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AAUTONOMIA DO CAMPO DISCIPLINAR DO RESTAURO [ARQUITETONICO E URBANOY' THE AUTONOMY OF THE DISCIPLINARY FIELD OF RESTORATION [ARCHITECTURAL AND URBAN] | LAAUTONOMIA DEL CAMPO DISCIPLINAR DE LA RESTAURACION[ARQUITECTONICA Y URBANA) ‘ANA PAULA FARAH RESUMO O presente artigo visa compreendero campo do restauro como diseiplina auténoma, ‘esse apreendido por meio dos conceitos ditados desde finais do seculo XIX e inicio do Século XX, através das formulagies de dois grandes protagonistas: Alois Riegl © Cesare Brandi, os quais deixaram uma “forte heranga” no entendimento para a conservagaio e restaurago dos bens culturais para o mundo moderno, PALAVRAS-CHAVE: Alois Ries. Campo disciplinar autonomo. Cesare Brandl. Metodologia do restauro, Restauragio. ABSTRACT ‘The objective ofthisartile isto understand the restoration asan autonomousdiscipline through the concepts developed from the late nineteenth to early nentieth centurieson Allis Rieg! and Cesare Brandi studies whose legacy helped comprehend conservation and restoration of modern cultural ase, EYWORDS: Alvis Riegl Autonomous discipline. Cesare Brandi. The methodology of estoation. Restoration: RESUMEN Este articulo tiene como objetivo comprender el campo dela restauracisn como disei- plinaauténoma, que captado por meio de los conceptosdictadosdesde finalesdel siglo XIXy principios del siglo XX, a través de las formulaciones de los grandes protagonis- tas: Alois Riegly Cesare Brandi, que habian dejado “juerte herencia’ en lacomsprensi- nde laconservacién y restauracién del patrimonio cultural para el mundo moderno, PALABRAS CLAVE Alois eg! La dsciplina autdnoma, Cesare Brandi. La medologia del re tauracién, Restauracin. No mundo contemporiineo, temos novos paradigmas da arquitetura, maneiras novas de atuar na cidade em que vivemos e nas formas de sua pereepeo. Para introduzirmos um, DOSSIE PATRIMONIO CULTURAL IBERO-AMERICANO Cccuium ens. | Campinas | 14(2) | 389-402 | Malo-Agosto 2017 390 DOssif | AUTONOMIA DO CAMPO DO RESTAURO|A.?.Farsh novo artefato, intervir ¢ ou conservar um ambiente consolidado, deve-se, portanto, atuar segundo as mudangas estruturadas no modo de pensar e de agi, diante do campo da Ar- quitetura ¢ do Urbanismo, Para que isso ocorra, existem instrumentos disponiveis, que sio 0s principios norteadores, cuja anilise critica constitui um substrato fundamental para as futuras orientagdes © com repercussdes dirctas nas solugdes projetuals, corro- borando para a conservagio da paisagem existente e dos espacos cultural e socialmente legitimando o ambiente construfdo preexistente, Essa relagio nao pode ser interpretada, muito menos entendida, como sendo algo consolidados destitufdo dos conceitos de restauro urbano, € muito menos compreendida como algo diverso do restauro arquiteténico. Nesse sentido, é importante salientar que as solugées projetuais, para tais intervengdes, derivam da fundamentacao te6rico-eritica, as quais necessitam convergir para um ponto comum, tornando-as um projeto tinico integrado, A inter-relagao entre a Hist6ria da Arquitetura, o Restauro e o Urbanismo deve ser apreendida como uma tinica atividade, ¢ no fragmentada, como nos dias atuais Giovannoni (1913a, 1913b, 1929, 1931), desponta, no inicio do Século XX, como sendo ‘© principal te6rico a expor métodos que aproximariam esses trés universos, “suposta- mente” paralelos. Dialoga, de modo atento ¢ equilibrado ¢ introduz o conceito de res- tauro urbano no cemne das priticas do planejamento urbano. Importante ressaltar que 6 equivocado considerarmos 0 Restauro Urbano como sendo algo diverso do Restauro Arquiteténico. Restauro Urbano é proveniente do Restauro Arquiteténico (RACHELI, 2003), visto que restauram-se edificios e monumentos nao somente para estudé-los ‘ou interpreté-los com o intuito em si mesmo ¢ de forma a transmiti-lo para as futuras geragées, mas, sobretudo, para