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Aattemidia, ou iecia art, émaisque a mera ulilizaceo do cémieras, computadores ¢ sintetizadares na producao de arte, ou que asinples insercan daarte em circuttos: de tnasse como aie! “iyfdia" e “arte” mantém enire 517 De que todo se combinars, un e-distinguers essa: igSes (20 diferentes| $80 estas 2 oulras questoes ue 0 presente volume buses responder, arte e midia ARLINDO MACHADO artindomachado nhecidacomo campo de possibilidades paraaexpres- stlo estética, alguns criadores como Wolf Vostell e Nam June Paik jé desmontavam os sintagmas televi- suais em instalagdes ao vivo ou através do registroem suporte cinematogréfico, Pode-se dizer que pertur- bagao dos signos visuais esonoros da televiséo, o reta- Ihamento e a desmontagem impiedosa de seus pro- gramas, de seus fragmentos, ou até mesmo de seus tuidos naturais, constituem a matéria de boa parte das pesquisas plisticas em video, Dai a razio de nao ser exagero dizer que a televisao tem sido o referente mais direto e freqiiente da videoarte nos seus mais de 40 anos de historia, Algumas verificagoes. This Is a Television Recei- ver (1971), video de Dayid Hall, Nele, a imagem ea voz, bastante familiares do apresentador da BBC Ri- chard Baker recitandoas noticias deum telejornal so progressivamente deformadas em anamorfoses cada ‘ver mais acentuadas, a0 mesmo tempo em que suas sucessivas recopiagens vao fazendo suas formas origi- nais se des desintegracao implacavel da face do apresentador, & medida que as anamorfoses a distorcem, tornando-a cada ver mais grotesca, e 4 medida também que as sucessivas regravagdes de sua voz vao degenerando 0 sinal sonoro original, dissolvendo-o progressiva- mente nos rufdos do canal. O resultado € que essa figura respeitavel e emblemitica da midia se vé redu- zida aquilo que ela é em sua esséncia: uma seqiéncia ‘egrarem. Assim, nds assistimos a uma de padres pulsantes de luz sobre a superficie da tela. Outra verificagao: Technology/Transformation (1979), video de Dara Birnbaum, que utiliza imagens “pira- teadas” do seriado americano Mulher Maravilha e as desmontapara discutiraimagemdamulhernosmeios de massa. A artista fixou-se basicamente naseqiténcia da transformagao da mulher comum em Mulher Maravilha, um espetéculo tipico de seriados juvenis, baseado em efeitos pirotécnicos de magico de vaude- ville, Essa seqtléncia é repetida mais de uma dezena de veres, até esgotar todo o seu apelo sedutor e resultar em sua banalizacao pelo excesso de énfase. No caminho que vai da videoarte & artemfdia, ha uma obraquesepodeconsiderar fundadorano que diz espeito ao questionamento da sociedade midistica: a de Antoni Muntadas. De fato, poucas obras,a partir da segunda metade do século XX, foram capazes de reve- Jaro funcionamento mais intimo e invisivel de nossas sociedades com a mesma penetracao e radicalidade com que ofez esse artista catalio, Asmidiaseletrdnicas, 0s espetéculos de massa, os cendrios da performance politica e econémica,a instituigio das artes,a arquite- turaea organizacao urbana, tudo isso foi dissecado por cle com o rigor de um cirurgiao, o alcance de um fil6- sofo, mas sobretudo com a sensibilidade de um artista paz de experimentar as contradigoes mais agudas de nosso tempo e exprimi-las na linguagem mais ade- quada. Em outras palavras,a anélise que Muntadas faz estruturas de poder, que subjazem as formas apa- 19) artee midia arlindo machado rentemente inécuas de nossas sociedades, ndo toma a forma de um discurso racional e distanciado, mas é produzida com os mesmos instrumentos emeios com que essas estruturas so construidas, Trata-se, por- tanto, de um ataque por dentro, de uma contaminaga0 interna, que faz. com que essas estruturas deixem momentaneamente de funcionar como habitualmen- te se espera, para que as possamos enxergar por um. outro viés, preferencialmente o critico. A obra de Muntadas ¢ extensa e variada: com- preende videos, programas para a televisio, instala- ‘ses multimidia tanto em espagos fechados quanto em espacos puiblicos, intervengoes na paisagem ur- banae, mais recentemente, projetos para a Internet. ‘Nessa obra, a tendéncia mais forte consiste em reci- clar materiais audiovisuais, por meio da construgdo de novos enunciados a partir dos materiais que ja esto em circulago nos meios de massa. Nesse aspecto, Muntadas retoma uma grande tradicao da arte contemporanea, que comega com os readyma- des de Duchamp, segue com a reapropriagao de objetos industriais pelo dadaismo, as colagens de Schwitters, Rodtchenko e Heartfield, até a reto- mada da iconografia de massa pela Pop Art. Mas a sua contribuigao particular est4 em colocar toda essa poética da reciclagem a servigo de uma investi- gacdo sistematica e implacdyel do modo como se organizam e se reproduzem as formas de poder no mundo contemporaneo. Para proceder ao exame eritico dos mecanis- mos subjetivos com que trabalha, por exemplo, a televisio, Muntadas recicla as imagens e os sons da propria midia eletrOnica, justapondo fragmentos ‘uns em seguida aos outros, como se estivesse zapean- do, porém num ritmo muito mais lento, de modo a permitir um exame mais sistematico de seu modo de funcionamento, Basicamente, ele faz.correrem na tela, tal e qual foram nela encontrados, spots publici- tarios, programasreligiosos, propaganda leitoral ou cxéditos de abertura e encerramento de programas, todos eles tomados dos mais diferentes canais, dos mais variados modelos de fazer televisaio nas varias partes do globo. O resultado perturbador é quetudo, seja qual for a fonte ou a origem, é tristemente igual ¢ repetitivo, confirmando uma espécie de variagao infinita em torno da identidade tinica. Cross-cultural Television (1987), realizado em parceria com Hank Bull, ¢ exemplar nesse sentido: imagens eletrnicas provenientes de intimeros paises demonstram que, malgrado as variacdes locais ditadas por especifici- dades culturais ou lingiiisticas e por diferengas de suporte econdmico, a televisdo se constréi da mes- ma maneira, se enderega de forma semelhante a0 espectador, fala sempre no mesmo tom de voz ¢ utiliza 0 mesmo repert6rio de imagens sob qual- quer regime politico, sob qualquer modelo de tutela institucional, sob qualquer patamar de pro- gresso cultural ou econdmico. Trata-se, nesse vi- arte emidia arlindo machado deo, de tornar evidente o imperialismo do Mesmo na tela pequena. Os exemplos poderiam se multiplicar ao infi- nito. Em nosso tempo, a midia esta permanente- mente presente ao redor do artista, despejando 0 seu fluxo continuo de sedugio audiovisual, convidando a0 gozo do consumo universal e chamando para sio peso das decis6es no plano politico. dificilimaginar que um artista sintonizado com o seu tempo nao se sinta forgadlo a se posicionar com relagio a isso tudo € ase perguntar que papel significante a arte pode ainda desempenhar nesse contexto. As respostas que ele pode dar constituem a diferenga introduzida ps intervengao artistica no universo mididtico. Em lugar de simplesmente cumprir 0 papel que Ihe foi desig- nado ~ como criador de demo tapes atestadores do poder da tecnologia, alimentando assim com enun- ciados agradaveisa maquina produtiva—o artista,na maioria das vezes, tem um projeto critico relacionado 0s meios e circuitos nos quais ele opera. Ele busca interferir na propria lgica das méquinas e dos pro- cessos tecnolégicos, subvertendo as “possibilidades” prometidas pelos aparatos e colocando a nu os seus pressupostos, fungGes e finalidades, O que ele quer 6, num certo sentido, “desprogramar” a técnica, distor- cer as suas fung6es simbdlicas, obrigando-as a fun- cionar fora deseus parametros conhecidose aexplici- tar os seus mecanismos de controle e sedugao. Nesse sentido, 0 operar no interior da instituigao da midia, a artea tematiza, discute os seus modos de funcionar, transforma-a em linguagem-objeto de sua mirada metalingitistica, ‘Amidia como reordenamento da arte. Mas hé também ‘o movimento no sentido inverso. Falamos até aqui de arte como se ela correspondesse a um conceito defini- tivo. Entretanto, sabemos que arte é um proceso em permanente mutagao, Era uma coisa para osarquitetos egipcios, outra para os calfgrafos chineses, uma ter~ ceira para os pintores bizantinos, outra ainda para os miisicos barrocos ou os cineastas russos do periodo revolucionario, Nesse sentido, nao ¢ preciso muito esforgo para perceber que o mundo das midias, com sua ruidosa irrupgao no século XX, tem afetado subs- tancialmente 0 coneeito e a prética da arte, transfor- mando a criagao artistica no interior da sociedade midiatica numa discussao bastante complexa, Basta considerar 0 fato de que, em meios despontados no século XX, como o cinema por exemplo, os produtos da criagao artistica e da produgio midiatica nao sio mais t@o facilmente distinguidos com clareza, Ainda hoje, em certos meios intelectuais, hd uma controvér- sia sobre se o cinema seria uma arte ou um meio de comunicagao de massa. Ora, ele é as duas coisas ao ‘mesmo tempo, se nao for ainda outras mais. Jé houve umtempo em quese podia distinguircom total clareza entre uma cultura elevada, densa, secular e sublimada ¢,de outro lado, uma subcultura dita “de massa’, bana- arteemigia artindomachado lizada, efémera e rebaixada ao nivel da compreensao ¢ da sensibilidade do mais rude dos mortais, Seem tem- Posherdicos, como aqueles da Escola de Frankfurt por exemplo, a distingao entre um bom e um mau objeto de reflexdo era simplesmente axiomiética, nestes nos- 508 tempos de ressaca da chamada“pés-modernidade” a cisio entre os varios niveis de cultura nao parece tao cristalina, Em nossa época, o universo da cultura se ‘mostra muito mais hibrido e turbulento do que o foi em qualquer outro momento. Masa idéia de que se possa fazer arte nas midias, ou com as midias ¢ uma discussio que esté longe de sermatéria de consenso, De uma forma geral, os inte- lectuais de formacao tradicional resistem a tentagao de vislumbrar um alcance estético em produtos de ‘massa, fabricados em escala industrial. No seu modo de entender, a boa, profunda e densa tradigao cultu- ral, lentamente filtrada ao longo dos séculos por uma avaliagao critica competente, nado pode ter nada em comum com a epidérmica, superficial e descartavel produgio em série de objetos comerciais de nossa época. Portanto, para esses intelectuais, falar em cria- tividade ou qualidade estética a propésito da produ- sao midiatica s6 pode ser uma perda de tempo. Os defensores da artemidia, entretanto, costu- ‘mam ser menos arrogantes e mais espertos. Bles de- fendem a idéia de que a demanda comercial e 0 con- texto industrial ndo necessariamente inviabilizam a criagao artistica, a menos que identifiquemos a arte com 0 artesanato ou com a aura do objeto tinico. No entender destes iltimos, a arte de cada época € feita no apenas com 0s meios, 0s recursos eas demandas dessa época, mas também no interior dos modelos econdmicos ¢ institucionais nela vigentes, mesmo quando essa arte é francamente contestatoria em relagdo a eles. Por mais severa que possa ser a nossa critica a indvistria do entretenimento de massa, nao se pode esquecer que essa industria néo é um monolito. Por sercomplexa,ela esté repleta decontradigdes inter- nas, € nessas suas brechas que o artista pode penetrar para propor alternativas de qualidade, Assim, nao ha nenhuma razao por que, no interior da indtstria do entretenimento, néo possam despontar produtos — como programas de televisio, videoclipes, musica pop etc.—que,em termos de qualidade, originalidade ce densidade significante, rivalizem coma melhor arte “séria” de nosso tempo, Nao ha também nenhuma razo para esses produtos qualitativos da comunica- sao de massa nao serem considerados verdadeiras obras criativas do nosso tempo, sejam elas vistas como arte ou nao, fato de determinadas formas artisticas serem criadas no interior de regimes de produgao restriti- vos, estandardizados eautomatizados,como suporte de instrumentos, know how e linguagem desenvolvi- dos pela ou para a industria do entretenimento de massa, as vezes até mesmo encomendadas e/ou finan- ciadas pelas mesmas instancias econdmicas que sus- arte e midia arlindo machado tentam ou promovem essas formas industrializadas de producao, nao as torna necessariamente homolo- gatdrias dessas estruturas e poderes. Pelo contrario, elas podem estar sendo produzidas sob forte conilito intelectual ecom inabalavel capacidade de resisténcia Contra as imposigoes do contexto industrial. Afinal, a cultura de outras épocas nio esteve menos constran- gida por imposicdes de ordem politica e econdmica do quea de agora e nem por isso ela deixou de ser rea- lizada com grandeza. Assim como o livro impresso, ta0 hostilizado nos seus primérdios, acabou por se tevelar o lugar privilegiado da literatura, nao hé por quea televisao oa Internet nao possa abrigaras for- mas de arte de nosso tempo. Talvez possamos com proveito aplicar a arte produzida na era das midias o mesmo raciocinio que Walter Benjamin aplicou a fotografia e ao cinema: 0 problema nao é saber se ainda cabe considerarmos “artisticos” objetos e eventos tais como um programa de televisao, uma histéria em quadrinhos ou um show de uma banda de rock. O que importa € perce- ber que a existéncia mesma desses produtos, a sua proliferagao, a sua implantagao na vida social colo- cam em crise os conceitos tradicionais e anteriores sobre o fendmeno artistico, exigindo formulagoes ‘mais adequadasa nova sensibilidade que agoraemer- ge. Uma critica ndo-dogmatica sabers ficar atenta & dialética da destruigao e da reconstrugao, ou da dege- neragio e do renascimento, que se faz presente em todasasetapas degrandes transformacbes, Oquendo se pode ¢ julgar toda essa produgio com base numa legislagao tedrica prefixada, jé que ela esta sendo