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Investigações em Ensino de Ciências – V10(2), pp.

227-254, 2005

ATIVIDADES EXPERIMENTAIS DE DEMONSTRAÇÕES EM SALA DE AULA:


UMA ANÁLISE SEGUNDO O REFERENCIAL DA TEORIA DE VYGOTSKY
(Experimental activities of classroom demonstrations: an analysis according to Vygotsky
theory)

Alberto Gaspar [gaspar@feg.unesp.br]


Prof. Dr. Depto Física e Química - Campus de Guaratinguetá
Unesp – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”– Brasil
Isabel Cristina de Castro Monteiro [monteiro@feg.unesp.br]
Profa. Ms. Depto Física e Química / CTIG – Campus de Guaratinguetá
Doutoranda em Educação para a Ciência – Campus de Bauru

Resumo

Neste trabalho apresentamos algumas características das atividades de demonstração


que permitem fundamentar o seu uso em sala de aula a partir da teoria de Vygotsky. Tal
fundamentação traz, a nosso ver, orientações relevantes para a otimização do processo de
ensino e aprendizagem a partir do uso de tais atividades em sala de aula. A seguir, são
descritos alguns dados resultantes da aplicação efetiva dessa proposta em sala de aula,
seguidas de algumas reflexões a eles relacionadas.
Palavras-chaves: Atividades de demonstração; Teoria de Vygotsky; Ensino de Física

Abstract

In this article we present some characteristics of the demonstration activities that allow
studying their use in classroom, based on Vygotsky’s theory. This study suggests, in our
opinion, important orientations for the improvement of the teaching and learning process
starting from the use of such demonstration activities in classroom.
Keywords: Demonstration Activities – Vygotsky Theory – Teaching of Physics

Introdução

A partir da década de 1970, começaram a surgir em todo mundo museus e centros de


ciências, locais onde as demonstrações experimentais são o centro da atenção e do
encantamento de seus visitantes (Gaspar, 1998). Esse movimento, a nosso ver, deu início a
um processo de resgate da prática da apresentação de demonstrações experimentais em
ciências em sala de aula. Vistas como pedagogicamente inócuas pelas teorias que centram na
atividade do aluno a construção do seu conhecimento, o impacto que essas demonstrações
provocam nos seus visitantes em ambientes informais, tanto do ponto de vista cognitivo como
o da aprendizagem de conceitos, indicam que essa atividade pode ser pedagogicamente válida
e significativa também em sala de aula. Para isso, é essencial que se encontre uma
fundamentação teórico-pedagógica adequada que justifique sua validade pedagógica e oriente
sua estruturação e desenvolvimento no ambiente escolar.

As atividades experimentais de demonstração em sala de aula, tanto quanto as


atividades tradicionais de laboratório realizadas por grupos de alunos com orientação do
professor, apresentam dificuldades comuns para a sua realização, desde a falta de
equipamentos até a inexistência de orientação pedagógica adequada. No entanto, alguns
fatores parecem favorecer a demonstração experimental: a possibilidade de ser realizada com

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um único equipamento para todos os alunos, sem a necessidade de uma sala de laboratório
específica, a possibilidade de ser utilizada em meio à apresentação teórica, sem quebra de
continuidade da abordagem conceitual que está sendo trabalhada e, talvez o fator mais
importante, a motivação ou interesse que desperta e que pode predispor os alunos para a
aprendizagem.

Gaspar (opus cit.) estudou a viabilidade de se ensinar e aprender conceitos científicos


em ambientes informais, em nível introdutório, e dessa aprendizagem vir a favorecer a
compreensão e a aquisição formal e mais aprofundada desses mesmos conceitos, tendo como
embasamento teórico-pedagógico a teoria sócio-cultural de Vygotsky. Neste artigo, avaliamos
a possibilidade de se transpor e estender indicações e conclusões de Gaspar (opus cit) para
fundamentar, estruturar e desenvolver pedagogicamente a atividade experimental de
demonstração, de Ciências ou de Física, em sala de aula. Para tanto, apresentamos uma breve
abordagem histórica sobre a origem dessas atividades, destacando especialmente algumas de
suas características e alguns trabalhos que descrevem o uso ainda recente dessas atividades
em sala de aula. A seguir, expomos quais indicações da teoria de Vygotsky aplicadas ao
ambiente informal podem ser adequadamente transpostas ou estendidas para a apresentação
em sala de aula. Finalmente são descritos alguns dados resultantes da aplicação efetiva dessa
proposta em sala de aula, seguidas de algumas reflexões a eles relacionadas.

Características fundamentais

A expressão ‘atividade de demonstração’, no ambiente escolar, pode referir-se a


qualquer apresentação realizada em sala de aula, não vinculada ao uso do quadro- negro,
como, por exemplo, a exibição de um filme ou de um slide, cuja atividade pode ser
considerada pedagogicamente válida. No entanto, aqui usaremos o termo ‘atividade de
demonstração’ ou ‘atividade experimental de demonstração’, para designar atividades
experimentais que possibilitem apresentar fenômenos e conceitos de Física, cuja explicação se
fundamente na utilização de modelos físicos e priorize a abordagem qualitativa.

As atividades de demonstração dessa natureza não se restringem à sala de aula.


Podem ser apresentadas também em outros ambientes em função dos quais adquirem
características diferentes. Assim, podemos citar:

a) Atividades de demonstração em conferências ou palestras: são realizadas com


dispositivos ou equipamentos experimentais específicos vinculados à explicação de
temas apresentados durante uma palestra.

Palestras apresentadas em auditórios, teatros, quadras de esporte ou qualquer outro


ambiente público, nas quais o conferencista utiliza habilmente as demonstrações
experimentais para as sua explicações foram chamadas por Taylor (1988) de Lecture
Demonstration. Segundo esse autor, uma lecture demonstration tem semelhanças com
um show ou peça teatral. Os experimentos, equipamentos ou projeções são
coadjuvantes do espetáculo, cuja mensagem principal pode ser a divulgação da
ciência ou a alfabetização científica.
Taylor (opus cit.) enfatiza a necessidade de adequar e de tornar visíveis as atividades
de demonstração para toda a platéia. Destaca ainda a necessidade de um ensaio
geral, além de ensaios individuais com cada equipamento.

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b) Atividades de demonstração em museus e centros de ciências: são experimentos


expostos para apresentação aos visitantes ou para que eles próprios os manipulem. A
alfabetização em ciências, assim como o seu ensino e divulgação são o principal
objetivo dessas instituições. Enquanto em uma lecture demonstration o centro das
atenções é o conferencista, nos museus ou centros de ciências o destaque está voltado
ao ambiente, muitas vezes grandioso e repleto de estímulos. A presença de monitores
para a apresentação das demonstrações é comum, mas eles atuam de forma restrita a
alguns setores ou equipamentos.

c) Atividades de demonstração em sala de aula: recebem muitas vezes a denominação


de ‘experiências de cátedra’. Segundo Ferreira (1978), os principais objetivos da
experiência de cátedra são:

? ilustrar e ajudar a compreensão das matérias desenvolvidas nos cursos teóricos;


? tornar o conteúdo interessante e agradável;
? desenvolver a capacidade de observação e reflexão dos alunos.

Esses objetivos dão à experiência de cátedra a mesma conceituação proposta aqui


para a atividade de demonstração, pois vinculam os equipamentos à explicação do
professor e desencadeiam nos alunos momentos de reflexão sobre os fenômenos
físicos apresentados, não se limitando à apresentação ilustrativa dos equipamentos.
No entanto, Ferreira (opus cit.) ressalta que a apresentação de experiências de
demonstração em sala de aula geralmente negligencia as interações entre os
estudantes e entre eles e o instrumental. São aulas expositivas nas quais o
experimento realizado pelo professor equivale a um recurso audiovisual.

Breve histórico

Provavelmente, a primeira instituição a utilizar alguns dispositivos experimentais para


demonstrar princípios físicos para grandes audiências foi o Museu de Alexandria, criado por
Ptolomeu I, por volta do ano 300 a.C. (Ronan, 1987). Segundo Taylor (opus cit.), as primeiras
lectures demonstrations surgiram no século XVII, citando como exemplos as pinturas de
aulas de dissecação do corpo humano, como a obra ‘Aula de Anatomia’, de Rembrandt
(1632), gravura que mostra o físico Willian Gilbert demonstrando princípios do magnetismo à
rainha Elisabeth I, no início do século XVII, bem como as lectures demonstrations
apresentadas na Royal Society, na Grã-Bretanha, promovidas desde a sua fundação, em 1660,
nas quais, entre os palestrantes, encontramos físicos renomados, tais como Thomas Young,
Michael Faraday, John Tyndall, Hermann von Helmholtz, Jules Antoine Lissajous, Sir
Lawrence Bragg e Julius Sumner Miller.

