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Fórum Social Nordestino, Recife, 24 a 27 de novembro de 2004

Um projeto Ibase, em parceria com Attac Brasil, Articulacion Feminista Marcosur,


Portal Porto Alegre, ActionAid e Fundação Rosa Luxemburgo

Para retomar a reinvenção democrática: qual cidadania, qual participação?

Evelina Dagnino
Professora da Unicamp
(Texto produzido a partir da palestra da autora)

A reinvenção da democracia é uma questão que está posta no Brasil já há


bastante tempo. É importante retomar o que foi o processo de reinvenção
democrática que se iniciou no bojo da resistência contra a ditadura. Ao longo dos
anos 1980 – e em boa parte dos anos 1990 – foi constituído um projeto que
contemplava fortemente o que se pode chamar de uma reinvenção da
democracia. Esse projeto democratizante e participativo foi empreendido por
aquilo que, naquela época, se chamava sociedade civil (movimentos sociais
populares, movimentos sociais urbanos, de mulheres, dos negros, de
homossexuais, de direitos humanos etc), uma categoria que se diluiu ao longo
dos anos. Mas este foi um espaço onde tal projeto de redefinição da democracia
foi inventado. O projeto levava em conta um outro tipo de democracia que não só
a democracia representativa stricto sensu, eleições, partidos etc, recusando a
chamada "democracia realmente existente" por considerá-la limitada. Neste
sentido, o projeto afirmava a necessidade de ampliar a democracia, aprofundá-la,

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radicalizá-la e ampliá-la no sentido de estendê-la para muito além do sistema
político, estendê-la às relações sociais no seu conjunto. O marco formal de todo o
processo de redefinição da democracia é a Constituição de 1988, que assegurou
vários elementos deste projeto.

Duas idéias que são centrais nesse projeto. A primeira é a idéia de cidadania.
Esse projeto significava o aprofundamento da democracia porque também
redefiniu, re-significou a idéia de cidadania e essa idéia é fundamental quando
falamos da reinvenção democrática. O outro princípio fundamental, trazido para a
Constituição de 1988, é a idéia da participação da sociedade civil. As redefinições
de democracia contidas já na Constituição de 1988, e concretizadas
posteriormente através de experiências como os Conselhos Gestores e os
Orçamentos Participativos, não partiram do Estado, mas da sociedade civil. Não
que tal projeto tenha sido constituído de maneira autônoma. Muito pelo contrário,
foi uma vitória da sociedade que conseguiu impor-se ao projeto dominante de
uma democracia elitista e restrita.

A visão de cidadania, tal como foi redefinida e re-apropriada pelos movimentos


sociais, contém uma parte muito importante daquilo que pode se chamar a
reinvenção da democracia. Porque a noção de cidadania, na verdade, foi uma
maneira de operacionalizar essa noção um pouco abstrata e vaga que é a
democracia e, nesse sentido, concretizar a democracia. A redefinição que os
movimentos sociais e que outros setores da sociedade civil empreenderam a
respeito da noção de cidadania – na década de 1980, basicamente – é marcada
fortemente pela idéia de incorporar as características das sociedades
contemporâneas, tais como o papel que se dá à subjetividade, o surgimento de
novos sujeitos sociais (sujeitos de um novo tipo, mulheres, negros, homossexuais
etc), a emergência de novos temas (e de novos direitos trazidos pelos
movimentos sociais) e a ampliação do espaço da política. A redefinição de
cidadania reconhece e enfatiza o caráter intrínseco que tem a transformação da
cultura com relação à construção da democracia. Nesse sentido, a nova cidadania
interpela elementos culturais como aqueles que são subjacentes à matriz que

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preside o ordenamento social brasileiro e de tantas outras sociedades na América
Latina, como o autoritarismo social. E é justamente contra o autoritarismo social
que essa redefinição de cidadania se põe, alvo político fundamental do processo
da redemocratização (assim como o autoritarismo político).

Há, portanto, uma clara distinção em relação a outras versões de cidadania. Esta
cidadania chamada, naquele momento, de “nova cidadania”, uma cidadania
ampliada, não está mais confinada dentro dos limites das relações com o Estado
ou entre o Estado e o indivíduo. A cidadania liberal se confina nesse espaço. Mas
essa redefinição pensa a cidadania como algo que deve ser estabelecido também
no interior da própria sociedade, uma cidadania que funcione como um parâmetro
do conjunto das relações sociais que se travam nessa sociedade. O processo de
construção de cidadania como afirmação e reconhecimento de direitos é,
especialmente na sociedade brasileira, um processo de transformação de práticas
muito arraigadas não apenas no Estado, mas na sociedade como um todo. O
significado dessa cidadania está muito longe de ser limitado à aquisição formal e
legal de um conjunto de direitos. E, nesse sentido, ela também não está limitada
ao sistema político-jurídico.

A nova cidadania seria então um projeto para uma nova sociabilidade, um formato
mais igualitário das relações sociais, inclusive novas regras para viver em
sociedade, para a negociação de conflitos. Um novo sentido de ordem pública e
de responsabilidade pública. Aquilo a que alguns autores se referem como sendo
um novo contrato social. Ora, um formato mais igualitário de relações sociais em
todos os níveis implica aquilo que a professora Vera da Silva Telles chama de “o
reconhecimento do outro como sujeito portador de interesses válidos e direitos
legítimos”. Isso implica, evidentemente, a constituição de uma dimensão pública
na sociedade em que os direitos possam se consolidar como parâmetros públicos
para a interlocução, para o debate, tornando possível a reconfiguração de uma
dimensão ética da vida social. Isso significa também que essa cidadania tem que
se abrir não só, evidentemente, ao direito à igualdade, que é constitutiva da
cidadania, mas, especialmente, tem que se abrir e considerar o direito à diferença.

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E nesse sentido, me parece que tal redefinição de cidadania estabelece um
vínculo indissolúvel entre o direito à igualdade e o direito à diferença, na medida
em que não é mais possível na sociedade contemporânea pensar a realização da
igualdade sem considerar que essa realização passa integralmente por assegurar
também o direito à diferença. Não há como falar em igualdade se as diferenças
persistirem e são usadas como base para a desigualdade, a discriminação etc.

Outra característica dessa redefinição de cidadania, profundamente vinculada à


idéia da ampliação da política, é que ela também aponta na direção da redefinição
daquilo que é uma referência central no conceito liberal de cidadania, que parte
do pressuposto de que é necessário que se pertença ao sistema político, que se
pertença à sociedade. A cidadania liberal visa oferecer condições para tal
pertencimento. A redefinição de cidadania que vem dos anos 1980 ultrapassa
esta idéia porque, muito mais do que reivindicar o pertencimento ao sistema, o
que de fato está em jogo nesta construção é o direito, não apenas de pertencer,
não apenas de ser incluído, mas de participar da própria definição desse sistema.
Ou seja, de definir, de participar da definição daquilo no qual nós queremos ser
incluídos, naquilo do qual nós, efetivamente, queremos ser membros – o que,
evidentemente, significa afirmar o direito de participar da definição da própria
sociedade, apontando, em última instância, para a invenção de uma nova
sociedade.

Essa definição de cidadania está vinculada, evidentemente, aquilo que é o outro


princípio do projeto participativo democratizante que se engendra naqueles anos,
que é o princípio da participação da sociedade civil. E aqui, qual é a idéia
fundamental? A participação era pensada como partilha do poder, como
participação na tomada de decisões. Um poder pensado não como um aparato a
ser tomado, mas como um conjunto de relações sociais a ser transformado, no
sentido atribuído por Gramsci ao poder. E este poder está tanto na sociedade
quanto no Estado e, portanto, é necessário pensar sua transformação tanto na
sociedade quanto no Estado.

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O que é que possibilitou que essa idéia de participação como partilha do poder
pudesse ser realista, no período entre os anos 1980 e início dos anos 1990?
Primeiro, com a democratização, a reorganização partidária e as eleições livres,
houve um trânsito, especialmente durante os anos 1990, de manifestações desse
projeto democrático participativo que se engendrou na sociedade civil para dentro
do aparato do Estado nos seus vários níveis. A princípio, nos níveis municipais e
estaduais. O que era, entre os anos 1970 e começo dos 1980, um projeto gestado
na sociedade, transitou, em alguns casos, para dentro do aparato do Estado.

