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Cristina C. Pacheco*
Resumo
Os estudos sobre Judiciário e Política no Brasil tomaram novo fôlego a partir dos anos 90, em grande parte
estimulados pelas novas regras estabelecidas a partir da Constituição Federal de 1988, que atribuíram
ao Judiciário um papel de destaque dentro do cenário político nacional. Ainda que o tema mereça mais
estudos, talvez o momento seja propício a uma revisão da literatura brasileira que, nos últimos vinte anos,
tenha se destinado ao estudo político do Judiciário brasileiro, em especial, de sua corte máxima de Justiça,
o Supremo Tribunal Federal. Esse artigo pretende sistematizar tal literatura, discriminar as proposições
realizadas e resultados obtidos, para, em seguida, refletir sobre possíveis limites extraídos a partir destes
resultados, a partir dos quais se pretende sugerir uma agenda de pesquisa sobre o tema em questão.
Palavras-chave: Judiciário. Ciência Política. Supremo Tribunal Federal.
Abstract
Studies on Judicial Politics in Brazil took new breath from the 90, largely stimulated by new rules implemeented
after the approval of new Federal Constitution of 1988, which attributed the judiciary a role of prominence
within the national political scene. While the issue deserves further study, perhaps the time is conducive to a
review of Brazilian literature that in the last twenty years, has designed the study by the Brazilian judiciary, in
particular, its Court of Justice, the Supremo Tribunal Federal. This article aims to systematize such literature,
details the proposals and results achieved, and to reflect on possible limits extracted from these results.
Keywords: Judicial Branch. Political Science. Brazilian’s. Supreme Court of Justice.
* Professora de Teoria Política do Curso de Relações Internacionais da UEPB. Doutora em Ciências Sociais pela Unicamp. Formada em Direito
pela UFSC. Integra o Grupo de Estudos em Direito e Política, coordenado pelo Prof. Dr. Andrei Koerner, do Centro de Estudos Internacionais e
Política Contemporânea (CEIPOC), na UNICAMP.
1
Foram investigadas 708 Ações Diretas de Inconstitucionalidade (Adins), mais precisamente do número 1207 ao número 1915. A sistematização
dos dados foi realizada no SPSS, um “software” que proporciona a visualização de freqüências estatísticas, bem como a significância de algu-
mas correlações.
2
Adotou-se a linguagem de categorias utilizadas no livro coordenado pelo Prof. Luiz Werneck Vianna. A Judicialização da política e das relações
sociais no Brasil (1999, p.63-64): A adoção se justifica pela uniformização de conceitos para futuras análises comparativas e por facilitar o
trabalho.
privados e, portanto, de impacto negativo sobre a procuram defender a sua autonomia frente à União,
implementação de políticas publicas.” (CASTRO, mas solicitam a utilização da Corte contra leis das
1997, p.154). O Supremo, com exceção da política Assembléias estaduais produzidas contra a vontade
tributária, não tem desenvolvido jurisprudência em do soberano.
proteção a direitos individuais e em contraposição A análise das Adins ingressadas pelos
às políticas governamentais, finaliza Castro (1997, governadores estaduais permite ver que eles
p.154). contestam, em sua grande maioria, temas da
Vianna et al. (1999) realizaram uma pesquisa administração pública. Eles recorrem ao Supremo em
com as Ações Diretas de Inconstitucionalidade nome de controvérsias relativas, predominantemente,
ingressadas dentre 1989 e 1998, tendo como pano a temas de Direito Administrativo, induzindo-
de fundo a mesma categoria introduzida por Faro de o à prática de funções assemelhadas às de um
Castro no Brasil. As reflexões extraídas desta análise Conselho de Estado. A segunda é a de que exercem
apontam a presença da judicialização da política no a judicialização da política em nome da defesa da
Brasil a partir da adoção do modelo concentrado governabilidade, opondo-se à vontade de uma
de constitucionalidade, com a intermediação de maioria que lhes parece danosa aos objetivos
uma comunidade de intérpretes, e não com os de racionalização da esfera pública. Finalmente,
novos papéis atribuídos a antigas instituições, tendência que parece confirmada, os governadores
como o ocorrido em outros países. Eles partem judicializam os conflitos que versam sobre os temas
de uma concepção comunitária de constituição e da Federação. (VIANNA et al., 1999, p.121).
