capital/produto. É fora de dúvida
que esses artifícios propiciaram um crescimento econômico brilhan-
te no decênio de 1950. Mas nenhum deles se poderia incorporar a
uma política estável de desenvolvimento a longo prazo. O aumento
extensivo da produção agrícola acaba frustrando a relação capi-
tal/produto por exigir vultosos investimentos complementares em
vias e meios de transporte. Os subsídios cambiais, ou são neutra-
lizados por vigorosos racionamentos, ou fatalmente conduzem a dé-
ficits insolúveis no balanço de pagamentos e que acabam impedindo
a continuidade do crescimento. E os investimentos em habitação e
infra-estrutura urbana não podem ser negligenciados a longo prazo,
sob pena de o desenvolvimento ser interrompido pelas tensões so-
ciais (sem contar o fato de que, nessas condições, os índices do
produto real passam a representar um brinquedo aritmético com mui-
to pouca substância econômica).
Toda indústria nascente costuma erguer-se com base em certo
grau de protecionismo, mas, no caso brasileiro, as taxas de defesa
contra a concorrência externa, parecem ter alcançado os níveis
mais heterodoxamente exagerados1. O horror metafísico às chamadas
importações supérfluas foi uma das causas desse rigor aduaneiro. A
idéia de que a tarifa devia ser calculada em função dos custos do
produtor nacional (ao invés da exigência de que esses custos fos-
sem limitados a partir da tarifa), foi outra das causas em ques-
tão. A teoria dos preços exibe à farta as distorções na alocação
dos recursos disponíveis provocados por um protecionismo dessa or-
dem. E, sob o prisma do desenvolvimento, duas conseqüências ainda
mais graves podem ser apontadas. Primeiro, a limitação das oportu-
nidades de diversificação das exportações. Segundo, a piora da re-
lação capital/produto, pois o protecionismo iria estender-se às
indústrias de bens de capital instaladas no país. Há quinze anos
atrás, muitas empresas do setor secundário puderam equipar-se fa-
cilmente com o auxílio dos subsídios cambiais. Hoje, para se ree-
quipar, essas indústrias são forçadas a se dirigir a produtores
nacionais de máquinas, cujos preços excedem consideravelmente os
dos similares estrangeiros, mesmo quando convertidos a taxas de
câmbio inteiramente realistas.
Por último, raros problemas foram tão negligenciados a longo
prazo no Brasil como o das exportações. O argumento qualitativa-
mente válido de que o aumento das exportações de certos produtos
primários era limitado pela baixa elasticidade da demanda interna-
cional, distorceu-se pelo abuso quantitativo. Em parte pela tônica
desenvolvimentista da substituição de importações; em parte pelo
atraso sistemático das taxas de câmbio em relação à inflação; em
parte pela ojeriza apriorística às exportações de produtos primá-
rios, fundada na confusão entre tonelada e valor; em parte pelo
excessivo protecionismo às novas indústrias que se instalavam no
país, as vendas ao exterior quase sempre representaram o setor re-
tardatário da demanda de bens e serviços. Nos quinze anos subse-
qüentes ao término da Segunda Guerra Mundial, o Brasil pôde sobre-
viver à estagnação das exportações, primeiro pela melhoria de re-
lações de trocas até 1954, segundo pelo afluxo maciço de capitais
estrangeiros, até 1961. Contudo, no primeiro trimestre de 1964
1
Certos produtos são protegidos com tarifas de 200%, de acordo com a legislação em vigor. As margens de proteção,
no entanto, ainda se mostrariam consideravelmente mais elevadas se fossem calculadas em relação aos valores adicio-
nados, como recomenda a teoria econômica.
chegamos à beira da insolvência internacional. Desde então o Go-
verno tem procurado estabelecer um sistema cambial que incentive
as exportações, mas os obstáculos herdados do decênio de 1950 ain-
da são ponderáveis. E o problema do incremento das exportações nos
deixa especialmente apreensivos quando nos lembramos de que a
substituição de importações não representa um processo interminá-
vel.
Todas essas observações mostram que o modelo de desenvolvimen-
to adotado pelo Brasil até o início do presente decênio, apesar de
propiciar brilhantes resultados a curto prazo, não oferecia a fór-
mula sólida para um crescimento contínuo a longo prazo. Daqui para
o futuro precisamos trilhar um caminho mais equilibrado de desen-
volvimento, com menor tolerância em relação à taxa inflacionária,
maior esforço de poupança, maior controle dos custos industriais,
e maior atenção às exportações.
Capítulo III
O PENSAMENTO ESTRUTURALISTA
1
Deve-se notar que o Programa Estratégico pouco tem de estruturalista, salvo essa exposição. O Programa, aliás, atribui
o declínio da taxa de crescimento a partir de 1962 a uma mistura de fatores conjunturais e estruturais.
10%, percentagem reduzida quando comparada com a de países de grau
de industrialização semelhante ao nosso."
"A explicação reside, principalmente, em que o processo de in-
dustrialização da década dos 50 resultou numa acentuada abertura
do leque das produtividades setoriais: o crescimento extremamente
rápido da produtividade média da mão-de-obra na indústria de
transformação e na indústria extrativa mineral não foi acompanhado
pelos outros setores. O Quadro 20 retrata essa situação, permitin-
do ver que os setores que apresentaram maiores acréscimos de pro-
dutividade, liberaram ou não absorveram mão-de-obra em termos re-
lativos, apresentaram taxas de crescimento de produtividade baixas
ou mesmo negativas."
"O exame do quadro anterior mostra que, em 1950, cerca de 33%
da população ativa possuía uma produtividade acima da média da e-
conomia, proporção que em 1960 caiu para 22%, evidenciando uma
forte concentração dos benefícios da tecnificação da economia e um
estreitamento "relativo" do mercado nacional de consumo."
"Essa concentração, juntamente com o aumento absoluto da renda
real (que entre 1950 e 1960 aumentou em 98%), e com o aumento do
número de pessoas ativas que em 1960 produziram mais do que a mé-
dia de 1950 (que foi de 41%), explicam o aumento absoluto do mer-
cado industrial. Entretanto, como no mesmo período a produção in-
dustrial mais do que duplicou, ocorreu um estreitamento "relativo"
do mercado industrial."
"De fato, o ímpeto de crescimento mantido até 1961 só se ex-
plica por se ter tratado de um processo de substituição de impor-
tações, quando as decisões de investir são orientadas pelo tamanho
absoluto dos mercados e não pela sua taxa de crescimento. Nessa
linha, o desenvolvimento industrial operou-se principalmente pelo
aprofundamento do parque manufatureiro: os setores tradicionais
expandiram-se mais ou menos na mesma proporção do PIB, com a elas-
ticidade contida pelo acima descrito "estreitamento relativo", do
mercado; em compensação, novas empresas se instalavam para produ-
zir bens duráveis de consumo, bens intermediários e bens de capi-
tal antes importados. À instalação desses novos setores dinâmicos
é que se deveu o crescimento acelerado do produto industrial, sem-
pre associado ao alongamento vertical do setor secundário. Assim,
as indústrias tradicionais, de bens de consumo não duráveis, que
em 1949 representavam 58,6% do produto industrial, respondiam ape-
nas por 39,4% do total em 1966. Já a participação dos chamados
"setores dinâmicos" produtores de bens duráveis de consumo, de
bens intermediários e de bens de capital, elevou-se nesse período
de 41,4% para 60,6%."
"Esses fatores explicam o crescimento acelerado do produto in-
dustrial até 1961. Ao mesmo tempo, porém, foram eles responsáveis
por distorções estruturais que frearam o crescimento do setor se-
cundário nos anos mais recentes."
"Como já se assinalou anteriormente, desde 1962 o produto in-
dustrial vem crescendo a taxas bastante modestas, sobretudo quando
comparadas às do decênio passado. Por outro lado, esse crescimento
vem sendo marcadamente instável; em intervalos relativamente cur-
tos, de 6 a 8 meses, alternam-se crises e recuperações, com a re-
sultante de um baixo crescimento global. Essa perda de dinamismo
pode atribuir-se a uma combinação de fatores estruturais e insti-
tucionais."
"Do ponto de vista estrutural, por volta de 1982, o parque in-
dustrial já havia chegado a um razoável grau de integração, com
limitadas possibilidades de crescimento adicional pela simples
substituição de importações ou pelo alongamento vertical do pro-
cesso produtivo. Nessas condições, o impulso para a nova fase de
crescimento industrial teria que provir ou da expansão do mercado
interno ou das exportações. Esta última possibilidade parecia re-
mota, não só pelo freqüente apelo ao artificialismo cambial, como
pelo fato de que a indústria brasileira se havia baseado em forte
proteção tarifária. Quanto à expansão da demanda interna, de um
lado era obstada pelo já aludido fenômeno do "estreitamento rela-
tivo dos mercados" resultante do hiato de produtividade associado
à industrialização substitutiva de importações; de outro lado pela
perda do dinamismo dos investimentos, numa primeira fase devido ao
caos político, numa segunda ao programa de estabilização monetária
executado no período 1964/1966. Ao mesmo tempo cessara o efeito da
demanda reprimida, que havia impulsionado certas indústrias na sua
fase de instalação, e que ao mesmo tempo incentivara o superdimen-
sionamento de certas empresas."1
QUADRO 20
PRODUTIVIDADES SETORIAIS RELATIVAS E EMPREGO
(Indústria de Transformação Æ 100)
Produtividade Relativa Taxa de crescimento Participação no Empre-
SETORES (Indústria Æ 100) anual da produtivida- go Total (%)
1950 1960 de 1950/1960 (%) 1950 1960
1
O final da exposição precedente obviamente associa concepções ortodoxas às estruturalistas. Diga-se de passagem, o
Programa Estratégico procura situar-se numa- "posição de ecletismo teórico, não evidenciada pelas citações acima, as
quais se concentraram nos elementos estruturalistas. Saliente-se também que o Programa Estratégico não encampa ne-
nhuma das soluções estruturalistas para os problemas brasileiros de crescimento, nem a estatizante nem a distributivista.
ficientes para sustentar a economia em pleno emprego. O remédio
será compensar a sua debilidade por um volume considerável de in-
vestimentos públicos, em proporção notadamente superior à re-
gistrada no decênio de 1950.
A terapêutica distributivista procura corrigir o "estreitamen-
to relativo dos mercados" provocado pela industrialização capital-
intensiva por meio de uma série de reformas estruturais. A solução
seria diminuir a atual desigualdade de rendas por uma política
fiscal e agrária capaz de aumentar o mercado efetivo de bens de
consumo. Com isso se impediria a proliferação da capacidade ocio-
sa, restaurando-se o dinamismo do crescimento auto-sustentável.