A segunda condição, que é uma decorrência dessa e que ocorre nos anos 1990, é
a principal novidade dos anos 1990. Os movimentos sociais e a sociedade civil,
dado este trânsito, resolveram fazer uma aposta na possibilidade de uma atuação
conjunta entre o Estado e a sociedade civil, através, exatamente, do princípio da
participação. Ou seja, se consolidou, nos anos 1990, a idéia de que a sociedade
tem o direito de participar e que, portanto, pode e deve compartilhar o poder do
Estado. Para isso, a Constituição de 1988 assegurou alguns mecanismos.

O projeto participativo democratizante foi, sim, capaz de constituir um campo


ético-político que se expandiu significativamente na sociedade nos anos 1990.
Tão significativamente que foi capaz de gerar uma correlação de forças bastante
favorável à implementação daqueles princípios. O que nos fez alimentar uma
visão irrealisticamente otimista sobre o processo de construção democrática. Fez-
nos pensar que a linearidade do seu avanço, ou a curva ascendente pela qual
esse processo passou durante os anos 1980 e parte dos 1990, deveria continuar.
O que se passou com aquele momento áureo de reinvenção da democracia? O
que aconteceu com este projeto?

Tal projeto e seu processo de ascensão se encontraram, na década dos 1990, a


partir de 1989, com a eleição de Fernando Collor para a Presidência, com outro
projeto, um projeto neoliberal, no interior do qual há emergência de um projeto de
Estado mínimo, sendo o Estado seletivamente mínimo. Evidentemente, não é
mínimo quando se trata de alocar recursos para salvar os bancos, ou para

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assegurar o projeto dominante. Mas com certeza ele é mínimo quando se trata de
alocar recursos para as políticas sociais. Tal projeto de Estado mínimo configura-
se com o encolhimento das suas responsabilidades sociais e a sua transferência
para a sociedade civil, como maneira de implementar os ajustes estruturais
exigidos pelo FMI.

Este é o argumento central. Do encontro desses dois projetos origina-se uma


situação de confluência perversa e é nesta perversidade que se encontra a raiz de
vários dos dilemas que a construção democrática enfrenta hoje. Tal perversidade
está presente de forma emblemática no fato de que os dois projetos, que
apontam, cada um deles, para direções certamente opostas e até antagônicas,
coincidem num ponto: ambos requerem uma sociedade civil ativa e propositiva.
Tal identidade de propósitos, no que toca à participação da sociedade civil, é,
evidentemente, aparente. Mas essa aparência é sólida e cuidadosamente
construída através da utilização de referências comuns, que tornam seu
deciframento uma tarefa difícil, especialmente para os atores da sociedade civil
envolvidos, para quem a participação se apela tão veementemente e em termos
tão familiares e sedutores. A disputa política entre projetos políticos distintos
assume, então, caráter de uma disputa de significados para referências
aparentemente comuns: participação, sociedade civil, cidadania, democracia. A
utilização dessas referências, que são comuns, mas abrigam significados muito
distintos, instala o que se pode chamar de crise discursiva: a linguagem corrente,
na homogeneidade de seu vocabulário, obscurece diferenças, dilui nuances e
reduz antagonismos.

Nesse obscurecimento se constroem sub-repticiamente os canais por onde


avançam as concepções neoliberais, que passam a ocupar terrenos
insuspeitados. Em tal disputa, onde os deslizamentos semânticos, os
deslocamentos de sentido, são as armas principais, o terreno da prática política
se constitui num terreno minado, onde qualquer passo em falso nos leva ao
campo adversário. Neste ponto é que se encontra a perversidade e o dilema que
ela coloca, instaurando uma tensão que atravessa hoje a dinâmica do avanço

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democrático no Brasil. Uma das tarefas fundamentais que temos que enfrentar
hoje para resgatar a invenção democrática, a reinvenção democrática que
iniciamos e que nos deu grandes avanços é enfrentar a aparente homogeneidade
do discurso, é reafirmar os significados que o projeto democratizante conferiu a
eles, apontando a distinção entre eles e o uso, a apropriação neoliberal que deles
se faz.

Por outro lado, é preciso reconhecer tais avanços. Não haveria como concordar
com a idéia de que avançamos pouco desde a década de 1980 ou de que a
democracia não tenha servido para nada. Evidentemente, onde não houve
avanços, onde houve regressão até, foi em relação à igualdade econômica. A
derrota que este projeto sofreu com relação à necessidade de diminuição da
desigualdade não pode obscurecer todos os outros ganhos que tivemos, inclusive
em outras dimensões de conquista da igualdade. Se considerarmos o percurso
que tivemos desde esta época no reconhecimento dos direitos de inúmeros
setores na sociedade, direitos à igualdade e à diferença (de negros, mulheres,
deficientes físicos etc), podemos ter um olhar um pouco mais relativizado sobre os
anos que hoje nos separam da formulação original do projeto democrático e
participativo.

Mas, evidentemente, vivemos dilemas profundos que se relacionam muito de


perto com o obscurecimento das diferenças, com esta aparente homogeneidade
de linguagem e de referências. Então, o que é que aconteceu com essas
referências que expressavam a reinvenção democrática? Como é que a
cidadania, a participação, a própria sociedade civil foram redefinidas ao longo
desse período, no bojo do avanço neoliberal? Hoje não é mais possível a simples
menção destas palavras – já que elas estão por toda parte – para nos assegurar
que interesses estão sendo defendidos. São muito claras as evidências destes
dilemas quando ouvimos a experiência dos militantes que estão envolvidos nas
experiências de participação. Eles perguntam com muita freqüência: o que estou
fazendo aqui? Será que é aqui que eu deveria estar? Qual é o projeto que eu
estou reforçando com minha atuação?

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É preciso, então, examinar as redefinições, seus significados e suas implicações.
Em primeiro lugar, a redefinição da idéia de sociedade civil, que é a mais
conhecida delas. Houve uma profunda transformação no conteúdo da idéia de
sociedade civil em relação aos anos 1980, já que a sociedade civil foi afirmada
nos anos 1980 como a arena e o alvo da política. A expressão foi trazida para o
vocabulário político porque tinha esse significado, afirmar a ampliação da política.
Hoje, o sinônimo mais freqüente para sociedade civil é a idéia de terceiro setor,
oriundo do projeto neoliberal.

Curiosamente, a idéia de terceiro setor define claramente diferentes papéis e


funções: denominá-lo terceiro nos remete a um primeiro e um segundo setores,
que seriam, respectivamente, o Estado e o mercado, encarregados da função
política e da função econômica. O que significa que o terceiro setor não tem
função política. Aliás, muito pelo contrário. Com muita freqüência, aqueles que
utilizam essa expressão se orgulham de dizer que “nós não somos políticos, não é
aqui que se faz política”. Então, onde se faria política? Exclusivamente no Estado,
ou na sociedade política. A concepção de sociedade civil, que tinha servido como
antídoto, como resistência a uma noção estadista de política, autoritária e
excludente, que diz que a política só se faz no Estado, passa de novo a ser
ameaçada na medida em que está sendo aos poucos redefinida por uma nova
concepção que é a de terceiro setor, que com muita tranqüilidade faz com que a
política retorne ao âmbito exclusivo do Estado na tentativa de anular um dos
grandes ganhos dos anos 1980, que foi afirmar a idéia de que se faz política
também na sociedade civil.

Evidentemente, esta não é a única transformação da sociedade civil. Eu diria que


há um processo de identificação cada vez maior entre sociedade civil e ONGs que
é acompanhado de um processo de marginalização – aquilo que Chico de Oliveira
chamou de criminalização dos movimentos sociais. Temos hoje uma concepção
seletiva e excludente de sociedade civil que, certamente, não é a concepção de
sociedade civil que estava na origem do projeto democratizante e participativo que
expressava a reinvenção da democracia nos anos 1980.