de democracia, a qual era, para os Constituintes, Não há no trabalho de Vianna et al. (1999)
mais um projeto futuro que um fundamento numa um questionamento da existência do fenômeno da
comunidade existente de valores. Destacam o judicialização da política no Brasil. Nele, esse é
caráter expansivo da cidadania e da participação simplesmente um pressuposto aceito, a partir dos
que é propiciado pela ampliação dos procedimentos arranjos institucionais, adotados pela Constituição
judiciais de defesa de uma gama ampliada de de 1988, que ampliaram os espaços de participação
direitos individuais e coletivos, de interesses difusos, dos agentes judiciários. Preocupam-se apenas
assim como as novas oportunidades constitucionais em avaliar sua adequação, na medida em que
de participação da ‘comunidade de intérpretes’ para mostra um fenômeno com traços peculiares: tido
a efetivação da Constituição. como um recurso das minorias contra as maiorias
Na perspectiva da formação da sociedade parlamentares, adquire prestígio e legitimidade
brasileira, Vianna et al. (1999) apontam o papel através de duas grandes figuras do federalismo
positivo desempenhado historicamente pela brasileiro – os Governadores e a Procuradoria Geral
“intelligentsia” jurídica para a constituição da da República.
dimensão pública, cívica, do Estado nacional. Dos Mas será possível falar em judicialização da
novos intérpretes, os partidos políticos e as entidades política no Brasil? Castro (1997) exclui as questões
de classe convocam o Judiciário a desempenhar processuais e penais para então confirmar que sim,
um papel ativo no processo decisório, confirmando o Judiciário tem implementado políticas públicas
uma das hipóteses de Tate e Vallinder (1995) no país, um dos elementos caracterizadores do
sobre a judicialização da política como um recurso fenômeno, enquanto Vianna, por sua vez, aponta
das minorias contra as maiorias parlamentares. A uma judicialização singular, não dos partidos
iniciativa destes novos intérpretes estaria induzindo políticos, mas de Governadores de Estado e da
uma atitude mais favorável, por parte do STF, na Procuradoria Geral da República. A afirmação
assunção de novos papéis, saindo de seu tradicional desses autores quanto à existência da judicialização
papel secundário na história política brasileira para é, pois, relativizada pelas restrições que eles adotam
tornar-se “um ativo guardião da Carta Constitucional em suas bases de dados.
e dos direitos fundamentais da pessoa humana.” A relativização das restrições feita pelos autores
(VIANNA et al., 1999, p.53). provoca uma reformulação da questão acima feita:
Uma das singularidades da judicialização será pertinente falar em judicialização, considerando
da política no país, para Vianna et al. (1999, p.72) apenas os índices de acionamento do Judiciário, aqui
consiste em ter os Executivos estaduais como um representado pela sua figura máxima, o Supremo
de seus principais atores, evidenciada a natureza Tribunal Federal, pela sociedade civil, sem se levar
particular do pacto federativo brasileiro. Ao analisar em consideração as decisões, ou seja, o tipo de
os dados a partir da relação entre quem ingressou resposta oferecida pelo Judiciário, traduzida aqui no
com a ação e contra quem se ingressou, Vianna julgamento do mérito da ação?
et al. (1999) verificaram que os Estados não
Tal indagação é feita por Oliveira (2002) ao maneira, o fenômeno da judicialização da política no
analisar a inserção do Judiciário na nova arena país. (OLIVEIRA, 2002, p.75-76).
política brasileira, definida juridicamente a partir de O Judiciário por sua vez, enquanto participante
1988. Para a autora, o que a literatura vem definindo ativo, dentro da perspectiva da judicialização da
como ‘judicialização da política’ é um processo muito política, se esquivou de intervir em tais questões,
mais complexo, que não pode ser reduzido apenas escolhendo não julgar o mérito dessas ações. Nos
à nova comunidade de intérpretes autorizados a casos em que julgou, o fez de maneira favorável
questionar decisões políticas perante o Judiciário, ao governo federal, e, assim apoiou as autoridades
mas que deve incluir também um grupo de atores, eleitas, o que contraria uma das condições apontadas
essencial para os resultados desse processo: os por Tate e Valinder (1995) para a judicialização da
magistrados. política: o ativismo dos juizes (dentre os demais
Dessa maneira, ela considera que uma profissionais do direito). Para evitar os custos de
das possibilidades de se verificar a presença ou se opor ao Executivo e ao Legislativo, o Judiciário
ausência da judicialização da política no Brasil escolheu se omitir, opção que também favoreceu o
consiste em averiguar como se cumprem todas as governo federal. (OLIVEIRA, 2002, p.76).
etapas que compõem o seu ciclo: o acionamento do
Judiciário através do ajuizamento de processos; o
julgamento do pedido de liminar (quando houver); o 3 As abordagens neoinstitucionais
julgamento do mérito da ação, não importando aqui
Os estudos sobre comportamento judicial na
se a resposta foi favorável ou contrária ao pedido
Ciência Política norte-americana se iniciaram em
do autor, mas sim se o Judiciário respondeu à sua
meados do século XX. Um dos primeiros teóricos
demanda quando acionado.