governada por modelos formativos que provavel- mente nao foram ainda percebidos ou analisados teo- ricamente. Com as formas tradicionais de arte en- trando em fase de esgotamento, a confluéncia da arte coma mifdia representa um campo de possibilidades ede energiacriativa que poders resultar proximamen- te num salto no conceito e na pratica tanto da arte quanto damidia—se houver,éclaro, inteligenciase sen- sibilidades suficientes para extrair frutos dessa nova situagio. Existe hoje toda uma poltmica a respeito das origens das artes eletrdnicas, e ela pode nos trazer ensinamentos. Para alguns, ela nasce no ambiente sofisticado da videoarte, com as primeiras experién- cias do alemao Wolf Vostell e do coreano Nam June Paik. A videoarte surge oficialmente no comego dos anos 1960, coma disponibilizagao comercial do Por- tapack (gravador portitil de videoteipe) e gragas sobretudo ao génio indomavel de Paik. Mas, se a tele- visdo puder ser incluida no ambito das artes eletroni- cas (endo hé nenhuma razo para que nao seja), tere mos de acrescentar galeria de seus pioneiros nomes como o do hangaro-americano Ernie Kovacs e do francés Jean-Christophe Averty, que introduziramna televisio a autoria ea criagio artistica, além de terem sido os primeiros a explorar largamente a linguagem artee midia artindo machado do novo meio, raz40 por que alguns autores os consi- deram os verdadeiros criadores da videoarte, antes mesmo de Vostell e Paik. Averty, 0 Mélies da televisao, foi um dos primei- fos a propor e a realizar, em quase uma centena de Programas, uma televisao autoral e delirante, utili- zando largamente recursos de insergao eletronica quando eles ainda mal tinham acabado de ser inven- tados. Seus Ubu Roi e Ubu Enchatne, produzidos para a Radio et Télévision Frangaise na década de 1960, hipertrofiam o que é havia de absurdonapeca homonima de Alfred Jarry, inaugurando aberta- mente uma televisao de invencao. Kovacs, por sua ver, desde o comeso dos anos 1950, escreveu, dirigiu ¢ interpretou uma série de programas fulminante- mente inventivos para as trés principais redes co- merciais de televiso dos EUA, onde foram experi- mentados, de forma sistematica e radical, varios procedimentos que depois seriam conhecidos como desconstrutivos: dissociagao entre imagem esom, re- velagao dos bastidores da televisio com seus apa- Tatos e técnicos, desmistificagao das técnicas ilu- sionistas, constante referéncia a televisio como dispositivo. O critico Bruce Ferguson chegoua vis- lumbrar na obra de autores seminais da vanguarda contemporinea, como Michel Snow, Bruce Nau- man e Vito Acconci, varios procedimentos des- construtivos e metalingitisticos que ja haviam sido utilizados por Kovacs. O sentido das artes eletrénicas adquire rumos completamente diferentes se contarmos a sua hist6- ria partirde Paike Vostell, que vém do circuito sofis- ticado e erudito dos museus e galerias de arte, ou a partir de Kovacs e Averty, que despontam da expe- riéncia da cultura popular “eletrificada” e ampliada pelas tecnologias eletrénicas. E a mesma tensao que existe entre Eisenstein e Chaplin no cinema, ou entre Stockhausen e Theremin na miisicaeletrOnica. Tradi- cionalmente, historia daarte contemporanea écon- tada a partir apenas da primeira perspectiva, igno- rando quase completamente a segunda, mas uma artemidia conseqiiente tem de ser capaz de encontrar © ponto de fusao das duas principais perspectivas. Talver a dificuldade exista apenas para aqueles que encaram essa questo a partir do prisma dasartes tradicionais e para os tebricos que se colocam tam- bém nessa perspectiva. Quem faz arte hoje, com os meios de hoje, esté obrigatoriamente enfrentando a todo momento a questo da midia e do seu contexto, ‘com seus constrangimentos de ordem institucional e econémica, com seus imperativos de dispersao eano- nimato, bem como com seus atributos de alcance e influéncia, Trata-se de uma prética ao mesmo tempo secular e moderna, afirmativa e negativa, integradae apocaliptica, Os ptiblicos dessa nova arte sao cada vez mais heterogéneos, nao necessariamente especializa- dos e nem sempre se dao conta de que o que estao vivenciando é uma experiencia estética. A medida arlindo machado queaarte migra do espaco privado ebem definido do museu, da sala de concertos ou da galeria de arte para © espaco publico e turbulento da televisao, da Inter- net, do disco ou do ambiente urbano, onde passaa ser fruida por massas imensas e dificeis de caracterizar, ela muda de estatuto e aleance, configurando novas ¢ estimulantes possibilidades de inser¢ao social. Esse movimento é complexo e contraditério, como nao poderia deixar de ser, pois implica um gesto positivo deapropriacao, compromisso einsergio numa socie- dade de base tecnocratica e, a0 mesmo tempo, uma postura de rejeicao, de critica, as vezes até mesmo de contestagao. A arte, ao ser excluida dos seus guetos tradicionais, que a legitimavam e a institufam como tal,passaa enfrentaragora o desafio dasua dissolugao € da sua reinvengao como evento de massa, Tecnologia e art como politizar o debate Em um livro recente ~ intitulado Politizar as novas tecnologias—, 0 sociblogo Laymert Garcia dos Santos Procurou dar expresso a um sentimento cada vez ‘mais generalizado de insatisfagiio para com os discur- sosapologéticos da tecnologia, discursos estes de glo- rificagdo das benesses do progresso cientifico, de pro- mogao do consumismo, quando nao de marketing direto de produtos industriais, que costumam tomar corpo em boa parte dos eventos internacionais dedi- cados as relagGes entre arte, ciéncia e tecnologia, Em um pais como o Brasil, deslocado geograficamen- te em relagdo aos paises produtores de tecnologia e em que acesso aosbens tecnol6gicos € ainda seletivo e discriminatrio, uma discussao séria sobre o tema das novas tecnologias deve necessariamente refletir esse deslocamento e essa diferenca, para que possa servir, ao mesmo tempo, de caixa de ressonancia a experiéncias e pensamentos independentes, proble- matizadores e divergentes, que acontecem, ainda que marginalmente, em varias partes do mundo, sobre- tudo fora dos centros hegeménicos. A onipresenga dos computadores & nossa volta, o estabelecimento definitivo da Internet, os avangos dabiotecnologia eas promessasda nano, as inovagdes tecnologicas de toda sorte ja ultrapassaram infinita- mente os limites dos laboratérios cientificos e hoje fazem parte do cotidiano de uma porcentagem cada vyez maior das populagdes urbanas de grande parte do planeta. A medida que o mundo natural, tal como 0 conheceram as geragdes de outros séculos, vai sendo substitufdo pela tecnosfera — a natureza criada ow modificada pela ciéncia ~, novas realidades se im- poem, De um lado, aumento das expectativas de vida, incremento da produtividade, multiplicagéo das, iquezas materiais e culturais, mudangas profundas nos modos de existir, circular, relacionar-se, perceber erepresentaro mundo, campo fértil para experiéncias arlindo machado artisticas inovadoras; de outro, generalizacao dosefei- tos colaterais, dos riscos de acidentes de toda esp: centralizagio da produgao edo poder nas maos de um ntimero cada vez menor de nagées e empresas trans- nacionais, ampliagao da exclusao social, do apartheid econdmico, do gap entre ricos e pobres, produtores e consumidores, hegem@nicos e marginais. As novas tecnologias, associadas ao processo de slobalizacao, penetraram todos os espacos do planeta e interferiram na vida de todos os povos, até mesmo das populagdes mais isoladase refratarias a modernizacao, como € 0 caso dos povos indigenas. Uma noticia sur- preendente, que circulou hé pouco tempo apenas nos meios interessados em midias mortas, informa que 0 Ultimo servigo de pombos-correios que ainda existia no mundo fechou finalmente as suas portas em 2001. Atuando na regiao de Orissa, na India, uma das mais remotas e miseréveis do planeta, a pequena empresa quese dedicava’ mais arcaica forma de comunicagioa distanciadomundo nao pide resistira chegada dosser- vigos de telecomunicagdes ¢ telematica. Até mesmo a esquecida, longinquaequase inacessivel Orissa, tiltimo reduto do mundo em que as informagées ainda viaja- vamatadas fisicamente’is patas de uma ave, teve de do- brar-sea globalizacaoimplacivel dos servigos dettelefo- nia e conexio universal via Internet. Hoje, quando os indios do Xingu usama Internet para construir um sis- temaalternativo de comunicagio entre as nagdes in sgenas da regio do Paré; quando os camponeses mise- raveis da regido de Chiapas vao a web buscar adesio & rebelido zapatista contrao governo do México;quando os indios norte-americanos, praticantes da mais antiga forma de comunicagdo interativa em tempo real do mundo, trocam a skywriting (linguagem dos sinais de fumaga) pela netwriting, nao hé mais como ignorar 0 fato de que a conexao universal via Internet é um fato consolidado esem retorno, Masas novas tecnologias nao promoveram esse avango democratizando o acesso, universalizando as riquezas produzidas, gerando o crescimento mate- rial e cultural de todo o planeta atingido pela sua in- fluéncia, Elas avangaram fortemente ancoradas em instrumentos politicos e juridicos autoritarios, como apropriedade privada, patentee o copyright, ahege- monia do capital global, a divisio do planeta em es- tratos sociais, classes, ragas, etnias e generos diferen- ciados, desigualmente beneficiados com 0 acesso aos bens produzidos. A divisao do formato DVD em seis diferentes regides planetérias, para possibilitar adi tribuigdio desigual dos bens culturais, sobreposta ainda a anterior divisao do planeta em sistemas de video incompativeis entresi (NTSC,SECAM,PAL-G, PAL-M, PAL-N etc.) é um bom exemplo da perspec- tiva segregacionista do pensamento tecnolégico glo- balizado. A aceleragao tecnol6gica modulou também 0 ritmo de nossas vidas, exigindo atualizagdes cada ‘vez mais répidas, premiando os que se adaptam mais facilmente e descartando os que ndo conseguem arlindo machado acompanhar a velocidade das mudangas ~ 0s “dro- ‘mo-inaptos’sna feliz acepsio de Eugénio Trivinho. As novas tecnologias colocaram ainda em risco 0 am- biente em que vivemos, promovendo os cenérios ca- tastroficos que diariamente perturbam as paginas dos jornais. Ao mesmo tempo, as novas descobertascienti- ficas, com raras excegdes, tém sido conduzidas por velhas instituigses econdmicas, na diresao de uma apropriagao legal (sob forma de patentes) de plantas e animais transgénicos, células e sementes genetica- mente modificadas, genes sintéticose genomas,econ- figuram, portanto, uma forma de enquadramento da vida como propriedade privada. No entanto, apesar de todo 0 impacto produ- ido sobrea vida cotidiana, sobrea politica ambiental € sobre a geopolitica de dominacio internacional de nagGesricas sobre pobres, as novas tecnologias conti- nuam sendo implantadas por decisoes politicas exclusivas dos Estados ou por estratégias das empre- sas privadas, sem participacao dasociedade, que fica escamoteada da discussio por negligéncia, desconhe- cimento ou incapacidade critica. A centralidade das novas tecnologias, sejam elas eletronicas, digitais ou biogenéticas, é também pouco problematizada nos eventos dedicadosa elas, sobretudo nocampoqueaqui ‘maisnos interessa: aarte contemporanea. Predomina ainda, no universo das artes eletrénicas ou das posti- cas tecnol6gicas, um discurso legitimador, um tanto ingénuo, alheio aos riscos que aadocao de uma estra- tégia de aceleragao tecnoldgica comporta. Se é ver- dade, como demonstra Martin-Barbero, que nos tilti- mos 50 anos assistimos a um processo de esvazia- mento da politica, vazio esse que foi sendo aos poucos preenchido pelo discurso hegeménico da tecnologia, também éverdade, por outro lado, que a tecnologia foi se convertendo em um novo campo de utopias, que doutrinas as mais variadas vislumbraram nas maqui- ras € nos algoritmos perspectivas de emancipagao, progresso e felicidade coletiva que antes estavam cir- cunscritas ao discurso politico. Alguns analistas do ciberespago tém sugerido, por exemplo, que os computadores conectados em rede, ao colocar também em conexao os seus usuarios epermitir que cada um delesse distribua dentro dessa rede, esto afetando profundamente as relagdes de intersubjetividade e de sociabilidade dos homens, assim como a propria natureza do “eu” e da sua rela- a0 com 0 outro. O inglés Roy Ascott, um dos lideres dessa corrente, chega a afirmar que a Internet est produzindo uma “consciéncia planetdria’, resultante da sintese de todos os sujeitos presentes no ciberes- pago. O navegante da rede, integrado ao corpo das interfaces, nao é mais um mero espectador passivo, incapaz de interferir no fluxo das energias e idéias; pelo contrério, ele se multiplica pelos nés da rede e se distribui por toda parte,interagindo com outros parti- cipantes e constituindo assim uma espécie de cons- citncia coletiva, Com essas idéias, Ascott parece pro- artindo machado mover algo como uma hipertrofia do ciberespaco, transformando-o num “espago” privilegiado, numa espécie de agora virtual em que, diferentemente do pobre e degradado espaco real, as promessas de uma verdadeira democracia finalmente encontrariam asua expressio acabada, “Ou vocé esta no interior da rede”, diz ele, “ou voce nao esté em parte alguma. E, se voce estd no interior da rede, vocé esté em todos os lugares.” Nalinha do pensamento de Ascott, vemos hoje icarem-se esses novos discursos ut6picos que creditam aos tecnolégicos um potencial quase “tevolucionério’, promotor dos ideais de demo- cratizasao universal tio duramente perseguidos pela humanidade em sua hist6ria, um potencial desenca- deador também de mutagdes na propria natureza bio- l6gica humana, a ponto de converter o homem em uma espécie de Ubermensch (super-homem ou sobre- homem), na acep¢ao ni capaz, de