Forma de poder fazer. Criar o curso, o rumo. Muitos atalhos nunca um caminho. Caminhos são longos, retos. Atalhos são curtos, desconhecidos. Criar para poder sentir jamais anestesiar para poder seguir jamais parar para poder descobrir jamais conhecer para poder estar, jamais ser. Criar para poder tentar jamais descrer. Iniciei estas crônicas há algum tempo, numa tentativa verdadeira de encontrar um atalho por onde pudesse escapar da rotina de decisões e soluções que sempre – desde que me entendo ou desentendo – me senti envolvida.
No começo me pareceram fáceis de serem compostas. Era
sentar diante de uma telinha, um retangulozinho com letras, deixar as idéias saltarem para longe do seu continenti e fazer aquele bom barulhinho de toc-toc das unhas no alfabeto. Simples. Nada mais simples. E lá fui. Ingênua. Como sempre assim se vai quando ignorante no terreno que se pisa. Com total, explícita e ingênua tranqüilidade. E assim, acumpliciada de uma alegria quase Criadora, dei o pulinho para dentro do que eu chamava – na época – de meu novo esconderijo. Como se fugisse e me albergasse, desta forma, dentro daquela última torre de algum castelinho medieval. Distante e segura e, ao mesmo tempo, próxima e vulnerável. Uma viagem lúdica. Só de prazer.
Depois de um refugiado período, ou de algumas batidinhas a
mais no alfabeto, descobri que não é bem assim. Ou que quase não é. Tudo bem com o tal toc-toc, com a telinha, até com o alfabeto. Até aí eu continuava entendendo tudo. Aceitando com a maior presteza o tal intuito. Parecia mesmo uma muito bem vinda febre digital. Mas lá um dia, vai lá saber por que a tal febre deixou de ser digital. Passou a ser espacial. Temporal. Fraternal. Mental. Cerebral. Vai lá saber. Faltam sufixos para eu continuar esta tentativa, agora sim, de fazer continuar fácil. Ficou, de repente, difícil.
Falam alguns que no começo era a Luz. Eu já não sei. Acho
que no começo, pelo menos no meu começo, era a Escuridão. Por isso segui com tanta calma. Se nem se sabe que há obstáculos, não há o que temer. Caminhar no escuro pode parecer que não, mas nada existe de mais confortável. O escuro não nos dá só argumentos e motivos. Nos dá a mais bela e pertinente - justificativa.
Foi esta a primeira descoberta. Que o escuro era confortável.
A segunda foi que ele não dura para sempre. Não sei se felizmente. Ou infelizmente.
Lá um dia veio a tal luz. Claridade. Holofotes. E uma frase
associada. Como se pendurada numa placa. Oscilando num espaço vazio. Dava até para escutar o barulhinho. Do vento batendo na placa. Muito vento. A frase vinha destacada em neon. Para justificar bem meu susto. Será que procede? Esta era a frase. Em néon. Será que procede?
Nesta rápida leitura iluminada os dedinhos começaram a
temer. A duvidar. Os olhos oscilaram entre a frase presa e o alfabeto solto. Acho que até a tal torre se expôs. E com ela tudo o mais. E com isso a preocupação. Seriam de alguma validade?
Lembrei do conto infantil. E se alguém denunciasse a nudez?
Ia me cobrir de letrinhas? Isso eu já estava fazendo. Esta foi a terceira descoberta. Cruel. Verdadeira. Longe de qualquer romantismo mais nebuloso.
Cheguei à quarta descoberta. Esta bem mais contundente. E
provavelmente mais amadurecida. Afinal depois de tanto susto e toc-toc algo tinha que ser aprendido. Ou apreendido.
Não há forma completa de encobrir. Não há forma perfeita de
expor. Acaba-se sempre convivendo com as metades. Este deve ter sido o castigo depois do tal banquete com aquela tal fruta lá naquele tal Lugar. Vai-se vivendo metades. Meia verdade. Meio segredo. Meio relato. Meia revelação. Meia alegria. Meia tristeza. Meio sucesso. Meio fracasso. E assim a validade acaba se comprometendo. Com ela mesma. Com quem a questionar. Com quem a confundir. Deixei então que se decidisse e se solucionasse. Por si só. Já me doíam os valores muito mais que os dedinhos. E algo está fora de foco quando esta é a sensação.
E foi assim, de descoberta em descoberta, de movimento em
movimento, de pudor a despudor que cheguei até aqui. E aqui meio exponho e meio oculto. Mas sem perder a intenção inicial que sempre foi: escapar do mundo das decisões e soluções. Pelo menos pela metade. E só para dar uma riminha no final – convivendo com a frágil duplicidade da validade.
Tudo resolvido. Agora a realidade. Filosofia e validade se
fundam na realidade. Esta agora a quinta descoberta. E desta vez a mais maravilhosa. Encontrei neste atalho pessoas que me nomearam. E de forma positiva. Ser assim nomeada é algo da ordem de um imenso prazer. Só quem já o foi pode dimensionar. A alegria que se sente na hora. Uma alegria mista. Que se encolhe na timidez. E se alarga num sorriso.
Não poderia deixar de dar os nomes. De devolver a gratidão
pela nomeação. De marcar a gratidão. Para que saibam que tem validade a filosofia e a conceituação.
E aqui agora segue a minha listinha. Por certo faltarão
nomes. Também - por certo - me farão a cobrança. Tomara. Será muito bom. A continuidade só se dá pela falta. Esta deve ser uma forma egoísta de me supor impelida a continuar. Ou uma forma envaidecida de me sentir solicitada. Ou ainda uma forma disfarçada de me imaginar demandada. Pelo outro. Para que acredite que posso prosseguir em meu refúgio. Com o neon do “procede” positivo. Em minha lista. Com a minha lista.
Assim me sinto como num conto antigo. O castelo sempre
habitado por personagens reais, fantasmas, visitantes freqüentes e ocasionais compondo o cenário da realidade histórica minha e de cada um.
Ricardo e Rodrigo, meus filhotes queridos – e põe queridos
nisso - que muito me ensinaram sobre o real significado do amor, da coragem, da determinação, da solidariedade e da lealdade.
Luiz, meu marido, que com entusiasmo e companheirismo me
estimulou a compor e continuar este toc-toc embalada pela melodia de um amor verdadeiro.
Ana Lia e Cinthia, minhas norinhas, que entre risos e afeto
me fizeram sempre oscilar entre uma falsa sábia mestra e uma sincera alegre sogra.
Berenice, minha mãe, que me dá a certeza de que a
longevidade pode vir acompanhada de toda uma lucidez particular.
Walmir, meu pai, que me fez acreditar que a vida fica muito sem graça sem a possibilidade de frases usadas como arremate.
Leonor, minha avó, que me ensinou – desde muito pequena -
a aceitar e a não me assustar muito com as notícias do mundo lá fora. Maria do Carmo – que sempre acreditou e incentivou, desde o tempo da “batatinha quando nasce”.
Lia, Vera, Margaret, Suzy, Carla, Edu, amigos antigos em
todas as horas - presente.
Edmundo Carôso, amigo querido, que me fez chorar ao
decifrar que aquele determinado escrito me pertencia.
Iarinha Simões, Adriano, Leni David e Mari - leitores queridos
e gentis incentivadores dos textos.
E... como dizia a minha avó: Cuidado para não esquecer e
magoar os amigos e parentes, menina, muito cuidado.
Espero ter obedecido direitinho. Ao menos desta vez.