O uso de atividades de demonstração foi mais difundido nas escolas entre a metade do
século XIX e a metade do século XX (Taylor, opus cit.; Bross, 1990; Gaspar, opus cit.). Nessa
época os equipamentos experimentais tinham alto custo e costumavam ser apresentados pelo
professor em laboratórios didáticos de Física, que pouco lembram os que conhecemos hoje.

Atualmente, há registros de experiências isoladas que mostram a validade da utilização


de atividades de demonstração conforme os relatos dos trabalhos citados a seguir:

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a) Figueroa et al. (1994) realizaram um trabalho enfocando o uso das atividades de


demonstração na Universidade Simon Bolivar, em Caracas, Venezuela. Adotando uma
concepção semelhante à das ‘lectures demonstrations’, as demonstrações foram
apresentadas paralelamente às aulas regulares em um auditório com capacidade para
duzentas pessoas, em sessões de duas horas, com a freqüência média de uma apresentação a
cada cinco semanas. Essas sessões foram assistidas voluntariamente pelos estudantes sem
controle de presença nem avaliações individuais. Foram analisadas oito seções do programa
de demonstrações, assistidas por um total de 640 estudantes da universidade, com
freqüência de cerca de 70%. Verificou-se que, dos alunos presentes, cerca de 80%
permaneciam, no auditório, durante as duas horas de demonstrações. Este fator foi
considerado pelos pesquisadores como um indicativo de interesse e da participação ativa
dos estudantes na maioria das demonstrações.

b) Meseguer Dueñas et al. (1994) relatam atividades semelhantes realizadas na


Universidade Politécnica de Valência, na Espanha. O trabalho, desenvolvido com a
disciplina de Física, incluía o uso de equipamentos, vídeos e softwares. Entrevistas
realizadas com cerca de 60 alunos mostraram que, para a grande maioria, essas atividades
facilitaram a compreensão da teoria. Os autores concluíram que as experiências motivaram
os alunos, despertaram neles o interesse pelos temas abordados e tornaram as aulas mais
atrativas.

c) Barreiro & Bagnato (1992) desenvolveram um trabalho com aulas demonstrativas


com a disciplina Mecânica Geral I, destinada aos alunos dos cursos de Engenharia do
Instituto de Física da Universidade Federal de São Carlos, Brasil, durante o primeiro
semestre letivo de 1992. As aulas teóricas e de exercícios foram intercaladas e ilustradas
com demonstrações experimentais avaliadas, ao final, por meio um questionário
respondido pelos alunos. Em linhas gerais, das respostas dos alunos, os autores destacam
a importância atribuída a esse tipo de aula como instrumento capaz de concretizar a teoria
por meio da prática. Em suas conclusões afirmam que, para os alunos, as demonstrações
experimentais tornaram as aulas mais interessantes, os conceitos ficaram mais bem
esclarecidos e a fixação da matéria melhorou, fatores esses que ajudaram na compreensão
da teoria, nas aplicações e resoluções de exercícios.

Esses trabalhos valorizam o uso das atividades de demonstração no processo de


ensino e aprendizagem, enfatizando sobremaneira seu caráter motivacional. Embora a
motivação seja um aspecto importante pelo interesse que a demonstração experimental
desperta nos alunos, esses trabalhos não buscam descrever os processos pelos quais
podemos afirmar que essa utilização proporciona uma melhoria no ensino e aprendizagem
em sala de aula. Neste trabalho, nosso objetivo não é avaliar o uso motivacional da atividade
experimental, ou o seu emprego quase consensual destinado a chamar a atenção e a tornar a
aula mais agradável e a predispor os alunos à aprendizagem. Nossa hipótese é a de que as
demonstrações experimentais em sala de aula, desde que adequadamente apresentadas,
proporcionam situações específicas e momentos de aprendizagem que dificilmente aparecem
em aulas tradicionais, de lousa e giz, ou em atividades experimentais realizadas apenas pelos
alunos, com ou sem a orientação do professor. Entendemos que esse estudo está vinculado à
proposta de um referencial teórico que contemple características específicas desse
procedimento, como o papel da interação social, desencadeadas pela demonstração
experimental e a importância da mediação simbólica cujo uso ela possibilita. Nesse sentido
apresentamos algumas idéias da teoria sócio-cultural de Vygotsky, que acreditamos oferecer

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indicações válidas para a melhoria do processo de ensino e aprendizagem com o uso das
atividades experimentais de demonstração em sala de aula.

A teoria de Vygotsky como fundamentação para as atividades de demonstração

Conceitos científicos e espontâneos

Howe (1996) destaca o fato de que, na teoria formulada por Vygotsky, é considerado
científico todo conhecimento de origem formal, relacionado às ciências sociais, línguas,
matemática, ciências físicas e naturais. São conhecimentos sistemáticos e hierárquicos
apresentados e apreendidos como parte de um sistema de relações, ao contrário do
conhecimento espontâneo, composto de conceitos não-sistemáticos, não-organizados,
baseados em situações particulares e adquiridos em contextos da experiência cotidiana.

A diferença crucial entre essas duas categorias de conhecimentos é a presença ou a


ausência de um sistema. Vygotsky (2001) classifica como científicos todos os conceitos
aprendidos na educação formal e como espontâneos todos conceitos originários de uma
aprendizagem informal, mas faz questão de destacar a unicidade cognitiva do processo de
aquisição desses conceitos.

“O desenvolvimento dos conceitos espontâneos e


científicos - cabe pressupor - são processos
intimamente interligados, que exercem influências um
sobre o outro. [...] independentemente de falarmos do
desenvolvimento dos conceitos espontâneos ou
científicos, trata-se do desenvolvimento de um processo
único de formação de conceitos, que se realiza sob
diferentes condições internas e externas mas continua
indiviso por sua natureza e não se constitui da luta, do
conflito e do antagonismo de duas formas de
pensamento que desde o início se excluem”
(VYGOTSKY, 2001, p. 261).

Estudos empíricos levaram Vygotsky a confirmar sua hipótese de que a criança


utiliza conceitos espontâneos antes de compreendê- los conscientemente, ou seja, antes de ser
capaz de defini- los e de operar com eles à vontade. Ela possui o conceito, conhece o objeto ao
qual o conceito se refere, mas não está consciente do seu próprio ato de pensamento. Já o
desenvolvimento de conceitos científicos, por outro lado, tem uma trajetória oposta. Ele
começa com sua definição verbal, formal, com sua aplicação em operações não-espontâneas.
A criança opera de início com esses conceitos a um nível de complexidade lógica que só será
atingido pelos conceitos espontâneos no final de sua história de desenvolvimento. Em
compensação, só muito tardiamente a criança pode ter do conceito científico o mesmo
domínio e familiaridade que tem dos conceitos espontâneos. Pode-se dizer que, do ponto de
vista do nível de complexidade lógica, o desenvolvimento dos conceitos espontâneos na
criança é ascendente, enquanto o de conceitos científicos é descendente.

Para Vygotsky, a mente da criança se relaciona de forma diferente quando se


defronta com conceitos científicos ou espontâneos.

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“A relação dos conceitos científicos com a ex periência


pessoal da criança é diferente da relação dos conceitos
espontâneos. Eles surgem e se constituem no processo
de aprendizagem escolar por via inteiramente diferente
que no processo de experiência pessoal da criança. As
motivações internas, que levam a criança a formar
conceitos científicos, também são inteiramente distintas
daquelas que levam o pensamento infantil à formação
dos conceitos espontâneos. Outras tarefas surgem
diante do pensamento da criança no processo de
assimilação dos conceitos na escola, mesmo quando o
pensamento está entregue a si mesmo.
[...] considerações igualmente empíricas nos levam a
reconhecer que a força e a fraqueza dos conceitos
espontâneos e científicos no aluno escolar são
inteiramente diversas: naquilo em que os conceitos
científicos são fortes os espontâneos são fracos e vice-
versa, a forca dos conceitos espontâneos acaba sendo a
fraqueza dos conceitos científicos.”
(VYGOTSKY, 2001, p. 263).

Vygotsky exemplifica suas afirmações comparando a lei de Arquimedes com o


conceito de irmão. Segundo suas pesquisas apontaram, a criança tem mais facilidade em
formular a primeira do que o segundo, pois o enunciado da lei de Arquimedes foi apresentado
formalmente pelo professor enquanto que, do segundo, a criança provavelmente jamais tenha
ouvido uma definição formal.