Como se vê, há certa semelhança entre essas recomendações e
aquelas que gozavam de curso oficial entre 1962 e março de 1964.
As conclusões, no entanto, resultam de um diagnóstico polidamente
elaborado. Vale por isso um exame pormenorizado tanto da evidência
empírica quanto do desenvolvimento lógico do modelo estruturalis-
ta.
1
O autor penitencia-se por não ter apresentado essas críticas numa época em que elas teriam sido mais úteis, antes da
publicação do Programa Estratégico, quando já era conhecido o diagnóstico estruturalista.
população ativa possuía uma produtividade acima da média, propor-
ção que em 1960 caiu para 22%, evidenciando uma forte concentração
dos benefícios da tecnificação da economia e um estreitamento re-
lativo do mercado nacional de consumo". Essa maneira de medir o
grau de desigualdade das rendas (quanto menor a percentagem acima
da média maior o índice de concentração) é má aritmética. A per-
centagem acima da média pode ser reduzida não porque o índice de
concentração seja alto, mas simplesmente por ser pequena a disper-
são das parcelas abaixo da média.
Um exemplo elementar esclarece a questão. Imaginemos que 40%
de uma população se componham de indivíduos com uma renda igual a
20; 40% de indivíduos com renda 50 e 20% de indivíduos com renda
80. A renda média (ponderada) é igual a 44; 60% da população (in-
divíduos do segundo e do terceiro grupos) possuem renda superior à
média.
Suponhamos agora que a renda do primeiro grupo aumente para
50, a dos demais permanecendo inalterada. Temos agora 80% da popu-
lação com uma renda igual a 50 e 20% com renda 80, o que dá uma
média igual a 56. Por qualquer critério aceitável, a nova distri-
buição de renda é menos desigual do que a precedente1. No entanto,
agora só 20% da população possuem renda superior à média.
SITUAÇÃO I SITUAÇÃO II
40 20
40 50 80 50
20 80 20 80
Renda Média: 44 Renda Média: 56
% da população % da população
com renda acima com renda acima
da média: 60 da média: 20
1
O índice de concentração de Lorenz teria baixado de 27,3% para 8,6%.
acima ou abaixo da média, usassem um índice de concentração con-
vencional, como o de Lorenz1. Os cálculos, no caso, mostrariam que
o índice de Lorenz realmente aumentou de 1950 para 1960. Mas esse
aumento não foi muito expressivo — de 39% para 42%. Isso parece
muito pouco para justificar tão dramática teoria do estreitamento
relativo dos mercados. E é provável que esse aumento do índice de
Lorenz ainda tenha sido exagerado por uma subestimação da produti-
vidade do setor terciário em 1960. Com efeito, as produtividades
médias nos setores "Serviços" e "Governo" foram calculadas a par-
tir dos índices de produto real por setores publicados pela Funda-
ção Getúlio Vargas. Quem examinar esses índices notará que eles
são simples progressões geométricas, com taxas anuais de cresci-
mento de 3,0% para os Serviços e 2,4% para o Governo. Essas taxas
correspondem ao crescimento do emprego nesses setores entre 1940 e
1950 e foram extrapoladas para o resto da série, talvez por falta
de melhores informações. Mas é de se imaginar que elas subestimem
o crescimento do setor terciário no decênio de 1950, o qual se
processou a taxas bem mais rápidas do que no de 1940. Aliás, algu-
mas comparações simples sugerem a efetiva ocorrência dessa subes-
timativa. Pelas progressões geométricas do índice do produto real,
entre 1950 e 1960, a expansão das atividades do Governo foi de
27%, e a dos Serviços de 35%. Já se usássemos a série de rendas
nominais divididas pelo deflator implícito do Produto Interno Bru-
to, essas percentagens de expansão cresceriam para 69% e 59%, res-
pectivamente.
Como se vê, a evidência empírica apresentada pelos estrutura-
listas quanto ao aumento da desigualdade de rendas entre 1950 e
1960 é excessivamente frágil. Mas aceitemos a conjectura. Supondo
que efetivamente a distribuição de renda se tenha concentrado, até
que ponto isso se poderia considerar causa de estreitamento rela-
tivo do mercado nacional de consumo? Uma redistribuição de renda,
antes de alterar o nível total da demanda, modifica a sua com-
posição. Para dar um exemplo, se transferirmos recursos dos que
ganham 20 salários mínimos para os que só recebem um salário míni-
mo, é de se esperar que a demanda de alimentos aumente; mas a de
automóveis deverá decrescer. Para se avaliar o impacto de qualquer
política redistributiva sobre a procura de bens e serviços é pre-
ciso conhecer as elasticidades da demanda dos diferentes produtos
nos diversos níveis de renda. É claro que se, em 1960, a distribu-
ição de renda no Brasil fosse mais igualitária, teríamos uma com-
posição diferente da procura por setores. Mas nada leva a crer que
essa distribuição fosse mais eficiente para o crescimento econô-
mico no decênio de 1960. Sobretudo se lembrarmos que o aparelho
produtivo do país foi montado para a distribuição da renda exis-
tente, e não para qualquer outra desejada pelos estruturalistas.
Poder-se-ia alegar, que do ponto de vista agregativo, as clas-
ses de renda alta possuem menor propensão marginal a consumir do
que as de renda mais baixa. Assim sendo, uma concentração de ren-
das diminuiria, em termos relativos, o mercado nacional de consu-
mo. Vejamos se esse efeito é relevante. Se tal acontecesse, por
volta de 1960, quando a economia obviamente funcionava a plena ca-
1
O Apêndice II explica o sentido desse índice de concentração.
pacidade, deveríamos estar com uma taxa de poupança exagerada. Es-
sa é uma conjectura agressivamente inaceitável.
Mas abandonemos toda a evidência empírica, e admitamos que,
por volta de 1960, o mercado nacional de bens de consumo fosse re-
lativamente muito estreito. Isso teria inibido os investimentos
privados, segundo os estruturalistas, no momento em que se arrefe-
ceu bruscamente o processo de substituição de importações. Essa é
uma estranha teoria do investimento baseada na confusão entre ní-
vel absoluto e taxa de crescimento. Nunca se conseguiu construir
uma teoria inteiramente satisfatória do investimento privado, mas
parece claro que uma das suas motivações reside no aumento da pro-
cura (princípio de aceleração). Não se deve confundir, porém, au-
mento da procura com seu tamanho absoluto. Este poderia ser limi-
tado, em virtude do hipotético estreitamento relativo dos merca-
dos. Mas não necessariamente o seu aumento ano a ano. Naturalmente
é possível constatar que entre 1962 e 1967 a procura interna, em
termos reais, cresceu menos rapidamente do que no final do decênio
de 1950. Mas essa é uma simples verificação a posteriori — a pro-
cura cresceu lentamente porque o país pouco se desenvolveu, o que
nada tem a ver com a suposição de que a procura estivesse estrutu-
ralmente fadada à semi-estagnação a partir de 1962.
Finalmente, por que o arrefecimento brusco das oportunidades
de substituição de importações após 1961? É claro que um processo
intenso de substituição de importações não dura indefinidamente,
mas um amortecimento gradual parece muito mais plausível do que um
esmorecimento abrupto. Por que o ano-limite mágico de 1961? Nessa
altura ainda restavam apreciáveis oportunidades de substituição de
importações (na indústria química, por exemplo).
Mais uma vez, pode-se constatar, pelas estatísticas, que a
substituição de importações se arrefeceu bruscamente em 1962. Essa
é, no entanto, outra simples verificação a posteriori. As oportu-
nidades de substituição ainda existiam, mas não se efetivaram por-
que outros fatores (nada estruturais) inibiram os investidores
privados.
Toda a argumentação acima mostra quão frágil é de se conside-
rar o diagnóstico estruturalista da semi-estagnação brasileira a
partir de 1962. Na realidade qualquer explicação estrutural parece
dispensável quando se recorda a violência das perturbações exóge-
nas que incidiram sobre a economia brasileira. Lembremo-nos das
distorções inflacionárias e cambiais herdadas do fim do decênio de
1950; do caos político e da irracionalidade administrativa entre
1962 e março de 1964; e dos subseqüentes esforços para reduzir a
taxa de inflação de 90% para 25% ao ano. Diante de tudo isso o que
talvez nos surpreenda é que o produto real brasileiro ainda tenha
conseguido expandir-se a taxas próximas de 4% ao ano. E o diagnós-
tico estruturalista talvez nos lembre o que na França se denomina
"chercher midi à quatorze heures".
1
Se desejarmos um exemplo contundente nesse sentido lembremo-nos da indústria de energia elétrica, a qual trabalha
com uma curva de carga fortemente variável segundo as horas do dia. Ninguém pensaria em elevar para 100% o fator
de utilização das usinas elétricas como ingrediente básico de uma política de desenvolvimento.
dez monetária e baixas taxas de juros. Tal é o tipo — o único ali-
ás — curável pela política keynesiana.
Os casos de capacidade ociosa verificados no Brasil nos últi-
mos anos ou se filiaram à classificação setorial, ou ao tipo glo-
bal de crise de crédito — estes em períodos transitórios e que
precederam um declínio substancial da taxa de inflação. Seria na-
tural que os estruturalistas, como aliás quaisquer interessados em
problemas econômicos, se preocupassem com o melhor aproveitamento
dos fatores de produção disponíveis. Os remédios recomendáveis, no
entanto, nada tinham de keynesianos. Os poucos casos de capacidade
ociosa global corrigiram-se em 1965 e 1967 via expansão monetária
(a taxas provavelmente exageradas, numa espécie de política pendu-
lar). E várias medidas de redistribuição financeira (e não direta-
mente de renda) recuperaram determinados setores onde a demanda
parecia cronicamente deficiente. Assim, a indústria de materiais
de construção pôde erguer-se graças ao Plano Nacional de Habita-
ção, lastreado no princípio da correção monetária e nos recursos
do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço. Do mesmo modo, as indús-
trias automobilística e de eletrodomésticos melhoraram sensivel-
mente as suas vendas depois que se instituiu o sistema de consór-
cios e depois que as Sociedades de Crédito e Financiamento passa-
ram a operar em larga escala no chamado crédito direto ao consumi-
dor.
Que dizer, em suma, da terapêutica estruturalista, quer na sua
componente estatizante, quer na redistributiva? Como medida de
curto prazo ela parece inadequada, por partir de um diagnóstico
impróprio dos casos de capacidade ociosa verificados no Brasil.
