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Essa referida obra é o resultado de dois anos de trabalho de campo de Margareth Mead na Nova Guiné, onde
estudou três povos vizinhos – Tchambuli, Arapesh e Mundugumor – e, através de um trabalho comparativo,
mostra a importância da cultura no processo de modelagem dos indivíduos, padronizando tipos de
comportamento/temperamento variáveis entre essas sociedades. O mais interessante nesse processo, é que ela
mostra, ainda na primeira metade do século XX, que o que consideramos em nossa sociedade como
“naturalmente” feminino ou masculino, difere nas sociedades estudadas, rompendo com qualquer determinação
de ordem sexual, portanto, biológica.
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O conceito de identidade se trata de uma construção que diz respeito à forma como
apreendemos e interpretamos a realidade e, ao mesmo tempo, compreendemos a nossa
posição no mundo. Nesse processo, é fundamental a percepção de um sentido de “nós”
(igualdade) e de “outro” (alteridade).
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É inegável a dívida do feminismo com Simone de Beauvoir, diante da tarefa de construção do campo de
estudos sobre a mulher e as relações de gênero. O Segundo Sexo, publicado na França em 1949 e depois
traduzido para mais de 30 idiomas, trata-se de uma das mais importantes obras já produzidas sobre a chamada
“questão da mulher”. Escrito por uma filósofa existencialista, essa obra faz uma crítica às abordagens do
determinismo biológico, do materialismo histórico e da psicanálise, por serem reducionistas da complexa teia
que envolve o processo de construção social, portanto historicamente determinado, de um sujeito “feminino” e
subordinado – ao qual é negado o direito de construir seus próprios projetos (transcendência) –, que chamará de
“o outro”, isto é, “o segundo sexo” e que lhe inspira a dar título a essa obra magistral.
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Mas, disse bem Bachelard (apud LECOURT 1975, p.7) quando afirmou: “o
objeto de uma ciência não é dado de imediato e não pré-existe ao processo de sua
construção”. E, de fato, ainda que o fenômeno da construção social das identidades
sexuais tivesse sido identificado, sua delimitação enquanto objeto de estudo e, em
especial, o aprofundamento das reflexões teóricas de como se processa e se
manifesta esse fenômeno, não se dariam até algumas décadas mais tarde. Só a
partir de fins dos anos 60 e, mais precisamente, no bojo da retomada do projeto
feminista, foi que autoras inglesas e americanas, para melhor identificar e analisar
esse fenômeno e, ao mesmo tempo, enfatizar o caráter social das relações entre os
sexos, passaram a empregar o termo gênero, em oposição a sexo, tal como se
expressa na definição de Ann Oakley (1972, p.86):
Sexo é um termo que se refere às diferenças entre machos e fêmeas: as diferenças
visíveis da genitália e as respectivas funções procriativas. Gênero, porém, é uma
questão de cultura: diz respeito à classificação social em masculino e feminino.
Gênero não é sinônimo de sexo, pois, quando falamos em sexo, estamos nos referindo
aos aspectos físicos/fisiológicos que distinguem os machos das fêmeas da espécie
humana. Por outro lado, quando nos referimos a gênero, estamos refletindo acerca de
processos de construção cultural de relações que não decorrem de características
sexuais diferenciadas entre homens e mulheres, mas a processos construtores dessas
diferenças, produzindo, nesse movimento, desigualdades e hierarquias.
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A desinência é o elemento da língua portuguesa que permite a diferenciação, no caso dos nomes, além de
gênero, também de número e, no caso dos verbos, além de número, também a pessoa, o tempo e o modo.
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Elza Suely ANDERSON; em panfleto sobre “Tecnologia, Conceitos e Definições” distribuído durante o
Seminário “Gênero e Energia Renovável”, IDER/WINROCK, Praia da Caponga, CE, 27-30 de maio de 1997.
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Mulheres Homens
Delicadas Bruscos/Rudes
Frágeis Fortes
Dependentes Independentes
Submissas/Sem Iniciativa Tomam iniciativas e decisões
Passivas-receptivas Dominantes
Incapazes Inteligentes
Fiéis Infiéis
Temperamentais Equilibrados
Obedientes Autoritários
Necessitadas de Proteção Provedores/protetores
Conformistas Visionários
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Ver a esse respeito SARDENBERG, Cecilia, “Análise Crítica da Metodologia de Grupos Solidários”.
Relatório de Consultoria elaborada para o UNICEF/CNDM, Salvador, 1989, mimeo.
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e pessoa amigável é o mesmo que espanca e até mesmo mata a sua esposa? O
que faz um homem – aparentemente incapaz de cometer violências – ferir, mutilar
e até tirar a vida de sua companheira, muitas vezes por um motivo fútil como a
queima da comida ou um atraso de dez minutos na volta do supermercado?
Temos que buscar compreender esse fenômeno no campo das discussões
das relações de gênero, tentando articulá-las às reflexões realizadas até aqui.