que procurou compreender o processo de tomada
O espectro da análise de Oliveira (2002) é o de decisão dos juízes foi C. H. Pritchett, em 1948,
conjunto das ações judiciais – Ação Popular, Ação quando estudou o processo decisório da Suprema
Civil Pública, Ação Direta de Inconstitucionalidade, Corte durante o ‘New Deal’3. O trabalho de Pritchett
Ação Declaratória de Constitucionalidade, Mandado (1948) abriu caminho para que, nos anos 60, a teoria
de Segurança e Mandado de Injunção – que behaviorista fosse aplicada também ao fenômeno
foram ingressadas durante o Governo Fernando jurídico, focando sua atenção no juiz individual. Os
Henrique com o objetivo de evitar o processo de seguidores dessa teoria partem do pressuposto de
implementação da Reforma do Estado através que a concepção de mundo e o sistema de hierarquia
da privatização de empresas públicas. No tocante de valores dos juízes influenciam suas decisões. São
às Adins, especificamente, Oliveira (2002, p.72) pioneiros em tais estudos o próprio Pritchett, bem
mostra que, das 39 ações ingressadas, apenas uma como Schubert (1959, 1964), Ulmer (1960) e Spaeth
passou pelas três fases e teve seu mérito julgado (1961, 1962). Após, ampliou-se o leque de possíveis
improcedente. As outras 97,5% ou aguardam variáveis explicativas para a pergunta: “Por que o
julgamento, ou tiveram seu mérito prejudicado, não juiz vota de dessa forma?”
conhecido ou com o seguimento negado e, neste
Duas novas correntes iniciadas a partir
caso, também não foram julgadas.
da teoria behaviorista na Ciência Política norte-
A nova comunidade de intérpretes não americana que predominam hoje são o “modelo
conseguiu obter o resultado desejado ao acionar o atitudinal”. (SCHUBERT, 1964; ROHDE; SPAETH,
Judiciário, a saber, impedir a venda de empresas 1976; SEGAL; SPAETH, 1993) e o modelo do cálculo
estatais incluídas no Programa Nacional de estratégico (WALKER; DIXON, 1989; ESPTEIN;
Desestatização. Essa estratégia não provocou WALKER; DIXON, 1989; EPSTEIN; KNIGHT, 1998).
mais do que um relativo atraso no processo de
Os primeiros entendem que a Suprema Corte
privatização das empresas públicas e a modificação
dos EUA possui um conjunto de características
das estratégias de decisão no Judiciário, diante do
institucionais que simplificam enormemente a
altíssimo número de processos judiciais e pedidos
tarefa de descobrir os fatores que determinam o
de liminares ingressados. Vale dizer, os novos
comportamento de voto de cada um dos juízes. Têm
intérpretes não conseguiram produzir resultados
em Segal e Spaeth (1993) seus principais teóricos.
políticos pela via judicial, não reproduzindo dessa
3
O “novo acordo” proposto pelo Presidente F. D. Roosevelt tinha um papel fundamental no processo de recuperação econômica do país, após
a crise de 1929, que triplicou o nível de desemprego no país. A Suprema Corte negou-se a aprovar integralmente o acordo, o que obrigou
Roosevelt a refazê-lo.
Central à sua formulação está a construção de conjunto de teorias, tais como a Teoria Econômica
um conjunto de atitudes, definidas a partir de um do Voto, a Teoria dos Jogos, a Escolha Racional e
conjunto inter-relacional de crenças sobre situações o Neo Institucionalismo, e a partir delas analisam,
e comportamentos identificados, como os litigantes tanto individualmente como em conjunto, a atuação
que buscam a Corte, as partes ligadas direta ou da Suprema Corte dos Estados Unidos da América.
indiretamente ao litígio e as situações questionadas, Maranhão (2003) analisa essas teorias e as aplica
que abordam temas como liberdade de comunicação, ao caso brasileiro, com o objetivo de compreender
assédio sexual, discriminação no espaço de trabalho, como atuam os ministros do Supremo Tribunal
benefícios previdenciários. Federal.