Como conselho a longo prazo, entra em conflito com as condições
mais elementares para o aumento da taxa de desenvolvimento: a ele-
vação da taxa de poupança e a melhoria da produtividade dos inves-
timentos. A solução estatizante, a do aumento da participação do
Governo na formação de capital do país, das duas uma: ou desequi-
libraria investimentos públicos e privados, desenvolvendo uma in-
fra-estrutura à custa da atrofia da superestrutura, caso o Governo
não expandisse os seus setores de ação; ou, se o Governo tomasse a
seu cargo novas áreas de inversão, conduziria a uma socialização
dificilmente compatível com a melhoria de produtividade indispen-
sável ao desenvolvimento. A solução distributivista — a de igualar
rendas para aumentar o consumo — seria ainda pior. A curto prazo
implicaria numa redistribuição caótica da procura, cujo resultado
talvez fosse uma mistura de inflação e capacidade ociosa. E a lon-
go prazo mutilaria a taxa de poupança — o principal ingrediente
quantitativo de qualquer esforço de desenvolvimento.
Metodologicamente, os estruturalistas parecem ter cometido
dois deslizes. Primeiro, um sofisma de indução: tomaram um período
em que o setor privado não dispôs de condições para investir, pela
quase hiperinflação, pelas perturbações políticas e pela falta de
recursos, e daí concluíram que existia uma deficiência estrutural
na sua capacidade de inversão. Segundo, confundiram política de
recuperação a curto prazo (voltada predominantemente para a pro-
cura) com política de crescimento a longo prazo (essencialmente
dirigida para a oferta). O resultado teria que ser algo de muito
bizarro, como a idéia de que reduzir a taxa de poupança é boa re-
gra para a aceleração do desenvolvimento.
1.000 dólares
1
Furtado não deixa claras as suas intenções sobre a tributação adicional dos lucros retidos das empresas. Essa tributa-
ção, todavia, precisaria ser substantivamente intensa para que o exercício tivesse alguma validade, e isso tornaria ainda
mais implausível a sua hipótese quanto a propensões marginais a consumir.
2
Ressalte-se, nesse ponto, o conteúdo do Programa Estratégico de Desenvolvimento — 1968/1970. Embora aceitando o
diagnóstico estruturalista, as suas recomendações são bastante semelhantes às resumidas nesta seção.
redistribuição brusca de intuitos igualitários pode mutilar a ca-
pacidade de poupança e frear, por escassez de recursos, a taxa de
desenvolvimento. O problema em nada se assemelha a um círculo vi-
cioso, mas exige uma política atenta de crescimento equilibrado,
que procure obter a expansão dos mercados como resultado do aumen-
to físico da produção. E nessa fase, é essencial que as empresas
se voltem para a redução dos custos e para a melhoria da produti-
vidade, procurando ampliar o seu campo de ação pela baixa dos pre-
ços relativos de seus produtos.
Essas observações, que de alguma forma equivalem a uma inspi-
ração estruturalista, devem servir como advertência para os res-
ponsáveis pela formulação da política econômica no Brasil. Um país
de baixa renda per capita, por definição, não possui brilhante ex-
periência secular em matéria de política de desenvolvimento. No
decênio de 1950 conseguimos resultados plausíveis, mas diante de
um problema fácil, capaz de ser resolvido pela técnica do cresci-
mento desequilibrado. O problema daqui por diante, embora já re-
solvido por muitos países, é de solução menos óbvia do que aquele
de que tratamos no passado recente. Precisamos de suficiente ra-
cionalidade e de serenidade para o enfrentar, aceitando os sacri-
fícios necessários para que fujamos aos vaticínios do Hudson Ins-
titute.
Quanto ao mais, louvem-se as boas intenções humanitárias dos
estruturalistas. É compreensível que a desigualdade de rendas atu-
almente observada no Brasil (embora não suficientemente documenta-
da do ponto de vista estatístico) fira os bons sentimentos dos ci-
entistas sociais. É natural que a atenuação progressiva dessa de-
sigualdade se coloque como objetivo básico da política econômica.
Mais inquietante, porém, do que qualquer desigualdade é a própria
renda média per capita, da ordem dos 300 dólares anuais — cifra
que nos aconselha a criar riqueza e não a distribuir miséria. Os
estruturalistas procuraram construir uma teoria simpática, onde o
distributivismo a curto prazo ajuda a intensificação do ritmo de
desenvolvimento. Mas infelizmente a economia continua sendo, ao
que tudo indica, a penosa ciência do custo alternativo.
CAPÍTULO IV
A ARITMÉTICA DOS COELHOS
QUADRO 22
EVOLUÇÃO DO CRESCIMENTO DEMOGRÁFICO BRASILEIRO
PERÍODO Crescimento
Nata- Morta-
lidade lidade
Migra-
Global Natural
tório
1
A Câmara de Deputados já instaurou Comissões Parlamentares de Inquérito para investigar as tentativas de controle de
natalidade e de difusão de anticoncepcionais.
mensalmente pago às famílias com mais de seis filhos, e os auxí-
lios-maternidade. E, em quase todos os pronunciamentos oficiais, a
nossa explosão demográfica é situada como fator de orgulho, e não
de preocupação nacional.
Quatro argumentos costumam apoiar esse nosso ufanismo demográ-
fico. O primeiro é o da importância nacional: admite-se que um pa-
ís se torne tão mais importante, no concerto mundial, quanto maior
for a sua população. O segundo é o da segurança nacional: a nação
precisa de um contingente humano suficientemente amplo para defen-
dê-la contra a cobiça e contra a agressão internacional. Terceiro,
o da ocupação territorial: o Brasil possui vastos espaços vazios,
com grande potencial de riquezas naturais, famintos de um cresci-
mento demográfico que assegure o seu povoamento. Quarto, o de que
é preciso aumentar a população para alargar os mercados.
Alguns desses argumentos faziam certo sentido na época em que
não se havia difundido a consciência dos problemas de desenvolvi-
mento. Mas, no momento em que se pensa em taxa de crescimento da
renda per capita, não se pode deixar de associar o ufanismo demo-
gráfico àquela estranha aritmética que procura engordar os quoci-
entes inflando os divisores. Os adeptos da explosão populacional
não se inquietam com essa observação e citam uma das recentes En-
cíclicas: "a solução é aumentar o banquete, e não reduzir o número
de comensais". Em suma, o importante é que o produto real cresça
rapidamente, e não que a taxa de natalidade decline: o Governo que
trate de desenvolver o país, e o crescimento demográfico será fa-
cilmente absorvível pela prosperidade geral. A resposta, como se
vê, é qualitativa e não quantitativa. Os adeptos da explosão popu-
lacional não examinam a viabilidade dessa solução diante de um in-
cremento demográfico de 3% ao ano.
Embora desatualizado, o nosso ufanismo demográfico está longe
de ser original. O tratamento da elevação populacional como um dos
objetivos centrais da humanidade é tão antigo quanto a própria ci-
vilização, e tem sido inspirado nos mais diversos contextos e mo-
tivações. O "crescei e multiplicai-vos" do Gênesis, a repulsa mar-
xista às teorias de Malthus, os dogmas demográficos do partido na-
zista, ou o diagnóstico estagnacionista daqueles, como Alvin Han-
sen, que foram mais keynesianos que o próprio Keynes, chegam a al-
go em comum, embora partam de origens inteiramente distintas. A
coerência de uma teoria social, no entanto, depende do comporta-
mento de certos parâmetros aritméticos, geralmente implícitos na
época de sua formulação. O "crescei e multiplicai-vos" é a regra
básica para a preservação da espécie quando, pela incipiência da
medicina, as taxas de mortalidade quase igualam as de natalidade.
A explosão demográfica pode ser desejada por um Governo cuja prin-
cipal preocupação não seja a de melhorar os padrões de vida do po-
vo, mas a de fortalecer os quadros da sua infantaria. A estagnação
populacional e o conseqüente desestímulo aos investimentos em
construção e inúmeros serviços básicos pode inquietar um país de
alta capacidade produtiva, mas deprimido pela insuficiência de
procura global. Entretanto a aritmética muda, quando nos voltamos
para as nações subdesenvolvidas, essencialmente preocupadas em me-
lhorar sua renda per capita, mas freadas pelo peso da explosão de-
mográfica. O problema populacional não pode ser tratado nos mesmos
moldes numa nação desenvolvida com 1% ao ano de aumento demográfi-
co, e numa outra subdesenvolvida cuja população cresça de 3% anu-
ais. Foi esse esforço de dimensionamento que levou os países comu-
nistas a rever os seus dogmas e a encampar às escancaras o contro-
le de natalidade. Essa mesma preocupação nos deve levar a reconhe-
cer a importância da planificação familiar, aceitando que, numa
época em que a medicina reduziu tão drasticamente as taxas de mor-
talidade, o "crescei e multiplicai-vos" do Gênesis não precisa su-
bordinar-se a progressões geométricas tão explosivas.
1
O Apêndice III expõe em pormenores um desses modelos de círculo vicioso da pobreza.
fica de 3,5% anuais será necessário esperar 29 anos para essa du-
plicação. O Quadro 23 a seguir mostra, para várias taxas de expan-
são demográfica e para um crescimento do produto real de 6% ao a-
no, três indicadores desse efeito aritmético: a taxa de cresci-
mento da renda real per capita, o tempo necessário à duplicação do
produto real por habitante, e o tempo necessário à multiplicação
por doze dessa renda real (tempo que nos levaria a alcançar apro-
ximadamente a atual renda per capita dos Estados Unidos).
QUADRO 23
1
Crescimento Demográfico e Desenvolvimento Econômico — O Caso Brasileiro — Fortaleza, dezembro de 1968.
De fato, qualquer política de controle populacional tem que
partir do postulado básico do respeito às liberdades individuais;
cada família deve ter o direito de escolher livremente a dimensão
que desejar. Esse direito, todavia, só se poderá exercer na sua
plenitude quando a população tiver acesso a todas opções, uma das
quais é a do uso dos anticoncepcionais modernos.
Capítulo v
A TOLERÂNCIA INFLACIONARIA
1
A idéia da influência dos picos prévios, ainda que num estilo algo diferente, foi amplamente analisada por Duesenber-
ry — Income Saving and a Theory of Consumer Behaviour (Harvard University Press, 1949).
netária. Em particular, interpreta a alusão tão costumeira aos
"sacrifícios da estabilização". Torna-se necessário implantar uma
política de "prometer menos para que a inflação não dissolva aqui-
lo que foi prometido", e essa política dificilmente causa o agrado
popular. Em primeiro lugar, porque muitos esperam da estabilização
o milagre de tornar duradouros os auges fugazes do poder aquisiti-
vo passado. Em segundo lugar, porque outros, pouco confiantes na
estabilização dos preços, temem que de promessas mais magras adve-
nham resultados também mais minguados.