Assim, a violência contra as mulheres está diretamente relacionada às
desigualdades existentes entre homens e mulheres e às ideologias de gênero,
expressas nos pensamentos e nas práticas machistas, na educação diferenciada,
na construção de uma noção assimétrica em relação ao valor e aos direitos de
homens e mulheres, na noção equivocada da mulher enquanto objeto ou
propriedade de seu parceiro. Nesse último ponto, as estatísticas apontam que 70%
dos homicídios de mulheres no Brasil são cometidos por ex-maridos e ex-
namorados, na maioria das vezes, por estes não aceitarem o desejo das mulheres
de ruptura do relacionamento amoroso (SAFFIOTI, 1994b).
Logicamente que precisamos entender toda essa discussão de forma
bastante ampla para não se criar uma noção equivocada dos homens como apenas
agressores e as mulheres como "pobres vítimas". A violência de gênero é uma
realidade bastante complexa e envolve uma série de questões que têm suas raízes
na sociedade, na omissão do Estado, sem falar em aspectos ligados às relações
interpessoais e trocas afetivas entre os seres humanos. Dessa forma, por ocorrer,
principalmente, na vida privada (particularmente na família), a violência de gênero
esteve, por muito tempo, encoberta por uma certa invisibilidade social. A
sociedade, o Estado e seus representantes tardaram por intervir nesse tipo de
violência e até hoje ainda resistem. Mesmo na atualidade, mantém-se com
bastante força o famoso ditado: "Em briga de marido e mulher ninguém mete a
colher", o que remete à permanência de uma idéia de privacidade que deve ser
respeitada e preservada em qualquer circunstância. Essa noção precisa ser
superada e a própria Constituição Brasileira é bastante clara a esse respeito
quando, no capítulo VII, referente à família, diz que a violência no interior da família
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deve ser coibida e que é obrigação do Estado sua proteção (artigo 226, parágrafo
8º).
A sociedade como um todo e, em especial, as instâncias mais diretamente
envolvidas na prevenção e punição da violência precisam lançar um novo olhar
para essa forma particular de violação dos direitos humanos. Os caminhos para a
desnaturalização da violência contra a mulher passam pela retirada dessa
problemática da privacidade do lar e pela criação de espaços e formas de
enfrentamento que vão desde a prontidão da ação policial de socorro à vitima de
violência e aprisionamento do agressor, ao atendimento digno à mulher que se
dirige à Delegacia Especial para registrar uma queixa, passando por maior
eficiência da Justiça na punição dos agressores, até a criação de espaços de apoio
às mulheres agredidas e sob ameaça de morte.
Para concluir, importa ainda ressaltar que trabalhar com um enfoque de
gênero implica em reconhecer, desvendar e levar em consideração esses fatos,
procurando-se desenvolver estratégias que contribuam para o desmonte dessas
relações desiguais entre os seres humanos. No particular, é preciso ter claro que
os condicionamentos e desigualdades de gênero resultam em condições de vida e
trabalho bastante distintas para homens e mulheres, que se estabelecem e se
cristalizam a partir das assimetrias que colocam as mulheres em uma posição
social subordinada. Daí porque, homens e mulheres, mesmo situados em
condições semelhantes de pobreza ou como membros de um mesmo grupo
doméstico-familiar, vivenciam essa situação de maneira distinta, tendo, portanto,
necessidades de gênero diferentes, que devem logicamente ser atendidas de forma
diferenciada, através de políticas de construção da eqüidade. Torna-se, assim,
fundamental conceber estratégias de gênero distintas para atender essas
necessidades, pois ao se acreditar na eqüidade de gênero e envidar esforços para
a transformação dessas relações se constrói uma mais das importantes vias para a
reafirmação de valores e princípios como a dignidade humana, a justiça, a
igualdade com respeito à diferença, a solidariedade, a parceria/cooperação e
participação efetiva. Logicamente que "nem tudo é uma questão de gênero"; por
outro lado, todas as mudanças nas relações sociais estão de alguma forma ligadas
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a essa dimensão, fazendo com que gênero não seja a mais importante, mas seja
uma instância imprescindível para a construção da utopia da sociedade mais justa
com a qual sonhamos e que acreditamos colocar em movimento com a nossa
prática cotidiana.
Referências Bibliográficas:
BEAUVOIR, Simone. O segundo sexo. 5 ed. Rio de janeiro: Nova Fronteira, 1980.
OAKLEY, Ann. Sex, Gender and Society. New York: Harper, 1972.
______. E a família, como vai? Reflexões sobre mudanças nos padrões de família
e no papel da mulher. Bahia: Análise & Dados, Salvador: SEI/SEPLANTEC, Vol.
7, No. 2, setembro 1997, pp:5-15.
SCOTT, Joan. Gender and the Politics of History. New York: Columbia University
Press, 1988.
SORJ, Bila. Relações de gênero e teoria social. In: XVII REUNIÃO DA ANPOCS,
Caxambu, MG, 1993, (mimeo).