O segundo modelo é o do cálculo estratégico Com a redefinição dos limites institucionais
e pretende explicar porque os ministros da Suprema atribuídos ao Supremo pela Carta de 1988 e a
Corte modificam seus votos ao longo do processo ampliação dos agentes autorizados a questionar a
decisório. Essa teoria até reconhece a faceta de constitucionalidade de leis e atos normativos federais,
implementação de políticas públicas dos ministros, os presidentes eleitos têm procurado nomear
mas nega que decidam apenas com base em suas ministros que, ainda que atendam às exigências
crenças e valores. Para ele, os ministros são atores formais da função, apresentam preferências
estratégicos que percebem que, para alcançar um políticas condizentes com a agenda presidencial
determinado objetivo, é preciso levar em conta as e com a formação de uma maioria no tribunal que
preferências dos outros ministros, as escolhas a lhes permita manter o “status quo”. Em vista disso,
serem feitas e o contexto institucional em que atuam. pretende-se descobrir como decide a Corte quando
Esse cálculo estratégico explicaria as mudanças um dos agentes questionados é o Presidente da
posteriores nos votos individuais de alguns dos República. (MARANHÃO, 2003, p.14).
ministros. A sua ocorrência se deve ao fato de que Maranhão (2003) sistematiza teorias neo-
os ministros almejam atingir um resultado final mais institucionalistas de modo a produzir um modelo
próximo possível de sua posição inicial. integrado4, com o qual analisa a Ações Diretas de
Ambos os estudos centram na análise individual Inconstitucionalidade. Ela exclui da contabilização
do voto proferido por cada ministro da Suprema tanto as ações julgadas por decisão monocrática5,
Corte. Entendem que as preferências dos juízes são como aquelas nas quais o requerente é desautorizado
essenciais para compreender e analisar as decisões pela Corte a ingressar com a ação (ilegitimado
por ela proferidas. Mas talvez não estejam atentando ativo).6
para o fato de que a relação entre as preferências Se é verdade que os presidentes nomeiam
individuais e suas decisões seja mediada pela os ministros com vistas à manutenção de seus
instituição da qual fazem parte, e pela maneira como interesses e, de maneira mais indireta, do “status
ela se relaciona com outras instituições. quo”, a expectativa é que seja retratada uma
A limitação por eles apresentada alerta para a situação na qual o STF vote consistentemente
importância de se relacionar o processo de tomada com as preferências políticas do Presidente da
de decisão judicial com os processos políticos e República. Isso efetivamente ocorre em 85,9% das
sociais mais gerais. Adins analisadas. O comportamento dissidente
No Brasil, alguns estudos têm se voltado para está em 14,1% dos julgamentos, julgadas
compreensão do processo decisório do Supremo procedentes (total ou parcialmente) em detrimento
Tribunal Federal a partir das preocupações da posição presidencial e da maioria do Congresso.
desenvolvidas pela Ciência Política norte-americana (MARANHÃO, 2003, p.79).
que buscam, dentre outras questões, compreender Um segundo trabalho voltado para a análise da
como os tribunais e os juízes decidem os casos. Corte, que se utiliza da abordagem neoinstitucional
(MARANHÃO, 2003; TAYLOR, 2004). é o de Taylor (2004). O autor procura compreender
Tais estudos se destacam pela inovação de que modo os fatores relacionados à estrutura
metodológica e teórica e utilizam como base um institucional das Cortes influenciam o uso que a Corte
4
O modelo integrado de análise do comportamento judicial é desenvolvido a partir das principais variáveis presentes nos modelos de personali-
dade (atitudinal model) e de separação dos poderes. Para mais detalhes, ver Maranhão (2003, p.74 e ss).
5
As decisões monocráticas são aquelas nas quais o relator do processo, com base na jurisprudência consolidada pelo tribunal e no poder que
lhe foi designado pelo Regimento Interno, decide sobre a impugnação ou manutenção da norma questionada de ofício em despacho. (MARA-
NHÃO, 2003, p.68).
6
As razões para essa exclusão serão explicadas quando apresentados os limites das pesquisas realizadas.
faz das políticas públicas e quais são os efeitos, para políticas. Para isso Taylor utiliza de tipologia
as políticas públicas, das decisões judiciais. elaborada por Wilson (1995), que caracteriza as
Para isso, centra-se nas características políticas públicas de acordo com a incidência nos
institucionais do sistema judiciário federal, e o custos e benefícios que elas produzem.
modo pelo qual tais características estruturam o Após analisar quatro políticas (Reforma
debate sobre políticas públicas dentro do Judiciário Agrária, Política Automotiva do Governo, Reforma
brasileiro e fora, no sistema político. Para Taylor Previdenciária e racionamento de energia), Taylor
(2004), no Judiciário, da mesma maneira que no conclui que as políticas com custos concentrados
Executivo e no Legislativo, as políticas são moldadas e benefícios difusos são as que têm mais chances
a partir das estruturas normativas e institucionais de se submeterem ao questionamento judicial de
dentro das quais juízes e funcionários operam. É controle de constitucionalidade. Em contrapartida,
um mecanismo de funcionamento que afeta os por funcionar como um ponto de veto, a Corte tende
resultados das políticas públicas, ao definir quem a reconhecer aos pequenos grupos autorizados, e
tem acesso à Corte, o local em que esse acesso é não a grandes grupos, a inconstitucionalidade de
fornecido, como e sob que condições os Tribunais uma norma.