“O desenvolvimento do conceito de irmão não começou


pela explicação do professor nem pela formulação
científica do conceito. Em compensação, esse conceito é
saturado de uma rica experiência pessoal da criança.
Ele já transcorreu uma parcela considerável do seu
caminho de desenvolvimento e, em certo sentido, já
esgotou o conteúdo fatual e empírico nele contido. Mas
é precisamente estas últimas palavras que não podem
ser ditas sobre o conceito lei de Arquimedes.”
(VYGOTSKY, 2001, p. 264).

A atividade de demonstração experimental em sala de aula, particularmente quando


relacionada a conteúdos de Física, apesar de fundamentar-se em conceitos científicos, formais
e abstratos, tem por singularidade própria a ênfase no elemento real, no que é diretamente
observável e, sobretudo, na possibilidade simular no micro-cosmo formal da sala de aula a
realidade informal vivida pela criança no seu mundo exterior. Grande parte das concepções
espontâneas, senão todas, que a criança adquire resultam das experiências por ela vividas no
dia-a-dia, mas essas experiências só adquirem sentido quando ela as compartilha com adultos
ou parceiros mais capazes, pois são eles que transmitem a essa criança os significados e
explicações atribuídos a essas experiências no universo sócio-cultural em que vivem.

Pode-se inferir, portanto, que a utilização da demonstração experimental de um


conceito em sala de aula acrescenta ao pensamento do aluno elementos de realidade e de

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experiência pessoal que podem preencher uma lacuna cognitiva característica dos conceitos
científicos e dar a esses conceitos a força que essa vivência dá aos conceitos espontâneos. Em
outras palavras, a atividade experimental de demonstração compartilhada por toda classe sob
a orientação do professor, em um processo interativo que de certa forma simula a experiência
vivencial do aluno fora da sala de aula, enriquece e fortalece conceitos espontâneos
associados a essa atividade ? talvez até os faça surgir ? e pode oferecer os mesmos elementos
de força e riqueza característicos desses conceitos para a aquisição dos conceitos científicos
que motivaram a apresentação da atividade.

Colaboração e interação social

“Afirmamos que em colaboração a criança sempre pode


fazer mais do que sozinha. No entanto, cabe
acrescentar: não infinitamente mais, porém só em
determinados limites, rigorosamente determinados pelo
estado do seu desenvolvimento e pelas suas
potencialidades intelectuais. Em colaboração, a criança
se revela mais forte e mais inteligente que trabalhando
sozinha, projeta-se ao nível das dificuldades intelectuais
que ela resolve, mas sempre existe uma distância
rigorosamente determinada por lei, que condiciona a
divergência entre a sua inteligência ocupada no
trabalho que ela realiza sozinha e a sua inteligência no
trabalho em colaboração. [...] A possibilidade maior ou
menor de que a criança passe do que sabe para o que
sabe fazer em colaboração é o sintoma mais sensível
que caracteriza a dinâmica do desenvolvimento e o êxito
da criança. Tal possibilidade coincide perfeitamente
com sua zona de desenvolvimento imediato”
(VYGOTSKY, 2001, p. 329).

A colaboração, como aqui está colocada, poderia ser entendida como interação a
dois, aluno-professor. No entanto, parece claro que ao referir-se à ‘aprendizagem na escola’,
Vygotsky não se restringe a essa díade, mas entende e estende essa colaboração a toda sala de
aula, e, nesse sentido, parece- nos mais adequado falar em interação social.

O conceito de interação social tem sido exaustivamente trabalhado por


pesquisadores Vygotskyanos buscando não só a sua melhor compreensão, mas também
entender o seu papel no processo de ensino e aprendizagem. Embora haja divergências em
relação à sua conceituação, parece indiscutível o seu caráter assimétrico, condição essencial,
segundo alguns pesquisadores, para que ela seja reconhecida como tal (Ivic, 1989). Em outras
palavras, a interação social só pode existir efetivamente em relação ao desenvolvimento de
uma tarefa, se houver, entre os parceiros que a realizam, alguém que saiba fazê- la. Vygotsky
deixa essa idéia muito clara quando vincula a colaboração à imitação, ao afirmar que:

“[na criança] o desenvolvimento decorrente da


colaboração via imitação, o desenvolvimento decorrente
da aprendizagem é o fato fundamental. [...] Porque na
escola a criança não aprende o que sabe fazer sozinha

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mas o que ainda não sabe fazer e lhe vem a ser acessível
em colaboração com o professor e sob sua orientação”
(VYGOTSKY, 2001, p. 331).

Se, na interação social que implique colaboração o desenvolvimento decorre da


imitação, é indispensável a presença do parceiro mais capaz, aquele que detém o
conhecimento e possa ser ou fazer-se imitado. E é nesse sentido que o conceito de interação
social é entendido neste trabalho.

O destaque dado por Vygotsky ao professor, a nosso ver, valoriza também a


atividade de demonstração em sala de aula na medida em que ela é um instrumento que serve
prioritariamente ao professor, agente do processo e parceiro mais capaz a ser imitado. Cabe a
ele fazer, demonstrar, destacar o que deve ser observado e, sobretudo, explicar, ou seja,
apresentar aos alunos o modelo teórico que possibilita a compreensão do que é observado,
estabelecido cultural e cientificamente.

Uma forma de viabilizar essa interação entre parceiros de diferentes níveis


cognitivos em relação ao processo de ensino e aprendizagem foi descrita em um trabalho de
Wertsch (1984). Para orientar o professor ou parceiro mais capaz, Wertsch sugere a adoção de
três construtos teóricos que podem ser entendidos como condições pedagógicas a serem
satisfeitas para que se estabeleça uma interação social mais profícua. São eles:

- a definição de situação, forma como cada um dos participantes entende a tarefa


que, dentro do contexto da interação, deve ser a mesma;
- a intersubjetividade, ação entre os sujeitos participantes da interação com
objetivo de estabelecer ou redefinir a situação ou a tarefa proposta;
- a mediação semiótica, formas adequadas de linguagem, no sentido amplo do
termo, que tornam possíveis a intersubjetividade.

Esses construtos teóricos são úteis tanto do ponto de vista da orientação da atividade
experimental de demonstração, entendidos como condições para que ela desencadeie
interações sociais profícuas, mas também como critérios de avaliação da atividade. À medida
que se possa observar ou não indícios efetivos de intersubjetividade que leve todos os
participantes a partilhar da mesma definição de situação por meio de uma adequada mediação
semiótica, pode-se inferir que essa interação social possibilita a colaboração que pode levar à
aprendizagem.

É importante destacar nosso entendimento da interação social como condição


necessária a aprendizagem, mas não suficiente. Segundo Vygotsky:

“O que a criança é capaz de fazer hoje em colaboração


conseguirá fazer amanhã sozinha.”
(VYGOTSKY, 2001, p. 331)

Mas como saber o que a criança sabe ‘fazer hoje em colaboração’? Como avaliar
um conhecimento que se manifesta em colaboração? Essas respostas tornam-se ainda mais
difíceis, senão impossíveis de serem dadas, quando a colaboração se faz em atividades que
envolvem a maioria dos alunos. Por isso, limitamos nosso objetivo à condição necessária: a
efetivação das interações sociais por meio das demonstrações experimentais. Se elas de fato
ocorrem e têm as características preconizadas pela teoria Vygotskyana, a aprendizagem

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também pode ocorrer, e o objetivo da apresentação das demonstrações experimentais foi


alcançado.

Essas são, em síntese, as indicações teórico-pedagógicas que devem, por hipótese,


orientar a utilização de demonstrações experimentais em sala de aula. Para avaliar a validade
dessas indicações, elas foram aplicadas em duas aulas de Física, para duas turmas do Ensino
Médio, lecionadas por um dos autores, no ano de 2001, em um estudo de caso, apresentado a
seguir.

Duas aulas com atividades de demonstração: um estudo de caso

Optamos por apresentar demonstrações abordando conteúdos de Física em duas


turmas diferentes. Aos alunos do primeiro ano do Ensino Médio apresentamos um conjunto
de três etapas – descritas mais adiante, na experiência I- explorando o conceito de pressão
atmosférica, embora não tivessem estudado o assunto naquele ano letivo. Para os alunos do
terceiro ano do Ensino Médio, que estavam iniciando o estudo da óptica geométrica,
apresentamos também três etapas de demonstrações experimentais sobre espelhos planos e
curvos, descritas na experiência II. Para análise e avaliação das interações sociais
desencadeadas, as aulas foram gravadas em vídeo por um professor-colaborador e
apresentadas em uma sala convencional, com as carteiras distribuídas em um grande círculo.