estabelecer — para além da transmissao do legado para as proximas geragdes — 0 didlogo entre a imagem da cidade ¢ do ambiente, no qual este monumento esté inserido, para que, de fato, possa conduzir, de maneira fidedigna e seja efetiva a preservagao dos aspectos documentais, materiais, formais, memoriais € simbélicos do ambiente construido preexistente Outro ponto fundamental a expor é 0 fato de interpretarmas os conceitos de con- servago (que faz parte do campo disciplinar do restauro) ¢ de transformagio como sendo elementos dialéticos nas construgdes das cidades. A distingao entre a conservagao € a twansformagao apresenta um vazio de significados de que o novo seja condicionado &ansia de criagao de novas formas, ¢ se coloca na perspectiva da conservagao e da recuperagao dos elementos identitirios que chegaram até n6s. E preciso entender que esses elementos se sobrepdem ¢ se fundem nas solugdes projetuais (SAVINI, 2003). Ou seja, o restauro © as transformagdes dos espagos urbanos devem caminhar juntos numa tinica dit 40, como descreve Renata Picone citando Renato De Fusco?, que a Arquitetura e o Restauro deve ser entendidos como uma atividade de transformagao do existente. Contudo, para que nao haja equivocos, a transformacao pressupée modificagao e necessita se pautar na fundamentagio teérica e no rigor metodolégico (que 0 campo exige), sem os quis, essa Cocutum ens. | Campinas | 14(2) | 389-402 | Maio-Agosto 2017 DOSSIE | AUTONOMIA D0 CAMPO DO RESTAURO|A.?. Faran pritica pode apropriar-se de respostas projetuais errdncas (por nao respeitar os aspectos documentais, de composigio, materiais, memoriais e simbélicos), gerando varias impre- cisdes eambiguidades, acarretando toda uma série de problemas de percepgo em relago a0 ambiente construido preexistente. Nesse sentido, para o entendimento dessa questio, € importante ressaltar que se- io expostos temas jé consolidados pela historiografia, examinando autores que, em varia- ddas publicagdes corroboram com essa visio de campo disciplinar autonomo. Salienta-se, também, arelevancia de revisitar a historiografia continuamente para uma compreensio pormenorizada dos instrumentos te6ricos-eriticos ¢ téenicos-operacionais e seus rebati- mentos na prética projetual no mundo contemporaneo ‘AAUTONOMIA DO CAMPO A conformagao do restauro como campo disciplinar auténomo? (BOURDIEU, 2003) € algo considerado moderno, sendo diretamente relacionado & percepgio de ruptura entre passado e presente —com raizes no Renascimento italiano —na critica moderna dos Sé- culosXVIT eXIXe passa se caracterizar como tal quando as agdes sobre os bens culturais aferem razdes afastadas do pragmatismo [de uso e econdmico] (CARBONARA, 1997; KUHL, 2009b) —que predominou por Séculos —e assume caracteristicas particulares, regulamentando principios e critérios proprios (referenciais teéricos, metodolégicos, nicos ¢ operacionais), e que passa a ser entendide como ‘ato de cultura de um presente histérico’ (BONELLI, 1959; CARBONARA, 1997; KUHL, 2009b; PANE, 1987), como evidenciado por Renato Bonelli Segundo Maramotti (2004), o nascimento do campo disciplinar se dé, fundamen- talmente, no ambito do pensamento filoséfico-tedrico, na consciéneia histérico-intelec- tual das 's do historicismo. No historicismo a consciéncia de que a histéria nao volta atrés — o tempo nao retorna, & um vetor linear e implica que cada momento € tinic individual e irreproduzivel. Nao € possivel (re) percorrer um momento do passado, € esse passado constitu meméria, que nos deixou testemunhos que devemos entender & compreender; dessa nogdo surge o restauro: uma “restituigo” que se aproxima da possi- bilidade de o pasado permanecer no presente, mantendo seus legados para as geragbes que estio por vir. Desse modo, sio estabelecidos percursos para alcangar os objetivos da preserva- 0, ditados pelas razdes pelas quais se preserva: [. por razdes culturais — pelos