superara fragilidade oua perecibilidadedo corpo através de pré- teses eletronicas e engenharia genética. © canadense Derrick de Kerckhove, 0 alemao. Peter Weibel, o francés Pierre Levy, o norte-americano Nicholas Negroponte, entre tantosoutros,representam hojea vanguarda inte- Tectual dessas utopias tecnolégicas que rapidamente se espalham e ganham adeptos por todo o mundo. £ Curioso verificar também como essas doutrinas neopo- sitivistas, que se generalizam na Europa, Japao e Amé- rica do Norte, encontram eco em setores significativos daAméricaLatina, mesmo quandoa realidade ao nosso redorasquestiona permanentemente. No Brasil, sobre- tudo, em que idéias como as de Roy Ascott estio, além de tudo, mescladas com um misticismo de tipo folclo- rizado ede fundo colonizador (retorno ao xamanismo, a0 tribalismo e aos efeitos terapéuticos de drogas indi- {genas como a aiuasca, supostamente formas “primiti- vvas” de imersio e navegago, como aquelas que hoje experimentamos no ciberespaco e nos dispositivos de realidade virtual), aimportagao em larga scala deideias edemodelos de ago de outras realidades socioecond- micas tem impedido o desenvolvimento entre nds de ‘uma consciéncia alternativa relacionada as novas tec- nologias. Com isso, seguimos a reboque-esem massa critica — de um movimento hegeménico, arquitetado emescala planetétia, Por sua vez, a critica ainda nao foi capaz, entre nés, de discutir as novas tecnologias em toda a sua complexidade, limitada que est4, muitas vezes, por uma tendéncia tecn6foba igualmente ingénua ¢ igualmente importada de modelos apocalipticos europeus ou norte-americanos (Paul Virilio, Jean Baudrillard, Fredric Jameson, entre outros). Em pri- meiro lugar, o quese percebe é uma crescente dificul- dade, 4 medida que os aplicativos de computador se tornam cada vez mais poderosos e “amigaveis”, de saberdiscriminar entreacontribuicao original deum verdadeiro criador e a mera demonstragio das vir- tudes de um programa. Nesse sentido, assistimos je aum certo degringolamento da nogao de valor, arte emidia colegao arte, ARLINDO MACHADO. direcao: Gléria Ferreira [a Razbes da critica Luiz Camillo Osorio [1 Local/global: Arte em transito Moacir dos Anjos [4 0 legado dos anos 60 e 70 Ligla Canongia [41 Arte de vanguarda no Brasil: Os anos 60 Paulo Reis {+1 Arte conceitual costha rote ss fei rareelumciiner oanegctet arte e midia Se a anese an oar Rea ieeee 1 Brasilia e © projeto construtivo brasileiro f4 Arte e midia Arlindo Machado arlindo machado sobretudo em arte. Os juizos de valorizacao se tor- naram frouxos, ficamos cada vez. mais condescen- dentesem relagaoa trabalhos ealizados com mediacéo tecnol6gica, porque nao temos critérios suficiente- mente maduros para avaliar a contribuigao de um artista ou de uma equipe de realizadores. Como conseqiiéncia, a sensibilidade comega a ficar embo- tada, perde-se o rigor do julgamento e qualquer bo- bagem nos excita, desde que pareca estar up to date com o estigio da corrida tecnol6gica. Para além das tendéncias mais confortaveis da tecnofflia e da tec- nofobia, o que importa é politizar o debate sobre as tecnologias, sobre as relagdes entre a ciéncia e 0 ca- pital, sobre o significado de se criarem obras artisti- cas com pesada mediacao tecnologica. Acontribuicdo de Flusser. Dentre os varios pensadores da tecnologia que despontaram no Ocidente na segunda metade do século XX, Vilém Flussertalvez seja aquele cuja importincia mais tem crescido ulti- mamente.O que chama aatengio,em primeiro lugar, na figura desse pensador, é a sua posigao divergente com relagdo tanto a posigao tecn6fila quanto a cor- rente tecn6foba ~ ambas atualmente em vigor. Tche- co de nascimento (¢ criado no seio de uma familia judaica), Flusser teve de abandonar seu pais em 1939 para fugir dos nazistas, que ja tinham liquidado toda sua familia, inclusive o pai, entdo reitor da Universi- dade de Praga. Depois de viver algum tempo na In- glaterra e jé cansado de ver a Buropa submergir nas trevas,com seus mitosarcaicos deraca, poder, ideolo- gia e nacio, ele migra com sua mulher, Edith Barth, para o Brasil, acreditando encontrar no pafsuma civi- lizagao descompromissada com os valores do Velho Mundo. Nao foi exatamente o que encontrou. Em- bora tenha conseguido se tornar um pélo de atra¢ao entre os intelectuais mais independentes do pais, ele foi hostilizado tanto pela ditadura militar, que domi- nou o pafs entre 1964 e 1984, quanto pela esquerda local, que, no dizer de Sérgio Paulo Rouanet, “ndo podia entender um pensamento tao andrquico, tao genuinamente subversivo, tao livre de todos os cli- chés” Flusser viveu 31 anos no Brasil e foi, possivel- mente, o principal mentor intelectual de varias gera- ges de artistas brasileiros que enfrentaram o desafio datecnologia. Mesmo depois deseu retornoa Europa ce até o seu falecimento em Praga em 1991, continuou frequentando regularmente o ambiente intelectual brasileiro, pais onde deixou nao apenas dois filhos, ‘mas também um largo circulo de disefpulos. Os seus estudos sobre o impacto causado a civilizagao con- tempordnea pelas tecnologias eletrénicas e biogené- ticas comecaram a se desenvolver muito precoce- mente, jé a partir dos anos 1960 e ainda no periodo brasileiro, Além dos primeiros escritos sobre as ima- gens téenicas e da polemica com o grupo brasileiro da poesia concreta, Flusser aproximou-se bastante dos artistas brasileiros que estavam trabalhando com as arte e migia arlindo machado novas tecnologias, e essa aproximacao produziu in- fluéncias miituas. Varios desses artistas eram seus alu- ‘nos ou colegas nas Faculdades Armando Alvares Pen- teado (Faap),em Sao Paulo. Epossivel, portanto,tragar uma relagao entre o surgimento das idéias flusserianas sobreasociedade tecnolégica eo contexto dasartes ele- trOnicas no Brasil a partir da década de 1960. Toda a notoriedade post mortem que Flusser vem recebendoem grande partedomundoseexplica, entre outras coisas, pelo fato de seu pensamento ser absolutamente certeiro na andlise das mutagdes cul- turais, sociais e antropolégicas que estdo ocorrendo no mundo contemporineo,e também o mais convin- centenaadverténcia dos riscos que corremos. Na ver- dade, 0 fildsofo tcheco-brasileiro s6 reconhece uma €poca comparavel com a nossa:a Antigitidade, quan- doo homem passou de um estégio pré-histérico e miftico para uma fase histérica, légica e baseada na escrita alfanumérica, No atual estégio, chamado por Flusser de pés-histérico, a “escritura” é construida com ou porméquinase consiste essencialmentenuma articulagao de imagens — no limite, imagens digital zadas, multiplicaveis ao infinito, manipulaveis a von- tade e passiveis de distribuicao instantanea a todo 0 planeta. Caracteres se tornam bytes, seqtiéncias de texto se convertem em seqiiéncias de pixels, os fins e osmeios sdo substituidos pelo acaso, as leis pelas pro- babilidades e a razdo pela programacao. E certo que muitos pensadores contemporaneos — de McLuhan a Kerckhove, de Debord a Baudrillard, de Ong a Lévy— buscaram ou continuam buscando exprimir algo semelhante por outras vias e com outros argumentos, ‘mas lussero fez ndio apenas mais precocemente queos ‘outros, mas também com uma clareza, precisao eradi- calidade que tornam todos os outros caminhos mais tortuosos, aridos, retéricos, comprometidos eestrate- gicamente menos eficazes. Falar de Flusser significa falar, em primeiro lu- gar, de Filosofia da caixa-preta, sua obra mais densa e também a mais conhecida, Esse livro apresenta uma historia bastante singular. Publicado pela primeira ‘vez na Alemanha, em 1983, asua-versdo parao portu- gués nao é simplesmente uma tradugo, mas jé uma_ revisio da versio alema. A comegar pelo titulo, En- quanto a primeira versio recebeu o nome de Fitr eine Philosophie der Fotografie (“Por uma filosofia da foto- grafia”), titulo que foi mantido em todas as tradugoes para as outras kinguas, a versio para o portugues teve 0 seu titulo modificado conforme acima, permitindo perceber melhor o universo conceitual ¢ 0 campo de abrangéncia do livro. As mudangas foram providen- ciadas pelo proprio autor, que alids escreveu ele mes- ‘mo a versio em portugués, depois de reconsiderar alguns aspectos de sua argumentagao. Em 1984, data provavel de redagao da versio brasileira, Flusser estava envolvido com a concepgao do livro Ins Universum der technischen Bilder (“Em regdio ao universo das imagens técnicas”), que era, artee midia arlindo machado naverdade, um desdobramento da Philosophie uma resposta aos intimeros comentarios criticos que o filésofo recebeu com a edigdo desta tiltima, Era impossivel, portanto, que essa nova discussdo nao afetassea “traduga0” da Philosophie para o portugués, Bis a razao por que a versio em lingua portuguesa dessa obra fundamental deFlusser é tinicaedifere sig- nificativamente das outras tradugées conhecidas (baseadas no original alemao). Uma simples compa- tagio das vers6es para o alemao e para o portugues ja deixa entrever as diferencas, O preficio foi inteira- mente refeito na versio brasileira, 0 glossdrio acres- centou novos termos, no considerados na verso alema, e partes inteiras do texto principal do livro foram reescritas para dar maior precisao e consistén- cia dargumentagao. Nesse sentido, para ser realmente fielao pensamento de Flusser,a versio em lingua por- tuguesa (endo a alema) é que deveria ser tomada como o texto definitivo da Filosofia e, por conseqtién- cia, ela ¢ que deveria estar sendo utilizada como base da traducao para outras linguas. Amudangado titulo é fundamental, Malgradoa fotografia seja realmente o objeto principal da refle- xo efetuada no livro, ela funciona mais propria~ mente como um pretexto para que, através dela, Flusser possa verificar o funcionamento de nossas sociedades “pds-histéricas’, ou seja, de nossas socie- dades marcadas pelo colapso dos textos e pela hege- monia das imagens. Na verdade, a fotografia ocupa, entre as midias de nosso tempo, um lugar bastante estratégico, porque é com base na sua definicao se- miética e tecnolégica que se constroem hoje as mé- quinas contemporaneas de produgao simbélica au- diovisual. E com a fotografia que se inicia, portanto, um novo paradigma na cultura do homem, baseado na automatizagio da produgao, distribuigao e con- sumo da informagao (de qualquer informagao, nao 36 da visual), com conseqtiéncias gigantescas para os processos de percep¢ao individual e para os sistemas de organizagdo social. Mas foi com as imagens eletro- nicas (difundidas pela televisdo) e com as imagens digitais (difundidas agora no chamado ciberespaco) que essas mudangas se tornaram mais perceptiveis e suficientemente ostensivas para demandar respostas por parte do pensamento critico-filos6fico. Que nin- guém espere, portanto, encontrar nessa obra de Flusser uma andlise da fotografia de tipo classico. A fotografia é nela abordada com base sobretudo em conceitos da informatica e comparece ai apenas como um modelo bésico para a andlise do modo de funcionamento de todo e qualquer aparato tecnolé- gico ou mididtico. Por essa razio, Filosofia da caixa- preta traduz melhor as ambigoes da obra do que um lacénico Filosofia da fotografia. Por que “caixa-preta”? Sabemos que 0 termo vem originalmente da eletronica, onde é utilizado para designar uma parte complexa de um circuito eletronico que é omitida intencionalmente no dese- artee midla nho de um circuito maior (geralmente para fins de simplificasao) e substituida pelo desenho de uma caixa vazia, sobre a qual apenas se escreve o nome do circuito omitido, Atentemos ao fato bastante signifi- cativo de que Gregory Bateson, em seu Steps to an Ecology of Mind, amplia ironicamente o significado de“caixa-preta”, com o propésito de aplicé-loa grande parte dos conceitos problematicos da filosofia e da ciéncia. Como os engenheiros eletronicos ~ explica Bateson —, também os filésofos e cientistas utilizam rotulos, nomes ou “caixas-pretas” para designar cer- tos fendmenos, mas diferentemente daqueles, estes Ultimosacreditam, muitas vezes, que tais expedientes implicam uma compreensao do fenémeno. Assim, por exemplo, damosaumacerta classe de fendmenos o nome de instinto e acreditamos que isso resolve 0 problema. Mas o que chamamos de instinto pode ser apenas uma caixa-preta que esta ali para mascarar 0 que justamente nao conseguimos compreender. Nocasoespecifico de Flusser; 0 conceito decaixa- preta deriva mais propriamente da cibernética. Nesse campo particular, dé-se o nome de caixa-preta a um dispositivo fechado e lacrado, cujo interior é inacessi- Yele 6 pode ser intuido através de experiéncias basea~ das na introdugao de sinais de onda (input) ena obser- vagao da resposta (output) do dispositive. Em geral, caixa-preta traduz um problema de engenharia: como deduzir acerca do que ha dentro de uma caixa, sem necessarfamente abri-la, mas apenas aplicando volta- gens, choques ou outras interferénciasem suasparedes externas? No entender de Flusser, 0 transporte desse conceito paraa filosofia possibilita exprimir um pro- blemanovo, quea fotografia foi justamente o primeiro dispositivoacolocar—osurgimentodeaparatostecno- légicos quesepodem utilizar edeles tirar proveito, sem que outilizador tenhaamenoridéiado quesepassaem suas entranhas. O fotégrafo, de fato, sabe que se apon- tarasua camera para um motivo e dispararo botao de acionamento o aparelho Ihe dard uma imagem nor- malmente interpretada como uma réplica bidimen- sional do motivo que posou para a cAmera. Mas 0 fotdgrafo, em geral, no conhece todas as equacdes utilizadas para o desenho das objetivas, nem as reagdes quimicas que ocorrem nos componentes da emulséo fo- togrifica. A rigor, pode-se fotografar sem conhecer as leis de distribuigao da luz no espaco, nem as proprieda- des fotoquimicas da pelicula, nem ainda as regras da