Tal é, em linhas gerais, o contexto sócio-político dentro do
qual se desenvolveu a inflação brasileira do pós-guerra. Não sur-
preende que, dentro desse contexto, proliferassem os mais variados
focos objetivos do processo inflacionário — tais como os déficits
públicos descontrolados, a expansão monetária acelerada e os rea-
justes salariais desordenados. Não surpreende também que várias
tentativas de estabilização tenham fracassado, pela sua incapa-
cidade de enfrentar o problema político de recompatibilização dis-
tributiva.
1
Um decreto de 1964 autorizou a revisão do conceito de custo histórico, com a inclusão das correções monetárias cabíveis.
privada era apontada à opinião pública como incapaz de atender à
sua crescente demanda no processo de desenvolvimento econômico.
C) — O Controle Cambial
E) — A Imprevisibilidade Financeira
F) — As Ilusões de Rentabilidade
1
A tributação dos lucros ilusórios vem sendo suprimida gradualmente desde a promulgação da Lei nº 4357, de julho de
1964. Essa lei permitiu que as depreciações fossem calculadas a partir dos ativos corrigidos e que a manutenção do ca-
pital de giro fosse abatida no cálculo dos lucros extraordinários. O Decreto-Lei nº 401 de dezembro de 1968 veio permi-
tir que a manutenção do capital de giro fosse parcialmente deduzida do lucro tributável.
dade social. Desestimulam-se os investimentos de base e incentiva-
se a especulação. Afrouxa-se a correlação entre enriquecimento e
esforço produtivo e desenvolve-se em grande parte do povo a con-
vicção de que é preferível ser esperto a trabalhar.
Nenhuma dessas distorções provocadas pela inflação brasileira
se pode considerar surpreendente. Todas elas simplesmente trans-
crevem a experiência de tantos outros países que se submeteram ao
processo inflacionário. É certo que no Brasil essas distorções não
chegaram a impedir que o produto real crescesse aceleradamente até
1961. Essa coexistência, aparentemente pacífica, em parte se ex-
plica porque se tratava de uma fase de desenvolvimento fácil, ba-
seada na substituição de importações; em parte porque o Governo
conseguiu melhorar artificialmente a relação capital/produto pelo
descaso aos investimentos sociais e pelo subsídio cambial às im-
portações de equipamentos; em parte, ainda, porque o Governo am-
pliou consideravelmente a sua ação como investidor supletivo, di-
ante dos desestímulos com que a inflação afastava as poupanças
privadas dos setores de infra-estrutura. Resta indagar se essa não
era uma fórmula artificial de crescimento, explorada até seu limi-
te de elasticidade, e sem condições de persistência a longo prazo.
Desde 1964 o Governo vem procurando não apenas conter a taxa
inflacionária, mas também neutralizar as distorções por ela causa-
das. Esse último aspecto tem sido conseguido pela introdução da
correção monetária nos títulos da dívida pública, nos débitos fis-
cais, nos financiamentos imobiliários, nos balanços de empresas,
nas tarifas de serviços de utilidade pública, nos aluguéis e nos
títulos de crédito a médio e longo prazo. Embora a correção de al-
guma forma realimente a taxa inflacionária, esse foi um passo im-
portantíssimo em prol da racionalidade econômica, sobretudo diante
do fato de que é impossível afastar das expectativas a contingên-
cia das futuras altas de preços. Isso talvez nos autorize a afir-
mar que hoje somos muito mais resistentes à inflação do que a mai-
oria dos países — uma alta de preços de 20% ao ano certamente se-
ria muito mais nociva aos Estados Unidos ou à Alemanha do que ao
Brasil. Mas daí à tolerância com a inflação crônica vai uma grande
distância. Há problemas sérios, como o da imprevisibilidade finan-
ceira, que não se conseguem resolver pela correção monetária.
(Também o impasse no mercado de crédito a longo prazo ainda não
foi satisfatoriamente solucionado.) Por último vale lembrar que a
correção monetária fatalmente se limita a uma componente relativa-
mente pequena do sistema de preços. A correção monetária geral,
aplicável a todos os preços de produtos e fatores de produção se-
ria uma instabilidade algébrica: ou se tornaria inócua, pela per-
feita estabilidade dos preços, ou provocaria de imediato uma hipe-
rinflação.
1
Relação percentual entre importações e produto interno bruto.
tações de açúcar (favorecidas pela incorporação de Cuba ao bloco
comunista), e fora as incursões ainda modestas no campo das expor-
tações de manufaturas (especialmente propiciadas pela criação da
ALALC), poucas alterações de monta se registraram na composição de
nossas vendas ao exterior. Como se verifica no Quadro 25, ainda em
1967, os gêneros alimentícios eram responsáveis por 62,4% da nossa
receita de exportações.
De fato, a introversão econômica do Brasil parece ter sido co-
adjuvada por uma série de fatores que inibiram a expansão das ex-
portações. Sobre eles valem alguns comentários.
Em primeiro lugar, os últimos cinqüenta anos abrangeram alguns
períodos em que a conjuntura mundial se mostrou bastante desfavo-
rável à expansão do comércio. A Grande Depressão do decênio de
1930 nos custou considerável declínio na receita cambial, e gerou
o mais severo desestímulo às exportações. A Segunda Guerra Mundi-
al, se nos favoreceu pela melhoria das relações de troca, preju-
dicou o volume de nossos embarques para o exterior e, mais ainda,
nos compeliu ao drástico racionamento das importações. Esses perí-
odos nos levaram à convicção de que é preferível pagar um certo
preço pela relativa auto-suficiência econômica, em termos de des-
vios ao clássico princípio das vantagens com parativas, do que fi-
car sujeito aos azares da conjuntura mundial. Em suma, num mundo
dominado pela vocação nacionalista, não seria lucrativo aderir à
filosofia internacionalista.
Em segundo lugar, desde o término da Segunda Guerra Mundial
até 1964, a taxa de câmbio foi sistematicamente fixada em níveis
fortemente desestimulantes para as exportações. Entre 1948 e 1953
a taxa de Cr$ 18,50 por dólar foi artificialmente sustentada, não
obstante a ponderável inflação interna, pelos controles da CEXIM.
De 1953 a 1957, entre as taxas pagas aos exportadores e as cobra-
das aos importadores, interpunha-se um considerável saldo dos á-
gios sobre bonificações. E, a partir de 1957, esses saldos foram
substituídos pelas mais ousadas alíquotas da lei das tarifas adua-
neiras e ainda pela manutenção do regime das taxas múltiplas de
câmbio. A tendência a reprimir a inflação pelos sintomas, já des-
crita no capítulo anterior; o temor de que uma desvalorização mais
realista se tornasse a causa da alta interna dos preços dos pro-
dutos de exportação; o desejo de subsidiar as importações de maté-
rias-primas e bens de capital; e a negligência com o endividamento
externo desordenado, parecem ter sido as principais motivações
dessa política cambial. Desde 1964 o Brasil vem procurando adotar
um regime cambial bem mais realista e que culminou, em 1968, com a
instituição do sistema de taxas flexíveis (ou reajustáveis em pe-
quenos degraus). É de se confiar que essa política, se sustentada
a longo prazo, produza bons resultados.
QUADRO 24
INDICADORES DO COMÉRCIO DO BRASIL COM O EXTERIOR
1920-1967
(Base dos índices:1939 = 100)
Fonte:APEC.
A)Limite do capital
Taxa de
Investimento
13,7 19,4
Relação
Capital/produto
4 : 1 3,4 4,9
3 : 1 4,5 6,4
B)Limite de mão-de-obra
Taxa de aumento
da produtividade
2,5% a.a 3,01% a.a
Taxa de
crescimento
da população ativa
0 1,91 3,37
US$ 300 milhões 3,21 4,49
1
O ingresso líquido de capitais estrangeiros corresponde às entradas de investimentos diretos, aos reinvestimentos,
mais financiamentos autônomos e compensatórios, menos as amortizações de empréstimos e repatriamento de capitais.
Dentro do princípio contábil das partidas dobradas, o ingresso líquido de capitais estrangeiros é igual ao déficit do ba-
lanço de pagamentos em conta-corrente.
ja o equivalente a 28 bilhões de dólares, e que os principais pa-
râmetros do balanço de pagamentos venham a ser os seguintes:
1
Em toda a presente seção excluímos a renda líquida enviada para o exterior do cálculo do coeficiente de importações.
tados continuariam péssimos: não teríamos ultrapassado a média a-
nual de 1,6%.
De fato, não é plausível esperar que o ingresso líquido de ca-
pitais estrangeiros possa crescer, a longo prazo, a taxa superior
à da expansão das exportações. As agências e investidores externos
nunca se esquecem de calcular um parâmetro muito simples, a rela-
ção dívida/exportações. Quando essa relação se torna exageradamen-
te alta é sinal de que o país caminha para a insolvência interna-
cional — e os investidores estrangeiros tratam de cortar a sua a-
juda. Atualmente a relação dívida externa/exportações para o Bra-
sil é da ordem de 2:1, nível perfeitamente razoável pelos padrões
internacionais. Contudo os índices de endividamento subiriam des-
controladamente caso as exportações se expandissem mais lentamente
que o ingresso líquido de capitais estrangeiros.
Mais ainda, a possibilidade de as exportações e a ajuda exter-
na crescerem à mesma taxa depende de essa taxa não ser pequena.
Pode-se demonstrar que, nesse caso, a relação dívida/exportações
tende, a longo prazo, para um limite igual a m/i, designando m a
relação entre o ingresso líquido de capitais estrangeiros e o va-
lor das exportações, i a taxa comum de crescimento geométrico1. Co-
mo se vê, a relação dívida/exportações acaba se tornando inver-
samente proporcionai à taxa de aumento das exportações. Se esta
taxa for pequena, os índices de endividamento se tornarão insus-
tentáveis. Em particular, com as exportações estagnadas, os capi-
tais estrangeiros acabariam cessando de afluir pelo conges-
tionamento da dívida.