tomam suas decisões, e, ainda, o próprio conteúdo Quanto antes um caso for julgado pelo STF,
das decisões judiciais para a formulação, estratégia mais rapidamente a constitucionalidade da política
e resultados das políticas. pública será resolvida de maneira definitiva. Isso
Sua análise estrutura-se em duas partes, uma decorre dos próprios efeitos da declaração de
voltada para a apresentação do objeto, o Judiciário inconstitucionalidade emanada pela Corte, que exerce
Federal brasileiro, e outra para as políticas públicas o controle concentrado de constitucionalidade. O
implementadas naquele setor. Para o presente mesmo já não ocorre no Judiciário Federal, no qual o
estudo serão focados os dois trabalhos que se sistema difuso permite o amplo acesso dos cidadãos
voltam para o estudo do Supremo Tribunal Federal, para provocarem o controle da constitucionalidade,
primeiro como ponto de veto, e segundo pela análise ao contrário do sistema concentrado, que não está
dos custos e benefícios de uma política pública acessível ao cidadão comum.
implementada. Alguns requerentes podem aproveitar
A idéia de ponto de veto sugerida por Taylor estrategicamente essas condições, para alcançar
(2004), com base no ‘agente com poder de veto’ de seus objetivos na implementação ou rejeição de
Tsebelis (2002), surge com a análise dos mecanismos uma política pública determinada. (TAYLOR, 2004,
oriundos do hibridismo que caracterizam a revisão p.101 e ss.). O excesso de litigância do setor
judicial brasileira. A estrutura da Corte oferece público e a ausência de precedentes que vinculam
vantagens para determinados atores que buscam o as decisões futuras a anteriores possibilitaram ao
Judiciário, de maneira que este bloqueie ou aprove governo federal atrasar pagamentos que criariam
políticas públicas que venham a alterar o ‘status quo’. dívidas fiscais gigantescas. Um outro exemplo é o
As suas vantagens se encontram no contraponto dos partidos políticos. A independência dos juízes e
entre o controle difuso de constitucionalidade de suas decisões permitiu que os partidos políticos
exercido pelo Judiciário Federal, por exemplo, da oposição distribuíssem ao longo do o sistema da
e o concentrado, exercido pela Corte. As regras Justiça Federal os ataques a uma mesma política
institucionais que permitem o questionamento de – o caso da privatização da Companhia Vale do Rio
uma política pública no Judiciário Federal oferecem Doce, por exemplo. Os efeitos destas características
menos garantias do que aquelas que permitem o institucionais são muitos e até mesmo contraditórios,
questionamento direto no Supremo e, em tal caso, afirma Taylor (2004, p.102): em virtude da
não se encontram disponíveis ao cidadão comum, possibilidade de se produzir decisões distintas num
mas apenas a agentes autorizados pela CF-88 a mesmo sistema, o efeito consiste na particularização
ingressar com a Adin. de questões e não sua universalização; por causa
Este conceito auxiliará a análise subseqüente da tendência que o governo federal tem em procurar
feita por Taylor (2004, p.143-160) sobre a relação retardar as decisões judiciais, a estrutura atual tende
entre custos e benefícios e decisão judicial. a privilegiar os interesses do Poder Executivo, sem
Parafraseando a afirmação de Lowi (apud TAYLOR, levar em consideração o tipo de decisão proferida
2004, p.168) de que “policy determines politics”, Taylor pelas Cortes inferiores; e talvez o efeito mais
(2004) afirma que o tipo de política pode determinar importante seja o de que a estrutura e performance
a judicialização. Sua proposta consiste em verificar judicial motiva os atores políticos a alcançar a Corte
se as características de uma política pública podem mais elevada de modo a obter uma decisão com
encorajar o uso da Corte para contestar iniciativas efeitos obrigatórios, universais e definitivos.