perspectiva monocular que permitem traduziro mun- dotridimensional em imagem bidimensional.Ascame- ras modernas esto automatizadas a ponto de até mes- moa fotometragemdaluzeadeterminacaodopontode foco serem realizadas pelo aparelho. Nesse sentido, a caixa-preta ‘cibernética” de Flus- serse encontracom acaixa-preta“eletrénica” deBateson no ponto em que ambas exprimem um desconheci- mento fundamental e, mais que isso, um desconhe- cimento que se transforma em atividade, forca motriz e razao estrutural, seja do pensamento (no caso de arte e midia Bateson), seja da sociedade (no caso de Flusser). ‘Somos, cada ver. mais, operadores de rétulos, aperta- dores de bot6es, “funciondrios” das maquinas, lida- mos com situagoes programadas sem nos darmos conta delas. Pensamos que podemos escolher e, como decorréncia disso, nos imaginamos criativos e livres, ‘mas nossa liberdade e nossa capacidade de invengao estio restritas a um software,a um conjunto de possi- bilidades dadas a priori e que nao podemos dominar inteiramente. Esse é justamente 0 ponto em que a Filosofia de Flusser quer intervir: ela quer produzir uma reflexao densa sobre as possibilidades de criagaio iberdade numa sociedade cada vez mais progra- mada centralizada pela tecnologia. Em termos bastante esquematicos, podemos resumir mais ou menos assim o percurso do pensa- mento de Flusser na Filosofia: a imagem fotogréfica nao tem nenhuma “objetividade” preliminar, nao corresponde a qualquer duplicagao automatica do mundo; ela é constituida de signos abstratos forjados pelo aparato (camera, objetiva, pelicula), pois a sua fangao fundamental é materializar conceitos cientifi- cos. Em outras palavras, o que vemos realmente ao contemplarasimagens produzidas por aparelhos nao 0 “mundo”, mas determinados conceitos relativos a0 mundo, a despeito do aparente automatismo da impresséo do mundo na pelicula. ‘Talvez tenha sido necessario esperar atéo surgimento do computadore das imagens digitais para que as imagens técnicas se revelassem mais abertamente como resultado de um processo de codificagao iconica de determinados conceitos cientificos. O computador permite hoje forjar imagens tao proximas da fotografia, que muita gente nao é mais capaz de distinguir entre uma ima- gem sintetizada com recursos da informatica e outra “registrada” por uma camera. $6 que, no computa- dor, tantoa“camera” queseutilizapara descrever com- plexas trajetérias no espago como as “objetivas” de que se langa mao para dispor de diferentes campos focais, como ainda os focos de “luz” distribuidos na cena para iluminar a paisagem, sio todos eles opera- ges mateméticas e algoritmos baseados em alguma lei da fisica. Eis por que as imagens técnicas, ouseja,as representac6es icOnicas mediadas por aparelhos, nao podem corresponder a qualquer duplicagao inocente do mundo, porqueentreelaseo mundo seinterpdem cos conceitos da formalizacao cientifica. Oaparelho fotografico é, portanto, uma méqui- na programada para imprimir nas superficies simb6- licas modelos previamenteinscritos. Nesse sentido,as fotografias sao atualizagoes de algumas dessas poten- cialidades inscritas no aparelho. O fot6grafo “esco- Ihe’, dentre as categorias disponiveis, as que lhe pare- cem mais convenientes, mas essa “escolha” é limitada pelo ntimero de categorias programadas na constru- G0 do aparelho, O universo fotografico inteiro érea- lizagao causal, por “funciondrios da transmissio”, de algumas dessas virtualidades, mas nao cabe em seu artee midia artindo machado horizonte a instauragdo de novas categorias. Num certo sentido, nao 60 fotégrafo quem fotografa, mas a cimera (ou 0 dispositivo fotografico inteiro). “O fotografo s6 pode fotografar o fotografivel”, senten- cia Flusser. “Quem contemplar o élbum de um fot6- grafoamador’, continua ele maisa frente, “estaré ven- do.ameméria de um aparelho, nao a de um homem. ‘Uma viagem para Italia, documentada fotografica- mente, nao registra as vivencias, os conhecimentos, os valores do viajante, Registra os lugares onde o apa- relho 0 seduzin para apertar o gatilho.” Nao é por acaso que quase todasas fotografias da Torre Eiffel, do Big Ben, da Estitua da Liberdadeou do Pao de Agiicar sio idénticas, independentemente dos valores de quem as fotografou. Para produzir novas catego- rias, nao previstas na concepgao do aparelho, seria necessario intervir no plano da prépria engenharia do dispositivo, seria preciso reescrever 0 seu pro- grama, 0 que quer dizer: penetrar no interior da caixa-preta e desvelé-la. Numa primeira aproximagao, Flusser adverte, portanto, sobre os perigos da atuagao puramente externa a caixa-preta. Na era da automagio, o artista, nao sendo capazele proprio deinventaro equipamen- to de quenecessita ou de (des)programé-lo, queda-se reduzidoaum operador deaparelhos pré-fabricados, isto é,a um funcionédrio do sistema produtivo quenao faz outra coisa sendo cumprir possibilidades ja pre- vistas no programa, sem poder, todavia, no limite desse jogo programado, instaurar novas categorias. A repetigdo indiscriminada das mesmas possibilidades conduz inevitavelmente a estereotipia, ou seja, & homogeneidade e previsibilidade dos resultados. A multiplicagao a nossa volta de modelos pré-fabrica- dos, generalizados pelo software comercial, conduza ‘uma impressionante padronizagao das solugbes,a uma uniformidade generalizada, quando nao a uma abso- luta impessoalidade, conforme se pode constatar em muitos encontros internacionais de artes eletrdnicas, ondese tema impressao de que tudo o quese exibe foi feito pelo mesmo designer oupela mesma empresa de comunicagao, Se énatural e até mesmo desejével que ‘uma maquina de lavar roupas repita sempre e inva- riavelmente a mesma operagao técnica, que é a de lavar roupas, ndo é todavia a mesma coisa que se espera de aparelhos destinados a intervir no imagina- rio, ou de méquinas semiéticas cuja fungao basica é produzir bens simbélicos destinados a inteligéncia e a sensibilidade do homem. A estereotipia das méqui- nas e processos técnicos 6, alias, o principal desafio a ser vencido na érea da informatica, talvez até mesmo © seu dramatico limite, que se busca superar de todas as formas. Artemidia: a experiencia brasileira. O Brasil apresenta uma trajetéria de cerca de 50 anos de historia no campo das potticas tecnol6gicas. Essa hist6ria come- {Gou, nos anos 1950, com as primeiras experiéncias artee midia arlindo machado z tica por Abraham Palatnik, e na década seguinte,como surgimento da mtisica eletroactistica, por iniciativa de Jorge Antunes, ea introducio do computador na arte, por Waldemar Cordeiro. Desde entio, as poéticas tecnolégicas se definiram muito rapidamente entre nés com pelo menos duas caracte- risticas mais marcantes: 1) sintoniaesincronia como. que estava sendo produzido fora do Brasil, o que daya aos brasileiros uma condigao de atualidade, quando ndo até mesmo de precocidade em alguns casos espe- cificos; 2) ao mesmo tempo e paradoxalmente, uma certa diferenga de abordagem, motivada principal mente pelo veio critico de boa parte dos trabalhos, fruto do enfrentamento de uma tragica realidade social e de uma vida politica massacrada por um: ditadura militar, o que tornava as obras brasileiras um tanto distintivas com relagao ao que se fazia no exterior. As geracdes seguintes, que enveredaram pelos terrenos da videoarte, computer art, computer music, arte-comunicago, holografia, poesia interse- midtica eintersegao arte-ciéncia (paracitarapenasos campos que mais se desenvolveram no Brasil nos anos 1980¢ 1990), um pouco maisaliviadas dos cons- trangimentos, pelo menos no campo politico, deram continuidade aos prinefpios dos pioneiros e fizeram expandir o campo de experiéncias de modo a abarcar quase todo o universo das posticas tecnolégicas. Seria 0 caso de se indagar um pouco sobre o sig- nificado dessa precocidade eexpansio qualitativa das poéticas tecnolégicas no Brasil, fendmenos surpreen- dentes se considerarmos que poucos outros pafses da América Latina (anao ser, talvez, Argentina e México) atingiramo mesmo patamarde experiéncias.O Brasil teve a sorte de contar desde cedo com um contexto favordvel a insergio do computador na criagao artis- tica, gracas primeiramente a discussao aberta aqui pela poesia concreta, ambiente de onde saiu, jé na década de 1970, um dos primeiros exemplos mun- diais de poesia gerada em computador, tal como foram concebidos por Erthos Albino de Souza, Alm disso, embora grande parte dos pioneiros da compu- ter art, nos anos 1960/70, tenha sido de europeus € norte-americanos ~ pela razdo dbvia de que viviam em contextos cientificos em que a pesquisa com informatica estava mais desenvolvida-,um brasileiro ocupou lugar importante entre os inventores desse campo de criagao artistica. Trata-se de Waldemar Cordeiro, artista que, ao incorporar as imagens digi- tais ao seu trabalho, jé era reconhecido nacional ¢ internacionalmente, sobretudo por sua producdo no campo da arte concreta, Trabalhando em conjunto com 0 fisico italiano Giorgio Moscati, Cordeiro foi importante também por ter dado uma dimensio cr\- tica & computer art, acrescentando as imagens 0 comentario social que nao havia na produgo mun- dial. Comunista assumido e militante, Cordeiro nio promove, com suasimagens digitais, o milagre da tec- nologia, masbusca uma forma diferenciada de discu- artee midia arlindo machado tir, em pleno ange da ditadura militar, 0 desastre sociopolitico do pais. O desenvolvimento das artes computacionais no Brasil foi grandemente impulsio- nado pelo fato de Cordeiro ter organizado em Sao Paulo, em 1971, uma das primeiras conferéncias internacionais de computer art— a Artednica— que reuniu 0s nomes mais importantes nessa rea no plano mundial e colocou o pais na rota internacional do uso criativo dos computadores na arte. Durante um certo tempo, acreditamos aqui no Brasil que as tecnologias eletrénicas e digitais esta- vam introduzindo, no campo das praticas significan- tes, novos problemas de representacao, abalando antigas certezas no plano epistemol6gico e, por con- seqiiéncia, exigindo a reformulago de conceitos estéticos. Suptinhamos, ento, que as idéias que esta~ vam brotando no campo das diversas engenharias e das ciéncias “puras” como a fisica ea matemitica po- deriam possibilitar & arte reinventar-se novamente e semanterem sintonia com o seu tempo. Nessa época, quando o grupo que trabalhava com arte e tecnologia era ainda bastante reduzido, quando a tecnologia ea cigncia ainda eram consideradas intromissGes mais ou menos estranhas, ¢ até certo ponto indesejaveis, no universo estabelecido das artes oficiais, sentiamos que era preciso juntar forgas paraimplantarno Brasil, tal como jé vinha acontecendo em outros lugares do mundo, um novo campo de intervencio estética, Além disso buscévamos também dar legitimidade a ‘uma prética artistica que era vista entdo com uma certa desconfianca pela ala hegemonica da cultura. Idéias como as da videoarte, holographic art, com- puterart, web art, telepresence art, ambientes intera~ tivos, instalagdes multimidia etc. foram sendo aos poucos introduzidas, desde os tempos herdicos de ‘Abraham Palatnik e Waldemar Cordeiro, até serem reconhecidas como formas legftimas de expresso ar- {isticaneste nosso periodo de generalizacao dastecno- logias, da eletronica e da informética, Del paracé, muita coisa mudou.Asposticastec- nolégicas foram perdendo seu carter marginal e quase underground para rapidamente se converterem nas novas formas hegeménicas da produgao artistica, Nos tiltimos anos, temos visto multiplicarem-se em todoo mundo os festivais, encontros emostras dedica- dosexclusivamentea experiéncias de intersecodaarte com a tecnologia e a ciéncia. Cada vez mais, artistas Jlangam mao do computador para construir suas ima- gens, miisicas, textos, ambiente; o video é agora uma presenga quase inevitavel em qualquer instalagdo. A incorporacao interativa das respostas do publico se transformou numa norma (quando nao numa mania) ‘em qualquer proposta artistica que se pretenda atuali- zada eem sintonia com o estagio atual da cultura. De repente, nos damos conta de uma multipli- cacao vertiginosa, a0 nosso redor, de trabalhos rea- lizados com mediagio tecnolégica pesada. Mas 0 que prometia aflorar como um periodo intensivo de arte e midia arlindo machado descoberta ¢ invengao logo se revelou uma fase de banalizacao de rotinas jé cristalizadas na histéria da arte, quando nao um retorno do conformismo e da integragio como valores dominantes. O grosso da nova produgio parece hoje marcado por uma im- pressionante padronizacao, por uma uniformidade generalizada, como se 0 que estivesse em jogo fosse ‘uma espécie de estética do merchandising, em que cada trabalho deve fazer nada mais que umademons- tragio das qualidades do hardware ou das potencia- lidades do software. Por outro lado, percebemos também que nossos critérios de julgamento e critica nao se tornaram suficientemente maduros para possibilitar uma avaliagao desses trabalhos em ter- ‘mos de sta real importancia, ou de sua contribuigao cefetiva para uma redefinigio dos conceitos de arte e de cultura, O que parece estar ocorrendo, em grande parte doscasos,é uma perda util, masinegavel, da perspec- tiva mais radical da arte. Hoje, quando visitamos qualquer evento de arte eletronica, de mesica digital ou de escritura interativa, ou quando folheamos qualquer revista dedicada a essas especialidades, nao 6 preciso muito esforgo para constatar que a discus- so estética foi quase inteiramente substituida pelo discurso técnico, e que questoes relativas a algorit- mos, hardware e software tomaram grandemente 0 lugar das idéias criativas, da subversto das normas e da reinvengio da vida, Com 0 boom das tecnologias eletronicas,aarte parece ter-se reduzido~excetuadas, naturalmente, algumas