É interessante ilustrar a questão com um exemplo numérico. Su-
ponhamos que m seja igual a 15%, como em nossa projeção aproximada
do balanço de pagamentos para 1969. Se as exportações crescerem de
6% ao ano, caminharemos para uma relação de endividamento igual a
2,5. Esse índice pode considerar-se perfeitamente razoável. A ren-
da líquida enviada para o exterior, calculada à taxa de juros de
6% ao ano, absorveria apenas 15% da receita de exportações. Admi-
tamos porém que as exportações só crescessem de 1% ao ano. A rela-
ção dívida/exportações tenderia agora para um limite igual a 15
vezes. Nas mesmas hipóteses de cálculo, a renda líquida enviada
para o exterior passaria a absorver 90% da receita de exportações
(ou 78,3% da receita cambial total). Obviamente tal seria um nível
insustentável de endividamento. Em princípio, o país poderia con-
tinuar recebendo ajuda externa, mas o coeficiente m teria que bai-
xar substancialmente.
Feitas essas observações é interessante verificar quais as ta-
xas possíveis de crescimento do produto real até o fim do século
em face do limite do balanço de pagamentos. O Quadro 27 apresenta
o resultado dos cálculos em várias hipóteses quanto ao coeficiente
de importações e quanto às taxas de crescimento das exportações e
do ingresso líquido de capitais estrangeiros2. A metodologia adota-
da consistiu no seguinte: a) tomaram-se por base as estimativas
acima indicadas para o produto interno bruto (28 bilhões de dóla-
res) e para os principais itens do balanço de pagamentos em 1969;
1
O leitor interessado na dedução dessa fórmula pode consultar o Apêndice VI.
2
A taxa de -100% ao ano para o ingresso líquido de capitais estrangeiros corresponde à hipótese de que esse ingresso
seja igual a 300 milhões de dólares em 1969 e 0 nos trinta e um anos subseqüentes.
b) com base nesses valores e nas taxas de crescimento das exporta-
ções e do ingresso líquido de capitais estrangeiros, projetou-se o
total da receita cambial para o ano 2000; c) a renda líquida envi-
ada para o exterior no ano 2000 foi calculada somando-se, aos 300
milhões de dólares já existentes em 1969, 6% (taxa de juros média)
sobre a dívida adicional acumulada durante 31 anos; d) por dife-
rença, obteve-sé o valor das importações de bens e serviços no ano
2000; e) dividindo-se esse valor pelo coeficiente de importações,
estimou-se o produto interno bruto para o ano 2000; f) por inter-
polação geométrica calculou-se a taxa de crescimento do produto
real. O Quadro 27 contém algumas combinações entre as taxas de
crescimento, das exportações e do ingresso líquido de capitais es-
trangeiros que se podem classificar como praticamente inviáveis
por conduzirem a índices exagerados de endividamento. Tais combi-
nações foram conservadas apenas para efeitos de comparação dos re-
sultados numéricos.
Um exame sucinto do quadro nos leva a duas conclusões princi-
pais. Em primeiro lugar, a de que do ponto de vista das possibili-
dades de crescimento a longo prazo, a taxa de expansão das ex-
portações ou a redução do coeficiente de importações desempenham
papel muito mais importante do que a taxa de aumento da ajuda ex-
terna. Pode-se até afirmar que, mantidos a taxa de aumento das ex-
portações e o coeficiente de importações, é preferível não contar
com a ajuda externa do que dela dispor a uma taxa lentamente cres-
cente. Isso porque, quanto maior o ingresso líquido de capitais
estrangeiros maior o encargo, a longo prazo dos juros e remessas
de lucros. Do ponto de vista econômico, esse algebrismo encerra o
óbvio defeito de subestimar os méritos da ajuda externa, por con-
siderar in dependentes a sua taxa de crescimento, a das expor-
tações e o coeficiente de importações. Na realidade seria mais
plausível supor que o maior ingresso líquido de capitais estran-
geiros favorecesse a expansão das exportações ou a substituição de
importações (ou diretamente, ou indiretamente, por reforçar a ca-
pacidade de investimentos, colocando em ação os mecanismos de e-
qualização dos três limites mencionados na seção 6.2). Em todo o
caso o algebrismo serve de alerta contra aquela política de hori-
zonte curto que apela para a ajuda externa e se esquece do estímu-
lo às exportações — política, aliás, insustentável a longo prazo
pela explosão dos índices de endividamento.
Em segundo lugar os números mostram que só um esforço substan-
tivo de expansão das exportações permitirá que o nosso produto re-
al cresça nos próximos trinta anos a taxas anuais da ordem de 6%.
Se até o fim do século o nosso coeficiente de importações se man-
tiver em torno de 6% de produto interno bruto, essa taxa necessá-
ria de crescimento das exportações será de cerca de 6% aò ano. E
ainda que, nos próximos trinta anos, o coeficiente de importações
caia para 4%, será necessário melhorar consideravelmente o desem-
penho das nossas vendas ao exterior em relação à tendência passa-
da, aumentando-as de pelo menos 4% ao ano.
QUADRO 27
TAXAS LIMITES DE CRESCIMENTO DO PRODUTO REAL
EM FUNÇÃO DO COMÉRCIO EXTERIOR (% ao ano)
QUADRO 28
EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS POR ÁREAS – 1955/1967
DISTRIBUIÇÃO PERCENTUAL
Mercado
Estados Demais
Ano Comum AELC ALALC COMECON TOTAL
Unidos Países
Europeu
Fonte: Apec
Capítulo VII
1
O Plano Decenal, por exemplo, previa a concentração de cerca de dois terços da formação de capital do país nas mãos
de entidades públicas.
CAPÍTULO VIII
O PROBLEMA EDUCACIONAL
1
O leitor interessado nos pormenores matemáticos do problema poderá consultar o Apêndice VII.
só se pode explicar se admitirmos que, além do aumento de recursos
materiais, exista um fator residual de desenvolvimento — a educa-
ção e o progresso tecnológico.
Com certa imaginação quanto às funções de produção e com a me-
todologia dos mínimos quadrados, não foi difícil aos economistas
aferir a importância desse resíduo. Aukrust, em um estudo que a-
brangia o período 1900-1955 para a Noruega, concluiu que a taxa de
crescimento média de 3,46% ao ano resultara dos seguintes fatores:
1
No Apêndice IV vimos algumas das restrições que se podem fazer ao emprego das funções de tipo Cobb-Douglas.
QUADRO 30
ANALFABETISMO EM ALGUNS PAÍSES
PERCENTAGENS DE ANALFABETOS NA POPULAÇÃO A PARTIR DE 15 ANOS
Ano de % de
P A Í S E S
referência analfabetos
ÁFRICA
Egito 1900 80.5
Marrocos 1962 86,2
Argélia 1959 92.3
Madagascar 1953 66,5
Uganda 1959 74.9
Sudão 1956 88,0
Moçambique 1950 98,5
ÁSIA
Japão 1960 2,2
Israel )Judeus........ 1901 12,8
Israel )não judeus... 1901 52,4
Filipinas 1960 28,1
Hong-Kong 196l 28,6
Ceilão 1953 37,3
Tailândia 1960 32.3
Birmânia 1954 42.3
China Nacionalista 1956 45,9
Singapura 1957 50,2
Malásia 1957 53,0
Cambodja 1958 69,2
Índia 1961 62,2
Paquistão 1961 81,2
Irã 1956 87,2
Nepal 1952/1954 94,1
EUROPA
Bélgica 1947 3,3
França 1946 3,6
Espanha 1960 13,3
Itália 1951 14,1
Grécia 1961 19,6
Chipre 1960 24,1
Portugal 1960 38,1
AMÉRICA
Estados Unidos 1959 2,2
Argentina 1947 13,6
Chile 1960 16,2
Jamaica 1960 18,1
Porto Rico 1960 19,4
Costa Rica 1950 20,6
Cuba 1953 22,1
Martinica 1954 26,1
Paraguai 1950 34,2
Venezuela 1961 34,2
México 1960 34,6
Guadalupe 1954 34,8
Colômbia 1951 37,7
São Domingos 1956 40,1
Equador 1950 44,3
BRASIL 1960 39,0
Honduras 1961 55,4
Nicarágua 1950 62,6
Bolívia 1950 67,9
Guatemala 1950 70,6
Haiti 1950 89,5
PAÍSES SOCIALISTAS
U.R.S.S 1959 1,5
Hungria 14960 3,2
Polônia 1960 4,7
Romênia 1956 11,4
Bulgária 1956 14,7
Iugoslávia 1961 23,5
Albânia 1965 28,3
Fonte: Angus Maddison — "Foreign Skills and Technical Assistance in Economic Development" —
Paris, 1965.
Todos esses índices, embora pouco brilhantes, são menos ruins
do que os correspondentes a um passado não muito remoto. As per-
centagens de analfabetismo na faixa etária a partir de 15 anos ca-
íram de 56% em 1940 para 51% em 1950 e 39% em 1960. A relação en-
tre matrículas no ensino primário e a população de 7 a 11 anos de
idade aumentou de 64,8% em 1950 para 79,2% em 1960. O índice de
escolarização no ensino médio, de 6,6% em 1950 para 11,2% em 1960;
e o correspondente ao ensino superior, de 0,52% em 1950 para 1,11%
em 1960.
As estatísticas mais recentes mostram que, em termos quantita-
tivos, o nosso sistema educacional continua expandindo-se com bas-
tante rapidez. Num período de 6 anos, de 1960 a 1966, o total de
matrículas aumentou de 43% no ensino primário, de 100% no secundá-
rio e de 93% no superior. Como, no período, o crescimento demográ-
fico foi da ordem de 20%, registrou-se apreciável melhoria nos ín-
dices de escolarização, principalmente nos níveis mais deficitá-
rios, o médio e o superior.
Também os gastos em educação vêm aumentando consideravelmente
nos últimos anos. Entre 1960 e 1967 os dispêndios públicos no se-
tor cresceram de 85% em termos reais, conforme se demonstra no
Quadro 36 (o grosso do aumento se verificou após a Revolução de
1964). Em percentagens do Produto Interno Bruto, os gastos passa-
ram de 2,2% em 1960 para 3,5% em 1967. Tal nível de 3,5%, embora
certamente inferior ao de países como a União Soviética (7,1%), os
Estados Unidos (4,6%) e o Japão (5,3%), é comparável ao de várias
nações européias (França, Alemanha e Suécia) e superior ao da mai-
oria dos países subdesenvolvidos.
Essas cifras mostram quão pouco fundamentada é a opinião popu-
lar de que pouco se tem feito no Brasil, em matéria de educação, e
que o problema essencial é o da carência de recursos e de vagas.