aspectosformais, documentais,simblicas e memo- rials —, por razbes ci tificas — pelo fato de os bens culturais serem portadores de conhecimento em irios campos do saber—, e por razdes éticas —por ni se ter o di- reito de apagarostragos de geragies passadas eprivaras geragdes presentes efuturas da possibilidade de conhecimento de que esses bens sio prtadores (KUHL, 2008, 2). cuium ens. | Campinas | 1442» | 389-402 | Maio-Agoste 2017 391 392 DOssif | AUTONOMIA DO CAMPO DO RESTAURO|A.?.Farsh Segundo Kul (2009, p.59), “o processo para o entendimento do restauro como forma de cultura est ligado as mudangas ocorridas das relagdes entre uma dada cultura © seu passado"; como Bonelli (1959) afirmava, o restauro é um processo exitico ¢ criative (um é inerente ao outro), em que a referéncia cultural e a concepgao arquiteténica se en- contram ¢ se sustentam na consciéneia histérica, na nogao de distingao entre 0 passado € 0 presente, em que o pensamento critico permite definir o antigo, reportando-o para dimensao real da historia Esssas reflexses criticas deram base para a forma como o restauro é entendido hoje ‘emia. Carbonara (1997) expde que o ‘ato de cultura'fotimpulsionado pelas necessidades ‘espirituais’ e ‘memoriais’, nfo como de conveniéncia, de uso e econémico. Entende-se que a cultura significa valores que perduram no tempo na longa duracao, nao sendo algo transitério e nem mutavel de maneira abrupta. Restauro é um ato que se volta 3 conserva~ ¢40 eA transmissao dos bens ao futuro; a primeira tarefa a ser desenvolvida é 0 reconheci- mento das qualidades de que o bem ¢ portador, ou seja, seo bem possui valores’ —nos dias de hoje de natureza muito variada, abarcando aspectos formais, documentais, memoriais ‘ou simbélicos — que podem ser transmitidos. Isso, por sua vez, pode ser compreendido através dos conceitos brandianos —o reconhecimento da obra de arte definindo-os como documento (atribuigdo dos valores) e imagem (questio formal — estétiea).. Para Bonelli (1959), 0 restauro é atividade na qual a cultura, como um todo, opera, de modo pleno, ¢ tem repercussies na arquitetura de hoje (recente), evidenciando acom- preensio do passado eo conhecimento do momenta histérico. Se a sociedade nao levar em conta o restauro como ato de cultura — pois a avaliagao da concep¢ao formal da obra repercute na agao critica coerente das instancias culturais —, a ago vai resultar insufi- ciente nao apenas do ponto de vista deontol6gico, etimol6gico ¢ ontol6gica, mas também explicitard a falta de uma completa visio e compreensio da realidade, por terignorado abolido a exigencia formal e expressiva’, sem a qual nao € possfvel viver verdadeiramente Orrestauro é ago cultural, é de natureza cultural, como expéem Renato Bonelli e Giovanni Carbonara. Esse enraizamento na esfera cultural faz com que o restauro tenha critérios e prinefpios que lhe sio préprios, com as consequentes metodologias, téenicas e formas operacionais. A intervengao nao pode prescindir — além dos critérios e métodos proprios ao campo — da regulamentacao, das normativas existentes, também no que res- peitaa planos diretores e outros instrumentos do planejamento urbano, ¢ tampouco pode ignoraros aspectos sociais, econémicos e juridicos (BONELLI, 1959). Bonelli (1959) j4 demonstrava uma grande preocupagio com as dificuldades de- rivadas de uma forma de ver mundo exatamente pragmética, encerrada numa concep- cio de utilidade e de economia, de hedonismo e consumo, em entender os valores da arquitetura, do ambiente ¢ de varios outros fatores associados. Questiona, inclusive, sea humanidade esté exaurindo a necessidade, que até entio tinha a arte, e se renunciou as formas de expressio artistica, Preocupado com a dissociagiio crescente entre sociedade e Cocutum ens. | Campinas | 14(2) | 389-402 | Maio-Agosto 2017 DOSSIE | AUTONOMIA D0 CAMPO DO RESTAURO|A.?. Faran cultura, o autor acredita que cabe a cultura enfrentar