As demonstrações foram divididas em etapas relacionadas com os fenômenos a serem


demonstrados, seguindo a seqüência didática que nos pareceu mais coerente. A apresentação
de cada uma dessas etapas foi organizada, em linhas gerais, com a seguinte estrutura:

a) Introdução da atividade : Na experiência I, ao iniciar a atividade, procuramos saber dos


alunos o que eles esperavam com a demonstração, haja vista que, apesar de não terem
estudado nada sobre pressão atmosférica naquele ano letivo, já haviam discutido sobre este
conteúdo em outras séries do Ensino Fundamental. Para facilitar a observação dos alunos,
apresentamos uma pergunta diretamente relacionada com a demonstração.

A experiência II, sobre óptica, quando apresentamos os espelhos curvos (2a e 3a


etapas), não nos permitiu a mesma trajetória, pois, apesar de já terem iniciado o estudo sobre
óptica, nunca haviam recebido qualquer tipo de sistematização sobre este conteúdo específico.
Assim, nessas etapas, apresentamos primeiramente a demonstração e questionamos apenas o
que estavam observando de interessante.

Tendo em vista a fundamentação Vygotskyana deste trabalho, só nos preocupamos, de


início, em identificar possíveis concepções espontâneas ou explicações prévias dos alunos,
apenas com o objetivo da estabelecer uma definição de situação do aluno mais precisa e
orientar a sua observação com maior eficiência. Buscamos assim a intersubjetividade que
garantisse a todos os alunos a mesma definição de situação em relação aos objetivos da
demonstração experimental apresentada.

b) Desenvolvimento da demonstração: Procuramos reunir as respostas e idéias apresentadas


pelos alunos no quadro-negro. Nossa intenção foi tornar claras para os estudantes suas
próprias concepções acerca do fenômeno a ser estudado. Observamos que os alunos tiveram
muita dificuldade para apresentar suas idéias de uma maneira organizada, sistematizada
dentro de qualquer contexto explicativo. Mesmo inseguros sobre a explicação que poderiam

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dar, muitos se animaram a expor suas idéias, provavelmente motivados pelo que veriam em
seguida (experiência I e 1a etapa da experiência II) ou pelo que já estavam observando (2a e 3a
etapas da experiência II). Os alunos apresentaram explicações espontâneas, desvinculadas de
qualquer modelo teórico, apresentadas pelo interesse de acertar a explicação do que viam, ou
de adivinhar o que iriam ver.

Garantida a mesma definição de situação, depois das discussões e explicações prévias


dos alunos em relação ao que seria ou já tinha sido visto, procedemos à discussão da
demonstração. Na experiência I e na primeira etapa da experiência II, a demonstração só foi
apresentada neste momento, o que reforçou a expectativa dos alunos em relação às previsões
que haviam feito e ao que poderia ocorrer.

Na experiência I e na primeira etapa da experiência II, tendo em vista as dimensões, a


visibilidade e a dificuldade de manuseio, fizemos apenas uma demonstração geral, para todos
os alunos. Na segunda e terceira etapas da experiência II, optamos por levar o equipamento
aos alunos, de carteira em carteira, já na introdução, para suas observações diretas e
individuais, a fim de estimular a formulação de explicações ou apresentar suas idéias prévias
em relação ao que viram. Finalizada a apresentação feita pelo professor, na experiência I ou
na experiência II, aqueles alunos que quiseram, puderam refazer o experimento e refletir um
pouco mais sobre o que lhes foi proposto como explicação por seus colegas.

c) Explicação da demonstração - No final das atividades, apresentamos aos alunos o modelo


científico capaz de explicar a demonstração e, sempre que possível, retomamos as idéias
propostas previamente pelos alunos comparando-as com o modelo científico.

As experiências de demonstração apresentadas

A seguir, descrevemos sucintamente as demonstrações experimentais 1 nas etapas em


que foram apresentadas, os equipamentos e os conceitos físicos envolvidos.

Experiência I- Pressão atmosférica

1ª Etapa: O BEBEDOURO

Esta demonstração experimental foi realizada com duas garrafas com água (de 1 litro e
de 2 litros), pires e copo de vidro, utilizados nas três situações representadas na figura 1:

Figura 1 - Esquema de atuação da pressão do ar


sobre a água nos bebedouros
1
As atividades de demonstração apresentadas foram embasadas no livro “Experiências de Ciências para o 1o
Grau” (Gaspar, 1990)

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O objetivo da demonstração é mostrar que, em nenhuma das três situações, a água


contida nas garrafas cai, como também, por meio dessa observação, discutir a ação da pressão
atmosférica sobre a superfície livre da água do pires. Em todas essas situações
esquematizadas, a explicação é a mesma: a água que está dentro da garrafa não cai por causa
da ação da pressão atmosférica sobre a superfície livre da água contida no pires. Em outras
palavras, a pressão atmosférica externa é equilibrada pela pressão do ar aprisionado no
interior da garrafa somada à pressão da coluna de água acima do nível da água no pires.

Muitos alunos relacionam a queda ou não da água com a quantidade de água contida
na garrafa e aquela contida no pires, sob a boca da garrafa. Para colocar em cheque essas
idéias prévias, fizemos a demonstração com duas garrafas de volumes diferentes e
substituímos o pires por um copo.

2ª Etapa: A PIPETA

Esta demonstração experimental pode ser realizada com uma pipeta, dispositivo
comum em laboratórios de química ou, como fizemos, com um tubinho de PVC flexível,
transparente, de diâmetro menor que 5 mm, aproximadamente, para evitar a formação de
bolhas de ar e a conseqüente queda da água.

A experiência consiste em encher o tubo com água, tampar a sua abertura superior
com o polegar e mostrar que a água contida no tubo não cai. Mostra-se em seguida que, ao
destampar e tampar tubo, a água cai e deixa de cair, o que permite controlar a quantidade de
água que se deseja deixar vazar da pipeta - esse é o princípio do seu funcionamento.
Evidencia-se aqui, de novo, a ação da pressão atmosférica. Com a abertura superior tampada,
a pressão atmosférica atua somente de baixo para cima e impede a queda da água contida no
tubo. Destampada a abertura superior, a pressão do ar passa a atuar igualmente nas duas
extremidades; seu efeito é equilibrado, e a água cai devido ao seu peso.

3ª Etapa: TAMPANDO A ÁGUA COM PAPEL

Nesta experiência utilizamos um copo com água e uma folha de papel. A experiência
consiste em encher o copo com água e tampá-lo com a folha de papel, vedando a boca do
copo. Com o apoio de uma das mãos, giramos o copo de cabeça para baixo e soltamos a mão.
Observa-se que a água não cai, sustentada pela folha de papel (figura 2).

Figura 2- A água do copo tapado


pelo papel não cai.

A explicação é a mesma da pipeta: a água não cai por causa da ação da pressão
atmosférica atuando sobre o papel, de baixo para cima. Mostra-se aqui que a função do papel
é servir como película de apoio para a ação da pressão atmosférica, evitando a penetração do

237
Investigações em Ensino de Ciências – V10(2), pp. 227-254, 2005

ar por meio de bolhas, o que se consegue na pipeta pela limitação da sua abertura inferior. É
importante mostrar aos alunos a forma côncava que o papel assume, o que evidencia a ação da
pressão atmosférica empurrando a água para dentro do copo. Mostra-se ainda que não é
preciso encher completamente o copo, a pressão atmosférica sustenta o papel mesmo nessa
situação. Pode-se assim comparar, neste caso, o equilíbrio de pressões com o equilíbrio
observado na demonstração do bebedouro.

Experiência II- Óptica

1ª Etapa: FORMAÇÃO DE IMAGENS EM ESPELHOS PLANOS

Esta demonstração experimental foi realizada com um espelho plano grande.


Primeiramente, escrevemos uma letra na lousa e discutimos com os alunos as regras de
formação de imagens em espelhos planos.

Figura 3 - Imagem da letra F refletida num espelho

Discutimos primeiramente as características da imagem conjugada com o objeto por


um espelho plano: distância ao espelho, dimensões e simetria. Depois mostramos a imagem
de outras letras e colocamos o espelho em outras posições.

2ª Etapa: FORMAÇÃO DE IMAGENS EM ESPELHOS CURVOS

Nesta demonstração, nosso objetivo foi mostrar aos alunos que a formação de imagens
em espelhos pode seguir regras diferentes, dependendo da forma geométrica da superfície
refletora do espelho. Com esse intuito, utilizamos um espelho parabólico, parte do
equipamento que seria utilizado posteriormente na 3a etapa desta demonstração. Pedimos aos
alunos que observassem a sua própria imagem na superfície refletora interna deste espelho
(que foi passado a todos os alunos da sala). A imagem formada com este espelho não é igual à
imagem formada com o espelho plano - a superfície parabólica do espelho faz com que a
forma da imagem conjugada com o objeto dependa da posição do observador e do objeto ao
espelho. A simetria entre objeto e imagem, como aparece com o uso do espelho plano, deixa
de existir.

