Victor Santiago Ruy Coutrin, 3º ano, Bacharelado, Diurno.
O sociólogo polonês, Zygmunt Bauman, é um importante autor que busca examinar as
transformações que a modernidade vem causando a nossas vidas nos mais variados aspectos. Buscando através, de um estudo sociológico, a autoconsciência, a compreensão e explicitação dos termos dessa modernidade, permitindo-nos, assim, entender como o mundo funciona e nosso papel nele. Para a sua análise da esfera social Bauman parte do pressuposto de que vivemos em um novo estágio da modernidade que ele denomina de Modernidade líquida. O termo líquido aqui, se remete a dificuldade que os elementos modernos têm de manter a sua forma, na medida em que, qualquer força aplicada sobre eles os deforma, estão em constante mudança, quando submetidos a qualquer tensão. No que parece uma tentativa de oferecer "fluidez" como a principal metáfora para o estágio presente da era moderna. Entretanto como o próprio autor nos coloca a modernidade não foi um processo de "liquefação", desde o começo. O espírito moderno em um primeiro momento significava a emancipação das amarras tradicionais: “Essa intenção aclamava, por sua vez, pela profanação do sagrado, pelo repúdio e destronamento do passado, e, antes e acima de tudo, da tradição – isto é, o sedimento ou resíduo do passado no presente, clamava pelo esmagamento da armadura protetora forjada de crenças e lealdades que permitiam que os sólidos resistissem a liquefação.” (Bauman, 2001, p.9) No campo emocional, o processo de soltar os freios que prendiam o indivíduo ao seu local e sua tradição, levou-o a uma situação de abandono e confusão, gerando inseguranças e incertezas. Pois, agora com o afrouxamento dos antigos laços sociais e a necessidade constante da formação de novos modelos orientadores da vida, cria-se um campo vasto e inexplorado de possibilidades, mas também de ameaças aos padrões pré-existentes. Um campo marcado por sucessivos finais, e a necessidade de intermináveis recomeços. Não há a possibilidade de ficar parado. E quando estamos em constante movimento a possibilidade de ser atingido, acertado, tocado, abordado por elementos que não desejamos é maior – emocional. “O derretimento dos sólidos, traço permanente da modernidade, adquiriu portanto,um novo sentido, e, mais que tudo, foi redirecionado a um novo alvo, e um dos principais efeitos desse redirecionamento foi a dissolução das forcas que poderiam ter mantido a questão da ordem e do sistema na agenda política. Os sólidos que estão para ser lançados no cadinho e os que estão derretendo neste momento, o momento da modernidade fluida, são os elos que entrelaçam as escolhas individuais em projetos e ações coletivas – os padrões de comunicação e coordenação entre as políticas de vida conduzidas individualmente de um lado, e as ações políticas de coletividades humanas de outro. (BAUMAN, 2001, p. 12)
Nesta situação de vida líquida, um número crescente de incertezas e dúvidas são
geradas, ou seja, cada vez mais os indivíduos vivem sobre o prisma da insegurança, com poucas garantias de um futuro sólido. A modernidade que trazia a promessa de uma vida mais bem estruturada, mais segura, (vale a ressalva: nós apostamos nela) que traria o desenvolvimento da ciência e o compromisso de uma vida pautada pela racionalidade humana, conjecturando, assim, um lugar de certeza e segurança. Teríamos uma vida organizada e civilizada. Entretanto, nosso prognóstico foi falho, as esperanças se frustraram e hoje, ainda vivemos sob ameaça. A vida que os teóricos do Iluminismo enxergaram para os indivíduos na modernidade é bem diferente da que temos hoje. Neste contexto, Bauman faz uma reflexão a respeito da busca pela felicidade na sociedade líquido-moderna, que segundo ele é estritamente vinculada ao sucesso financeiro, consumo, marcas e tendências. Sua análise se incia ao ver que as sociedades como a nossa que buscam incessantemente a felicidade se tornam mais ricas, porém a sua meta não é alcançada (serem felizes): “ Parece que a busca dos seres humanos pela felicidade pode muito bem se representar pelo próprio fracasso. Todos os dados empíricos disponíveis indicam que, nas populações das sociedades abastadas, pode não haver relação alguma entre mais riqueza, considerada o principal veículo de uma vida feliz e maior felicidade !” (BAUMAN, 2009, p. 6) Esta relação entre dinheiro e felicidade segundo Bauman nos influencia diretamente nas escolhas de nossos líderes políticos, onde depositamos neles a confiança de que nos darão condições de uma vida próspera e esperando que seu sucesso melhore as nossas vidas, visto que o discurso dos políticos são na maioria das vezes vinculados à promessas de aumento de renda, diminuição dos impostos e melhora na qualidade de vida; fatores que levamos em consideração quando pensamos em uma vida mais feliz. Nas últimas décadas as políticas governamentais foram orientadas para o aumento do crédito e do volume de dinheiro e nós orientamos nossa busca pela felicidade tendo como a quantidade de dinheiro e o sucesso profissional como “régua principal para medir o sucesso e o fracasso de políticas governamentais, assim como de nossa busca da felicidade.” Em países desenvolvidos como Inglaterra e Estados Unidos recentes pesquisas demonstram que apesar do aumento do poder aquisitivo dos seus cidadãos, eles declaram que são menos felizes. Pesquisas financiadas pelo governo destes países comparam o aumento do Produto Nacional Bruto (PNB) com o aumento da satisfação de vida da população, porém este aumento na sensação de satisfação se interrompe quando o dinheiro garante o preenchimento de requisitos básicos de sobrevivência e começa a diminuir “com novos incrementos em termos de riqueza”, isto é, “No todo, só uns poucos pontos percentuais