o érduo problema de transpor essa fendae reinserir na vida de grupos sociais as atividades culturais, entre elas, a restauragao dos monumentos ¢ a preservacao do ambiente construtdo preeaistente. Quando se trata de restauro de bens culturais compreendido na sua concepgio moderna (¢ alargada do tema), segundo Pane (1987), devemos ter em mente que nao podemos restaurar todas as edificagées de interesse histérico-artistico, pois se requer coeréncia na escolha desses bens. Os critérios de escolha serio determinados através, de uma minuciosa anélise, em que hé necessidade de confrontar as questées que o bem suscita para vitios campos do saber, como filosofia ea estética. Esses confrontos trazem, beneficios para 0 inicio de uma vida cultural, ou seja, entender que o restauro, de fato 6 umato prevalentemente cultural Restauro nasce como processo de compreensio ¢ valorizagio da obra artstica & arquiteténica, e foi definido como jutro critico em ago! por Cesare Barandi e Paul Phil ppot (CARBONARA, 1997); ou seja, eritico, pautados no jutro eritico, indispensdveis para tomadas de decisdes referente a0 todo e ato operacional resultante de processo bemaserrestaurado, Sulienta-se que orestaurondo 6um campo isolade de outros campos do conhecimento; pelo contrario, é multidisciplinar, E notavel a complexidade desse campo (TORSELLO, 2006)4, no qual nos depa- ramos com varios temas a serem enfrentados, tais como: a formagio dos profissionais; a regulamentagao profissional; as t€enicas de intervengao a serem adotadas (que de- vem ser resultado de criteriosas andlises desenvolvidas por varios campos profissionais, abarcando engenharia, arqueologia, geologia, biologia, fisica, quimica etc.); as agdes praticas; ¢, principalmente, as discussdes teéricas, em que a reflexao sobre os preceitos so essenciais para as tomadas de decisdo sobre as intervengdes para que nfo se tornem arbitrarias (KUHL, 20092). Comocitado anteriormente, ¢ (re)afirmando as colocagdes de Beatriz Kithl, ocam- podisciplinar passa a ser entendido como tal quando as agées se afastam do pragmatismo, isto 6, 0 motivos de orclem pratica deixam de ser preponderantes — apesar de no Brasil ainda predominarem—e passam aser coexistentes, ‘tendo cardter indicative e nio deter- minante” (KUHL, 2008a, p.353). Os motivos de ordem prética so meios para preservar ‘obem, mas nao a finalidade, em si, da ago, que é ditada pelas razdes pelas quais preser- ‘vamos, que, por sua ver, definem os principios e critérios que guiam o restauro. Para o entendimento dessas colocagdes, Beatriz Kuhl remete as andlises de Emanuele Severino, «de modo a compreender de maneira mais clara a diferenga entre algo (no caso 0 uso de obras arquitetnicas ¢ sua ambiencia) ser meio ou finalidade: Paraaqueles que nao percebem adiferenga entre o1uso como meio para se preservar, para muito talvez mais compreensivel, que ‘comer para viver & algo diverso de viver para comer’ (SEVERINO, 2003, p.31). Ninguém nega a importincia da alimenta- Cccuium ens. | Campinas | 14(2) | 389-402 | Malo-Agosto 2017 394 DOssif | AUTONOMIA DO CAMPO DO RESTAURO|A.?.Farsh oculum ans 4 para a sobrevivéncia humana, assim como ninguém no campo da restauragao nega o papel do uso para que uma obra arquitetoniea continue a existir Mas 0 fato de confundir os meios com os ins denota relagao distinta com a comida, separando uma alimentagio saudével de distarbiosalimentares. Desse modo, na restauragio, 6 possivel encontrar um uso compativel, seo que quer de fato preservar come ato de cultura, que vai diferenciar um processo de decadéncia po inanigdo"(faltade uso) ou "di Grbio alimentar” (uso inadequado), de uma “correta alimentagao", a saber, @ preservago por meio de uso compativel (KUHL, 2008a, p.372) A autora ressalta que entender 0 restauro como campo disciplinar auténomo significa conhecer seus “referencias, definigées, objetivos, instrumentos teérico-meto- dologicos e