poucas experiéncias podero- sas inquietantesa.uma espécie de pericia profissio- nal, A medida que a habilidade técnica foi tomando 0 lugar das atitudes mais radicais. No ambito dos rela~ cionamentos entre arte e tecnologia, poucos eventos até agora lograram ultrapassar a mera consideragao de algoritmos, linguagens de computador, progra- macio, circuitos eletronicos eo inevitével emoldura- mento industrial de tudo isso, buscando enfrentar, por outro lado, as interrogacdes mais profundas e mais dramaticas de nosso tempo. Necessirio seria restabelecer o elo perdido entre a atual atividade de criagdo e a melhor tradigao de inconformismo da arte contemporanea, elo este que {foi artificialmente cortado por um certo ntimero de teses obtusas sobre a p6s-modernidade. Nada pode ser mais inconcebivel do que toda uma geracao de yuppies desinformados, que hoje produz trabalhos deautoria em multimidia, utiliza dispositivos de edi- 20 ndo-linear, diagrama suas homepages na Inter- net, mas nunca viu um filme de Vertov, nunca leu ‘Artaud, jamais ouviu falar de Beckett ou tocou num bicho de Lygia Clark. Em segundo lugar, temos de buscar critérios mais severos e mais rigorosos para separar 0 joio do trigo dentro desse terreno movedigo das poéticas tecnolégicas, de modo a diferenciar e privilegiar trabalhos feitos para marcar 0 seu tempo, trabalhos que tragam uma contribuigao efetiva e arte emidia duradoura, trabalhos, enfim, queapontem para pers- pectivas de invengao, liberdade e conhecimento. No Brasil, alguns eventos dedicados as novas tecnologias vem tentando, desde ha algum tempo, reintroduzir no cenario artistico a produgao eo de- bate que nos tltimos anos tém sido escamoteados. Para isso, eles tém buscado reunir as inteligenciase os talentos nao-alinhados de varias partes do mundo, sobretudo daquelas partes que nao participam das estratégias globais de insergao tecnolégica. Dentre esses eventos, podem-se citar as duas primeiras edi- goes de Emogao Art.ficial, evento bienal sediado em Sao Paulo e que tem explicitamente essa preocupa- ¢40,aponto deo tema da segunda edicao,em 2004, ter sido justamente “Divergéncias Tecnolégicas”. Outro exemplo é 0 Festival Internacional de Arte Eletronica Videobrasil, também bienal e jé com mais de quinze edigdes. Esse festival abre espaco para experiéncias também divergentes no campo tecnolégico, sobre-~ tudo as que acontecem em regides nao-hegeménicas do planeta, como a América Latina, a Africa, o Su- deste Asiatico, o Leste Europeu, o Oriente Médio ea Oceania. Um leque imenso de possibilidades est aberto para a intervensao problematizadora da ar a critica das novas formas de dominacao baseadas em xgenero, classe, raca ou nacionalidade (as guerras im- perialistas, os genocidios, o terrorismo, a migragao internacional, a intolerancia com relagao aos estran- geirosete.); a critica da vigilincia universal, da globa- lizacao predatéria, da espetacularizacio da vida e da degradacao ambiental. E tambémasnovas formas de engajamento social direto baseadas nas redes tele- maticas, as midias taticas, a utilizagao de sistemas de distribuigdo multiusudrios para a criagao de obras colaborativas verdadeiramente coletivas, a busca de novas politicas do corpo, expressio de identidades culturais diferenciadas etc. Trata-se agora de inda- gar onde a inser¢ao de novas tecnologias nas artes esté introduzindo uma diferenga qualitativa ou produzindo acontecimentos verdadeiramente no- vos em termos de meios de expressio, contetidos e formas de experiéncia. Enfim, trata-se de buscar as pequenas revolucGes, as “revolugdes moleculares” como dizia Felix Gattari, que hoje estao claramente identificadas com a criagao digital e com os novos cendrios biolégicos. Convergénciae divergéncia das artes e dos meios Podemos imaginar 0 universo da cultura como um mar de acontecimentos ligados & esfera humana e as artes ou os meios de comunicagao como circulos que delimitam campos especificos de acontecimentos dentro desse mar. Um circulo poderia definir o cam- po da fotografia, outro o campo do cinema, outro o campo da miisica e assim por diante, Estamos, evi- & arte emidia Copyright ©2007, Arlindo Machado Copyright destaedigio © 2007: Jorge Zahat Editor Ltda rua México 31 sobreloja tel: (21) 2108-0808 / ‘e-mail jze@zahar.combr site: wwvn.zahar.com.br ‘Todos os direitos reservados. Ateprodusio nio-autorizada desta publicacao,no todo violasio de direitos autorais. (Lei9,610/98) Capa: Dupla Design CIP-Brasil, Catalogagie-na-fonte Arteemidia/ Arlindo Machado. -Riode Janeito: JorgeZahar (artes) €DD:700.105 cu: 7.021 toma ia a ) 7 fren, / Zoo — suméario Ploy ieatiinpo CEs Introdugao ‘Arte e midia: aproximacées e distingdes [9] Tecnologia e arte: como politizar odebate [30] Convergéncia e divergéncia das artes e dos meios [57] Referéncias e fontes [79] Sugestées de leitura [83] arlindo machado dentemente, esquematizando para efeito apenas de argumentagao. Na pratica, é impossivel delimitar com exatidiio o campo abrangido por um meio de comunicasio ou uma forma de cultura, pois as suas bordas sio imprecisaseseconfundem com outroscam- pos. Melhor seria imaginar queos circulos que definem ‘cada meio interceptam, nas proximidades de suas bor- das,os circulos definidores de outros meios, com maior ‘oumenor grau de penetrago, segundo o grau de vizi- nhanga ou parentesco entre eles. creer ()--) Evidentemente, hé maior zona de interpenetra- «Ao entre os circulos definidores da fotografia e do cinema do que entre fotografia emnisica, pelo simples fato de que o cinema tem uma base fotogrsfica que lhe 6 nerente e é impossivel falar de cinema sem falar de fotografia, Ainda assim, ¢ possivel imaginar indme- ros acontecimentos que ocorrem também na zona de intersegao entre fotografia e mtsica, como por exem- plo o trabalho de Ansel Adams, fot6grafo-pianista quettranspésaescala de tons musicais paraaescala de tons de cinza da fotografia (através de seu “sistema de zonas”),possibilitando compor uma fotografia como se fosse uma peca musical. Cada um desses circulos seria mais bem repre- sentado se, em lugar de imagind-lo uma simples cir- cunferéncia vazia, optéssemos por imagind-lo um circulo preenchido por uma mancha gréfica de den- sidade varidvel: mais densa no centro, menos densa nas bordas, perfazendo portanto um gradiente de tons que vai de um centro muito negro a bordas mais suaves, tendendo ao branco. Esse centro denso repre- sentaria a chamada “especificidade” de cada meio, aquilo que o distingue como tal e que nos permite diferencia-lo dos outros meios e dos outros fatos da cultura humana, Cada circulo teria entio o seu “nit- cleo duro”, que define conceitos, praticas, modos de producio, tecnologias, economias e puiblicos esp ficos, Outros circulos teriam outros “niicleos duros’, com outras definigées, A medida que nos aproxima- ‘mos das bordas e das zonas de intersecao, a diferen- iagao entre os meios ja nao € to evidente, os concei- tos que os definem podem ser transportados de uns para outros, as préticas e as tecnologias podem ser compartilhadas,o sustentaculo econdmico eo pibli- co atingido podem ser os mesmos. z artee midia KS (eae) O pensamento da divergéncia. Ao longo da historia dos meios e do pensamento sobre eles, hé um deslo- camento das ateng6es ora para o “nticleo duro”, ora paraas intersegdes entreas bordas. Entre osanos 1950. e meados dos 1980, ha uma tendéncia maior de se pensar os meios em fungao de suas especificidades. No terreno da fotografia, por exemplo, Roland Bar- thes se preocupava, naquela época, em definir o noe- ma desse meio, ou seja, a sua verdade objetiva, que seria, para ele, o referente (a coisa fotografada). Susan Sontag, por sua vez, buscava definir o estatuto da fotografia ea sua esséncia mais basica, queela encon- travano"trago do real’,na marca de luz queo proprio real deixa no negativo fotografico. Mais radical ainda na defesa dessa visio mimética da imagem fotogra- fica, André Bazin chega mesmo a suspeitar de que a fotografia talvez tenhaa vermaiscom 0 mundomine- ral do que coma cultura humana, porquehénela uma “objetividade ontol6gica” que dispensa a mediagao humana. No terreno da pritica, todo esforgo se con centrou em definir uma espéciedeidentidadeda foto- grafia, identidade esta que logo se manifestou na mis- tica do ‘clique’, do “momento decisivo” (como diziao fot6grafo francés Cartier-Bresson), daquele instante magico em que o obturador pisca, deixando aluzen- trar na cimera e sensibilizar o filme. Tudo o demais, isto é,o antes e o depois do “clique”, passa a ser consi- derado afetagao pictérica (icdnica) ou “manipula- a0” intelectual (simbélica), fugindo portanto do Ambito do especifico fotogréfico. Alguns analistas mais tardios, como Philippe Dubois e Jean-Marie ‘Schaeffer, queainda pensavam a fotografia a partirde sua especificidade, encontraram no conceito de nde- xicalidade do semioticista norte-americano Charles Peirce uma explicagao mais sistematica para essa suposta vinculagao entre a foto e a coisa fotografada. O indice peirceano € um signo (uma representagao; no caso, uma fotografia) que tem uma “conexao dina- mica” com o seu referente, Em outros campos, nao foi muito diferente a énfase na especificidade do meio. O cinema, pelo menosa partir daabordagem clissicade AndréBazin, afirma-se sobretudo pelo papel quenele desempenha a profundidade de campo, ou sefa, a escala de planos que vai da frente (foreground) ao fundo (background) e que permite compor graus variados de densidade arteemidia dramatica, O plano-seqiiéncia, dotado de fluéncia e continuidade, substituia intervengao fragmentadora da montagem, que foi hegeménica em outros tem- pos. Na década de 1970, 0 processo de recep¢ao do filme e 0 modo como a posigao, a subjetividade e os afetos do espectador sao trabalhados ou “programa- dos” no cinema mereceram também uma atengao concentrada da critica, a ponto de esses temas terem se constituido no foco de atengao privilegiado tanto das teorias estruturalistas, psicanaliticas e descons- trucionistas, quanto dasandlises mais“engajadas” nas varias perspectivas marxistas, feministas e multicul- turalistas, Nessas abordagens, o aparato tecnolégico e econémico do cinema (na época chamado de “o dis- positivo”), bem como a modelagao do imaginario forjada por seus produtos, foi submetidoa uma inves tigagdo minuciosa e intensiva, no sentido de verificar como 0 cinema (um certo tipo de cinema) trabalha para interpelar o seu espectador enquanto siijeito, ou como esse mesmo cinema condiciona o seu publico a identificar-se com eatravés das posigoes de subjetivi- dade construidas pelo filme. Nesse mesmo periodo que estamos conside- rando, surge um meio novo —o video ~ que nessa primeira fase também vai optar pelo caminho da especificidade, Marshall McLuhan é 0 primeiro a notara principal diferenga introduzida pela imagem eletrénica: sua natureza “mosaicada’, resultado de sua constituigao através de linhas de varredura, que Ihe determina condigées de definigao ¢ profundi- dade de campo completamente diferentes do cine- ma,além de modos de recep¢ao também distintos.O video também se distingue da televiséo porque ele é a sua metalinguagem critica, ele é contra-informa- 40. Nao por acaso, no campo da produgao, a video- arte vai explorarjustamente os recursos que sao pré- prios a esse meio e apenas a ele: 0 feedback de video (efeito quese obtém quando seapontaa camera para © monitor que exibe a imagem captada), a incrusta- ¢a0 de imagens umas dentro das outras (chroma key), a colorizagao, a deformagao e metamorfose das figuras etc. Era preciso deixar claras as diferencas ret6rica, estética, econdmica e tecnolégica desse meio com relacao aos seus dois vizinhos mais proximos—o cinema ea televisio. Fotografia, cinema, televisdo e video, apesar de serem meios bastante préximos em muitos aspectos, foram durante todo esse tempo pensados e pratica- dos de forma independente, por gente diferente, ¢ esses grupos quase nunca se comunicavam ou troca- vam experiéncias. As escolas ou os cursos onde esses meios eram ensinados eram independentes uns dos ‘outros. Mesmo um pensador importante como Mar- shall McLuhan, que era capaz de pensar os meios como um todo, tomava-0s, todavia, como separados. Ele era ainda um pensador da especificidade, como todos os seus contemporaneos: cada meio, para ele, era a extensio de um dos nossos sentidos ou apti- arte emidia arlindo machado does, Claro, se éverdade que-como ele dizia—“o meio a mensagem’, entao cada meio deve ser claramente distinguido dos outros, pois do contrério nao haveria nenhuma mensagem a transmitir. lvana Bentes, num, artigo sobre as relagdes entre cinema e video, observa que, até o fim dos anos 1980, havia um embate entre ospraticantese pensadores desses meios:o pessoal do video Iutava por legitimagao, desqualificando 0 ou- tro, enquanto o pessoal do cinema arrogava sua supe- rioridade hierérquica com relagdo a0 outro. Nas sociedades humanas,uma énfase exagerada nas iden- tidades isoladas pode levar a intolerincia e a guerra entreas culturas, enquanto os processos de hibridiza- io podem favorecer uma convivencia mais pacifica entre as diferengas, Da mesma forma, no campo da comunicacdo, chega um momento em que a diver- géncia entre os meios torna-se improdutiva, limita- tiva e beligerante, deixando claro, pelo menos aos setores de vanguarda, que a melhor alternativa pode estar na convergéncia. 