separam países com renda média per capita anual entre 20 mil e 35 mil dólares daqueles situados abaixo da barreira dos 10 mil dólares. A estratégia de tornar as pessoas mais felizes aumentando suas rendas aparentemente não funciona.” (BAUMAN, 2009, p. 7). Bauman sugere que essa aparente contradição de que o aumento da renda não resulta em aumento da felicidade, ao ver que o indicador social que mais aumenta paralelamente ao nível da riqueza é a taxa de criminalidade: corrupção, lavagem de dinheiro, propinas, roubos de carros e residências, sequestros, lavagem de dinheiro e assaltos que assolam os grandes e pequenos centros urbanos. Bauman analisa a afirmação de observadores que indicam que metade dos bens cruciais para a felicidade não é possível de se comprar, não possuem preço e não estão a venda. “Você não vai encontrar num shopping o amor e a amizade, os prazeres da vida doméstica, a satisfação que vem de cuidar dos entes queridos ou de ajudar um vizinho em dificuldade, a auto-estima proveniente do trabalho bem-feito, a satisfação do "instinto de artífice" comum a todos nós, o reconhecimento, a simpatia e o respeito dos colegas de trabalho e outras pessoas a quem nos associamos; você não encontrará lá proteção contra as ameaças de desrespeito, desprezo, afronta e humilhação.” (BAUMAN, 2009, p. 11). O autor salienta que a energia e o tempo gasto em trabalhar para acumular dinheiro suficiente para consumir a infinidade de produtos à nossa disposição ao contrário de gerar felicidade nos conduz a frustração de ver subtraído o tempo em que seria usado para se dedicar a esses momentos de prazer citados acima, a qual o dinheiro não pode comprar. Atentos a essa carência do indivíduo moderno ou “líquido-moderno” de tempo para acumular (trabalhar) gastar e consumir, o mercado passa a desenvolver produtos em que oferecem os maiores benefícios em um curto espaço de tempo, sem exigir nehum esforço e não necessitando nenhuma habilidade para manuseio. As campanhas publicitárias destes artigos tanto eletrônicos como eletrodomésticos, comidas, produtos de limpeza e outros diversos produtos sempre acompanham as palavras rápido, fácil, prático, etc. Bauman comenta a minuciosa exploração da autora Laura Potter ao analisar as “antigas angustiantes” salas de espera em que esperar para resolver um assunto importante significava uma perda de tempo, atualmente é substituído pelo entretenimento de celulares, blackberrys, laptops, mp3 players, video-games e televisões portáteis, estes, símbolos de um culto à satisfação instantânea. “Em nossa cultura do 'agora', (...) os 'esperantes' viam a sala de espera como um refúgio. ‘Talvez, conclui Potter, a sala de espera nos relembre a arte, tão prazerosa mas infelizmente esquecida, de relaxar’...” (BAUMAN, 2009, p. 14). Para Bauman a busca da felicidade tem se perdido visto que a satisfação por algo construído por meio de dedicação e esforço requer tempo e este se encontra cada vez mais “líquido” e escasso. A praticidade em todos os aspectos do cotidiano faz com que o aprendizado de novas habilidades sejam perdidas bem como a “alegria de satisfazer o instinto de ártifice” ou seja, as demonstrações de nossa criatividade são amputadas. “Essa (instinto de artífice) condição vital para a auto-estima, tão difícil de ser substituída, juntamente com a felicidade oferecida pelo respeito por si mesmo.” (BAUMAN, 2009, p.14).
A modernidade exige que os indivíduos executem inúmeras obrigações
pessoais e sociais, mas o ser humano ainda preza pelo amor e pela amizade ao seus queridos, porém a demontração destes sentimentos necessitam de um auto-sacríficio. No entanto, o mercado se aproveita desta disposição humana para comercializar o auto-sacríficio, “da mesma forma que a maior parte dos outros desejos ou necessidades cuja satisfação foi reconhecida como indispensável para a felicidade humana.” “Os mercados, evidentemente, estão ávidos por redimir o mal que causaram - com a ajuda de substitutos produzidos em fábricas para os bens do tipo "faça você mesmo", que não mais podem ser feitos por você mesmo, em função da falta de tempo e vigor. Seguindo a sugestão do mercado e usando seus serviços (remunerados e lucrativos), seria possível, por exemplo, convidar um parceiro para um restaurante, servir às crianças hambúrgueres do McDonald ou pedir ‘comida para viagem’ em vez de preparar refeições ‘a partir do zero’ na cozinha de casa; ou comprar presentes caros para os entes queridos como compensação pelo pouco tempo que passam juntos ou pela raridade das oportunidades de falarem um com o outro, assim como pela ausência, ou quase ausência, de manifestações convincentes de interesse pessoal, compaixão e carinho.” (BAUMAN, 2009, p. 15). Assim, vemos que os caminhos para a felicidade são repletos de atalhos para uma felicidade momentânea, irreal, estratégicamente abertas pelo mercado, estabelecendo este vínculo cada vez mais próximo entre felicidade e consumo. “Nesse ponto, o sucesso do marketing repercute como um destino lamentável e, em última instância, como um fracasso abominável da mesmíssima busca da felicidade a que ele deveria servir.” (BAUMAN, 2009, p. 18).
Concluindo, para Bauman o nosso conceito de felicidade mudou, por conta da
manipulação do mercado mas também como consequência da condição em que nos encontramos e nos relacionamos nesta sociedade do risco, do medo, da insegurança e da incertza. Para o autor o sentimento de felicidade está aliado a escapar da incertza que nada mais é que o “habitat natural do ser humano”, porém esta fuga parece interminável. “É por isso que a felicidade ‘genuína, adequada e total’ sempre parece residir em algum lugar à frente: tal como o horizonte, que recua quando se tenta chegar mais perto dele.” (BAUMAN, 2009, p. 37).