4 Limitações presentes nos trabalhos problema é adotar esse sistema como uma espécie
de tipo ideal, sem fazer qualquer relativização com o
Sem desconsiderar sua importância em modelo de Estado que vige no Brasil.
colocar a Corte e o Judiciário como objeto central Um ponto de partida problemático tende a
na pesquisa em Ciência Política, as análises ora provocar limitações nas análises daí extraídas: os
apresentadas mostram algumas insuficiências. dados analisados não apontam, por exemplo, para
O primeiro conjunto ainda se encontra preso a a produção de qualquer tipo de segurança jurídica
um modelo de análise do Judiciário que tem como visto que a Corte não lançou nenhum limite para
ponto de partida o controle de constitucionalidade no o Executivo. Isso sem mencionar questões mais
Brasil, sua modificação e presumida evolução. Talvez pontuais, como a ausência de referencias a questões
por se restringirem à dimensão institucional, em suas como o controle do poder de agenda do Legislativo
análises inexiste a utilização de categorias políticas. que o Executivo adquiriu após a CF-88, controle
As reflexões resultam em algo excessivamente este que tem como importante instrumento a medida
formal e as decisões de mérito ficam restritas àquelas provisória.
proferidas em momentos políticos de destaque no A intensa participação das associações, parti-
cenário nacional. E ao focar num critério formal e em dos e sindicatos é para Carvalho (2000) argumen-
decisões de grande impacto político acabam por não to suficiente para que afirmar que a sociedade civil
situar a Corte enquanto instituição política inserida controla os atos legislativos do Executivo. Mas tal-
dentro de um processo político, no qual a interação e vez seja necessário também considerar que antes
o diálogo com as outras instituições é constante. da mobilização pela vigilância, tais atores tenham
Além disso, os autores restringem sua análise se utilizado dessa via por terem sido fortemente
às decisões de mérito do STF em casos relevantes, atingidos pelas modificações realizadas no Estado
nos momentos políticos de maior destaque no brasileiro, através, principalmente, das medidas pro-
cenário nacional, sem considerar, por exemplo, a visórias, estratégia política utilizada pelo Governo
possibilidade de existir também estratégias políticas Fernando Henrique.
dentro de um espectro maior de decisões. O segundo conjunto não questiona a
O estudo das decisões judiciais produzidas pelo judicialização da política no Brasil, e sustenta sua
Supremo em ações diretas de inconstitucionalidade existência com base no índice de acionamento do
precisa ir além da análise dos elementos Judiciário pela sociedade civil. É preciso indagar se é
institucionais. É preciso analisar a estrutura do possível falar em judicialização da política, levando-
conflito político, algo que ocorre na articulação entre se em consideração as respostas produzidas pelo
o pacto fundamental de estruturação do Estado, a próprio Judiciário, não importando se favoráveis ou
relação entre os setores de classe, para citar alguns não, às ações impetradas? (OLIVEIRA, 2002).
dos elementos, e a dimensão institucional, ou seja, Como vimos anteriormente, Vianna et al.
as regras e atores que se situam nas posições de (1999, p.115- p.117) separam os dois momentos do
tomada da decisão política. fenômeno e trata o acionamento do Judiciário como
Somando-se aos parcos estudos sobre o uma dimensão ativa do processo de judicialização,
Supremo, o trabalho de Carvalho (2000) vem mas seus dados também destacam que há um
contribuir com uma análise estatística cuidadosa conjunto expressivo de ações que não mereceram
sobre a tensão entre Judiciário e Executivo qualquer resposta por parte do Supremo, tanto na
Federal, ao focar nas ações que questionam a liminar quanto no mérito.
constitucionalidade de medidas provisórias, de atos A análise do conjunto de ações judiciais7 que
normativos privativos do Executivo Federal. visaram impedir o processo de privatização das
Mas seu trabalho já inicia com um problema, empresas públicas durante o Governo Fernando
ao vincular democracia (ou avaliação dos limites Henrique aponta que o STF não atuou para bloquear
democráticos do Judiciário) ao sistema de freios e as decisões majoritárias, a partir da provocação
contrapesos norte-americano. Definir o Judiciário de minorias. Pelo contrário, ao menos no que se
como “uma das principais instituições responsáveis refere às Adins especificamente, das 39 ações
pelos ‘checks and balances’ do corpo institucional.” ingressadas, apenas uma teve seu mérito julgado
(CARVALHO, 2000, p.20) significa adotar um modelo e, no caso, improcedente, enquanto as demais
de sistema político no qual o Estado é liberal. O estão aguardando julgamento, tiveram seu mérito
7
Inclui um conjunto diverso de ações, dentre elas a Ação Popular, Ação Civil Pública, Ação Direta de Inconstitucionalidade, Ação Declaratória de
Constitucionalidade, Mandado de Segurança e Mandado de Injunção. Para mais detalhes ver Oliveira (2002).
considerado prejudicado, não conhecido ou com autora agrupou as ações nas quais o requerente
seguimento negado e, neste caso, também não é considerado pela Corte como ilegitimado ativo
julgado. Por conseqüência, provavelmente jamais em uma categoria à parte (56 casos ou 26,3% nas
serão julgadas, sendo em algum momento pura e decisões de mérito). A justificativa apresentada por
simplesmente arquivadas por perda de objeto ou Maranhão (2003, p.107) é que a norma questionada
outro motivo de ordem processual. por um requerente assim considerado pelo tribunal
A proposta de Vianna et al. (1999) é de difícil nem sequer é apreciada; o Tribunal considerando-a
sustentação, como mostra Colombo (2001, p.89), prejudicada.
