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O REPUBLICANO E O LIBERAL
Comentários ao artigo de L. C. Bresser Pereira
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autonomamente e por si mesmo (isto é, com base nos recursos que controla
na esfera privada ou no mercado) perante os demais e em especial perante
um estado potencialmente despótico. Seria fácil mostrar como as discussões
contemporâneas sobre a cidadania e assuntos correlatos se encontram
marcadas pela ambivalência e a tensão introduzidas pelo apego simultâneo
aos valores correspondentes a cada uma dessas concepções: de um lado, os
valores expressos na idéia da cidadania como autonomia e afirmação de si, a
qual contém, entretanto, a contrapartida de sua afinidade com o privatismo e
o egoísmo; de outro lado, os valores expressos no substrato solidarista e
altruísta da cidadania como civismo, traduzindo-se concretamente, em
nossos dias, sobretudo na dimensão social da cidadania que T. H. Marshall
vinculou com o status determinado pela participação igualitária na
comunidade, por contraste com as prestações e contraprestações do mercado
– mas que tem, por sua vez, a contraface da dependência que se liga com a
proteção e a assistência trazidas pelo estado como instrumento da
comunidade solidária. As discussões correntes do tema da cidadania,
especialmente na literatura voltada para as políticas sociais do estado,
tendem a oscilar, de maneira inconsistente e às vezes abertamente
desfrutável em sua insensibilidade às dificuldades, entre a afirmação da
cidadania como autonomia e conquista e a afirmação simultânea da
solidariedade e do altruísmo que se teria com a assistência prestada a todos.2
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critério para a distinção entre diferentes tipos de direitos. Além disso, a
confusão subsiste na maneira desatenta em que Bresser mescla os
fundamentos da distinção de Kelly com os da conhecida tipologia de
Marshall entre direitos “civis”, “políticos” e “sociais”, destacando o caráter
“negativo” dos direitos civis (“que a liberdade e a propriedade do cidadão
não sejam feridas”), por contraste com a necessidade de ação “positiva” do
estado que caracterizaria os demais direitos, quer se trate dos direitos
políticos, sociais ou dos “públicos” ou “republicanos”.
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ao direito supostamente “político” ao sufrágio (que aliás é também ele,
patentemente, direito à participação) ou ao direito “social” à assistência por
parte do estado.
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públicos à mera idéia de corrupção, e procura complicar o assunto. É certo
que haveria algo de insatisfatório na tentativa de definir direito público ou
republicano como direito contra a corrupção: se é difícil perceber, como
vimos acima, em que sentido seria distintivamente “público” ou
“republicano” (e não meramente político) o direito de cada um à
participação política, com mais razão será problemático pretender uma
peculiar característica “pública” para o meu direito de que os outros não
roubem do estado – e o próprio Bresser (nota 11 do texto, por exemplo)
designa como direitos civis os direitos de cidadãos, empresas e do próprio
estado contra a ação criminosa, vinculando-os ao Direito Penal.
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republicana que Bresser reclama, não obstante a maneira algo esquizofrênica
em que essa face se relaciona em seu texto com a da tradição privatista e
liberal inclinada a promover os “direitos” em detrimento da virtude cívica.
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crítica a Mancur Olson e à “descrença na possibilidade da ação coletiva”,
seguida pouco adiante, na seção “Os Direitos Republicanos e os Interesses
Difusos”, pelo reconhecimento de “como são limitadas as possibilidades da
ação coletiva”. A perspectiva de Bresser a respeito é apresentada em termos
doutrinários, assimilando a literatura em questão a “liberalismo”, e não se
dispõe a tratar de fazer justiça aos desafios e esforços analíticos envolvidos.
Na verdade, minha leitura é que a perspectiva de Bresser escamoteia o
problema crucial, que se pode expressar em termos de que o realismo
analítico é indispensável mesmo para se obter a promoção de valores
solidários, altruístas ou cívicos. Surgem aqui alguns temas complicados a
que se têm dedicado com proveito muitos dos diferenciados esforços
associados ao rótulo geral de “escolha racional” -- em particular a questão de
como obter institucionalização democrática sem que se tenha de depender da
reforma moral ou da “conversão” das pessoas. À parte a esquizofrenia
liberal-republicana que permeia o texto, Bresser me parece inclinado a dar
respostas algo idealistas a problemas básicos da análise política.