Não houve a possibilidade de construir graficamente a imagem, pois eles ainda não
tinham estudado o conteúdo necessário, por isso procuramos apenas fazer com que os alunos
percebessem a diferença geométrica entre imagem e objeto.

238
Investigações em Ensino de Ciências – V10(2), pp. 227-254, 2005

3ª Etapa: “MIRAGEM”

Nesta demonstração experimental, utilizamos um equipamento pronto. Trata-se de um


dispositivo denominado Mirage, constituído de dois espelhos parabólicos com eixos
principais coincidentes e faces refletoras internas uma de frente para outra. O espelho superior
tem uma abertura circular, acima da qual se pode ver a imagem real do objeto colocado no
vértice do espelho inferior, como está esquematizado na figura 4.

Figura 4- Esquema que indica a trajetória dos raios de luz no equipamento


experimental sobre miragem (Fonte: GASPAR, 2001, v.2, p.144)

A grande qualidade desse dispositivo é mostrar que, além de visível sem anteparo, a
imagem real pode ser vista tão bem quanto a virtual. Nessa demonstração, utilizamos como
objeto um porquinho de plástico. Os alunos viam primeiro a imagem real do porquinho e só
depois, o objeto.

O objetivo dessa experiência foi discutir como se vê uma imagem. A inexistência do


objeto visto no local onde ele parece estar, mostra que ‘ver alguma coisa’ não é apenas uma
experiência física, mas um fenômeno de percepção. O que ‘vemos’ não é o objeto em si, mas
o resultado das impressões que a luz proveniente desse objeto causam na retina que, por sua
vez, são interpretadas e decodificadas pelo nosso cérebro.

Instrumentos de análise

Como instrumentos de análise dos resultados obtidos em sala de aula, utilizamos:

(1) idéias expressas pelos aluno s antes e durante a apresentação da demonstração.


Essas idéias foram transcritas da lousa para o papel, por alguns alunos, antes da
realização das demonstrações.
(2) gravações em vídeo feitas durante as aulas de demonstração.
(3) questionário respondido pelos alunos logo após a aula demonstrativa. Esse
questionário tratava de questões referentes à opinião pessoal do aluno sobre as
aulas com uma atividade de demonstração, além de questões referentes aos
conceitos físicos apresentados durante as aulas de demonstração. Seu modelo
encontra-se no final deste artigo, nos anexos.

Resultados

Apresentamos a seguir uma síntese dos resultados obtidos nas duas aulas realizadas
com os equipamentos de demonstração. Não optamos por realizar uma transcrição das falas,
por entendermos que isso tornaria a apresentação dos resultados muito ampla e desnecessária.

239
Investigações em Ensino de Ciências – V10(2), pp. 227-254, 2005

São apresentados a seguir, alguns pontos que julgamos caracterizadores do processo


desencadeado durante a atividade. Nos resultados apresentados a seguir os trechos em itálico
destacam apenas a ação geral desencadeada, não se referem à nenhuma transcrição.

Experiência I: Pressão atmosférica

1.1- Introdução da 1a etapa da experiência de demonstração I:

O BEBEDOURO

Prof.: Quando eu virar a garrafa cheia de água sobre o pires, vocês acham que ela irá vazar
pela boquinha da garrafa?

Os alunos apresentam diferentes respostas espontâneas, que podem ser assim


organizadas:

Vai vazar Toda água vaza por causa da gravidade


Parte da água vaza, enquanto a pressão da pequena
quantidade de ar que existe no fundo da garrafa estiver
empurrando a água para fora. Quando essa pressão deixar
de existir, a água vai parar de vazar.
Não vai
vazar Não vai vazar porque o pratinho vai segurar a água
Não vai vazar porque a pressão atmosférica não vai deixar.

1.2- Desenvolvimento da 1a etapa da experiência de demonstração I:

? Apresentação da primeira demonstração: O professor vira a garrafa sobre o pires, e a


água não vaza.

Os alunos que acreditavam que a água vazaria, depois da experiência, mudam


de opinião. No entanto, acham que ela vazou porque havia pouca água no
recipiente.

Prof.: Se eu utilizar uma garrafa maior, como esta de dois litros, vai vazar?
Alunos: Se a garrafa for maior, toda a água vazará.

? Apresentação da segunda demonstração: O professor vira uma garrafa de dois litros


sobre o pires, e a água não vaza.

As opiniões dos alunos se dividem. Uns afirmam que a água não vaza porque
o pratinho a segura, outros acham que ela não vaza por causa da pressão
atmosférica.

Prof.: Se eu virar a garrafa sobre um copo, de forma que a boca da garrafa não
encoste no fundo do copo, a água irá vazar?

240
Investigações em Ensino de Ciências – V10(2), pp. 227-254, 2005

Os alunos emitem diferentes respostas espontâneas.

Vai vazar
Toda água vai vazar por causa da gravidade, e não há nada
que a segure.
Não vai
vazar Porque a pressão atmosférica vai segurar.

Não irá vazar completamente porque, quando parte da água


descer para o copo, vai receber das paredes desse copo uma
pressão capaz de sustentar a água que ainda ficar na garrafa.

? Apresentação da terceira demonstração: O professor vira uma garrafa sobre um copo


parcialmente cheio de água. Como a boca da garrafa não consegue atingir o nível da água
do copo, vaza um pouco de água, até o nível da água do copo alcançar a boca da garrafa.
Depois, a água da garrafa virada não cai mais.

Os alunos afirmam que a água não vazou, ou por causa da pressão


atmosférica, ou por causa da água do copo.

Prof.: Porque a pouca água do copo consegue sustentar toda a água de dentro da
garrafa? Se o copo exerce força sobre a água, a garrafa também não exerce?

Os alunos não conseguem justificar o fato.

Prof.: Essa experiência é similar ao que ocorre nos garrafões de água potável que
utilizamos em nossa casa?

Os alunos concordam.

2.1- Introdução da 2a etapa da experiência de demonstração I:

A PIPETA

Prof.: Agora vou encher esse tubinho com água e tampar a parte de cima. A água vazará?
Porquê?

Os alunos afirmam que não vai vazar porque, com o dedo tampando a parte de
cima do tubinho, a pressão atmosférica não poderá empurrar a água.

2.2- Desenvolvimento da 2a etapa da experiência de demonstração: O professor realiza a


experiência e ocorre o que os alunos previram.

Prof.: Vocês disseram que a água não vaza porque meu dedo impede que a pressão
atmosférica empurre a água para baixo, mas será que não haverá alguma coisa
também impedindo que a água desça?
Alunos (alguns): A pressão atmosférica atua de baixo para cima impedindo que a
água caia.

241
Investigações em Ensino de Ciências – V10(2), pp. 227-254, 2005

3.1- Introdução da 3a etapa da experiência de demonstração I:

TAMPANDO A ÁGUA COM O PAPEL

Prof.: Agora vou tampar o copo cheio de água com um pedaço de papel e então irei virar o
copo. A água irá vazar?

Os alunos afirmam que não vai vazar porque não vazou na experiência
anterior.

3.2- Desenvolvimento da 3a etapa da experiência de demons tração I: O professor realiza a


experiência e, como previsto pelos alunos, a água não vaza.

Prof.: A água não vazou. Gostaria que vocês observassem a parte inferior do copo, o
papel. Ele tem uma forma interessante: enquanto toda a água está virada por
cima dele, ele mantém uma forma côncava para dentro da água. O que está
empurrando o papel para dentro?
Alunos: A pressão atmosférica.

4- Explicação da demonstração:

Nessa experiência não houve sínteses parciais, pois as experiências referiam-se ao


mesmo assunto e, portanto, teriam a mesma explicação. Optamos por uma síntese final
apenas, na qual foi explicado a ação da pressão atmosférica, atuando em todas as direções, em
cada uma das experiências demonstradas. Fez–se uma breve explicação sobre a experiência de
Torricelli e calculou-se, junto com os alunos, a altura da coluna de água que a pressão
atmosférica é capaz de sustentar ao nível do mar.