por minimizar as oscilações e ambigüidades que Este conjunto de requerentes, pela mesma
permeiam as decisões do Supremo. Tais oscilações razão das decisões monocráticas e baseadas
e ambigüidades se fazem presentes em casos em critérios formais, merece reflexão sobre os
como a regulação do sistema financeiro nacional mecanismos de restrição da aplicabilidade da Adin
(COLOMBO, 2001, p.135-137). No entanto, Colombo pelo Supremo. Sua exclusão do campo da pesquisa
(2001) considera apenas o conteúdo das decisões compromete diretamente a própria análise política e
do STF e as considera expressão dos interesses das os resultados apresentados pelos autores.
classes dominantes, do projeto neoliberal, ao qual se Assim, não basta indicar as oscilações e
contrapõe o sentido da Constituição, que configura ambigüidades dos poderes e das decisões do
um projeto oposto à reforma do Estado implementada Supremo (VIEIRA, 1994), nem pretender tirar delas
pelo governo FHC. O autor não trata o conjunto das um sentido geral, seja de efeitos negativos para
decisões do STF, aborda apenas topicamente as a governabilidade (ARANTES, 1997; TAYLOR,
decisões baseadas em questões formais. Também 2004), de intervenção ativista dos juizes na política
não trata do impacto das decisões do STF e nem (CASTRO, 1997), de efetivação da Constituição
detalha as conexões entre o padrão de atuação do (VIANNA et al., 1999), de passividade dos
STF e a implementação das reformas. juízes (CARVALHO, 2000), de apoio às políticas
Os trabalhos que se utilizam das ferramentas governamentais (MARANHÃO, 2003; COLOMBO,
neoinstitucionais pecam por razões diferentes. 2001). É necessário examinar com mais detalhes as
Taylor (2004) estende para Supremo Tribunal próprias decisões tomadas pelo STF, considerando-
Federal o conceito de agente com poder de veto, as na totalidade do ciclo de tomada de decisão
qualificando-o, mas restringe ao ponto de vista (OLIVEIRA, 2002), com o que serão incluídas
dos efeitos das decisões proferidas em políticas aquelas decisões de mera forma, aparentemente.
públicas. Essa análise é limitadora por duas razões: Por outro lado, é preciso considerar não só o
ao centrar apenas nas políticas públicas perde conteúdo das decisões em que o STF efetivamente
o foco da análise, que poderia voltar para outras declara ou deixa de declarar a inconstitucionalidade
questões, como as decisões baseadas na forma, (COLOMBO, 2001), mas também tratar do impacto
por exemplo, além de não realizar uma abordagem das decisões da Corte, qual o seu alcance em termos
do Supremo Tribunal Federal que o integre à aliança territoriais e de generalidade, e o conteúdo da norma
governamental realizada no período. declarada inconstitucional pelo STF.
A última deficiência que se pretende destacar é Os estudos sobre Judiciário desenvolvidos pela
a redução à tendência do campo de análise apenas Ciência Política brasileira têm limites, que precisam
aos casos em que a ação foi julgada no seu mérito, ser superados. A sugestão para essa superação se
por quase todas as análises, ressaltadas algumas dá através de duas abordagens analíticas: a análise
pequenas diferenças. Não considerando, com isso, das leis alegadas inconstitucionais a partir da
como parte do processo político, também as Adins relação entre impacto e generalidade da lei, a partir
negadas por questões meramente formais. do tratamento proposto por Ricci e a incorporação à
Maranhão (2003, p.68-69) alega ter sido preciso análise política das decisões baseadas na forma.
excluir as ações julgadas por decisão monocrática,
pela impossibilidade de se comparar os votos
individuais de cada ministro. E nenhuma decisão Conclusão - Algumas considerações
resultou em declaração de inconstitucionalidade. finais
Isso reduziu o total de casos a serem analisados de
Relevantes por inaugurar o tema de análise
772 para 213, estes, como já especificado, julgados
“Judiciário e Política”, os estudos que se voltaram
por unanimidade, ou maioria dos ministros, entre
para o Supremo primaram por abordagens
1988 e 2001.