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A segunda redefinição é a da noção de participação. A participação, que era o
núcleo central do projeto participativo, percorre um pouco os mesmos caminhos
que percorreu a redefinição neoliberal da sociedade civil. A re-significação da
participação se constitui através da emergência da chamada “participação
solidária”, que vem acompanhada da ênfase no trabalho voluntário e na chamada
"responsabilidade social", tanto de indivíduos quanto de empresas. O princípio
básico nestas noções, extremamente difundidas hoje em dia, é a adoção de uma
perspectiva privatista e individualista, capaz de substituir e redefinir o que era o
significado coletivo da participação social. A própria idéia de solidariedade, que
virou a grande bandeira da participação redefinida, é, neste outro projeto, despida
do seu significado político coletivo e passa a apoiar-se no terreno privado da
moral. As redefinições promovem então a despolitização da participação. E se
pensarmos que, no modelo da participação do voluntariado, da responsabilidade
social, não há mais a necessidade de espaços públicos, onde o debate sobre os
próprios objetivos da participação pode ter lugar, vemos que o significado político
e o potencial democratizante destes espaços é, de novo, substituído por formas
estritamente individualizadas de tratar questões tais como a desigualdade social e
a pobreza.

A outra apropriação significativa vem responder ao processo de resignificação da


cidadania, empreendido pelos movimentos sociais dos anos 1980. Foi exatamente
o sucesso da nova acepção do termo cidadania que fez com que a noção de
cidadania se difundisse, virasse “feijão com arroz”: está absolutamente em todas
as partes, dos anúncios de bancos privados ao Banco Mundial. De banco a
banco, todos falam hoje de cidadania. A redefinição neoliberal de cidadania, de
novo, reduz o significado coletivo daquela outra redefinição. E justamente esta
afirmação dos direitos coletivos, este ir além do direito puramente individual, foi
um grande ganho daquela definição. Hoje nós temos, de novo, um entendimento
estritamente individualista da noção de cidadania.

Em segundo lugar, a cidadania está cada vez mais sendo apresentada através de
uma conexão, que é muito sedutora, entre cidadania e mercado. Tornar-se

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cidadão, em muitos discursos hoje em dia, passa a significar a integração
individual ao mercado, como consumidor e como produtor. Este me parece um
princípio que subjaz a uma enorme quantidade de programas para ajudar as
pessoas a “adquirir cidadania”: aprender como iniciar uma micro empresa, se
tornar qualificado para os poucos empregos ainda disponíveis etc. Em um
contexto onde o Estado se isenta progressivamente do seu papel de garantidor de
direitos, o mercado é oferecido como uma instância substituta da cidadania. É
problemático denominar a isto cidadania, reduzindo e distorcendo seu significado
original.

E mais. Os direitos trabalhistas, uma dura conquista da classe trabalhadora, estão


sendo eliminados em nome da livre negociação, da flexibilização etc. O
reconhecimento dos direitos que, no passado recente, eram indicadores de
modernidade, hoje se torna símbolo do atraso, um anacronismo que bloquearia o
potencial modernizante do mercado. Nesta concepção é encontrada legitimação
muito poderosa da concepção de mercado como instância alternativa da
cidadania, na medida em que torna-se a encarnação das virtudes modernas e o
único caminho para o sonho latino-americano de inclusão no Primeiro Mundo. Tal
concepção de cidadania é que preside as ações das fundações empresariais,
caracterizadas por uma ambigüidade que lhes é constitutiva: de um lado os
interesses mercantis da maximização de lucros e, de outro, a imagem pública
baseada na responsabilidade social. Estas fundações se apresentam como os
novos campeões da cidadania no Brasil.

O discurso da cidadania é marcado pela total ausência de qualquer referência a


direitos universais ou ao debate político sobre as causas da pobreza e da
desigualdade. Uma das conseqüências disto então é o deslocamento destas
questões. A pobreza e a desigualdade estão sendo retiradas da arena pública e
do seu domínio próprio que é o da justiça, da igualdade e da cidadania, e se
transformando numa questão que é técnica ou filantrópica. Em algum momento
se anunciou que os pobres eram cidadãos e que, portanto, deveriam ver
reconhecidos os seus direitos. Hoje, cada vez mais passam a ser apresentados

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não mais como cidadãos, mas como carentes que devem ser atendidos pela
caridade, seja ela pública ou privada.

A energia da sociedade civil não deve ser inteiramente voltada para a participação
nas instâncias de co-gestão com o Estado. Certamente há uma enorme
multiplicidade de formas daquilo que vários autores chamaram de socialização da
política, fazer com que a política seja uma atividade assumida por uma parte cada
vez maior da sociedade, não apenas a política institucional (igualmente
importante), mas também todas as outras formas de política.

A idéia da participação, a ênfase na participação, é a afirmação de que o Estado


pode se transformado. Se está no horizonte transformar a lógica do
funcionamento do capital, por que não deve estar, também, a possibilidade de
transformação da lógica do Estado?

A participação institucional nas instâncias de co-gestão com o Estado não pode


ser a única. Mais do que isso: sem que conte com o respaldo da sociedade
organizada, está fadada a falhar. Há problemas e dificuldades neste processo,
mas grande parte deles se deve ao fato de que a sociedade civil, os movimentos
sociais, canalizaram uma enorme parte da sua energia para estes espaços. Seria
preciso pensar em que medida a própria implementação do modelo neoliberal
(associado a crise econômica, ao aumento da desigualdade sociais e,
especialmente, ao desemprego) acentuou ainda mais as condições desfavoráveis
à participação da sociedade, ao seu crescimento e renovação.

E o que temos? Os representantes eleitos pela sociedade civil postos face a face
com o Estado, isolados, "pendurados no pincel". Porque as bases que eles
supostamente representam muitas vezes estão rarefeitas e desmobilizadas. É
necessário fazer com que estas duas frentes estejam profundamente interligadas.

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Fórum Social Nordestino, Recife, 24 a 27 de novembro de 2004

Um projeto Ibase, em parceria com Attac Brasil, Articulacion Feminista Marcosur,


Portal Porto Alegre, ActionAid e Fundação Rosa Luxemburgo

Desigualdades regionais e políticas de desenvolvimento


– diagnóstico e diretrizes para uma ação pós-neoliberal

Rodrigo Simões
Marco Crocco
Professores do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional
(Cedeplar) da Universidade Federal
de Minas Gerias (UFMG)

Introdução

A década de 1990 foi marcada por uma busca contínua da estabilidade


monetária. Toda a política econômica – fiscal e monetária – deste período foi
marcada pelo combate ao processo inflacionário. No entanto, o fim da inflação
mostrou ser insuficiente para, por si só, colocar o país em uma trajetória
sustentada de crescimento. Neste contexto, ainda que de forma incipiente, a
temática do desenvolvimento voltou a ter destaque nas discussões econômicas
nos dias de hoje. Dentro deste quadro, e principalmente para o caso brasileiro, a
questão da desigualdade regional também vem, aos poucos, sendo alçada para o
centro do debate. O presente documento se insere dentro deste contexto. Sua

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preocupação básica é discutir o desenvolvimento regional, apresentando um
diagnóstico e propondo linhas gerais para enfrentar o atual quadro. O documento
é dividido em três partes, além desta introdução. Na próxima seção é discutida a
desigualdade regional brasileira e suas principais interpretações. Na seção
seguinte, são analisadas as características das políticas de desenvolvimento
regional da década dos 1990. Finalmente, algumas sugestões de política de
desenvolvimento regional e de financiamento deste são apresentadas.

I – PADRÃO RECENTE DA DIVISÃO INTER-REGIONAL DO TRABALHO NO


BRASIL

A evolução industrial brasileira indica uma clara modificação em sua concentração


espacial. Diferentemente da tendência histórica observada até 1970 – com forte
concentração da indústria em São Paulo – estados como o de Minas Gerais,
Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e, em menor medida, Bahia, passam
a captar, marginalmente, alguns pontos percentuais no montante do Valor da
Transformação Industrial (VTI) brasileiro. Este ensaio de desconcentração
espacial da indústria não alterou, de forma irreversível, a importância de São
Paulo no quadro da Divisão Inter-Regional do Trabalho no Brasil, mas fez valer
alterações tanto quantitativas como qualitativas nas regiões que captaram os
investimentos propiciados pelo processo desconcentrador.