5- As respostas do questionário

Tivemos 44 questionários respondidos. As respostas foram categorizadas na tabela a


seguir:
Sobre as aulas com 1) 93% dos alunos acharam que a aula com demonstração foi diferente da
demonstração habitual, pois puderam participar mais da aula por meio de perguntas ou
questionários.
2) 98% dos alunos afirmaram que a aula de demonstração despertou
grande interesse neles.
Sobre os conceitos físicos 1) 2% explicaram corretamente as três atividades de demonstração
envolvidos apresentadas; 21% explicaram corretamente duas das atividades e 61%
explicaram corretamente apenas uma das atividades (em geral, a que teve
mais acertos foi a primeira atividade, a do bebedouro). 16% não responderam
a essa questão.
2) 38% conseguiram identificar corretamente a origem da pressão em
pontos indicados num esquema teórico similar ao discutido nas experiências;
7% acertaram parcialmente; 11% erraram e 44% não responderam à questão.
Tabela 1 – Respostas dos alunos sobre a atividade de demonstração – “Pressão Atmosférica”

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Investigações em Ensino de Ciências – V10(2), pp. 227-254, 2005

Experiência II: Óptica

1.1- Introdução da 1a etapa da experiência de demonstração II:

FORMAÇÃO DE IMAGENS EM ESPELHOS PLANOS

Prof.: Qual é a regra para descobrirmos como a imagem de um objeto será formada
com um espelho plano?
Alunos: O que significa regra para formação de imagem?
Prof.: Regra de formação de imagem são dicas sobre qual a trajetória de
determinados raios de luz que são refletidos pelo espelho, vindos do objeto.
Assim eu posso prever como e onde a imagem desse objeto vai se formar.
Para o espelho plano uma regra só é suficiente. Vocês sabem como medir a
distância de uma imagem até o espelho?

Os alunos emitiram diferentes respostas espontâneas:

É igual à distância
do objeto ao Alguns poucos alunos afirmaram que a distância da
espelho imagem ao espelho é igual à distância entre o objeto e
o espelho.
Outras idéias A maioria dos alunos apresentou idéias erradas como:
a distância da imagem ao espelho é igual ao tamanho
do objeto ou do espelho. Alguns até acharam que era
impossível fazer essa medida, pois teriam que entrar
dentro do espelho para realizá-la.

1.2- Desenvolvimento da 1a etapa da experiência de demonstração II: O professor realiza


a experiência mostrando a imagem de uma letra F desenhada na lousa. Ele muda o tamanho
da letra (objeto) e do espelho.

Prof.: A imagem se forma atrás do espelho. É claro que não podemos entrar dentro
do espelho para medir a distância, mas é possível determinar essa distância
observando que essa distância até o espelho é igual à distância do objeto até
o espelho. Essa imagem é denominada virtual. Se eu desenhar outra letra
como será a imagem?

Os alunos sugerem que se desenhem as letras A e O, ao que o professor


acrescenta a letra G. Três alunos as desenham na lousa, e o professor realiza a
experiência mostrando a imagem dessas letras.

Prof.: Todos acertaram o desenho, antes mesmo de ver a imagem! Que regra vocês
usaram para desenhar essa imagem?
Alunos: A imagem é sempre invertida em relação ao objeto.

1.3- Explicação da 1a etapa da experiência de demonstração II: O professor explica


somente a regra para formação de imagens em espelhos planos: a distância de cada ponto do
objeto até o espelho é igual à distância da imagem desse ponto ao espelho.

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Investigações em Ensino de Ciências – V10(2), pp. 227-254, 2005

2.1- Introdução da 2a etapa da experiência de demonstração II:

FORMAÇÃO DE IMAGENS EM ESPELHOS DE SUPERFÍCIE NÃO PLANA

O professor mostra um espelho parabólico e pergunta se a regra de formação de


imagens em espelhos de superfície diferente da plana é a mesma para formação de imagens
em espelhos de superfície plana.

Os alunos, na sua maioria, concordam que a regra de formação de imagem em um


espelho parabólico é a mesma regra de formação de imagem em um espelho plano.

2.2- Desenvolvimento da 2a etapa da experiência de demonstração II: O professor mostra


o espelho parabólico individualmente para os alunos, isto é, de carteira em carteira, pedindo
que eles se observem nesse espelho.

Prof.: A imagem formada com o espelho parabólico tem as mesmas características da


imagem que surge com o espelho plano?
Alunos: Não
Prof.: Isso significa que a formação de imagens em espelhos depende da sua
superfície refletora e está sujeita a regras diferentes daquelas de formação de
imagens em espelhos planos.

2.3- Explicação da 2a etapa da experiência de demonstração II: O professor explica que a


determinação da imagem em espelhos parabólicos segue regras semelhantes às regras de
formação de imagens em espelhos esféricos, nos quais os pontos fundamentais (vértice, foco,
centro de curvatura) precisam ser avaliados para, a partir deles, traçar-se a trajetória dos raios
de luz que determina a imagem formada.

3.1- Intro dução da 3a etapa da experiência de demonstração II:

MIRAGEM

O professor mostra aos alunos o equipamento formado por dois espelhos parabólicos.
Explica que esses espelhos têm um comportamento óptico semelhante ao de um espelho
esférico, embora a sua superfície não seja esférica, mas de uma parabólica. Diz a eles que vai
mostrar o equipamento individualmente, para cada um dos alunos, e que eles devem observar
um porquinho que está na superfície superior do equipamento. Pergunta se eles acham que
possa existir uma imagem tão real que possa ser confundida com o próprio objeto.

Todos os alunos parecem concordar entre si que não é possível uma imagem ser tão
real que possa ser confundida com o próprio objeto.

3.2- Desenvolvimento da 3a etapa da experiência de demonstração II: O professor


apresenta o equipamento e diz aos alunos que eles podem tocar no porquinho se quiserem. Os
alunos, visivelmente entusiasmados, tentam pegar o porquinho, mas não conseguem, pois, na
verdade, o que vêem é a imagem real do porquinho que está dentro do equipamento.

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Investigações em Ensino de Ciências – V10(2), pp. 227-254, 2005

O professor pergunta aos alunos se o porquinho que aparece na superfície superior do


equipamento é real e por que ele é visto de maneira tão nítida, apesar de não poder ser tocado.

Todos os alunos concordam que aquele porquinho que aparece na superfície superior
do espelho é uma imagem, mas nenhum aluno consegue explicar o motivo de uma imagem
ser tão parecida com o objeto, a ponto de dificultar a diferenciação entre ambos.

3.3- Explicação da 3a etapa da experiência de demonstração II: O professor diferencia o


significado físico de uma imagem real e de uma imagem virtual e explica, sucintamente,
porque a imagem real do porquinho é vista naquele ponto como se estivesse realmente ali.
Esclarece aos alunos que ver alguma coisa não é apenas uma experiência física, mas um
fenômeno psicológico de percepção. O que é visto não é o objeto em si, mas o resultado das
impressões que a luz proveniente desse objeto causa na retina e que, por sua vez, são
interpretadas pelo cérebro. Se o cérebro "acha" que o porquinho está ali, ele é visto ali.

Nesse momento, o professor faz também uma síntese final das três experiências,
explicando, em linhas gerais, para os alunos a formação de imagens em espelhos planos e
esféricos de acordo com regras originadas dos princípios da óptica geométrica, ressalvando
que essas regras seriam novamente explicadas e trabalhadas durante as aulas de óptica.

4- As respostas do questionário

Tivemos 36 questionários respondidos. As respostas estão na tabela abaixo:


Sobre as aulas com 1) 100% dos alunos acharam que a aula com demonstração foi
demonstração diferente da habitual, pois puderam participar mais por meio de
perguntas ou questionários.
2) 97% dos alunos afirmaram que a aula de demonstração
despertou neles grande interesse.
Sobre os conceitos físicos 1) 6% narraram corretamente as três atividades de demonstração;
envolvidos 16% narraram corretamente duas das atividades; 56% apresentaram
corretamente apenas uma das atividades e 22% não responderam.
2) 46% construíram corretamente a imagem dos objetos
esquematizados, refletidos num espelho plano. 72% afirmaram ser o
porquinho a demonstração mais intrigante dessas aulas.
Tabela 2 – Respostas dos alunos sobre a atividade de demonstração – “óptica”

DISCUSSÕES SOBRE AS AULAS EXPERIMENTAIS DE DEMONSTRAÇÃO

Colaboração e interação social: primeiro critério

Adotamos como primeiro critério para a validação da demonstração experimental


como prática pedagógica de inspiração Vygotskyana, a verificação do desenvolvimento de um
processo de colaboração ou interação social eficiente durante as apresentações em sala de
aula. E, como critério de eficiência desse processo, procuramos verificar, por meio da nossa
observação direta ou do vídeo, se os construtos teóricos propostos por Wertsch (opus cit.)
puderam ser observados. Em outras palavras, o primeiro critério de avaliação busca verificar

245
Investigações em Ensino de Ciências – V10(2), pp. 227-254, 2005

se a condição que estabelecemos como necessária à ocorrência da aprendizagem de fato se


efetivou.