0 pensamento da convergéncia. Fagamos agora uma, pausa e voltemos & nossa figura dos circulos tangen- tes, Na verdade, a metifora est imperfeita, pois ela pode nos dar a falsa impressao de que o mundo da cultura e dos meios é estatico pode, portanto, ser demarcado. Nada mais inexato. No interior de cada meio, ha conflito, embate, surgimento de novas ten- déncias e movimentos antagOnicos. O repertério de obras produzidas em cada circulo se expandeem pro- gressio geométrica, e algumas delas, mais revolucio- nérias, redirecionam o rumo do pensamento e da pratica. Isso quer dizer que tanto 0s circulos como os seus “micleos duros” vivem um movimento perma- nente de expansao e, nesse movimento, as suas zonas de intersegao com outros circulos também se am- pliam. Chega um momento em que a amp! circulos atinge tal magnitude que hé intersegao nao apenas nas bordas, mas também nos seus “nticleos duros”, Ora, esse éjustamenteo ponto de ruptura: no momento em que 0 centro mais denso do circulo, identificador de sua especificidade, comega a se con- fandir com 0s outros, chegamos a um novo patamar dahist6ria dos meios: 0 momento daconvergéncia dos meios, que se sobrepGe a antiga divergéncia. Ao pu- mo ¢, As vezes, até mesmo ao fundamentalismo ortodoxo das abordagens divergentes e separatistas, tendemos hoje a preferir os casos mais présperos ¢ inovadores de hibridizagao, de fusio das estruturas artee midia arlindo machado Gene Youngblood é, possivelmente, o primeiro a pensar a convergéncia, num livro hist6rico sobre o temaintitulado Expanded Ginema. Ele percebe,a par- tirdo exemplo do cinema experimental norte-ameri- canoe do surgimento da televisao, do video edo com- putador, que o conceito tradicional de cinema havia explodido, Até a época em que o livro foi escrito, 0 ci nema era ainda uma forma de“artesanato” que deri- vava do periodo da Revolucio Industrial e nao havia softido qualquer mudanca substancial desde os tem- pos de Griffith. Tudo estava ainda embasado numa tecnologia que jé havia se tornado arqueolégica (a cimera analogica de arrasto mecanico e a pelicula fotoquimica), além de contar com uma modalidade de sustentagdo econdmica vinculada as formas de espeticulos teatrais e derivada unicamente dos in- gressos comprados pelo pablico. No entender de Youngblood, podiamos pensar o cinema de uma ou- tramaneira, um cinema lato sensu, seguindo aetimo- logia da palavra (do grego kinema-ématos + gréphein, “escrita do movimento”), que inclui todas as formas de expresso baseadas na imagem em movimento, preferentcialmentesincronizadasa umattrilha sonora. ‘Nesse sentido expandido de arte do movimento, tele- visio e video também passam a ser cinema, assim, comoa multimidia. Pensado dessa maneira,o cinema encontra uma vitalidade nova, que pode nao apenas evitar o seu processo de fossilizacao como também garantira sua hegemonia perante as demais formas de cultura, Eis por que essa arte das imagens em movi- mento ~ que no passado ja foi teatro de sombras, caverna de Platio, lanterna mégica, praxinoscopia (Reynaud), fenaquistiscopia (Plateau), cronofotogra- fia (Marey) e depois se tornou cinematografia (no sen- tido que Ihe deu Lumiere) ~ esta sofrendo agora um novocorteemsuahist6ria parasetornar cinema expan- dido, ou seja, 0 audiovisual, Nesse sentido, ele vive um, momento de ruptura com as formas eas praticas fossi- lizadas pelo abuso da repeticao e busca soles inova- doras para reafirmar sua modernidade. A iidéia de “expansao” germinou muito nas déca- das seguintes: em certo sentido, todos os meios eartes, entraram num processo de expansio, como se 0s cft- culos definidores de todas as artes e meios ameagas- sem se fundirnum tinico cfrculo do tamanho do campo. inteiro da cultura, A partir de entao, passou-se a falar em escultura em campo expandido (Rosalind Krauss), ousseja,aescultura que sais ruas, dialoga com a paisa- gem e com as outras midias, cumprindo uma missio publi Fala-se também em fotografia expandida (Ru- bens Fernandes Jr.), ou seja, a fotografia que se hibri- diza, importa técnicase ferramentas das artes plasticas € outras artes e atualmente migra para o digital, Essa nova fotografia surgemais ou menosao mesmo tempo em que o peso jurdssico da suposta“indexicalidade” de suasimagens passaa ser questionado erelativizado por uma outra geragdo de pensadores (Vilém Flusser, artee midia arlindo machado Arlindo Machado). Fala-se ainda em video expandido (Roberto Cruz), ou seja, 0 video que se apresenta de forma miltipla, variavel, instavel, complexa, ocor- rendo numa variedade infinita de manifestagoes. De fato, 0 video hoje pode estar presente em esculturas, instalagdes multimidia, ambientes, performances, intervengGes urbanas, até mesmo em pegas de teatro, salas de concerto, shows musicaise raves. As obras ele- tronicas podem existir ainda associadas a outras ‘modalidades artisticas, a outros meios, a outros mate- riais,a outras formas de espetaculo, Muitas das expe- rigncias videogréficas si mesmo fundamentalmente cefémeras, no sentido de que acontecem ao vivo apenas ‘num tempo e lugar especificos e nao podem ser resga- tadas a nao ser sob a forma de documentagao. Como conseqiténcia dessa dissolugo do video em todos os ambientes, os profissionais queo praticam,bemcomo 05 ptiblicos para os quais ele se dirige, foram se tor- nando cada vez. mais heterogéneos, sem qualquer referéncia padronizada, perfazendo habitos cultu- rais em expansio, circuitos de exibigao efémeros € experimentais, que resultam em verdadeiros quebra- cabecas para os analistas. B como se 0 conceito de “expansio” cumprisse, pelo menos num primeiro ‘momento, um papel estratégico na superagao do re- gime da especificidade. Depois de Youngblood, outro importante pen- sador da convergéncia dos meios foi Raymond Bel- lour. Comegando por Passages de 'Image, exposigio organizada por Bellour e outros em 1990, a questdo que primeiramente ele se coloca é a impossibilidade de se continuar pensando os meios como separados e independentes. Chega um momento em que “torna- seclaro que nao se pode maiscontinuardizendo como antes: o cinema, a fotografia, a pintura”: a multiplica- gio problematica dos modos de produsao e dos su- portes de expressio, introduzidos pela televisio, pela gravacao magnética do som, pelo video eo computa~ dor exige uma mudanga de estratégia analitica, Em lugar de pensar os meios individualmente, o que co- megaa interessar agora sio as passagens que se operam entre a fotografia, o cinema, 0 video e as midias digi- tais, Essas passagens permite compreender melhor as tenses e asambigtiidades que se operam hoje entre © movimento e a imobilidade (também ha movi- mento na fotografia, assim como ha filmes feitos exclusivamente de fotos fixas), entre o anal6gico 0 digital, o figurativo eo abstrato,o atual eo virtual. Mas ndo se trata apenas de uma estratégia para compreender as novas imagens; essa éa maneira como a indistria inteira do audiovisual agora funciona. As, fronteiras formais e materiais entre os suportes e as linguagens foram dissolvidas, as imagens agora sio mestigas, ou seja, elas sio compostas a partir de fontes as mais diversas — parte é fotografia, parte é desenho, parte é video, parte é texto produzido em geradores de caracteres e parte € modelo matematico gerado em computador. Cada plano é agora um hibrido, em que = arte e midia arlindo machado 3 i] jando se pode mais determinar a natureza de cada um de seus elementos constitutivos, tamanha é a mistura, a sobreposicao, empilhamento de procedimentos diversos, sejam eles antigos ou modernos, sofisticados ouclementares, tecnolégicos ou artesanais, O proprio conceito de “plano”, importado do cinema tradicio- nal, revela-se cada vez mais inadequado para descre- vero processo organizativo dasimagens, poisem geral hé uma infinidade de “planos” dentro de cada tela, encavalados, superpostos, recortados uns dentro dos outros. Nao sé as origens sao diferentes, mas essas imagens estao ainda migrando o tempo todo de um meio aoutro, de umanaturezaa outra (pictérica,foto- quimica, eletronica, digital), a ponto de este transito permanente se tornar sua caracteristica mais mar- cante, Muitos materiais utilizados, inclusive, sao reci- clagens de imagens em circulagao nos meios de massa, cujas origens ja se perderam. A partir da década de 1990, Bellour se dedica quase que exclusivamente ao exame da convergéncia dos meios, através de iniimeros artigos e curadorias. Uma boa parte dessa reflexio encontra-se compilada nos dois grossos volumes de seu L’Entre-images, cujo temanao énuncao que define um meio enquanto tal, ‘mas o que hd de um meio em outro~o que ha de pin- turano cinema ou de cinemanaliteratura, ou de foto- grafia na miisica, ou de televisio no video. Em uma exposigo recente dedicada ao tema da presenga da fotografia em outros meios ~ Estados da Imagem, no Centro Cultural Belém, Lisboa -, Bellour escreve 0 seguinte em seu texto “Percursos”, do catélogo: “O ponto de partida é, pois, o arché da fotografia, con- tudo deve-se esclarecer que, no nosso entendimento, 0 ‘fotografico’ nao é uma categoria exclusiva a foto- grafia, nem aos seus procedimentos especificos, ou seja, 0 ‘fotografico’ é uma condigao transversal a varios generose praticasda imagem... eliga-se sobre- tudo a um campo de visualidade do qual sobressaem as agdes de paragem e desdobramento do movi- mento, bem como os efeitos que essas experiéncias induzem na percepgao de um tempo (complexo, aberto, ‘cristal’) que é imanente a imagem.” Para demonstrar sua tese, Bellour apresenta trabalhos de 12artistas que produzem com meios diferentes (cine- ma, video, computacao gréfica, instalagao multims- dia,sintetizador desom etc.), masque tentam resolver ou dar forma a problemas originalmente colocados pela fotografia: a questio da interrupgao e congela- mentodo tempo, ointervaloeo instante,aténue fron- teira entre o movimento ea inércia, Ora, se 0 “especifico” da fotografia pode ser en- contrado em todos os outros meios, entdo a nossa metéfora dos circulos definidores dos campos dos meios deve ser reformulada, Em ver deimaginé-la no plano bidimensional, talvez fosse mais adequado representar 0 mar da cultura num espaco tridimen- sional, em que, dependendo do angulo de visao, os varios efrculos se sobrepdem, se ajustam, se repetem, artee midia arlindo machado (2) se interceptam perpendicularmente e se confundem. Onticleo duro de um meio,além dejé expandido,ecoa em outro, Nao por acaso fala-se tanto hoje em sineste- escultura éliquida ou gasosa, ipermidia, o teatro sia—amiisica € visual, ovideo € processual,a literatura é évirtual,o cinema ¢ eletrdnico, atelevisto é digital. Uma interessante recolocagao desse problema esta num livro recente de Jay David Bolter e Richard Grusin— Remediations: Understanding New Media— dedicado ao tema da convergéncia nos meios digi- tais. Os autores criticam o pensamento “especifici- zante” que se instalou nos novos meios, para o qual tudo o que nao é digital “era”, Como uma tentativa de promover 0 “niicleo duro” da midia digital, demonstrando nao apenas que os meios “velhos” j4 esto mortos, mas também que os novos meios (rea- lidade virtual, computacdo grafica, videogame, Internet) sao alguma coisa de absolutamente dife- rente com relacao a eles e, nesse sentido, devem bus- car prinefpios estéticos e culturais distintos. Para Bolter Grusin, esse modo de ver as coisas repre- senta uma ingénua retomada, a qualquer custo, do mito modernista do “novo”. Eles preferem acreditar que 0s novos meios encontram sua relevancia cultu- ral quando reavaliam e revitalizam meios mais anti- gos, comoapintura perspectivada, o filme,a fotogra~ fia e a televisdo, Na verdade, os chamados “novos meios” s6 puderam se impor como “novos” ¢ ser ra- pidamente aceitos e incorporados socialmente pelo que eles tinham também de “velhos” e familiares. A esse processo de remodelacao ou reajuste (refashio- ning) dos meios precedentes eles dao 0 nome de “remediation” (re-mediagao), e o exemplo mais elo- qiiente é a tela do computador, onde se pode ter, superpostas ou lado a lado, varias janelas abertas ~ textos, planilhas de célculos, fotografias, videos, gré- ficos, mtisicas etc. O computador carrega, portanto, essa contradieao de aparecer como uma midia tinica, sintetizadoradle todasas demais,e,aomesmotempo, um hibrido, onde cada um dos meios (texto, foto, video, grafico, musica) pode ser tratado ¢ experimen- tado separadamente. Nas ltimas décadas, as discusses relativas aos meios de comunicagao comegam a ser contamina- das por novos conceitos, como os de hibridizagao, mestigagem e outros. Vale recordar que Italo Calvi ‘no, em suas Seis propostas para o préximo milénio, reconhecia, dentre as principais caracteristicas da arte que deveria marcar a virada do milénio a multi- plicidade. Ela é definida por Calvino como um con- junto de “redes de conexdes entre os fatos, entre as pessoas, entre as coisas do mundo”, Se for possivel reduzir a uma palavra o projeto estético e semidtico que esta pressuposto em grande parte da produgdo audiovisual mais recente, podemos dizer que se trata de uma procura sem tréguas dessa multiplicidade que exprime o modo de conhecimento do homem contemporaneo, 73] arte e midia arlindo machado O mundo € visto e representado como uma tra- made relagdesdeumacomplexidadeinextricével,em que cada instante est marcado pela presenga simul- tanea de elementos os mais heterogeneos, e tudo isso ocorre num movimento vertiginoso, que torna mu- tantes escorregadios todos 0s eventos, todos 0s con- textos, todas as operagoes. Os recursos de edigao ¢ processamento digital permitem hoje jogar para den- tro da tela uma quantidade quase infinita de imagens (imais exatamente, fragmentos de imagens), fazé-las combinarem-se em arranjos inesperados, para, logo em seguida, repensar e questionar esses arranjos, redefinindo-os em novas combinagoes. A técnica mais utilizada consiste em abrir “janelas” dentro do quadro para nelas invocar novas imagens, de modo a tornara tela um espago hibrido de miltiplas imagens, miiltiplas vozes e miiltiplos textos. Essa espécie de escritura miltipla, em que texto, vozes, ruidlos e ima- gens simultanea: compor um tecido de rara