Na realidade o país tem desenvolvido consideráveis esforços no que
tange à ampliação quantitativa do seu sistema de ensino. É desejá-
vel que esses esforços prossigam, e que se eleve a participação
dos dispêndios em educação no Produto Interno Bruto por quatro ra-
zões: a) porque os gastos em ensino representam uma das formas de
investimento mais produtivas para a aceleração do desenvolvimento;
b) porque os 3,5% ao ano sobre o Produto Interno Bruto ainda cons-
tituem uma soma relativamente pequena em valor absoluto, dada a
nossa baixa renda per capita; c) porque os nossos índices de anal-
fabetismo e de deficiência de escolarização ainda assumem propor-
ções alarmantes; d) porque a nossa pirâmide etária, deformada pela
explosão demográfica, situa enorme percentagem da população na i-
dade de ir à escola. Mais importante, porém, do que o esforço
quantitativo, que sempre esbarrará nos freios da escassez e do
custo alternativo, é a eliminação dos incríveis focos de improdu-
tividade do sistema. Pois infelizmente o ensino, no Brasil, cons-
titui o mais vivo exemplo de como é possível arrasar, pela estupi-
dez, a relação capital/produto de um setor.
QUADRO 31
MATRÍCULA ESCOLAR COMO PERCENTAGEM DA POPULAÇÃO 5 — 9 ANOS
ÁFRICA
Egito 1961 37,6
Marrocos 1960 27,0
Argélia 1960 25,9
Congo 1961 40,0
Madagáscar 1960 31,4
Nigéria 1961 24,6
Sudão 1961 8,5
ÁSIA
Singapura 1961 75,5
Israel 1961 71,6
Ceilão 1961 67,1
Hong Kong 1961 65,3
Coréia (sul) 1961 52,9
Filipinas 1960 45,7
Tailândia 1961 45,6
Iraque 1961 42,3
Cambodja 1961 36,4
Indonésia 1961 33,9
Irã 1961 28,2
Índia 1959 26,9
Paquistão 1960 20,6
OCEÂNIA
Nova Zelândia 1961 97,0
Austrália 1961 82,6
AMÉRICA LATINA
Cuba 1961 81,9
Porto Rico 1959 70,1
Costa Rica 1962 60,1
Equador 1962 60,0
Argentina 1961 58,7
Chile 1961 58,0
Paraguai 1961 56,8
Jamaica 1961 50,5
Venezuela 1961 54,1
México 1960/61 45,3
Colômbia 1962 37,7
BRASIL 1960 35,3
Honduras 1962 35,9
Nicarágua 1959 30,9
PAÍSES DESENVOLVIDOS
E. U. A 1961 82,1
Canadá 1961 81,2
Bélgica 1960 80,5
França 1961 75,4
Alemanha Ocidental 1961 74,8
Japão 1961 74,3
Noruega 1961/62 73,8
Inglaterra 1962 72,4
Suécia 1961 71,2
Itália 1960/61 58,1
PAÍSES SOCIALISTAS
Alemanha Oriental 1961 68,7
Polônia 1960 73,1
Hungria 1962 72,5
Romênia 1961/62 72,2
U. R. S. S. 1961 69,9
China Continental 1958/62 44,1
Fonte: IBGE
QUADRO 33
ÍNDICES DE ESCOLARIZAÇÃO PRIMÁRIA
QUADRO 34
ÍNDICES DE ESCOLARIZAÇÃO NO ENSINO MÉDIO
QUADRO 35
ÍNDICES DE ESCOLARIZAÇÃO NO ENSINO SUPERIOR
QUADRO 37
QUADRO 38
PIRÂMIDE EDUCACIONAL BRASILEIRA: 1954/1964
ÍNDICES DE
NÍVEL SÉRIE
MATRÍCULA
PRIMÁRIO 1.ª 1.000
2.ª 395
3.ª 282
4.ª 181
GINASIAL 1.ª 101
2.ª 80
3.ª 65
4.ª 53
COLEGIAL 1.ª 51
2.ª 41
3.ª 35
Fonte:IPEA — Ministério do Planejamento.
1
O vestibular único reduziu consideravelmente este segundo efeito.
Em segundo lugar, não se pode esquecer que o ingresso nas uni-
versidades deve ser um processo seletivo. Mesmo na União Soviéti-
ca, que tanto se gaba da democratização das oportunidades, a rela-
ção entre candidatos e vagas no ensino superior é da ordem de 3:1.
De fato, boa parte dos nossos excedentes só aflui ao exame vesti-
bular pelo prestígio do diploma superior, e porque o secundário
não lhes proporcionou conhecimentos úteis ao exercício de uma pro-
fissão. Uma reestruturação realista dos currículos do curso médio
poderia atenuar sensivelmente a questão dos excedentes.
Em terceiro lugar, a pura e simples criação de vagas talvez
não tivesse outro efeito senão substituir o problema dos exceden-
tes de vestibulares pelo de excedentes de profissionais, como a-
centua João Paulo Velloso. De fato o conceito de excedente deveria
ser fixado não pela comparação entre o número de candidatos e va-
gas (que inclusive leva ao já mencionado erro de dupla contagem),
mas pelo confronto entre o número de vagas e as necessidades do
mercado. Por aí chegaríamos à conclusão de que o problema dos ex-
cedentes realmente existe na Medicina, na Química e em alguns ra-
mos da Engenharia. Mas que nas escolas de Direito, Economia, Jor-
nalismo, Filosofia etc, o problema é justamente o inverso: o do
excesso de vagas.
Chegamos assim ao primeiro grande desperdício das nossas uni-
versidades: o do completo desajuste entre a oferta de vagas e as
necessidades do mercado de trabalho. O curioso é que, nesse parti-
cular, os nossos estudantes parecem ter maior noção do mercado do
que os responsáveis pela orientação do sistema educacional. De fa-
to, onde o mercado de trabalho oferece maiores oportunidades de
emprego é exatamente onde se registra o maior congestionamento de
candidatos por vaga nos vestibulares. Assim, segundo dados do IPEA
relativos a 1964, para cada vaga haveria 7,6 candidatos em Medici-
na, 3,6 em Engenharia, e 2,4 na Química Industrial. Em com-
pensação, as faculdades de Filosofia, Economia, Jornalismo, Belas-
Artes e Biblioteconomia ofereciam mais de uma vaga por aluno; e as
de Enfermagem, Educação Física, Música e Canto, mais de duas vagas
por aluno.
Como explicar esse desajuste setorial entre a oferta e a pro-
cura? Em primeiro lugar pela proliferação das Universidades-
prestígio. Em várias regiões montar faculdades e, se possível,
congregar cinco delas numa universidade é um instrumento de poder
para os políticos locais. Dada a escassez de recursos materiais e
humanos, e a motivação central de distribuir diplomas, a seleção
das faculdades não se faz pela avaliação das necessidades do mer-
cado, mas pela lei do menor esforço: criam-se as faculdades que
podem ser instaladas com meia dúzia de salas de aula, giz e qua-
dro-negro, e um corpo improvisado de professores, como as de Eco-
nomia, Filosofia, Direito etc. O resultado é que além da péssima
qualidade do ensino, o Brasil vai formando economistas onde há ne-
cessidade de médicos, literatos onde se precisa de administradores
de empresas etc. (Nessa altura, é que nos devemos alarmar com o
custo unitário da ordem de mil dólares anuais, por aluno). Que e-
xistam pressões políticas para a criação das Universidades-
prestígio, é fenômeno compreensível. O lamentável é que o Ministé-
rio da Educação tenha cedido tantas vezes a essas pressões, auto-
rizando essas faculdades a funcionar, e concedendo-lhes polpudas
subvenções. Isso aliás, fundamenta a opinião de que a questão dos
excedentes na sua conceituação correta, é menos um problema de
disponibilidade global de verbas do que de redistribuição dessas
verbas das faculdades desnecessárias para as necessárias.
Por outro lado, a multiplicação artificial das regulamentações
de profissões, numa mentalidade de retorno às corporações de ofí-
cio, favorece a proliferação das faculdades que distribuem diplo-
mas sem dar qualificação profissional. Diga-se de passagem, essas
regulamentações criam enormes entraves aos trabalhos interdisci-
plinares e à flexibilidade profissional. Para dar um exemplo, um
engenheiro que resolva dedicar-se à economia, é obrigado a es-
tender para nove anos o ciclo de sua formação universitária (como
aconteceu com o autor deste livro).
Também a nossa tradicional rigidez curricular, propensa ao a-
cademicismo, é responsável pelo desajuste entre a oferta de pro-
fissionais e as necessidades do mercado. Até muito recentemente o
nosso sistema de ensino se assemelhava a uma espécie de exército
que só formasse generais e sargentos. Só nos últimos tempos é que
se começaram a planejar as chamadas "carreiras curtas", a do enge-
nheiro de operações e a do médico de 3 anos, e ainda há o problema
de tornar essas carreiras facilmente comunicáveis com as tradicio-
nais, mediante estudos complementares, a fim de que o engenheiro
de operações não venha a ser classificado como engenheiro de se-
gunda classe. A ausência dessas carreiras curtas, além de onerar
desnecessariamente o ensino superior, é responsável por uma série
de desajustes regionais entre a oferta e a procura de profissio-
nais liberais, como o excesso de médicos em algumas cidades e a
enorme carência no interior etc.
Os comentários acima exibem a primeira grande falha das nossas
universidades, a do desajuste às exigências do mercado. O segundo
grande problema é o dos altos custos unitários, estimados em média
em 1.000 dólares anuais por aluno. Para explicá-los temos vários
fatores a considerar: a baixa relação aluno/professor, o desperdí-
cio de espaço e de tempo e a duplicação de instalações e cadeiras.
Segundo as estimativas do IPEA, em 1964 tínhamos em média ape-
nas 4,7 alunos para cada professor (internacionalmente, a relação
normal se situa entre 12:1 e 15:1). Esse péssimo índice de pro-
dutividade em parte resulta do critério de remuneração do magisté-
rio superior. O nosso professor universitário é mal pago e, em
compensação trabalha pouco. Á relação entre pagamento e trabalho
varia consideravelmente de caso para caso, naquela filosofia da
divisão de zero por zero. Como disse certo matemático, o professor
universitário ganha um infinitésimo de segunda ordem; se o seu
trabalho for um infinitésimo de primeira ordem, a remuneração por
hora se torna nula; se for um infinitésimo de terceira ordem, a
remuneração por hora se torna infinita. A julgar pelos custos mé-
dios estamos mais próximos desta última hipótese do que da primei-
ra, embora exista considerável massa de professores dedicados e
que se sacrificam pelo cargo. Também, como assinala Roberto Cam-
pos, "a improdutividade da relação aluno/professor deriva em parte
do instituto cartorial da vitaliciedade da cátedra. Proprietário
de cargo, o catedrático absorve a honraria dispensando-se do es-
forço, o que leva ao recrutamento abusivo de assistentes e instru-
tores." Diga-se de passagem, o nosso sistema universitário se tem
mostrado extremamente tolerante com o absenteísmo dos professores,
particularmente dos catedráticos. Por último, a baixa relação alu-
no/professor resulta em boa parte da proliferação das faculdades
sem mercado. Em 1966 tínhamos alguns exemplos escandalosos, para
os quais chamou a atenção o professor Leônidas Porto: seis profes-
sores para dez alunos na Escola de Odontologia do Amazonas: 130
professores para 132 alunos na Escola de Enfermagem de Minas Ge-
rais; um professor por aluno no ensino superior de Arte em Brasí-
lia; e 1,54 de relação professor/aluno na Escola de Educação Físi-
ca do Rio Grande do Sul.