Definição de situação - Consideramos como condição, para que ela se configurasse, a


verificação de que o professor desenvolveu ações nesse sentido e que, em conseqüência
dessas ações, a maior parte dos alunos envolvidos na interação, observou e procurou explicar
os mesmos fenômenos levando em conta os mesmos princípios e as mesmas grandezas
físicas.

Quando o professor leva para a classe um determinado material ou equipamento de


demonstração é pouco provável que seus alunos saibam o que ele vai fazer com aquele
material ou como funciona aquele equipamento. Mas é bem provável que o aluno faça
suposições ou previsões em relação ao que será apresentado. Em outras palavras, é bem
provável que cada aluno crie a sua definição de situação, que dificilmente vai ser a mesma do
professor (Gaspar, opus cit.). Se a demonstração se realizar nessas condições, ou seja, se o
professor ingenuamente admitir que a demonstração possa ‘explicar-se por si própria’, sem
descrever o equipamento, mostrar quais são seus aspectos relevantes e, principalmente, o que
deve ser observado durante a demonstração, a interação social por ela desencadeada pode ser
pouco profícua, porque os participantes podem não observar as mesmas coisas nem buscar as
mesmas respostas e explicações. Daí a necessidade de unificar as diferentes definições de
situação, o que só é possível com uma discussão prévia a respeito da própria demonstração.
Para tanto, procuramos, no início de cada apresentação, tornar clara qual a proposta da
demonstração e quais conteúdos nela estariam envolvidos. A prática mais eficiente para o
envolvimento do aluno na apresentação foi desafiá- los a prever o resultado da demonstração.

Na experiência I, em todas as etapas que realizamos, observamos, por meio do vídeo,


que a maioria dos alunos procurou ‘dar um palpite sobre o que ir ia acontecer’ quando
solicitado pelo professor. Notamos ainda que, ao expor sua opinião, o aluno além de
‘comprometer-se’ afetivamente com a demonstração, permitiu que pudéssemos conhecer a
definição de situação do aluno em relação à demonstração apresentada. Isso nos possibilitou
reformular expectativas, corrigir deficiências de percepção e fazer com que a maioria dos
participantes da interação observassem os mesmos fenômenos e procurassem dar respostas e
explicações para as mesmas perguntas.

Exemplos dessas deficiências e respectivas correções ocorreram em todas as


demonstrações. Várias vezes os alunos confundiram o peso da água com a ação da pressão
atmosférica. Para evitar essa confusão, durante a primeira etapa dessa experiência,
procuramos apresentar outras atividades em que a diferença desses conceitos ficasse mais
clara. Isso acabou facilitando o estabelecimento de uma única definição de situação na
segunda e terceira etapas, pois nelas os alunos somente se referiram à pressão atmosférica.

Quando apresentamos a experiência II, mais especificamente durante as 2a e 3a etapas,


optamos por apresentar questões mais simples do que as das outras experiências, pois esse
conteúdo ainda não havia sido apresentado aos alunos, o que levou ao aparecimento de
poucas idéias alternativas. Em outras palavras, a falta do conhecimento prévio, formal, e
provavelmente também do informal, parece ter dificultado o aparecimento de definições de
situação prévias. Assim, nós definimos a situação procurando adequá-la à maneira como nos
pareceu que os alunos poderiam ver a experiência com os conhecimentos de que dispunham.
Mesmo assim, foi possível discutir concepções prévias incorretas expostas pelos alunos
durante as demonstrações. Um exemplo foi a afirmação de alguns alunos de que seria

246
Investigações em Ensino de Ciências – V10(2), pp. 227-254, 2005

impossível medir a distância da imagem ao espelho porque isso nos obrigaria a entrar dentro
do espelho.

Intersubjetividade - em relação às demonstrações apresentadas e às questões


colocadas, entendemos a intersubjetividade como uma espécie de acordo implícito, realizado
entre nós e os alunos, quanto à adoção de um modelo teórico explicativo acessível à maioria
dos participantes da interação. Mesmo que por vezes houvesse a convicção de que a
explicação final estava incompleta ou apenas parcialmente correta, nós a adotamos, pois, de
acordo com os pressupostos teóricos Vygotskyanos, a complexidade da explicação dada deve
obedecer os limites cognitivos dos participantes da interação - a zona de desenvolvimento
imediato de cada aluno. Além disso, como já afirmamos, o papel da demonstração
experimental é entendido aqui também como uma forma de preencher a lacuna de concepções
espontâneas, advindas do amb iente cultural onde o aluno vive, que possam dar suporte às
concepções científicas correlatas e contextualmente corretas. Assim, consideramos que essa
situação se configurou quando nos pareceu que a demonstração foi satisfatoriamente
apreciada e provisoria mente bem entendida.

Nem sempre é possível a quem planeja uma demonstração experimental saber quais os
limites ou qual o alcance dessa intersubjetividade, ou seja, quais idéias serão bem entendidas
e quais terão sua explicação adiada para uma atividade posterior ou para um futuro mais
distante. Nas nossas demonstrações, a intersubjetividade esteve presente em todas as aulas
demonstrativas. Em algumas atividades, ela nos levou à explicação de conceitos introdutórios
da teoria ou a propor atividades demonstrativas complementares. Na experiência I, para vários
alunos, a água era impedida de vazar, da garrafa cheia para o prato com água, por causa da
ação que o fundo do prato exercia diretamente sobre a água da garrafa. Aceitamos
provisoriamente essa primeira explicação e planejamos uma outra experiência substituindo o
prato por um copo, o que tornou evidente a impossibilidade dessa ação direta. Os alunos,
então, puderam entender melhor o papel da pressão atmosférica como responsável pelo não-
vazamento da água contida na garrafa. Além disso, em todas essas atividades, várias vezes
aceitamos o uso do conceito ‘força’ em situações em que o correto era ‘pressão’ porque,
nesses momentos, ainda não nos pareceu conveniente insistir em diferenciar as duas
grandezas.

Na turma em que os alunos ainda não haviam estudado óptica, optamos por níveis de
intersubjetividade próximos do elementar: explicamos a formação de imagens em espelhos
planos utilizando apenas a igualdade entre as distâncias do objeto e da imagem ao espelho;
nos espelhos curvos destacamos apenas que a formação de imagens seguia outras regras e
introduzimos os conceitos de imagem real e virtual associados à discussão da visão como um
fenômeno de percepção, não exclusivamente óptico.

Mediação semiótica – entendida por nós como o meio que torna possível a interação
social, incluímos nela a própria montagem da demonstração experimental como forma de
linguagem - um ícone científico-tecnológico representado pela própria demonstração. Muitas
vezes, a evidência experimental proporcionada pela demonstração é a linguagem mais
eficiente para indicar a dúvida do aluno ou para auxiliar a explicação do professor, uma
espécie de linguagem simbólica ou gestual complementar à linguagem oral. Equivale a uma
figura, um gráfico ou tabela, que podem facilitar a compreensão de conceitos a eles
associados.

247
Investigações em Ensino de Ciências – V10(2), pp. 227-254, 2005

Durante a experiência I, na demonstração em que tapamos o copo com água com o


papel, a observação da concavidade do papel foi fundamental para compreensão da ação da
pressão atmo sférica, algo que só a demonstração possibilita. Na primeira etapa da experiência
de óptica, algumas idéias apresentadas pelos alunos só foram entendidas com a mediação do
próprio equipamento. Por exemplo, na primeira etapa da experiência de ótica, só foi possível
entender a estranha afirmação de alguns alunos de que a distância da imagem ao espelho era
igual à altura do objeto - nesse caso, da letra - ou igual à altura do espelho, utilizando-nos do
espelho como meio de explicação.

A inter-relação entre conceitos espontâneos e científicos: segundo critério

A inter-relação entre conceitos espontâneos e científicos foi observada por nós tanto
no sentido Vygotskyano, de que eles se reforçam mutuamente, como do ponto de vista do
incremento das interações sociais.

Na demonstração do bebedouro, a comparação com os bebedouros das nossas casas


teve um efeito importante nos alunos. Foi como se essa informação validasse a experiência
realizada, já que eles tinham contato cotidiano com o fenômeno apresentado, o que se
confirmou no destaque dado ao bebedouro nas respostas do questionário sobre as atividades
apresentadas em aula.