complexidade, constitui a propria evidencia estrutural daquilo que moderna- mente nds convencionamos chamar de uma estética da saturagiio, do excesso (a maxima concentragao de informagaio num minimo de espago-tempo) e tam- ém da instabilidade (auséncia quase absoluta de qualquer integridade estrutural ou de qualquer siste- matizacao tematica ou estilistica). ‘Trata-se, numa palavra, de superpor tudo (textos, imagens, sons) ou deimbricaras fontes umas nas outras, fazendo-asacu- ‘combinam ese entrechocam para mularem-seinfinitamente dentro do quadro,demodo asaturar de informagao o espago da representacio, A multiplicidade nos coloca cara a cara com 0 que se convencionou chamar de segundo barroco ou neobarroco, tendéncia geral da arte e dos meios con- temporaneos caracterizada pela recusa das formas unitdrias ou sistematicas e pela aceitacao deliberada da pluridimensionalidade, da instabilidade ¢ da mutabilidade como categorias produtivas no uni- verso da cultura, Severo Sarduy, em seu livro sobre 0 barroco, afirma que esse movimento esté sempre associado a momentos de crises epistemol6gicas, quando valores perenes ~ principalmente no campo da astrofisica—em que se baseavam os sistemas poli- ticos, as crengas eas religides sao abalados por novas descobertas, comoanao-centralidade da Terra no sis- tema solar, a relatividade do tempo e do espago ou a efemeridade do universo, O barroco é expressio de momentos em que falta a humanidade solo firme para pisar. Alguns trabalhosmais recentes, como os filmes de Jean-Luc Godard e Peter Greenaway, os videos de David Larcher, Gianni Toti, Zbigniew Rybczynski eas modali- dades computadorizadas de multimidia ou hipermidia apontamhojeparaa possibilidadedeumanovagramé- tica” dos meios audiovisuais e também para a necessi- dadedenovosparametros de leitura por partedo sujeito receptor. A tela (do monitor, do aparelho de televisio) torma-se agora um espaco topografico onde os diversos arte e midia arlindo machado a elementos imagéticos (e também verbais, sonoros) vém screver-se, tal como jé se pode hoje vislumbrar em ambientes computacionais multitarefas. Do espago iso- da figuracao cldssica, baseado na continuidade e na homogeneidade dos elementos representados, pas- samos agora a0 espaco politépico, em que os elementos constitutivosdo quadromigram de diferentes contextos espaciais e temporais e se encaixam, se encavalam, se sobrepdem uns sobre os outrosem configuragoes hibri das, E uma vez.que agora os novos processos imagéticos despejam seu fluxo de imagense sons de forma simult- nea, issoexige,da partedo receptor,reflexosrépidospara captar todas (ou parte delas) as conexdes formuladas, numa velocidade que pode mesmo parecer estonteante um “leitor” mais conservador, nao familiarizado com, as formas expressivas da contemporaneidade. ‘Até agora, tentamos discutir as tendéncias que dao expresso. convergencia dos meios eas relagbes de sentido que constituem essa mesma convergéncia, Resta perguntar agora para onde toda essa hibridizagao nos conduze que politicas ela pressupde, Muitas vezes, anogao de convergéncia pode sugeriruma fécilintegra- 0 euma fusio harmoniosadas formasdecultura,sem dar peso suficientes contradigdes que se operam den- ‘trodelaesem consideraros prejuizos queela pode cau- sara tudo aquilo que nao se deixa hibridizar com facili- dade. O discurso da convergéncia as vezes tem um tom excessivamente celebratério, como se toda hibridiza- s40 correspondesse sempre a uma harmonizagao da- quilo que antes era fragmentado e beligerante, Um im- portante cientista social argentino, Néstor Cancl propde que pensemos os processos atuais de hibridiza- ono contexto das ambivaléncias da industrializacio, da massificagao globalizada dos processos simbilicos e dos conflitos de poder que suscitam. A hibridizacao, sem nenhuma ciivida, produz inovagio e avango em termosdecomplexidade,mas também relagoesded gualdade e assimetrias entre os fatos de cultura que ela agrega. E 0 caso do processo de informatizacio forcada queestamos vivendo hoje,em queos meios (fotografia, cinema, video, televisdo, gravacao sonora etc.) esto sendo constrangidos a transitar para o digital, numa velocidade que chega a ser predatéria, pois gera exclui- dos, geracdes incapazes de se adaptar, obsolescéncia tecnolégica e sucateamento de acervos, ‘Além disso, as constantes fuses e mudangas tec- nol6gicas impedem que as novas geragdes possam ter tempo suficiente para amadurecer o dominio de um meio ou técnica, tornando os novos produtos necessa- riamente mais superficiaise de folego mais curto, Nos tempos da divergéncia eda especificidade, um cineasta levava muito tempo para chegar A direc, passando por um longo proceso de amadurecimento como assistente de diregao e diretor de curtas-metragens. Hoje, uma nova tecnologia ou uma nova midia nao dura mais que cinco ou dez anos, impossi portanto 0 amadurecimento profissional, a cons ‘do de uma linguagem suficientemente desenvolvida, arteemidia Introdugao O VocABuLo “ARTEMIDIA”, forma aportuguesada do ingles “media arts”, tem se generalizado nos tltimos anos para designar formas de expressao artistica que seapropriam derecursostecnolégicos das midiaseda indiistria do entretenimento em geral, ow intervém em seus canais de difusdo, para propor alternativas qualitativas, Stricto sensu, o termo compreende, por- tanto,as experiéncias de didlogo, colaboracao e inter- vengao critica nos meios de comunicagao de massa. Mas, por extensao, abrange também quaisquer expe- riéncias artisticas que utilizem os recursos tecnol6- gicos recentemente desenvolvidos, sobretudo nos campos da eletrOnica, da informatica e da engenha- ria biol6gica. Inclufmos, portanto,no ambito daarte- mnidiandoapenas os trabalhos realizados com media- ta arlindo machado [78] adestilagio de uma estética ea formagao de um acervo de obras representativas. As vezes, o hibridismo pode até mesmo dar expresso a algum tipo de esquizofre- nia, como acontece nos ambientes computacionais, ‘em que a possibilidade de acesso as mais variadas fon- idade de fusao detodas essas fontes na tela do computador fazem com que ‘muitos realizadores se sintam quase constrangidos a juntar tudo, produzindo resultados que estao mais para a pirotecnia de efeitos do que para a consisténcia estética e comunicativa do produto. A hibridizagao ea convergéncia dos meios sto processos de intersegio, de transagdes e de didlogo, implicam movimentos de transito e provisoriedade, implicam também as tenses dos elementos hibridos convergidos, partes que se desgarram e no chegam a fundir-se completamente, “Uma teoria nao ingénua da hibridizagio”, diz Canclini, “€ inseparavel de uma consciéncia critica de seus limites, do que nao se deixa, ou nao quer ou nao pode serhibridizado.” tesem formatos digitaisea referéncias e fontes 1926) A referéncia a Walter Benjamin foi retirada de seu texto “A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica’, publicado em A idéia do cinema (org, de José Lino Griinnewald, Rio de Janeiro, Civilizagéo Brasileira, 1969), {p26) A observagao de Bruce Ferguson foi extraida de seu texto “The importance of being Ernie’, publicado em Illuminating Video (org. Doug Hall and Sally Jo Fifer, Nova York, Aperture, 1990). [ps0] 0 livro de Laymert Garcia dos Santos foi publi- cado pela editora 34 Letras (Sao Paulo, 2003). {p32} A noticia sobre a extingdo do tiltimo servigo de pombos-correios foi extraida do artigo deBruce Ster- arlindo machado g ling, “Goodbye, dear pigeons’, publicado em LAB Jahrbuch 2001/02 fiir Kiinste und Apparate (Colénia, Kunsthochschule fiir Medien, 2002). (033) A expresso de Eugenio Trivinho foi extrafda de seu O mal-estar da teoria: a condigao critica na socie~ dade tecnolégica atual (Rio de Janeiro, Quartet,2001). Asidéias de Jesus Martin-Barbero foram extrafdas de seu artigo “Razén técnica y raz6n politica: espa- cios/tiempos no pensados’, publicado na revista Giencias dela Comunicacién, ano 1,n.1. {035} Todas as citagdes de Roy Ascott foram retiradas de seu livro Telematic Embrace: Visionary Theories of Art, Technology, and Consciousness (Berkeley, Univer- sity of California Press, 2003). [391A citagao de Sérgio Paulo Rouanet foiextraida do artigo “Flusser em Praga’, publicado no caderno Idéias do Jornal do Brasil (11 jan 1997). {p01} As idéias de Vilém Flusser contidas nessas pagina foram extraidas de seu livro Pés-hist6ria: vinte instanta- neoseum modo deusar (Sao Paulo, Duas Cidades, 1978). O livro Filosofia da caixa-preta foi publicado original- mente pela editora Hucitec (Sao Paulo, 1985). {pax Ins Universum der technischen Bilder foi publicado em Gottingen pela European Photography (1985). {4a} Steps to an Ecology of Mind foi publicado em No- va York, pela Ballantine Publishers (1972). {60-1} Os livros citados nessas paginas sto: 1) La cham- bre claire, de Roland Barthes (Paris, Gallimard/Seuil, 1980); 2) On Photography, de Susan Sontag (Har- mondsworth, Penguin, 1979); 3) Qu’est-ce que le cinéma?, de André Bazin (Paris, Cerf, 1958); 4) VActe photographique, de Philippe Dubois (Paris, Nathan & Labor, 1983);5) L’Image précaire, de Jean-Marie Scha- effer (Paris, Seuil, 1987). {62-3} As referéncias a Marshall McLuhan foram extraidas de seu livro Understanding Media (Londres, Routledge, 1964). {psa}A citagao de Ivana Bentes foi extraida deseu texto “Video e cinema: rupturas, reagdes e hibridismo”, publicado em Made in Brasil: trés décadas do video brasileiro (org. A. Machado, Sao Paulo, Itaucultural, 2003). {966} Expanded Cinema foi publicado pela Dutton de Nova York (1970). [p67-8} 0s textos citados nessas paginas sao: 1) “Sculp- ture in the Expanded Field”, de Rosalind Krauss, publicado em The Anti-Aesthetic: Essays on Postmod- ern Culture (org. Hal Foster, Seattle/ Washington, Bay Press, 1983); 2) A fotografia expandida, de Rubens FernandesJt. (tese de doutorado defendida na Pontifi- cia Universidade Catélica de Sao Paulo, 2002);3) Mé- quina eimagindrio: 0 desafio das posticas tecnolégicas, de Arlindo Machado (Sao Paulo, Edusp, 1993); 4) £ : arlindo machado [82] quarto iconoclasmo eoutrosensaioshereges, de Arlindo Machado (Rio de Janeiro, Contracapa, 2001); 5) 0 video expandido, de Roberto Cruz (dissertagio de mestrado defendida na Escola de Comunicagao da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2001). {969-711 A primeira citagao de Raymond Bellour foi extraida daintrodugao do catélogo Passages del’image (Paris, Georges Pompidou, 1990). Os demais textos sdo: 1) L’Entre-images (Paris, La Différence, 1990); 2) LEntre-images 2 (Paris, P.O.L., 1999); 3) “Percursos”, Lisboa Photo 2005 (Lisboa, Camara Municipal, 2005). {p72} Remediations foi publicado pela The MIT Press (Berkeley, 2000). {p73} Olivro de ftalo Calvino foi publicado pela Com- panhia das Letras (Sao Paulo, 1990). {p75} O livro de Severo Sarduy ¢ Barroco (Buenos Aires, Sudamericana, 1974). p77) Ascitacdes de Néstor Cancliniforam extraidas de Culturas hibridas (Sao Paulo, Edusp, 2003). sugestées de leitura PARA UNA BASE MAIS filos6fica do problema da produ- ‘40 de arte numa época de pesada mediagao tecnol6- gica, sugiro a obra visceral de Vilém Flusser, Filosofia dacaixa-preta. Esse livro foi publicado originalmente no Brasil pela editora Hucitec, de $40 Paulo, em 1985, mas a edico se esgotou e durante muito tempo olei- tor brasileiro ficou sem acesso a obra, Em 1998, saiu. uma edigéo do mesmo texto em Portugal, mas com 0. titulo alterado para Ensaio sobre a fotografia (Lisboa, Reldgio d’Agua). Recentemente, em 2005, a editora Relume-Dumari, do Rio de Janeiro, relangou o texto clissico de Flusser, conservando o titulo original, mas acrescentando um subtitulo: “Ensaios para uma futura filosofia da fotografia”. Qualquer das edigoes é confidvel, pois todas elas reproduzem o texto origi- nal, “traduzido” do alemao diretamente pelo proprio Flusser. Infelizmente,outrolivro fundamental- Expanded Cinema (Nova York, Dutton), de Gene Youngblood — nao foi até hoje traduzido para o portugués, embora tenha sido publicado em 1970. £ uma obra cléssica, a primeira a pensar a convergéncia das artes e meios, numa perspectiva absolutamente contemporanea. Fez historia, influenciou muito o pensamento poste- rior e€ por isso indispensavel. Fundamental também €acoletanea de artigos de Raymond Bellour chamada L’Entre-images,dedicadaa miscigenago das artes com as midias. Na Franga, 0 livro foi publicado em dois volumes (um em 1990 € ‘outro em 1999). No Brasil, apenas o primeito foi publi- cado, pela editora Papirus, de Campinas, em 1997. 