De certa maneira, este efeito desconcentrador pode ser debitado às diversas


políticas de incentivos fiscais estabelecidas pelos governos estaduais (e federal
no caso de Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene),
Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) etc) durante os
anos 1970, que ofereceram os mais diversos meios de auxílio à localização de
indústrias em seus ‘domínios’. Contudo, uma alteração relevante no padrão
locacional da indústria brasileira não poderia ser explicada somente por efeitos de
política econômica. Vale dizer, existem fatores locacionais outros que interagem
com as referidas políticas de incentivos, condicionando-as à própria lógica do

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capital no espaço, a fim de produzir um diferente padrão locacional (SIMÕES,
2003).

De acordo com as principais teorias da localização, podemos afirmar que o


crescimento continuado das aglomerações urbano-industriais leva a um
crescimento excessivo do seu entorno, além da intensificação da utilização
vertical do espaço econômico. Tal fato, congregado às modificações das
estruturas de mercado, faz com que comecem a surgir deseconomias de
aglomeração fundadas, grosso modo, no aumento progressivo dos custos de
instalação e transporte (SIMÕES, 2003).

Dentro deste escopo de óbices revelados pela expansão do processo de


acumulação, tem-se, teoricamente, um incentivo à desconcentração do parque
produtivo para que a lógica do processo de valorização do capital se mantenha –
isto é, a busca da mitigação dos custos e maximização dos lucros. Dado o
desenvolvimento urbano adquirido a reboque do desenvolvimento industrial
paulista, estas outras regiões – umas mais, outras menos – poderiam
proporcionar vantagens relativas para a expansão do processo produtivo fora do
entorno imediato de São Paulo.

Conjugado a esta dinâmica própria do capital no espaço, a partir de 1972 (com o I


Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) e, principalmente, com o II PND) o
governo federal passou a ter preocupações não só com o desenvolvimento
econômico, mas também em mitigar desequilíbrios regionais, promovendo a
integração nacional. Esta nova fase do processo de substituição de importações
no Brasil, voltada para os bens de capital sob encomenda e insumos básicos além
de incentivo e promoção de exportações, caracteriza as preocupações do Estado
com o setor externo. Pois tanto os insumos básicos, como os bens de capital,
sobrecarregavam a balança comercial brasileira. Contudo, tal preocupação
externa vem aditada de uma preocupação desconcentracionista via processo
produtivo (SIMÕES, 2003).

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Esse esforço governamental – mesmo que não tenha surtido os efeitos desejados
em toda a sua magnitude – deixou clara a preocupação com as políticas regionais
de desconcentração produtiva. Estas, com início no final dos 1950 com a criação
da SUDENE, permearam toda a discussão de eqüidade regional na década de
1970. Nos anos 1980, apesar de vez ou outra ameaçarem um redivivo, foram
colocadas em segundo plano – assim como quase todas as questões estruturais
da economia brasileira - face à crise fiscal do Estado e a urgência da estabilização
monetária.

A Tabela I, coloca em números a discussão anterior. Percebe-se uma perda de


participação relativa de São Paulo no Valor da Transformação Industrial (VTI)
brasileiro, passando de 58,1% em 1970 para 45,2% em 2000, tendo a Região
Metropolitana perdido mais de vinte pontos percentuais no total do VTI brasileiro,
com ganhos relativos expressivos para o interior do próprio Estado de São Paulo
(passando de 14,6% para 23,2% do VTI brasileiro), além de Minas Gerais e dos
três estados do Sul do País. O Rio de Janeiro confirma a perda de participação
relativa que se conformou a partir da década de 1940 (este estado detinha, em
1940, segundo o Censo Industrial, 24% do VTI brasileiro). Os estados do Norte,
Nordeste e Centro-Oeste experimentam uma elevação de sua participação na
estrutura industrial brasileira, passando de um total de 7,3% em 1970 para 15,7%
em 2000. Destaque para os estados da Bahia (1,5% para 4%) e Amazonas (0,3%
para 3.0%).

TABELA I - Participação no VTI, por estados e


regiões escolhidas, Brasil, anos selecionados

(em %)
Regiões/Estados 1970 1980 1990 2000
Norte 0,8 2,4 3,1 4,5
Nordeste 5,7 8,1 8,3 9,0
Bahia 1,5 3,5 4,0 3,9
Ceará 0,7 0,9 0,9 1,7
Pernambuco 2,2 2,0 1,7 1,1
Centro-Oeste 0,8 1,2 1,8 2,2
Sudeste 80,7 72,6 69,5 66,0
Minas Gerais 6,5 7,7 8,7 9,5

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Espírito Santo 0,5 0,9 1,0 2,0
Rio de Janeiro 15,7 10,6 9,8 9,4
São Paulo 58,1 53,4 50,0 45,2
RMSP 43,5 33,7 30,2 22,0
Interior de SP 14,6 19,8 19,8 23,2
Sul 12,0 15,8 17,3 18,3
Paraná 3,1 4,3 5,7 5,7
Santa Catarina 2,6 4,1 4,2 4,3
Rio Grande do 6,3 7,3 7,7 8,3
Sul
Fonte: Elaboração própria a partir de FIBGE, Censos
Industriais, 1970 e 1980, e FIBGE PIM/PF e PIA. *
Estimativa com base na produção física da indústria da
transformação no período 1990 / 2000.

Partindo destas constatações iniciais, diversos autores preocupados com os


problemas regionais brasileiros têm estudado os determinantes, as implicações e,
principalmente, os limites da real desconcentração espacial da atividade industrial
no Brasil ocorrida a partir dos anos 1970. Azzozi cria o conceito de “campo
aglomerativo” e propõe uma “desconcentração para o campo aglomerativo de
SP”, afirmando que o ocorrido após 1970 não pode ser caracterizado como uma
ampla reversão da polarização, mas como uma expansão das vantagens
aglomerativas da área metropolitana de São Paulo para seu entorno, num
processo de desconcentração concentrada e suburbanização das atividades
industriais, condicionado à existência neste entorno qualificado de uma rede de
serviços e infra-estrutura física e social (AZZONI, 1986). Martine & Diniz concluem
por uma tendência à reconcentração em SP dado o novo paradigma tecnológico
vigente, chegando a falar de “reversão da desconcentração” (MARTINE & DINIZ,
1991).Cano e Cano & Pacheco propõem um “vetor de expansão da indústria
paulista”, destacando a rede de estradas do interior de SP (CANO, 1989) (CANO
& PACHECO, 1990). Ablas fala de um “reforço do centro hegemônico” (ABLAS,
1989). Diniz amplia o argumento, indicando a formação de uma “área polarizadora
poligonal”1, englobando desde o eixo Vitória / Belo Horizonte / Uberlândia até o
1
Deste argumento podemos inferir que os problemas de escolha locacional no Brasil passaram a
ter uma dimensão estritamente micro – ou seja, as regiões urbanas dentro deste polígono
polarizador já oferecerem as condições gerais de reprodução do capital. Logo, a decisão locacional
passa a ser influenciada por atributos locais, como amenidades urbanas, segurança, vantagens

5
Sul do país (DINIZ, 1993). Torres apresenta uma visão complementar e
diferenciada, evidenciando que os estados de Minas Gerais, Espírito Santo e
Bahia podem vir a concentrar os maiores ganhos de participação percentual no
VTI devido às suas especializações na produção de bens intermediários, face à
sua participação relativa no comércio exterior brasileiro (TORRES, 1991).
Pacheco, por sua vez, enfatiza os efeitos da abertura comercial na estrutura
regional da indústria brasileira, concluindo por uma tendência de fragmentação
do espaço nacional, com possibilidade de repercussões no próprio pacto
federativo brasileiro (PACHECO, 1998). Diniz & Crocco destacam também a
influência do Mercosul, que pelo “efeito de arraste” aumentou o potencial de
crescimento industrial do sul do país. Voltam também a reafirmar a prevalência da
Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), destacando a recentralização
financeira e de serviços produtivos complexos como reforço à posição primaz da
metrópole paulistana no cenário econômico brasileiro, posicionando-a como o
único espaço localizado brasileiro integrado ao sistema mundial de cidades
globais (DINIZ & CROCCO, 1996).