Na primeira etapa da experiência sobre óptica, ficou evidente para os alunos a


fragilidade explicativa dos seus conceitos espontâneos. Todos os alunos já haviam visto a
própria imagem no espelho e sabiam perfeitamente que não havia nada dentro dele, mas,
como esses conceitos ainda não tinham sido formalizados na escola, foram incapazes de dar
respostas adequadas às questões por nós formuladas. Muitas idéias absurdas foram
apresentadas, sobretudo tendo em vista a rica experiência cotidiana desses alunos nesse
assunto. Entendemos que ao sistematizar essas experiências e apresentar um modelo físico
para compreender e explicar a formação de imagens, além de facilitar a aprendizagem,
mostramos a eles a necessidade e a validade da descrição científica dos fenômenos da
natureza. E, certamente, esse foi também um momento em que conceitos espontâneos e
científicos reforçaram-se mutuamente.

Considerações finais
Este trabalho, além de mostrar a validade de indicações da teoria sócio-cultural de
Vygotsky para a compreensão do processo de ensino e de aprendizagem em sala de aula,
permitiu- nos formular algumas orientações pedagógicas que essa teoria pode oferecer para a
prática das atividades de demonstração em sala de aula - e todas elas têm o professor como
agente primordial do processo.

É ele quem estabelece

- a definição de situação, viabilizando uma interação social produtiva, motivando e


envolvendo o aluno por meio de previsões ou apostas, ou pelo impacto do efeito da
própria demonstração.
- o nível de intersubjetividade da interação, ou seja, a forma e o conteúdo das
explicações e abordagens utilizadas, tendo em vista o nível cognitivo dos alunos
estabelecido na definição de situação. Na explicação da demonstração da miragem,

248
Investigações em Ensino de Ciências – V10(2), pp. 227-254, 2005

por exemplo, podemos apresentar um esquema gráfico rigoroso, se os alunos tiverem


uma boa base conceitual de óptica geométrica, ou propor apenas a distinção entre
imagem real e virtual. Ou ainda, para alunos que nada sabem de óptica, podemos nos
limitar a mostrar que a visão não é apenas fenômeno físico, mas de percepção.
- a linguagem mais adequada à interação, incluindo nela, a própria demonstração
experimental.

O papel do professor como agente do processo, no entanto, não deve ser entendido
apenas do ponto de vista da capacidade de operar com o equipamento e do domínio conceitual
dos conteúdos apresentados na demonstração. Como já foi dito, ele é o parceiro mais capaz,
aquele que faz as coisas acontecerem, orienta a observação, dá as explicações adequando-as
ao conteúdo apresentado e ao nível cognitivo dos alunos. A forma como o professor exerce
sua liderança não foi objeto de nosso trabalho, mas as características dadas ao processo de
colaboração ou interação social aqui proposto deixam claro que não se propõe uma postura
autoritária, nem se atribui ao professor o monopólio das ações. A intervenção do aluno deve -
e foi - ser estimulada inclusive na manipulação do experimento, pois essa é uma condição
essencial para a ocorrência de interação social.

Essas orientações indicam que as atividades de demonstração exigem a ação


consciente e planejada do professor, sobretudo em relação ao domínio dos conteúdos
apresentados e dos modelos explicativos a serem utilizados. Eventualmente o professor pode
delegar a um aluno, ou grupo de alunos, a apresentação e a explicação de uma demonstração
experimental, mas será sempre ele o parceiro mais capaz das interações por ela
desencadeadas, papel em que é insubstituível em sala de aula.

A avaliação da aprendizagem decorrente das demonstrações experimentais


apresentadas também mereceu nossa atenção. Muitos alunos, após a demonstração,
apresentaram melhoria no seu vocabulário científico, no seu interesse pela Física e até mesmo
em suas respostas ao questionário que lhes fornecemos, mas é importante destacar que a
demonstração experimental em sala de aula não é um recurso pedagógico auto-suficiente -
como reiteradamente afirmamos ao longo deste trabalho, ela depende da ação do professor, de
sua capacidade de fazê- la funcionar adequadamente e de torná- la um elemento desencadeador
de interações sociais profícuas.

Referências

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Caderno Catarinense de Ensino de Física. Florianópolis, v.9,n.3, pp 238-244.

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apresentado à Conferência Anual da Associação Psicologia Italiana – Trieste- 27 a 30 de
setembro de 1989.

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Recebido em: 24.02.2005


Aceito em: 06.10.2005

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Investigações em Ensino de Ciências – V10(2), pp. 227-254, 2005

ANEXOS: QUESTIONÁRIOS APRESENTADOS AOS ALUNOS

A) EXPERIÊNCIA 1: PRESSÃO ATMOSFÉRICA

1- Em relação a postura do professor durante a aula com demonstração:


a. ( ) Foi diferente da habitual, o que possibilitou que os alunos participassem mais da
aula através de perguntas e comentários
b. ( ) Foi diferente da habitual, entretanto achei que a mudança não incentivou a
participação positiva dos alunos através de perguntas e comentários
c. ( ) Foi a mesma postura que tem durante as outras aulas sem equipamento de
demonstração

2- Em relação a postura da sala, de maneira geral, durante a aula de demonstração:


a. ( ) Foi diferente da habitual, com mais perguntas e comentários
b. ( ) Foi diferente da habitual, entretanto achei que a mudança não incentivou a
participação positiva dos alunos através de perguntas e comentários
c. ( ) Não apresentou mudanças

3- Algum comentário/questionamento de algum aluno ajudou-o a entender melhor a


demonstração?
a. ( ) Sim Qual? _________________
b. ( ) Não

4- Algum comentário/resposta ou alguma pergunta feita pelo professor ajudou-o a


entender melhor a demonstração?
a. ( ) Sim Qual? _________________
b. ( ) Não

5- O conteúdo abordado pela demonstração já havia sido lecionado a você?


a. ( ) Sim Quando eu estava na _____série
b. ( ) Não

6- Avalie a aula com demonstração em relação aos itens propostos:


ITENS RUIM REGULAR BOM ÓTIMO
Qualidade do equipamento
Interesse da sala pela
apresentação
Interação professor-alunos

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Investigações em Ensino de Ciências – V10(2), pp. 227-254, 2005

durante a aula
Interação entre alunos durante
a aula
Interesse que a aula despertou
em você

7- O que você gostaria de sugerir para outras aulas demonstrativas?


________________________________________________________________________
________________________________________________________________________

8- Desenhe ou escreva com as suas palavras sobre a demonstração que você viu.
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________

9- Para você, qual foi o principal objetivo da atividade de demonstração?


________________________________________________________________________
________________________________________________________________________

10-No esquema a seguir, você é capaz de identificar quem exerce pressão nos diferentes
pontos marcados?

.A

.B .

D
.C

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Investigações em Ensino de Ciências – V10(2), pp. 227-254, 2005

B) EXPERIÊNCIA 2: ÓPTICA

1- Em relação a postura do professor durante a aula com demonstração:


a. ( ) Foi diferente da habitual, o que possibilitou que os alunos participassem mais
da aula através de perguntas e comentários
b. ( ) Foi diferente da habitual, entretanto achei que a mudança não incentivou a
participação positiva dos alunos através de perguntas e comentários
c. ( ) Foi a mesma postura que tem durante as outras aulas sem equipamento de
demonstração

2- Em relação a postura da sala, de maneira geral, durante a aula de demonstração:


a. ( ) Foi diferente da habitual, com mais perguntas e comentários
b. ( ) Foi diferente da habitual, entretanto achei que a mudança não incentivou a
participação positiva dos alunos através de perguntas e comentários
c. ( ) Não apresentou mudanças

3- Algum comentário/questionamento de algum aluno ajudou-o a entender melhor a


demonstração?
a. ( ) Sim Qual? _________________
b. ( ) Não

4- Algum comentário/resposta ou alguma pergunta feita pelo professor ajudou-o a entender


melhor a demonstração?
a. ( ) Sim Qual? _________________
b. ( ) Não

5- O conteúdo abordado pela demonstração já havia sido lecionado a você?


a. ( ) Sim Quando eu estava na _____série
b. ( ) Não

6- Avalie a aula com demonstração em relação aos itens propostos:


ITENS RUIM REGULAR BOM ÓTIMO
Qualidade do equipamento
Interesse da sala pela
apresentação
Interação professor-alunos
durante a aula
Interação entre alunos durante
a aula
Interesse que a aula despertou
em você

7- O que você gostaria de sugerir para outras aulas demonstrativas?


________________________________________________________________________
________________________________________________________________________

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Investigações em Ensino de Ciências – V10(2), pp. 227-254, 2005

8- Desenhe ou escreva com as suas palavras sobre a demonstração que mais lhe intrigou.

9- Para você, qual foi o principal objetivo da atividade de demonstração?

10- As figuras representam um objeto diante de um espelho plano. Construa graficamente a


imagem através do espelho nos dois exemplos.

ÓPTICA
E

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