Além da baixa da produtividade, as nossas universidades pecam
pela concepção imobiliária do ensino. A ambição do reitor mediano
(há honrosas exceções) é a de construir um grande prédio, com ins-
talações tão luxuosas quanto possível, ficando em segundo plano os
laboratórios e bibliotecas, e relegado ao completo descaso a for-
mação de professores. Daí resultam alguns absurdos, como o da Uni-
versidade do Paraná que oferece uma área disponível de 49m2 por a-
luno. Além do desperdício do espaço, agravado pela pouca utiliza-
ção do regime de turnos, há o desperdício de tempo. Grande parte
do ano letivo das faculdades tem sido absorvida pelas férias e pe-
las greves. A Lei de Diretrizes e Bases exige um mínimo de 180 di-
as de período escolar mas, na prática, esse período freqüentemente
se tem reduzido a 120 dias úteis. O desperdício de espaço e de
tempo não só onera consideravelmente os custos unitários do ensi-
no, como gera uma capacidade ociosa que poderia dar fácil vazão ao
problema dos excedentes (no estilo da solução Flexa Ribeiro para
as escolas primárias da Guanabara).
Por último, a duplicação das instalações e cadeiras. Em muitas
universidades proliferam os cursos paralelos de Matemática para
engenheiros, para químicos, para economistas, e duplicações congê-
neres. Isso leva à contratação de professores precariamente quali-
ficados e à dispersão e multiplicação de laboratórios e instala-
ções. A solução racional, a dos institutos que centralizam o ensi-
no em cada especialidade comum a várias faculdades, só recente-
mente começou a ser implantada em determinadas Universidades.
A par dos altos custos unitários há o problema da má qualidade
do ensino. Boa parte de nossas escolas superiores é capaz de for-
necer diplomas, mas não de oferecer qualificação profissional a
seus alunos. Em certas faculdades "fáceis" e de capacidade ociosa
em relação às necessidades do mercado, o problema chega a assumir
proporções escandalosas. É o caso, por exemplo, das faculdades de
Economia, que hoje diplomam mais de 2 mil profissionais por ano. O
mercado de economistas é, atualmente, um verdadeiro mercado dual:
há superabundância de profissionais despreparados e, ao mesmo tem-
po, uma intensa procura de economistas de bom nível. Os baixos pa-
drões qualitativos de boa parte de nosso ensino superior resultam
de uma série de fatores, quais sejam: a) a escassez de professores
suficientemente qualificados, como conseqüência do nosso baixo
grau de desenvolvimento, e da insuficiente remuneração do magisté-
rio superior; b) a proliferação da Universidade-prestígio, forte-
mente amparada pelos artificialismo das regulamentações profissio-
nais; c) a vitaliciedade da cátedra, que leva muitos professores a
abandonar os estudos após a sua consagração no concurso, e a sele-
cionar assistentes por critérios de amizade pessoal dissociados da
avaliação dos méritos técnicos. A recente reforma universitária
procurou, melhorar este último aspecto, estabelecendo que os as-
sistentes deveriam possuir cursos de pós-graduação. Mas a solução
não parece ter sido suficientemente bem orientada. Pois, ao invés
de se determinar que os assistentes fossem recrutados entre os
portadores de diplomas de pós-graduação, fixou-se o princípio de
que seriam criados centros de pós-graduação destinados a dar cur-
sos aos assistentes.
Por último, o tabu da gratuidade do ensino superior, em visí-
vel contraste com o secundário pago na maior parte dos casos. Como
assinala Roberto Campos, "aparentemente atraente como instrumento
de democratização do ensino, a gratuidade é, na realidade, profun-
damente antidemocrática, porque diminui os recursos disponíveis
para a solução do nosso mais grave gargalo educacional — a educa-
ção secundária e técnica — e porque constitui subvenção desneces-
sária aos filhos das classes abastadas. Todas as pesquisas até a-
gora efetuadas indicam que a vasta maioria dos universitários pro-
vém de famílias da classe média ou superior, que poderiam financi-
ar senão o custo total, pelo menos substancial fração do custo por
aluno. Amostragem feita, em 1965, abrangendo 268 faculdades e
26.000 alunos, revelou que apenas 8,5% destes provinham de classes
trabalhadoras, sem habilitação profissional ou com apenas habili-
tação manual, casos que poderiam ser tratados mediante um sistema
adequado de bolsas de estudo para cobrir não apenas o ensino, mas
também a manutenção. A gratuidade provoca distorções, incentivando
a proliferação de faculdades como instrumento de prestígio políti-
co, sem corresponder a exigências efetivas do mercado de trabalho,
e facilitando a permanência nas escolas dos repetentes profissio-
nais".
Aí está o quadro dos desperdícios em nosso ensino superior.
Não é à toa que se diz que o problema de nossas universidades não
é o da insuficiência, mas o da má aplicação das verbas.
A) Na Educação Primária:
B) Na Educação Média:
C) Na Educação Superior:
QUADRO 39
METAS INTERMEDIÁRIAS PARA O TRIÊNIO 1968, 1970
TOTAL
ENSINO MÉDIO
Ginasial (**)
Matrículas adicionais 727.000
Salas de aula adicionais 9.800
Novos professores necessários 53.740
Colegial
9.6 — O Antitecnicismo
1
Esse problema, aliás, parece estender-se a todos os países do bloco comunista, o que toma muito difícil a comparação
de suas experiências de desenvolvimento com as das nações do Ocidente. Note-se, nesse particular, que as taxas de
crescimento do produto real para os quatro países comunistas listados no Quadro 40, excedem as de todas as demais na-
ções do bloco ocidental, exceto Japão e Israel. Note se também que as taxas de crescimento econômico desses pauses
foram muito maiores no decênio de 1950 do que no qüinqüênio seguinte.
continuou sendo a principal fonte de financiamento de expansão do
parque industrial. O mercado negro continua sendo teoricamente pu-
nido com a pena de morte, mas entre o rublo oficial e o rublo de
mercado continua havendo enorme diferença. E a revolução de Liber-
man parece ter sido uma descoberta indireta dos méritos do sistema
de mercado, com louvável apoio à programação linear, mas com al-
guns séculos de atraso em relação ao Ocidente.
Não obstante, o regime comunista compreendeu dois pontos es-
senciais, sem os quais a União Soviética jamais teria chegado ao
seu posto de hoje no concerto mundial. Primeiro, que nenhum pro-
cesso de desenvolvimento pode ser construído sem enorme esforço de
poupança. Com a Cortina de Ferro, com o rigor stalinista e com uma
ditadura do proletariado que tratava de comprimir os salários ao
máximo, a Rússia conseguiu sustentar uma taxa de investimentos em
torno de 30% do seu produto interno bruto. Segundo, que o processo
de crescimento depende primordialmente da formação de recursos hu-
manos e que nenhum país pode progredir satisfatoriamente em meio
ao analfabetismo e à estagnação tecnológica. Nesse sentido temos
que absorver a lição soviética. De fato, a Rússia foi dos primei-
ros países a compreender que o binômio analfabetismo-subdesen-
volvimento constitui um círculo vicioso que deve ser rompido pelo
ataque do Estado à primeira de suas componentes. E, se no campo
das artes o comunismo parece ter transformado a Rússia num país
pouco criativo, no campo da ciência e da tecnologia a contribuição
soviética se alinha entre as mais importantes já registradas na
história da civilização. Ideologia à parte, o grande mérito do co-
munismo foi o de compreender que a poupança e a educação constitu-
em as armas fundamentais do desenvolvimento econômico.
Vejamos agora o caso do Japão. O seu exemplo é notável pelo
desafio que contém a uma estrutura extremamente avara de recursos
naturais. O território japonês é uma pequena ilha vulcânica e su-
per-povoada, mas o produto real do país vem crescendo a taxas vi-
zinhas de 10% ao ano há mais de três lustros. Na realidade o mila-
gre japonês é o resultado da poupança, da educação e do trabalho
árduo e inteligente. A parcimônia com que vive o povo e a absten-
ção do consumo supérfluo permitem que o Japão exiba a maior taxa
de investimentos do mundo, superior a 35% do produto interno bru-
to. O analfabetismo praticamente não existe no país, e uma estru-
tura de ensino extremamente pragmática prove a melhor qualificação
da mão-de-obra em todos os níveis exigidos pelo mercado. O traba-
lho é regido por uma disciplina férrea. Enquanto nós aqui cogita-
mos da redução das horas de trabalho, o comércio japonês funciona
sete dias, e o Governo seis dias por semana. Os operários japone-
ses, nos movimentos de greve, afixam seus cartazes de protesto nas
portas das fábricas, mas continuam trabalhando em seus postos.
Outra lição admirável oferecida pelo Japão é a de que é possí-
vel conciliar altos índices de produtividade com técnicas que usam
intensivamente a mão-de-obra. Nesse particular, poucos países mos-
traram tanto engenho em adaptar a tecnologia a uma dotação precá-
ria de recursos naturais. Com a escassez de terras cultiváveis e
com a superpopulação, era óbvio que o país deveria adotar uma a-
gricultura "labor-intensive" (o Japão certamente não é o lugar pa-
ra o desenvolvimento da pecuária). O perigo desse tipo de opção
era chegar-se a um sistema altamente ineficiente, como o do nosso
minifúndio. Mas os japoneses souberam solucionar o problema desen-
volvendo uma agricultura extremamente sofisticada, baseada no em-
prego intensivo dos fertilizantes e dos métodos de seleção genéti-
ca, uma agricultura que usa muito cérebro e muita mão-de-obra, mas
pouca terra e equipamentos. E, para suplementar as exigências pro-
teínicas, os japoneses souberam adaptar sua dieta alimentar, de-
senvolvendo uma indústria de pesca sem rival no mundo em matéria
de produtividade.