0 segundo s6 esta disponivel aos falantes do frances: LEntre-images 2 (Paris, POLL., 1999). Mesmo sem ser dedicado especificamente ao exame das relagoes entre arte ¢ midia, 0 livro do cien- tista social argentino Néstor Canclini Culturashibridas (Sao Paulo, Edusp, 2003) oferece um pano de fundo. histérico e politico para se pensar a hibridizagao dos, varios estratos,das varias dimensOese das varias vias da cultura contempordnea, permitindo entender melhor aatual indistincao entre culturas“elevadas” (antescha- madas “de elite”), culturas populares e culturas “de massa” (no sentido industrial do termo). ‘ariindo machado ‘do tecnolégica em dreas mais consolidadas, como as artes visuais e audiovisuais, literatura, misica e artes performaticas, mas também aqueles que acontecem, ‘em campos ainda nao inteiramente mapeados — como a criagao colaborativa baseada em redes, as in- tervengées em ambientes virtuais ou semivirtuais,a aplicagao de recursos de hardwareesoftwareparaa ge- ragio de obras interativas, probabilisticas, potenciais, acessiveis remotamente etc. Nesse sentido, dia” engloba e extrapola expresses anteriores, como “arte & tecnologia’, “artes eletronicas’,“arte-comuni- cacao”, “posticas tecnol6gicas” etc. Mas essa designacao genérica apresenta 0 in- conyeniente de restringir a discussto da artemfdia apenas ao plano técnico (suportes, ferramentas, mo- dos de produgao, circuitos de difusdo), sem atingir 0 mbrica- cere da questio, que é 0 entendimento Gao destes dois termos: “midia” e “arte”. Que fazem eles juntos e que relagio mantém entre si? Dizer arte- midia significa sugerir que os produtos da midia podemserencaradoscomo as formas dearte denosso tempo ou, ao contrario, que a arte de nosso tempo busca de alguma forma interferir no circuito massivo das midias? Em sua acepsao propria, a artemidia é algo mais que a mera utilizagao de cameras, compu- tadores e sintetizadores na produgao de arte, oua simples insergao da arte em circuitos massivos como a televisdo e a Internet. A questao mais complexa é saber de que maneira podem se combinar, se conta- minar e se distinguir arte e midia, instituigoes tio diferentes do ponto de vista das suas respectivas his- torias, de seus sujeitos ou protagonistas e da inserca0 social decada uma. O objetivo destellivro ébuscarres- postas.a essa questio. Arte e midia: aproximacées e distincées Aartesempre foi produzida com os meios de seu tem- po. Bach compés fugas para cravo porque este era 0 instrumento musical mais avangado da sua época em. termos de engenharia e actistica. J Stockhausen pre- feriu comportexturas sonorasparasintetizadores ele- trOnicos, pois em sua época jé nao fazia mais sentido conceber pegas para cravo,a nao serem termos decita- ‘a0 historica, Mas o desafio enfrentado por ambos os compositores foi exatamente 0 mesmo: extrait o maximo das possibilidades musicais de dois instru- mentos recém-inventadose que davam forma sensi- bilidade actistica de suas respectivas épocas. Fdgar Degas, que nasceu quase simultaneamente ainvengao da fotografia, utilizou extensivamente essa tecnologia no apenas para estudaro comportamento daluz, que ele traduzia em técnica impressionista, mas também. i suas esculturas, ao congelar corpos em movi- to com 6 mesmo frescor com que o fazia o rapi- dissimo obturador da cAmera, A série fundadora de Marcel Duchamp, Nu descendo a escada, éumaaplica- arte e midia «ao direta da técnica da cronofotografia (precursora da cinematografia) de Etienne Marey, com a qual 0 artista travou contato através de seu irmao Raymond Duchamp-Vallon, cronofot6grafo do Hospital da Salpétritre,em Paris. Por que,entzo, oartista denosso tempo recusaria o video, o computador, a Internet, os programas de modelacio, processamento e edigao de imagem? Se toda arte é feita com os meios de seu tempo, as artes midiiticas representam a expressio ‘mais avangada da criagao artistica atual e aquela que melhor exprime sensibilidades e saberes do homem do inicio do tercei Desviando a tecnologia do seu projeto industrial. Mas a apropriagdo que a arte faz do aparato tecnolégico gue Ihe é contemporineo difere significativamente daquela feita por outros setores da sociedade, como a induistria de bens de consumo. Em geral, aparelhos, nstrumentos emaquinas semisticas nao sio projeta- dos para a produao de arte, pelo menos nao no sen- tido secular desse termo, tal como ele se constitu: no ‘mundo moderno a partir mais ou menos do século XV, Maquinas semisticas sto, na maioria dos casos, concebidas dentro de um principio de produtividade industrial, deautomatizagaodos procedimentos para aprodugao em larga escala, mas nunca para a produ- ‘gio de objetos singulares, singelos“sublimes”.A pia- hola, por exemplo, foi inventada em meados do sé- ‘eulo XIX como um recurso industrial para automati- zara execugio musical e dispensar a performance ao vivo. Gragas a uma fita de papel cujas perfuraces “memorizavam’ as posigdes e os tempos das teclas pressionadas durante uma tinica execugdo, 0 piano mecanico podia reproduzir essa mesma execugio quantas vezes fosse preciso ¢ sem necessidade da intervengao de um intérprete. A fungo do aparato mecinico eta, portanto, aumentar a produtividade da miisica executada em ambientes publicos (cafés, restaurantes, hotéis) e diminuir os custos, substi- tuindo o intérprete de carne e osso pelo seu clone mecinico, mais dit ado e econdmico, As perfu- rages de uma fita podiam ser ainda copiadas para ‘outra fitaeassim uma tinicaapresentacio se mull cava em infinitas outras, dando inicio ao projeto de reprodutibilidade em escala que, um pouco mais tarde,coma invengio do fondgrafo, desembocaria na poderosa indistria fonogratfica, A fotografia, o cinema, 0 video e 0 computador foram também concebidos e desenvolvidos segundo ‘0s mesmos principios de produtividade e racionali- dade, no interior deambientesindustriaisedentro da mesma logica de expansao capitalista. Mesmo os apli- cativos explicitamente destinados a criagao artistica (ou, pelo menos, aquilo que a industria entende por riagdo), como os de autoria em computacio gréfica, hipermidia e video digital, apenas formalizam um ‘conjunto de procedimentos conhecidos, herdados de ‘uma histéria da arte assimiladae consagrada, Neles, arteemiaia qa a parte “computavel” dos elementos constitutivos de determinado sistema simbélico, bem como as suas regras de articulagao e os seus modos de enunciagao, € inventariada, sistematizada ¢ simplificada para ser colocadaa disposigao de um usuario genérico, prefe- rencialmente leigo e“descartavel”, de modo a permi- tir a produtividade em larga escala e atender a uma demanda de tipo industrial, Os atuais algoritmos de compactagao da ima- gem, utilizados em quase todos os formatos de video digital, so a melhor demonstragao da “filosofia” que ampara boa parte dos progressos no campo das tec- nologias audiovisuais. Eles partem da premissa de que toda imagem contém uma taxa elevadissima de re- dundancia, entendidas como tal as areas idénticas dentro de um tinico quadro eas quese repetem deum quadro a outro, no caso da imagem em movimento. Eliminando-se essa redundancia por meio de uma codificagao especifica, obtém-se uma significativa compactagao dos arquivos de imagem, o que possibi- lita um armazenamento econdmico (poucosbytes de meméria) e uma répida recuperagao da imagem (vi- sualizagao em tempo real). Apremissa do video digital éevidentemente dis- cutivel, pois s6 é aplicavel produgao mais banal e cotidiana ~ de onde, aliés, foi extraida. Ela nao pode seraplicadaa imagens limitrofes da arte contempora- nea, como os quadros da Action Painting (pintura feitacomagao performatica do corpo doartista,como, em Pollock, por exemplo) ou 0s flickering films (fil- mes “piscantes”, em que cada fotograma individual é diferente dos demais) do cinema experimental norte- americano~razao pela qual obras dessa natureza aca- bam destruidas pela compactagao digital. Para com- provar isso, basta tentar gravar em DVD os filmes de Stan Brakhage pintados a mao diretamente na peli- cula cinematogréfica: 0 gravador de DVD simples- mente entra em pane, pois, néo hayendo nenhuma redundancia nas imagens, a compactacao fica impos- sibilitada, Experiéncias como as de Brakhage, que lidam com questoes essenciais da arte contempora- nea(comoo estranhamento, aincerteza,aindetermi- nacao, a histeria, 0 colapso, o desconforto existen- cial), nao estao obviamente no horizonte do mercado e da industria, ambientes usualmente positivos, oti- mistas e banalizados. Algoritmos e aplicativos sao concebidos industrialmente para uma produgao mais rotineira ¢ conservadora, que nao perfura limites nem perturba os padrées estabelecidos, Existem, portanto, diferentes maneiras de se lidar com as méquinas semisticas cada ver mais dis- poniveis no mercado eletrénico. A perspectiva artis- tica € certamente a mais desviante de todas, uma vez que ela se afasta em tal intensidade do projeto tecno- logico originalmente imprimido as maquinas e pro- gramas que equivale a uma completa reinvengao dos meios. Quando Nam June Paik, com a ajuda de imas poderosos, desvia o fluxo dos elétrons no interior do 03] arte emidia, tubo iconoscépico da televisdo para corroer a légica figurativa de suas imagens; quando fot6grafos como Frederic Fontenoy e Andrew Davidhazy modificamo mecanismo do obturador da camera fotografica para obter nao o congelamento de um instante, mas um fulminante processo de desintegracao das figuras resultante da anotagao do tempo no quadro fotogra- fico; quando William Gibson, em seu romance digital Agrippa (1992), coloca na tela um texto que se emba- ralha e se destr6i gracas a uma espécie de virus de computador capaz de detonar os conflitosde meméria doaparelho—entao nao se pode mais,emnenhum des- sesexemplos, dizer que os artistas esto operando den- tro das possibilidades programadas ¢ previsiveis dos meios invocados. Eles esto, na verdade, ultrapassando 05 limites das maquinas semisticas e reinventando radicalmente os seus programas eas suas finalidades. © que faz, portanto, um verdadeiro criados, em vez de simplesmente submeter-se as determinagées do aparato técnico, é subverter continuamente a fun- 40 da maquina ou do programa que ele utiliza, é manejé-los no sentido contrério ao desua produtivi dade programada. Talvez até se possa dizer que um dos papéis mais importantes da arte numa sociedade tecnocratica seja justamente a recusa sistematica de submeter-se a légica dos instrumentos de trabalho, ou de cumprir 0 projeto industrial das maquinas semidticas, reinventando, em contrapartida, as suas fung6es e finalidades. Longe de se deixar escravizar por uma norma, por um modo estandardizado de comunicar, as obras realmente fundadoras na ver- dade reinventam a maneira de se apropriar de uma tecnologia. Yejamos 0 caso de Conlon Nancarrow, compo- sitor norte-americano (que posteriormente se exilou esenaturalizoumexicano) que,apartirde 1960, deci- diu compor especificamente para a pianola, instru- mento do século XIX que introduziu, juntamente coma fotografia, a padronizagio,a reprodutibilidade €a serializacao dos bens culturais. Um século apés a inyengao do piano mecinico, Nancarrow viu nele algo que as geracdes anteriores nao puderam ver, limitadas como estavam pela adesio ao projeto in- dustrial do instrumento. Como a musica era produ- zida gragas4‘memorizacéo” das notas codificada nas fitas perfuradas, ela podia ser produzida pela mani- pulagao direta das fitase nao apenas, como se fazia até entao, pelo registro de uma performance. Produzin- do as perfuragoes manualmente, era possivel fazer 0 piano soar como nunca antes, pois j4 nao havia o constrangimento da performance de um intérprete, restrita, como nao poderia deixar de ser, a0s limites do desempenho humano. A maquina, até entao limitada A reprodugao de uma performance humana, podia agora produzir uma misica que potencializava in- initamente essa performance. Mais que iss: plorando diferentes velocidades de rotagao das fitas, 'vozes” diferentes podiam ser combinadas de forma = 05] arte e midia arlindo machado [16] complexa em simultineos accelerandos ¢ ritardandos, Dessamaneira,ao inverter ou corromper a programa- Go original da pianola, Nancarrow contribuiu para uma reinvengao radical dessa maquina até entdo res- tritaa aplicagoes comerciais banais. As técnicas, osartificios,os dispositivos de que se utiliza o artista para conceber, construir e exibir seus trabalhos nao sao apenas ferramentas inertes, nem mediagdes inocentes, indiferentes aos resultados, que se poderiam substituir por quaisquer outras. Elesestao carregados de conceitos, eles tém uma historia e deri- vam de condi¢des produtivas bastante especificas. A artemidia, como qualquer arte fortemente determi- nada pela mediagao técnica, coloca o artista diante do desafio permanente de, ao mesmo tempo em que se abre as formas de produzir do presente, contrapor- se também ao determinismo tecnolégico, recusar 0 projeto industrial ja embutido nas maquinas e apare- hos, evitando assim que sua obra resulte simples- mentenumendosso dos objetivos de produtividadeda sociedade tecnolégica. Longe de se deixar escravizar pelas normas de trabalho, pelos modos estandardiza- dos de operar e de se relacionar com as maquinas; longe ainda de se deixar seduzir pela festa de efeitos e clichés que atualmente domina o entretenimento de massa, o artista digno desse nome busca se apropriar das tecnologias mecanicas, audiovisuais, eletrdnicas ¢ digitais numa perspectiva inovadora, fazendo-as tra- balhar em beneficio de suas idéias estéticas. O desafio da artemidia nao esté, portanto, na mera apologia ingénua das atuais possibilidades de criagio. A artem{- dia deve, pelo contrario, tragar uma diferenga nitida entreo que é,deum lado, aprodugao industrial deesti- mulosagradaveis para asmidias demassae,de outro,a busca de uma ética e uma estética para aera eletronica, Aarte como metalinguagem da midia. Como poderia- mos entender esse “desvio” do projeto tecnolégico original no didlogo com as midias e a sociedade industrializada? Ora, aartemidia éjustamente o lugar onde essa questao encontra uma resposta consis- tente. O fato mesmo de as suas obras estarem sendo produzidas no interior dos modelos econdmicos vigentes, mas na diego contraria deles, faz delas um dos mais poderosos instrumentos criticos de que dis- poms hoje para pensar o modo como as sociedades contemporaneas se constituem, se reproduzem e se mantém, Pode-se mesmo dizer queaartemidia repre- senta hoje a metalinguagem da sociedade midiatica, na medida em que possibilita praticar, no interior da propria midiae de seus derivadosinstitucionais (por- tantonaomaisnosguetos académicos ou nosespacos tradicionais da arte), alternativas criticas aos mode- Jos atuais de normatizagao e controle da sociedade. A videoarte talvez.tenha sido um dos primeiros lugares onde essa consciéncia se constituiu de forma clara desde o inicio, Antes mesmo da invengio do videoteipe portatil e de a midia eletrOnica ser reco- 3 arte emidia

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