técnico-operacionais” (KUHL, 2008a, p.353); 0 que, por sua ver, ajuda a esclarecer muitos equivocos que ocorrem nas agdes, por falta de clareza em reagao aos motivos pelos quais se preserva, Para atuar nos bens culturais € necessério, obrigatoriamente, pautar-se nos ins- trumentos teéricos — que nao sio regras fixas, mas princ{pios ¢ critérios, mecanismos norteadores — que conduzem as solucdes adequadas de interveneao, para que, de fato, seja efetiva a preservagiio dos aspectos documentais, materiais, formais, memoriais e sim- bolicos do nosso patrimdnio. No ambito brasileiro, essa percep¢ao do campo como sendo auténomo, com seus princ{pios tesrico-metodolégicos ¢ técnico-operacionais, tem varios pontos a serem aprofundados; existe ainda muitas percepcdes equivocadas sobre o tema, resultando em ages pautadas num empirismo pedestre, ancorado em concepgdes oito- centistas, sem grandes interesses nas pesquisas aprofundadas sobre o tema. Para superar essa situagaio deverfamos primeiramente nos ancorar na instrumentacao teérica (caréter conceitual) do campo. Segundo Kith! (2008, p.354) Gonvém enfatizar que os prinespios te6ricos uti aados no campo nao convergem para um tinico ponto, existindo uma necesséria e sauelavel pluralidade de forrmula- g8es. Ha, porém, aproximagdes em determinados temas e divergéncias em outros, que ajudam a circunscrever ocampo— que é necessariamente ample — permitin- do identifcar o que de fato ¢ pertinente & preservacao, separando do que exorbita completamente de seus motives, temas e objetivos. Carbonara (2004) evidencia que a elaboracio teérica tem rebatimentos na pritica, ‘ou seja, se permanecesse somente no mundo das ideas, nao serviria para nada, muito menos parao campo do restauro, visto que é matéria operativa. As escolhas feitas por meio do aparato te6rico dario uma autoconsciéncia que representa a maior garantia de bons resultados; nem tudo se desenvolve num tinico sentido — sea teoria nao sabe reportaros resultados na prtica, istoporsua vez, conduza um mero exercicio de abstragao intelectual (CARBONARA, 2004), Campinas | 14¢2) | 389-402 | Maio-Agosto 2017 DOSSIE | AUTONOMIA D0 CAMPO DO RESTAURO|A.?. Faran Esses prineipios e critérios foram amadurecidos por meio de numerosas formu- lagées e experiéncias ao longo do tempo, como forma de ordenar as atividades na area do restauro, Como praticado, principalmente por Viollet Le Duc e seguidores — por meio de completamentos ¢ refazimentos. Outras formulagdes que contrib consolidagao do restauro como campo diseiplinar foram as de Camillo Boito, em varias publicagdes que estabeleceram prines de bens culturais. Propde que a agao seja pautada em método que pode ser assemelhado a0 dafilologia, resultando na capacidade de perceber as virias fases da histéria doartefato, 1m para a ios e critérios rigorosos a serem utilizados no trato respeitando seus aspectos documentais ¢ o edificio em sua totalidade Como descreve Kuhl (2006), Camillo Boito, em um dos seus primeiros traba- Ihos de intervenga0, em 1858, fol responsdvel pelo restauro da Basilica dei Sati Maria ¢ Donato em Murano, no qual utilizou métodos de anélise aprofundados, percepgio dos aspectos formais e técnico-construtivos baseados em estudos da documentagio existente c em evantamentos métricos. Empregou os instrumentos do desenho e também extensos registros fotogréficos, Elaborou e apresentou na L'Esposizione Generale Italiana del 1884, uum texto chamado “Os Restauradores” (BOITO, 2002), que sintetiza experiéncias e sis- tematiza critérios de intervengio, contribuindo de maneira decisiva para a elaboragao das teorias contemporaneas de restauro ena construe do campo como disciplinaauténoma Camillo Boito definiu prinespios para orientar as intervengses nos bens culturais. Contrapés proposigées te6ricas, a do restauro estilistico, ea do “anti-restauro” associadas &s figuras de Viollet-le-Duc e John Buskin, respectivamente. Os prineipios