normativas, marcadas pelo tema da avaliação
Além de excluir as decisões monocráticas, a institucional e da independência ou não da Corte
em relação ao Governo Federal. Neste sentido, os a estrutura e característica institucional que envolve
trabalhos realizados ao longo dos anos noventa a Suprema Corte brasileiro motiva a sua utilização
(VIEIRA, 1999; ARANTES, 1997; VIANNA et al., para obter resultados que produzam efeitos em
1999) não diferem muito. todo o país de maneira mais rápida. O problema
As análises que focaram na tensão destes estudos reside na exclusão de um conjunto
entre constitucionalismo e democracia, por de decisões (monocráticas, de mérito) que precisam
exemplo, estabeleceram uma relação na qual ser consideradas na análise política.
o regime democrático depende do controle de Assim, não basta indicar as oscilações e
constitucionalidade para garantir segurança jurídica ambigüidades dos poderes e das decisões do
ao impedir a produção de normas jurídicas de Supremo (VIEIRA, 1994), nem pretender tirar delas
constitucionalidade duvidosa. Mas se depararam um sentido geral, seja de efeitos negativos para
com obstáculos institucionais que acabaram por a governabilidade (ARANTES, 1997; TAYLOR,
prejudicar a própria análise, como o caráter híbrido 2004), de intervenção ativista dos juizes na política
do controle de constitucionalidade brasileiro, (CASTRO, 1997), de efetivação da Constituição
responsável pela crise de governabilidade, mais (VIANNA et al., 1999), de passividade dos
acentuada os governos Collor e Itamar. E em juízes (CARVALHO, 2000), de apoio às políticas
muitos casos, as conclusões, impedidas de avaliar governamentais (MARANHÃO, 2003; COLOMBO,
os impactos que as decisões causaram no regime 2001). É necessário examinar com mais detalhes as
democrático brasileiro, limitaram-se a apontar um próprias decisões tomadas pelo STF, considerando-
caráter submisso, dependente e moderador do as na totalidade do ciclo de tomada de decisão
órgão de cúpula do Judiciário brasileiro. (OLIVEIRA, 2002), com o que serão incluídas
Os estudos que partiram do debate sobre aquelas decisões de mera forma, aparentemente.
judicialização da política para analisar a relação Por outro lado, é preciso considerar não só o
entre Judiciário e democracia no Brasil contribuíram conteúdo das decisões em que o STF efetivamente
sobremaneira nas análises quantitativas posteriores declara ou deixa de declarar a inconstitucionalidade
acerca das ações diretas de inconstitucionalidade. (COLOMBO, 2001), mas também tratar do impacto
Identificaram fenômenos importantes, dentre eles a das decisões da Corte, qual o seu alcance em termos
proteção dos interesses privados em detrimento da territoriais e de generalidade, e o conteúdo da norma
implementação das políticas públicas e a atuação declarada inconstitucional pelo STF, adequadamente
peculiar do Procurador Geral da República e o seu contextualizados dentro do processo político, no
expressivo sucesso nas decisões, compartilhado caso sugerido aqui, de reforma da Constituição
também pelos Governadores. E no sentido contrário, Federal de 1988.
a baixa taxa de sucesso de outros requerentes, como Os estudos sobre Judiciário desenvolvidos pela
os partidos políticos e as entidades representativas Ciência Política brasileira têm limites, que precisam
dos setores de classe, como as associações do ser superados. A sugestão para essa superação
funcionalismo público e as confederações. Mas se dá através de duas abordagens analíticas: a
pecaram por não considerar na análise o tipo de análise das leis alegadas inconstitucionais a partir
resposta oferecida pelo Judiciário, o julgamento da relação entre impacto e generalidade da lei,
mesmo do mérito da ação. Talvez aí resida a a partir do tratamento proposto por Ricci (2002)
explicação para algumas conclusões curiosamente e a incorporação à análise política das decisões
otimistas sobre o papel da Corte. baseadas na forma.
O último conjunto teve como ponto de partida A sugestão acima apresentada consiste em
em comum abordagens neoinstitucionais utilizadas considerar as decisões baseadas em critérios
para a análise de como votam os ministros da formais na análise política. E isso se deve ao fato
Suprema Corte americana. Foram aplicadas ao caso de considera-las, em conjunto com as decisões
brasileiro, primeiro na análise de decisões contrárias baseadas no pedido, uma estratégia política da
ao Presidente da República e no segundo caso, os Corte que, ao basear-se em critérios formais, não só
fatores que influenciam o uso que a Corte faz das retira destes novos legitimados ativos a possibilidade
políticas públicas e seus efeitos. Realizando trabalhos de utilizar-se deste novo instrumento Dentro da
quantitativos de fôlego as análises produziram proposta aqui apresentada, é preciso ressaltar que
resultados expressivos, seja no sentido de apontar essas duas possibilidades só adquirem sentido
uma Corte que compartilha das preferências políticas quando são consideradas as decisões no processo
do Presidente da República, como também de que político.