A liderança japonesa na eletrônica (lembre-se a revolução do
transistor) e na construção naval fornecem outro exemplo notável
de conciliação do uso intensivo da mão-de-obra qualificada com os
índices excepcionais de produtividade. O Japão, aliás, não cessa
de preocupar-se com a renovação tecnológica e com a conquista dos
melhores índices de eficiência. As fusões e associações de empre-
sas são freqüentes para racionalizar a produção e a comercializa-
ção. A recente e discutida fusão da Iawata com a Fuji, constituin-
do um gigante siderúrgico que só fica abaixo da United States Ste-
el, é um bom exemplo dessa busca incessante das economias de esca-
la e da renovação tecnológica.
Igualmente impressionante é a agressividade dos japoneses no
comércio internacional, um requisito indispensável ao seu desen-
volvimento econômico, pois a escassez de recursos naturais exige
um volume fortemente crescente de importações. Todos os adeptos
desse agradável esporte que é o turismo estão habituados a viajar
aos Estados Unidos ou à Europa e de lá voltar com uma boa mala de
produtos "made in Japan". Nesse particular os japoneses consegui-
ram revolucionar as teorias do comércio internacional, demonstran-
do à farta que a agressividade e a tecnologia são bem mais impor-
tantes do que a dotação de recursos naturais na geração das vanta-
gens comparativas. Tome-se o exemplo da siderurgia. O Japão nem
possui minério, de ferro nem carvão, mas conseguiu colocar-se na
vanguarda internacional das exportações de aço. É a prova de que
um bom aproveitamento das economias de escala, um bom conjunto de
cérebros, e um bom sistema portuário são mais importantes do que a
disponibilidade de matérias-primas para se alcançar a competitivi-
dade internacional.
O Estado de Israel oferece outro exemplo notável de como o en-
genho humano pode compensar a avareza do solo. É claro que a sua
experiência de desenvolvimento (que levou o produto real a crescer
em média de 11,1% ao ano no decênio de 1950 e de 10% ao ano no
qüinqüênio subseqüente) possui características "sui generis" que
não podem ser reproduzidas em outros países. Israel, em certo sen-
tido, foi apenas a concentração geográfica de uma nação que já e-
xistia espalhada pelo mundo. Isso valeu um considerável afluxo de
ajuda externa e uma imigração altamente qualificada, num estilo a
que nenhum outro país pode aspirar. Em todo o caso, o crescimento
econômico de Israel, às taxas em que se processou, parece um mila-
gre do trabalho e da técnica, sobretudo quando se leva em conta
que o país sempre teve que desviar boa parte de seus recursos para
objetivos militares, a fim de se defender das nações vizinhas. A
transformação de um solo desértico em terras férteis pela irriga-
ção e pelo uso adequado de fertilizantes foi o produto de um tra-
balho árduo e inteligente, numa demonstração de eficiência que
causa admiração a todo o mundo. E o retumbante sucesso da Guerra
dos Seis Dias serviu de prova de que até para fins bélicos mais
vale um bom conjunto de cérebros do que um grande exército de a-
nalfabetos.
Os cinco exemplos citados, o dos Estados Unidos, o da Alema-
nha, o da União Soviética, o do Japão e o de Israel desenvolveram-
se em contextos inteiramente diferentes em matéria de dotação de
recursos naturais, de estrutura política, de ordem jurídica, e de
tradições culturais. Todos eles, no entanto, basearam-se no tripé
"poupança-educação-racionalidade econômica e administrativa". Exa-
minemos cada um desses pontos.
Todo processo de desenvolvimento resulta de uma opção a favor
do futuro e contra o presente. Isso torna inviável a tão saborosa
idéia do desenvolvimento sem sacrifícios. É verdade que esses sa-
crifícios podem ser rapidamente recuperáveis com o crescimento do
produto real. Para dar um exemplo, um país que deseje expandir-se
aceleradamente, não pode cometer prodigalidades em matéria de po-
lítica salarial, sob pena de ter mutilada a sua capacidade de pou-
pança. Em compensação, com o aumento geral da produtividade os sa-
lários poderão crescer a taxas bastante favoráveis. Embora partin-
do de uma base mais baixa, em poucos anos esses salários ultrapas-
sarão os níveis que teriam sido alcançados pela política de maxi-
mizar o bem-estar presente em prejuízo do crescimento futuro.
É interessante, nesse sentido, contrastar duas experiências
recentes, a do Japão e a da Inglaterra. O Japão transformou-se na
civilização da poupança e do trabalho árduo. Entre 1961 e 1967 a
sua taxa média de investimentos se manteve em 36,5% do produto in-
terno bruto (Quadro 41). Com isso, o país pôde expandir seu produ-
to real a taxas da ordem de 10% ao ano, e melhorar com incrível
rapidez o padrão de vida de seu povo. Veja-se agora o caso da In-
glaterra, que optou por um estado social, fortemente voltado para
o consumo a curto prazo, e para as conquistas de trabalhismo e da
previdência social. Sua taxa média de investimentos no período em
análise limitou-se a 18,3% do produto interno bruto, taxa relati-
vamente baixa para o seu nível de renda per capita. Em compensa-
ção, o produto real só cresceu, em média de 3% ao ano.
QUADRO 41
TAXAS DE INVESTIMENTO EM ALGUNS PAÍSES
(Formação bruta de capital em percentagens do Produto Interno Bruto)
Alemanha Grã-
ANO Israel Itália Japão Suécia
Ocidental Bretanha
1
(1) Há certa semelhança de posição intelectual entre os adeptos do fatalismo demográfico e aqueles que se queixavam
da incapacidade de o setor privado atender à demanda crescente dos serviços de utilidade pública, na época em que as
suas tarifas eram limitadas pelo critério da remuneração e da depreciação pelo custo histórico nominal. Inibia-se o mer-
cado por um cuidadoso sistema de desestímulos e dai se partia para a conclusão de que o mercado não funcionava.
blico, que peca pela excessiva centralização, pelo inútil desper-
dício burocrático, pela aversão à responsabilidade, e pela mais
volúvel descontinuidade das equipes dirigentes. É fora de dúvida
que, desde 1964, melhoramos consideravelmente os nossos métodos de
formulação da política econômica, a qualidade da administração pú-
blica e até a sofisticação dos empresários privados (que tiveram
que entender a correção monetária e se preparar para o combate à
inflação). Resta saber se alcançamos o equilíbrio estável. Parte
de nossas elites ainda se perde em discussões economicamente irra-
cionais e que nenhum proveito trazem ao crescimento do país. E a
racionalidade deve emergir como uma atitude espontânea das elites,
e não como uma imposição militar.
Nenhum desses problemas comporta soluções óbvias. Mas também
não houve país que construísse uma grande civilização sem enfren-
tar os mais árduos desafios. Confiemos em que as previsões do Hud-
son Institute, segundo as quais estaremos cada vez mais enredados
no círculo vicioso da pobreza relativa, não se cumpram para o nos-
so lado. Mas é o esforço de nossa geração, e não a inércia, que as
poderá desmentir.
APÊNDICE I
Nos dois primeiros casos é óbvio que os resultados ficam aquém dos
esforços. O terceiro caso pode ser facilmente compreendido com um exem-
plo.
Suponhamos um país hipotético (bem à moda dos exemplos dos livros
textos) que produza e consuma apenas duas mercadorias: café e automóveis.
Admitiremos que o país possa exportar café e importar automóveis na razão
de 50 sacos de café para cada automóvel. Suporemos que o país também pos-
sa fabricar automóveis mas que agora, por desvantagens comparativas, a
relação de trocas interna seja de 80 sacos de café para cada automóvel
Admitamos que os valores da produção, exportação, importação e de
disponibilidade de bens sejam, em dois anos diferentes, os seguintes (ad-
mitiremos sempre o balanço comercial equilibrado a fim de que a disponi-
bilidade de bens corresponda efetivamente ao resultado obtido pela produ-
ção realizada no pais):
ANO 1:
Produção = 990.000 sacas de café + 200 automóveis.
Exportação = 190.000 sacas de café.
Importação = 3.800 automóveis;
Disponibilidade = 800.000 sacas de café + 4.000 automóveis.
ANO 2:
Produção = 1.030.000 sacas de café + 1.400 automóveis.
Exportação = 150.000 sacas de café.
Importação = 3.000 automóveis.
Disponibilidade 880.000 sacas de café + 4.400 automóveis.
P = ∑ p1 q1/∑ p1 q0
Percentagem
Renda indi- Renda total
da
vidual por grupo
população
10 10 100
20 30 600
30 50 1500
25 80 2000
10 150 1500
5 250 1250
Uma das idéias mais popularizadas nos primeiros estudos sobre desen-
volvimento econômico, elaborados por Gunnar Myrdal, e outros economistas,
foi a do chamado circulo vicioso da pobreza. Admite-se que um país é po-
bre porque poupa pouco; e poupa pouco porque é pobre.
É interessante desenvolver a idéia com certa sofisticação formal.
Quando se diz que um pais poupa pouco porque é pobre, admite-se que a ta-
xa de investimentos s(y) é função crescente da renda per capita y. Desig-
nando por v a relação capital/produto, a taxa de crescimento do produto
real se exprimirá por s(y)/v. Se a taxa de crescimento demográfico d é
tal que
s(y)/v = d
c = √0,5 yo (5)
ou seja:
Lt - Lo (1 + g)t (7)
Kt+1 - Kt = 0,12 Yt = 0,12 Lt yt (8)
Tomando por base as três últimas relações é fácil verificar, com al-
guns algebrismos, que o produto por trabalhador ativo evoluirá de acordo
com a equação de diferenças finitas:
1,0 19 73
1,5 20 76
2,0 21 79
2,5 22 81
3,0 24 84
3,5 25 87
QUADRO 42
TAXAS DE CRESCIMENTO DO PRODUTO REAL E TAXAS DE INFLAÇÃO
(% a.a.)
C) O Efeito-Poupança Forçada
Fonte: Valores calculados a partir das Contas Nacionais da Fundação Getúlio Vargas.
Admitamos uma economia que tenha no início do ano 0 uma dívida ex-
terna igual a D0. Suponhamos que nesse ano as exportações do país sejam
iguais a X0 e o ingresso líquido de capitais estrangeiros a Ao. Designe-
mos por m a relação entre esse ingresso líquido e as exportações:
M = Ao/Xo
xn = xo (1+i)n
ou seja:
Dn = Do + Ao [(1+i)n – 1/i]
gK + gL = 1 (5)
0Y = gK 0K + gL 0L + J (6)
gK = "
gL = 1 - "
J = 8
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Fim!!!
1
A observação básica para demonstração do teorema é a de que 0Y - 0K será crescente, estacionaria ou decrescente con-
forme seja menor, igual ou maior do que zero.