Em trabalhos subseqüentes, Diniz expande a noção de “desenvolvimento


poligonal” para a de “reconcentração poligonal”, podendo ser identificadas duas
fases do processo de desconcentração (DINIZ, 2000 & 2002). A primeira é
caracterizada pelo espraiamento da indústria não só pelo entorno imediato da
RMSP como também, marginalmente, por todos os estados brasileiros, numa
resposta ao esforço governamental dos 1970, identificado por Ablas (ABLAS,
1989). A segunda fase, concomitante ao processo de abertura comercial, às
privatizações e ao próprio ensaio de mudança da base tecnológica da indústria
brasileira, estaria revelando a configuração de uma nova reconcentração em um
polígono limitado por Belo Horizonte / Uberlândia / Londrina/ Porto Alegre /
Florianópolis / São José dos Campos / Belo Horizonte (além da própria RMSP).

Visto isto, essa relativização da desconcentração é, em suma, caracterizada por


dois aspectos principais, a saber: i) o seu caráter restrito em termos geográficos,
fiscais etc.

6
dado que o maior aumento diferencial se deu no próprio entorno ampliado da
RMSP; basicamente na interiorização da indústria paulista e no eixo Belo
Horizonte / Porto Alegre; e ii) a consideração das próprias mudanças ocorridas na
estrutura produtiva mundial, e prospectivamente apontando para uma
reconcentração da produção em São Paulo. Analiticamente, Torres resume os
principais argumentos:

“(...) a) crise fiscal e conseqüente redefinição do papel do


governo federal, tanto no que diz respeito à política de
incentivos fiscais e investimentos estatais, quanto no que diz
respeito aos investimentos em infra-estrutura nas regiões
periféricas; b) perda de dinamismo da fronteira de recursos
naturais, em função do seu distanciamento, aumento dos
custos de transporte, desafios tecnológicos da agricultura
tropical e mudanças tecnológicas em direção a processos
menos intensivos em recursos naturais; c) dificuldades
estruturais para a desconcentração produtiva devido à
elevada concentração de renda. Segundo este argumento,
as regiões povoadas e pobres não constituiriam mercados
importantes, não atrairiam indústrias, não gerariam emprego
e assim, não se elevaria a renda, num mecanismo de
causação circular [perverso]; e d) mudanças tecnológicas
capitaneadas pela indústria da micro-eletrônica apontando
para a reconcentração das atividades nas proximidades dos
centros de pesquisa e universidades mais importantes que,
no caso do Brasil, se localizam próximas a São Paulo.”
(TORRES, 1992)

Esses autores, partindo das causas da desconcentração relativa, tentam


determinar quais as suas conseqüências regionais e os limites deste processo,
isto é, até que ponto o ensaio desconcentracionista tende a avançar (ou não) e
quais os setores e regiões que se beneficiariam dele. Para isto, incorporam a
questão dos mercados regionais, a mudança do caráter do Estado brasileiro, as

7
modificações ocorridas no paradigma tecnológico vigente, a dinâmica da inserção
brasileira na Divisão Internacional do Trabalho, além da própria Divisão inter-
regional do Trabalho no Brasil.

I.1 Política Regional nos Anos 90

Com o início da década de 1990, a continuidade da crise fiscal e o advento do


chamado processo de globalização (abertura comercial, liberalização financeira,
desnacionalização e privatização de parcela da estrutura produtiva etc) fazem
com que as políticas públicas de mitigação das disparidades regionais – em
âmbito nacional e integrado – deixem de fazer parte até mesmo do imaginário dos
policy makers (SIMÕES, 2003).

Diniz ressalta que a única política regional de âmbito federal na gestão Fernando
Henrique Cardoso – os Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento, do
Ministério da Integração Nacional – avançou ao tentar vincular potencialidades
regionais com o mercado externo e criar efeitos sinérgicos entre a infra-estrutura
física/social e atividades produtivas, trazendo, também, implicações contraditórias
à idéia de redução das desigualdades regionais, a saber: 1) viés excessivamente
exportador, sem preocupação com a integração inter-regional brasileira; 2)
abandono de uma integração mais orgânica com os países do Mercosul; 3) falta
de ênfase nas questões estruturais – saneamento, habitação, educação – que
amenizariam a brutal concentração de renda no país; 4) existência de projetos
concorrentes sem definição clara das instâncias de arbitragem; 5) inexistência de
uma política tecnológica regionalizada; 6) incompatibilidade entre instâncias e
instrumentos de política econômica existentes como os objetivos explícitos do
programa; e 7) inexistência de diretrizes de integração urbana entre os eixos,
respeitando suas centralidades e espaços polarizados (DINIZ, 2002). Também
Cano afirma que os eixos “(...) constituíam vetores ligando zonas produtivas a
portos de exportação (...) apenas tocando pontos de origem-destino, pouco ou
nada fazendo em prol dos maiores espaços regionais em que estavam inseridos,
(...) praticamente ignorando os problemas urbanos e sociais das cidades maiores

8
envolvidas pelos eixos” (CANO, 2002:281). Ao contrário de políticas regionais
integradas e de âmbito macro-espacial, o que vimos acontecer durante os anos
de 1990 é aquilo que podemos designar como sobrevalorização da ideologia do
poder local2. Como bem destacou Cano3 (CANO, 2002:282 et passim):

“(...) os antigos instrumentos e instituições que se ocupavam


dessa temática [redução das disparidades regionais]
feneceram, dando lugar a novas e modernas idéias, como as
do poder local, da região (ou cidade) competitiva (...). Dado o
quadro econômico que se delineava após a abertura de
1994, alguns estudiosos da questão regional passaram a
pensar que, em virtude da (propalada) nova inserção externa
do país, suas distintas regiões cada vez mais buscariam
inserções próprias, desvinculando-se, em parte, do restante
do território nacional.

Dessa forma,

“(...) seria necessário construir uma nova política nacional de


desenvolvimento regional, adequada à nova era. Tal
proposição deveria buscar (...) descobrir, redescobrir ou
fomentar as potencialidades competitivas das distintas
regiões brasileiras (...) que combateriam as disparidades
regionais”.

Essa nova política de desenvolvimento regional, em grande medida, passa a dar


ênfase – seguindo a mesma trilha das políticas de cunho setorial industrial – na
promoção e incentivo aos chamados aglomerados produtivos locais, as clustering
policies derivadas da concepções marshalianas de especialização e distrito
industrial (MARSHAL,1920).

2
Não nos cabe aqui avaliar e nem mesmo apresentar a discussão sobre poder local. Ver BENKO &
LIPIETZ (1992), ALBAGLI (1999), GRANOVETER (1985), ZEITLIN (1992), PUTNAN (1993),
FERNANDES (2001), dentre outros.
3
Esse autor, assim como PACHECO (1998), também destaca a efetiva possibilidade de
fragmentação nacional derivada deste processo.

9
Enfatizando a dimensão locacional, a famosa tríade marshaliana4 destaca que as
vantagens da produção em escala operam de forma mais eficiente a partir da
concentração espacial de um grande número de pequenas e médias empresas
(PME’s) num locus específico. Tal concentração provocaria o equacionamento da
dicotomia competição-cooperação, aumentando a eficiência e por conseguinte a
capacidade competitiva das empresas envolvidas no processo. Isto dar-se-ia pela
articulação entre economias externas – resultado imediato da aglomeração
espacial – e “ação conjunta” dentro do próprio distrito. A “eficiência coletiva”
resultante propiciaria as vantagens deste tipo de aglomeração5. Neste contexto, o
papel das economias de escala externas torna-se essencial.

Complementando a concepção marshalliana, análises mais recentes tendem a


frisar o papel das relações entre os agentes, sendo estes vínculos tão importantes
quanto a redução de custos via usufruto de economias de escala e redução das
porosidades do processo produtivo.6 Segundo Nadvi, as economias externas
seriam o elemento passivo dos clusters enquanto a “ação conjunta” seria o
elemento catalisador. (NADVI, 1997)

Mais que isso, para o bom funcionamento do cluster, este papel de coordenação
deve ser exercido por instituições, públicas e/ou privadas – tais como sindicatos
patronais, centros de apoio às empresas, poder público local – dando suporte
organizacional às empresas participantes.