estabelecidos por Camillo Boito eram “respeito pela matéria original; a ideia de reversibilidade e distin- guibilidade; a importancia da documentagio ¢ de uma metodologia cientifica; interesse por aspectos conservatives € minima intervengao ¢ a nog2o ruptura passado-presente” (KUHL, 2006, p.19). Numa de suas publicagées mais relevantes (BOITO, 1893), rea- presenta critérios de intervengao que ja havia exposto durante 0 IV Congresso dos En- ‘genheiros e Arquitetos Italians ocorrido em 1883, que foram em seguida adotados pelo Ministério da Educagio da Italia, Os prinefpios si: Diferenga de estilo entre o antigo eo novo; diferenga de matérias de construgio; sim: plificagao de linhas e supressio de omamentos; exposigao de velhas partes removidas perto do monumento;incisio, em cada uma das pegas renovadas, da data de restauro ‘ou de um sinal convencionado; epigrafe descritiva incisa no monument; deserigoe fotografia dos diversos periods das obras, colocadas no proprio edificio ou préximo a cle, ou descrigo publicada por meios impressos; notoriedade (KUML, 20088, p 354). Nesse sentido, iniefa-se um delineamento dos instrumentos que deverdo ser ado: tados, estabclecendo bases fundamentais na definigao do campo como disciplina auténo- ma, Dois protagonistas sobressaem nesse contexto, pois deixaram uma forte heranga’ no cuium ens. | Campinas | 1442» | 389-402 | Maio-Agoste 2017 396 DOssif | AUTONOMIA DO CAMPO DO RESTAURO|A.?.Farsh oculum ans entendimento para a conservagio e restauragio dos bens culturais do mundo moderne: Alois Rieg! e Cesare Brandi (JOKILETHO, 2006). Alois Riegl, ertico austrfaco que, em 1902, foi nomeado presidente da Comissio de Monumentos I listéricos (KUHL, 2008b) e encarregado de fazer uma nova legislago para a Protegio dos Monumentos na Austra. Para tanto, labora “O Culto Modemo dos Monumentos”, texto que faz parte de um conjunto de proposicées para o projeto da or- ganizagio legislativa para a conservagio, Desvincula o interesse da preservagio por bens culturais de perfodos histéricos privilegiados; ou sej independentemente da maior ou menor afinidade por manifestagées culturais de variadas épocas, estabelece que a tutela se volta a todos os testemunhos do fazer humano (nao importando se é ou no uma obra de arte) com certa antiguidade, exp sencialmente nos aspectos documentais (KUHL, 2008b). iando instrumentos para uma pritica baseada es- O texto do 'Culto’é a reflexao teria que serve de base para o projeto de lei e as disposigdes para a aplicagio da lei, fundamentando a prética a partir das interpretagoes do monumento como fato documental e memorial. Alois Riegl, desse modo, afasta 0 entendimento dos monumentos hist6ricos unicamente das discussbes histérico-artis- ticas, atribuindo valores por meio ‘das formas de recepcao, de percepgao e de fruigao dos monumentos' (KUHL, 2008b; KUHL, 2009b). Ao construir seu racioesnio baseado na nogao de ‘Kunstwollen’ (voligao da arte), analisando a obra também na dimensio 0" muda muito com o decorrer social ¢ cultural do fruidor, pondera que 0 “valor a do tempo. Segundo Alois Riegl, cada obra é um fato histérico que, por sua ver, possui uma conformagio; condena que os bens sejam entendidos somente através dos valores artisticos, pois o mesmo varia de individuo para individuo e de momento para momento, Aobra de arte deve ser compreendida em toda a sua complexidade por valores relatives, visto que tudo muda constantemente, principalmente, no que se refere & apreciacio estética das obras de arte. Por isso, prope que o monumento histérico, do ponto de vista legal, deva ser en- tendido através do ‘valor do antigo’ ou ‘valor de antiguidade’, que respeita a obra em seus vvirios estratos e em sua transformago ao longo do tempo, “por sero mais inclusivo, mais perene, que considera o tempo na longa durago e que respeita integralmente as obras de toda e qualquer fase da produgdo humana” (KUHL, 2008b, p.356). Considera, assim, 0 patriménio em sua dimensao memorial, por sua capacidade evocativa, que, para tanto, deve ser respeitado como documento e como testemunko histérico, visto que 0 “monu- mento histérico’, entendido por Alois Riegl a partir do sentido etimolégico da palavra mo- numento, 6 elemento de rememorago para as geragbes futuras, ¢ 6 elemento articulador que estimula a meméria coletiva. John Ruskin, muito antes de Alois Ricgl, apontava o papel da arquitetura como sendo resultado da manifestagao da meméria coletiva: devemos conservé-la porque é 0 Ainico modo de fazer com que as ligdes do passado sejam apreendidas no presente. “[...] a Campinas | 14¢2) | 389-402 | Maio-Agosto 2017 DOSSIE | AUTONOMIA D0 CAMPO DO RESTAURO|A.?. Faran Arquitetura deve ser considerada por nés com a maior seriedade. Nos podemos viver sem ela e orar sem ela, mas nao podemos rememorar sem ela (RUSKIN, 2008, p.54)", A arquitetura é um importantissimo meio de que dispomos para conservar vivos 0s lacos com 0 pasado, aos quais devemos a nossa identidade e ela faz parte do nosso ser (CHOAY, 2001, p.139).A meméria 6 parte constituinte da identidade e através dela 6 individuo (ce) vive experiéncias, dialogando com a sociedade A qual pertence. Essas experiéncias necessitam do suporte do espago fisico. A'meméria coletiva’ permite que 0 individuo tenha acesso ao seu processo de identificacdo. Isso, por sua vez, esté rela- cionado com a presenga do passado que ancora os grupos sociais no tempo, que est perto e nao est mort. Desse ponto vista, podemos evidenciar alguns critérios importantes para o reco- rnhecimento do campo disciplinar do restauro como disciplina auténoma, pois essa per- cepgao do papel memor de ial dos bens legados por outras geragdes e da importan respeitar os aspectos documentais ¢ materiais da obra (para que cumpra efetivamente seu papel memorial) estabelece metodologia de anélises que possibilitam que as tomadas de docisdes sejam pautadas por eritérios cocrentes com as finalidades da preservagao © fundamentadas pelo rigor metodologico, ¢ nao por predilegdes individuais de um deter- minado momento histérico. Cesare Brandi, eritico e historiador de arte, em 1939, organiza junto com Guilio Carlo Argan o Istitutto Centrale del Restauro (Roma, Itslia), que passa a ser referencia mundial para o restauro de bens culturais e também no ambito da formacao de profs sionais para o campo. A partir de sua experiéneia a frente do instituto, Cesare Brandi sistematiza, na década de 1960, um conjunto de fundamentos para o restauro (que jé vinha desenvolvendo, aplicando na pratica ¢ ensinando desde os anos 1940), englobando instrumentos te6rico-metodoldgicos abrangentes para atuagio nessa érea especffica na historiografia e na filosofia (neokantismo e fenomenologia), éreas em que Cesare Brandi atuava. Entende as agdes no campo como sendo pautadas, essencialmente, na estética ¢ na hist6ria, compreendendo que as ages voltadas aos bens culturais nio poderiam advir unic Suas formulagdes tem origem na estétic mente do pragmatismo, mas, sim, ser pautadas nas reflexdes erfticas e cientificas do momento em que a intervengio é realizada Alguns passos oferecidos pelas suas formulagdes teéricas (que foram efetivamente verificadas e confrontadas numerosas vezes na prética do Instituto) foram essenciais para conformar e consolidaro campo do restauro como disciplina aut6noma:a busca da unida- de de método e de cocréncia de prinetpios; 0 vinculo ao pensamento crtico eas eiéncias; contraposicao ao empirismo pedestre que predominara até entdo e que havia resultado ‘em intervengées muito invasivas no Século anterior, ¢ também em seu proprio Século (e podemos dizer até hoje em dia); o distanciamento da preservagao de atos arbitrarios, algo que predominara até entao (KUHL, 2009b) Cccuium ens. | Campinas | 14(2) | 389-402 | Malo-Agosto 2017 397

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