Desta forma, as clustering policies passam a ser vistas como uma nova panacéia
para a resolução dos problemas regionais, e sua implementação a garantia de
aproveitamento das potencialidades regionais levando a uma melhor inserção nos

4
Sinteticamente, essa tríade pode ser definida como as economias externas decorrentes de
spillovers de conhecimento, formação e especialização do mercado de trabalho e encadeamentos
setoriais com fornecedores e prestamistas.
5
Vale dizer, “(...) a divisão do trabalho entre as firmas do distrito provoca fortes economias de
escala ao potencializar o uso especializado de recursos produtivos, como treinamento de mão-de-
obra e na rápida circulação de informações” (GARCIA, 1996:26).
6
Estas sinergias advêm de “(...) interações diversas, parcerias público-privadas, envolvendo oferta
de recursos de infra-estrutura, e cooperação fornecedores-clientes” (LINS, 2000:237).

10
mercados nacionais e até internacionais. Como destaca o documento “Cresce
Minas: um projeto brasileiro”(FIEMG, 2000) :

“(...) com a escassez de capital, de incentivos fiscais e de


autonomia do estado para definir as linhas de uma política
macroeconômica [é necessário] implantar um novo modelo
de desenvolvimento socioeconômico baseado no conceito de
cluster,[sendo que] a força aglutinadora de um cluster é
capaz de contribuir, de forma decisiva, para o aumento da
competitividade local e resolução de desigualdades sociais e
regionais”[grifos nossos].

Esse tipo de política se demonstra vantagens ao privilegiar uma orientação para


um crescimento sustentável economicamente – sem necessidade de aportes
perenes por parte do setor público – também gera problemas graves do ponto de
vista da integração produtiva nacional (SIMÕES, 2003). Posta a variedade de
especializações setoriais/regionais e a necessidade de adaptação das políticas às
especificidades de cada arranjo local, as ações podem deixar de demonstrar uma
unidade, naquilo que Cano chama de fragmentação da política regional, podendo
levar à “(...) quebra de elos importantes de cadeias produtivas, muitas de âmbito
inter-regional” (CANO, 2002:283). Mais que isto, relembra o autor, as escalas sub-
nacionais em países periféricos não possuem a fiscalidade necessária a uma
atuação que vise a mitigar desequilíbrios regionais da magnitude dos brasileiros7.

Martin & Tyler destacam ainda que a ênfase nesta nova política regional deve ser
entendida a partir da situação específica dos países centrais, nos quais os
desequilíbrios inter e intra-regionais se dão marginalmente, ou seja, acontecem
preponderantemente nas diferenças entre taxas de crescimento e de desemprego
(MARTIN & TYLER, 1999). Países como o Brasil, nos quais os desequilíbrios
7
A Professora Tânia Bacelar, citada em SIMÕES (2002), destaca a centralidade da escala nacional
na formulação de políticas de desenvolvimento regional e a atualidade dos “velhos” instrumentos de
política regional para encarar desequilíbrios regionais da monta do brasileiro. Apesar disso também
reafirma a importância da escala local, principalmente no que se refere ao papel das instituições
locais e regionais na identificação de especificidades e potencialidades setoriais. Esse fato,
segundo Bandeira, garantiria, ademais, maior representatividade política e transparência na gestão
(BANDEIRA (2000).

11
regionais manifestam-se fortemente no valor das magnitudes iniciais dos
agregados (PIB, VTI, dotação de infra-estrutura etc), necessitam de mediação
entre o abandono puro e simples das tradicionais “políticas de áreas assistidas” e
a adoção de estratégias de picking winners, tais como as preconizadas pelas
clustering policies8 . Como afirma Martin (MARTIN, 1999:9 et passim):

“Políticas de Clusters são focadas para áreas de potencial e


de sucesso, ao invés de problemáticas de declínio
econômico. [Elas] abandonam o conceito de ‘áreas
assistidas’ por outro baseado em ‘focos de crescimento
local.’”

Mais que isso, destaca que:

“Política de Clusters talvez não tragam benefícios para


localidades deprimidas e podem acentuar o desenvolvimento
desigual entre regiões.”

Assim, a mediação entre as políticas regionais tradicionais – incentivos fiscais,


subsídios etc - e as políticas “modernas” de identificação e incentivo de vantagens
competitivas regionais deve passar, necessariamente, por aquilo que David,
citado em Suzigan, chama de “(...) esforços empíricos e analíticos para discernir e
quantificar a variedade e heterogeneidade dos processos interdependentes que
conformam as dimensões geográficas do desenvolvimento regional” (DAVID,
1999) (SUZIGAN, 2001:30). Como o próprio Suzigan destaca em sua “Agenda de
Pesquisa Aplicada” sobre aglomerações industriais no Brasil, é preciso intensificar
a produção de evidências empíricas sobre aglomerações produtivas, no entanto,
mais do que isso, ressalta que clustering policies não são panacéia e que:

8
Não cabe aqui uma avaliação das clustering policies como política industrial e tecnológica. Para
uma rigorosa avaliação sobre o tema, ver Suzigan (SUZIGAN, 2001) e Cassiolato (CASSIOLATO
(2000).

12
“Problemas mais gerais de desequilíbrios econômico
regionais devem ser tratados por políticas de âmbito regional
ou nacional. Estudos de aglomerações industriais devem
visar apenas entender e avaliar empiricamente fenômenos
de organização industrial no espaço geográfico.” (SUZIGAN,
2001:37)

Nesse sentido Parr, analisando políticas de desenvolvimento regional sublinha


que, a despeito das severas críticas às chamadas estratégias de pólos de
crescimento:

“(...) ecos das estratégias de crescimento polarizado ainda


são ouvidos (principalmente) nos argumentos favoráveis ao
desenvolvimento baseado em tecnópolis ou parques
tecnológicos, e, mais recentemente, nas políticas de clusters
industriais regionais” [grifos nossos]. (PARR, 1999:1264)

Assim, identificar espacialmente cadeias produtivas e suas porosidades ainda


pode ser considerado relevante “input of regional policy”, pois permite selecionar
complexos industriais e seqüências produtivas com possibilidade de incentivo,
aproveitando suas potencialidades regionais e principalmente seus linkages com
a economia nacional (SIMOES, 2003).

Desta forma, podemos dizer que “velhas” políticas e “velhos” instrumentos,


passam a figurar, novamente, na agenda regional brasileira.

II – DIRETRIZES GERAIS PARA UMA POLÍTICA REGIONAL NO BRASIL

Pelo exposto até aqui fica evidente que, dada a magnitude da desigualdade
regional brasileira e a virtual inexistência de uma política de cunho regional em
âmbito nacional no país, qualquer diretriz para a formulação de uma política que
vise a mitigação dos desequilíbrios regionais no Brasil deve partir,
necessariamente, da recuperação da capacidade de planejamento do Estado
brasileiro. Nas palavras de Diniz, é preciso retomar “(...) o planejamento nacional,

13
no qual a visão de problemas, potencialidades e prioridades regionais e setoriais
esteja organicamente inserida”, para que possa-se obter coerência e
funcionalidade entre políticas, sejam de cunho macroeconômico ou setorial, e as
diretrizes para o desenvolvimento regional (DINIZ, 2002:267). Atrelado a isso faz-
se imprescindível a criação de um sistema de coordenação da política regional,
inserido no sistema nacional de planejamento, que operacionalize
institucionalmente:

i) a atuação das várias instâncias federativas, a fim de que se elimine


a chamada “guerra fiscal”9;
ii) o novo papel e a futura atuação das agências governamentais de
desenvolvimento regional;
iii) o papel do sistema bancário e dos fundos públicos no financiamento
do desenvolvimento regional.

Sobre esse último ponto Crocco destaca que pode-se pensar em três pilares,
necessariamente integrados, na construção de uma política de financiamento do
desenvolvimento regional: os Fundos Oficiais de Financiamento; o papel dos
Bancos Oficiais (BNDES, BNB, Banco do Brasil, etc.); e, por fim, o marco
regulatório dos Bancos Comerciais Privados (CROCCO, 2003) . Vale dizer, o
autor enfatiza a idéia de que o financiamento do desenvolvimento regional deve
combinar instrumentos públicos e privados, que seriam combinados de forma a
criar sinergias.

Segundo Crocco, o Ministério da Integração Nacional teria um papel central tanto


na elaboração da política de desenvolvimento regional, quanto no financiamento
desta. Caberia a ele centralizar os recursos orçamentários destinados ao
desenvolvimento regional, coordenando todos os Fundos, que concentrar-se-iam
em um único – por exemplo, um Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional

9
A discussão sobre os efeitos deletérios da guerra fiscal no desenvolvimento brasileiro merece um
estudo à parte. Aqui cabe destacar que, além de desestruturar os preços relativos, a renúncia de
arrecadação por parte dos estados nem sempre é compensada pela geração de empregos e
estímulo à economia.

14
(Funder)10, facilitando uma intervenção coordenada em todas as regiões. A idéia
central é superar, tanto do ponto de vista da elaboração de uma política regional,
quanto do financiamento desta, a regionalização administrativa (CROCCO, 2003).

Como destaca Diniz, é necessário estabelecer uma nova “(...) regionalização para
fins de planejamento, estabelecendo os macro, meso e micropólos, e as
respectivas macro, meso e microrregiões, como referência para a política
regional.”11 (DINIZ, 2002:268) Este procedimento poderia dar à política regional
uma dimensão nacional, evitando contradições e superposições de instrumentos e
recursos.

Em linhas gerais, este Fundo Único (Funder) teria como prioridade o


financiamento de programas estruturantes tais como infra-estrutura,
desenvolvimento setorial, adensamento de cadeias produtivas etc. Sua
operacionalidade ocorreria através dos bancos oficiais como BNB, por exemplo.
Além disto, a gestão do Funder deveria ter os objetivos, as alocações de recursos
e os prazos de duração afeitos a cada objetivo, aos moldes do Fundo Europeu de
Desenvolvimento Regional (Feder). Este último define os problemas regionais a
serem enfrentados, o percentual a ser alocado para cada objetivo e a duração do
programa.

Continuando com o argumento de Crocco, o segundo pilar desta nova política de


financiamento do desenvolvimento regional se basearia na atuação dos bancos
oficiais. As vocações destes seriam, também, direcionadas para o
desenvolvimento regional. A idéia central é definir a utilização das fontes de
acordo com sua origem. Assim sendo, o BNDES, por exemplo, utilizaria seus
recursos, que seriam distintos do FUNDER, para também atuar no
desenvolvimento regional, mas através de programas cujos objetivos seriam

10
Essa sugestão de criação de um fundo único aparece primeiramente em Diniz, em artigo
preparado para os “Painéis do Desenvolvimento Brasileiro” realizado pelo BNDES (DINIZ, 2002).
11
Diniz argumenta, ainda, que a delimitação do espaço nacional através das regiões administrativas
do IBGE, não atende às necessidades de planejamento, uma vez que a indução do
desenvolvimento é associada a uma dinâmica espacial que não é captada pela divisão do país nas
tradicionais regiões administrativas (DINIZ, 2002) .

15
distintos dos objetivos do fundo único. Pode-se pensar que

“(...) enquanto o Fundo Único seria responsável por projetos


estruturantes, o BNDES utilizaria seus recursos para o
financiamento direto às empresas, em programas que
visassem a capacitação destas, tais como capacitação
tecnológica e de recursos humanos, crédito para exportação,
entre outros. De forma semelhante, tanto o Banco do Brasil
quanto a Caixa Econômica Federal atuariam centrados, por
exemplo, na agricultura e em moradias. Estas já são áreas
tradicionais de atuação destes Bancos, que seriam
modificadas apenas para atender, de forma diferenciada,
regiões específicas”(CROCCO, 2003).

Por fim, os Bancos Comerciais Privados deveriam possuir regulamentação


específica que estimulasse a oferta de crédito nas regiões mais atrasadas. Uma
vez que existem em regiões mais atrasadas estímulos tanto para os bancos
comerciais não ofertarem créditos quanto para o público não demandá-los,12 além
de um forte incentivo à transferência de recursos para regiões mais
desenvolvidas, se faz necessária uma regulamentação específica para o setor
bancário privado, de forma a incentivá-lo a ofertar créditos em regiões periféricas.
Esta regulamentação serviria de complemento às ações do Funder e dos bancos
oficiais, que serviriam como um estímulo externo à economia de uma região
específica. Tais ações tendem a criar um ambiente propício para que a demanda
por crédito fosse incentivada propiciando, desta forma, o surgimento de uma
atmosfera de sinergia entre a demanda e a oferta de crédito (CROCCO, 2003).

O exemplo da chamada Terceira Itália é ilustrativo. Como mostram Alessandrini &


Zazzaro, durante o boom econômico desta região, a legislação bancária italiana
não permitia a livre atuação dos grandes bancos nacionais por todo o país. A
configuração do sistema financeiro era determinada pela presença de bancos

12
Para uma discussão aprofundada deste tema ver CROCCO (2003) e CROCCO et. al. (2002).

16
locais, atuando em espaços geográficos determinados, e pequenos bancos
nacionais, com pouca liberdade de atuação (ALESSANDRINI & ZAZZARO, 1999).
Como enfatiza Crocco:

“Esta configuração condicionava a ação dos bancos


locais, fazendo com que o desempenho destes se tornasse
dependente do desempenho das empresas da região. Com
isto, o sucesso econômico da região era vital para a
sobrevivência dos bancos, determinando, assim, uma relação
mais cooperativa com as empresas locais. Esta configuração
institucional ajudou, sem sombra de dúvida, no sucesso obtido
pelas pequenas e médias empresas desta região. Uma
regulamentação diferenciada para os Bancos Comerciais no
Brasil poderia incluir uma série de medidas, dentre as quais
merece destaque a definição de taxas de recolhimento
compulsório diferenciada por região;13 a definição de
composição do ativo das agências mais direcionado para o
cliente local; e a diferenciação na definição do grau de
alavancagem de agências por região” (CROCCO, 2003:26).

Podemos destacar ainda outros elementos que, combinados, também reforçariam


este novo arcabouço institucional. O primeiro deles é o próprio gasto
governamental que poderia atuar como um importante elemento no processo de
redução das desigualdades regionais, além de ser um instrumento de estímulo da
demanda efetiva da economia. A inclusão de um componente regional, além do
componente preço, no escopo da política de compras governamentais poderia
também ajudar a reduzir as disparidades regionais. Ao estimular determinadas
regiões com o seu gasto, o governo estaria incentivando economicamente esta
região, além de contribuir para o surgimento de um ambiente mais propício para
os negócios, fato este, estimulador tanto da demanda, quanto da oferta de crédito
(CROCCO, 2003).

13
Fato este que já ocorreu na regulamentação bancária brasileira.

17
Um outro elemento de apoio à política de desenvolvimento regional seria a sua
articulação com as políticas de outras áreas. A política de desenvolvimento
tecnológico, por exemplo, poderia ser utilizada como instrumento adicional,
através de diversas ações, tais como: o financiamento de aglomerações
produtivas locais e a diversificação regional da estrutura de produção científica e
tecnológica do país. Devemos atentar que as políticas industrial e setorial podem
tanto contribuir para combater o desequilíbrio regional, como também ampliá-lo.
Vale dizer, ao incentivar a concentração da produção industrial em áreas que
possuam vantagens comparativas já estabelecidas – ao estilo das clustering
policies – o componente de desigualdade é inerente. A suposta vinculação do
ambiente local diretamente à escala global – por intermédio da ênfase na
competitividade externa – pode vir a promover uma desintegração regional em
tudo maléfica ao país, dada a importância do fortalecimento dos linkages
intersetoriais internos na geração de renda e emprego (SIMÕES, 2003).

Outro elemento primordial se pensamos em uma política de desenvolvimento


regional no Brasil vem a ser a necessidade de criação de critérios transparentes
de elegibilidade para usufruto de incentivos presentes nas diversas políticas e
ações governamentais. Tais critérios deveriam ser pensados levando em conta a
participação da sociedade civil – aos moldes dos conselhos de desenvolvimento já
existentes (BANDEIRA,2002); a seletividade setorial do incentivo regional
(SIMÕES,2003); os impactos ambientais e a busca pela sustentabilidade (DINIZ,
2002); os impactos na redistribuição de renda e ativos (CANO, 2002), dentre
outros.

Por fim, devemos destacar a necessidade de uma política urbana integrada às


políticas regionais, com a reintrodução da escala metropolitana do planejamento,
mas com especial ênfase no “(...) fortalecimento de uma rede de cidades de
médio porte, que fosse capaz de dar suporte à expansão produtiva e, ao mesmo
tempo. Servisse de freio ao processo migratório para as grandes metrópoles.”
(DINIZ, 2002:268)

18
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Marcosur, Portal Porto Alegre, ActionAid e Fundação Rosa Luxemburgo

A Reinvenção da Democracia

John Holloway
professor da Universidade de Puebla (México)

¿Qué hacer con la desilusión? ¿Qué hacer cuando la democracia no funciona?

Brasil es un lugar muy especial para plantear esta pregunta. Hace apenas dos
años la izquierda mundial festejó el triunfo de Lula en las elecciones. Aquí por
fin hubo una gran victoria para la democracia, una victoria real para la izquierda.
Y no cualquier izquierda, sino de un partido de militancia comprobada, con un
líder obrero de militancia comprobada. Aquí por fin todo el mundo podía ver que
era posible cambiar la sociedad a través de las elecciones democráticas.

¿Y ahora? Ahora, dos años después, la desilusión total. La elección de Lula no


ha cambiado Brasil, el gobierno sigue implementando las mismas políticas, las
políticas del capitalismo neoliberal. ¿Qué van a hacer entonces con la
desilusión? ¿Escoger otro líder y esperar que resulte mejor que Lula? ¿Formar
otro partido y esperar que sea mejor que el PT? Esto es lo terrible de los
gobiernos de izquierda: cuando fracasan (y siempre fracasan) parece que no
hay ninguna solución y se instala la depresión.

1
El fracaso de Lula no es simplemente un fenómeno brasileño. Es la repetición
en Brasil de una experiencia mundial. Hay una palabra que ocurre una y otra
vez en la historia de la izquierda estadocéntrica en todo el mundo: traición. El
hecho de que la traición se repite tan seguido hace que el concepto mismo de
“traición” es ridículo. El fracaso de la izquierda no puede ser simplemente
cuestión de traición, de la culpa de un líder ni de la culpa de un partido: tiene
que tener algo que ver con las estructuras mismas. El hecho de que no es
simplemente una experiencia brasileña significa que tenemos que ir más allá de
una crítica de Lula o del PT.

II

El problema no es Lula ni el PT sino la democracia representativa. La


democracia representativa no es nuestra democracia, es la democracia de ellos,
la democracia del capital. No articula nuestro poder, articula el poder de ellos, el
poder del capital, el poder de los poderosos. Nuestro poder no es como el poder
de los poderosos. Es todo lo contrario. Nuestro poder es el poder-hacer, el
poder creativo. Nuestro poder-hacer es el poder de producir y reproducir la vida,
pero también el poder de hacer las cosas de otra manera, el poder de cambiar
el mundo. Este es el poder que sentimos en un evento como este: una
confianza colectiva de que podemos hacer las cosas de otra manera.

Nuestro poder es un poder colectivo, un poder social. El hacer es el centro de


nuestro poder, y es imposible imaginar un hacer que no sea social, un hacer que
no dependa de los haceres de otros, en el pasado o en el presente. Nuestro
hacer es siempre parte de un flujo social del hacer. El desarrollo de nuestro
poder siempre implica el reconocimiento explícito de la socialidad del hacer,
implica, en otras palabras, un movimiento de reunir, de afirmar una subjetividad
social, un Nosotros creativo.

El poder de los poderosos es todo lo contrario. Detrás de sus armas y de sus


bombas hay un movimiento de separación, de fragmentación. El capital es un

2
movimiento de separación que fragmenta la socialidad del hacer. El capital toma
lo que los hacedores han hecho y dice “¡esto es mío!” El capitalista rompe el
hacer, separa lo hecho del hacer y del hacedor, y con eso todo se rompe, cada
aspecto de la vida. Sobre todo nosotros estamos rotos. Nosotros estamos rotos
como sujeto social, despedazados en millones de individuos atomizados. El
capital es la ruptura del hacer social, y cuando el hacer se rompe, el ser se
impone, lo que es domina.

Vemos los horrores del mundo, los niños que mueren, la pobreza y la injusticia,
las bombas que caen, y gritamos “¡NO! No puede ser. Tenemos que cambiar el
mundo, tenemos que hacer otro mundo” Y ellos se ríen: “Ustedes son nada más
un grupo de individuos. No pueden cambiar el mundo porque el mundo es así,
así son las cosas”. Están equivocados, por supuesto. Lo que es es solamente
porque nosotros lo hemos hecho y lo seguimos haciendo. Lo que es depende de
nuestro hacer. El capital depende de nosotros. El capital se ve tan estable, se ve
como algo eterno. Pero no lo es. Existe solo porque nosotros lo creamos, no
porque lo creamos hace doscientos años, sino porque lo creamos hoy, lo
estamos creando hoy. El problema no es abolir el capitalismo, el problema es
dejar de crearlo.

El conflicto entre nuestro poder y él de ellos (nuestro poder-hacer y el poder-


sobre de ellos) no es simplemente un conflicto entre el poder de abajo y el poder
de arriba. Nuestro poder es el poder del hacer, del crear, de la socialidad. El
poder de ellos es el poder de separar, de individualizar, el poder de lo que es.
Nuestro poder disuelve, el poder de ellos fija. Son dos movimientos muy
distintos, dos lógicas distintas, dos lenguajes distintos, dos formas distintas de
organización.

Es importante reconocer esto, porque ellos (los poderosos, los capitalistas)


siempre están tratando de jalarnos hacia su lógica, su lenguaje, su forma de
hacer y de pensar. Lo hacen de muchas maneras, y una de las maneras más
importantes es a través de la democracia, invitándonos a jugar su juego de la

3
democracia.

III

Nuestra democracia no es como la democracia de los poderosos. Todo lo


contrario. De la misma forma en que hay dos tipos de poder, también hay dos
tipos de democracia: la democracia de ellos, de los poderosos, y nuestra
democracia, la democracia de la resistencia. Representación es el principio de la
democracia de ellos: ¡deja que alguien tome tu lugar!

Participamos en las decisiones del estado, dicen, escogiendo a nuestros


representantes. No hay otra forma, dicen, porque los estados modernos no son
como las polis griegas: sería imposible incluir a cincuenta o cien millones de
personas en una asamblea, por lo tanto, dicen, la única forma en que la
democracia puede funcionar es a través de la elección de representantes. Por lo
tanto, en las sociedades modernas, dicen, la democracia significa
representación. En las elecciones escogemos libremente quién va a hablar por
nosotros, quién nos va a representar en el parlamento y formar el gobierno. Si
no nos gustan, los podemos cambiar después de tres o cuatro años. Votando
participamos en el gobierno del país. La representación significa democracia y
democracia es buena, dicen.

Pero entonces ¿por qué es un desastre? ¿Por qué no funciona? ¿Por qué
sentimos que estamos excluidos? ¿Por qué, bajo Bush y Blair, la democracia se
ha convertido en un arma de destrucción masiva? ¿Por qué es que cuando la
gente elige a Lula para cambiar la sociedad, no pasa nada?

Es porque la representación nos excluye en lugar de incluirnos. En las


elecciones escogemos a alguien para hablar por nosotros, para tomar nuestro
lugar. Nos excluimos a nosotros mismos. Creamos una separación entre
aquellos que representan y nosotros los representados, y congelamos esta
separación en el tiempo, dándole una duración, excluyendo a nosotros como

4
sujetos hasta que tengamos la oportunidad de renovar la separación en las
próximas elecciones. Se crea un mundo de la política, separado de la vida
cotidiana de la sociedad, un mundo de la política poblado por una casta distinta
de gente que habla su propio lenguaje y tiene su propia lógica, la lógica del
poder. No es que esta gente esté totalmente separada de la sociedad y sus
antagonismos, porque se tienen que preocupar por la próxima elección y las
encuestas y los grupos organizados de presión, pero ven y escuchan solamente
aquello que está traducido a su mundo, a su lenguaje, a su lógica. Al mismo
tiempo se crea un mundo paralelo, un mundo teórico, académico que refleja
esta separación entre política y sociedad, el mundo de la ciencia política y del
periodismo político, que nos enseña el lenguaje y la lógica peculiares de los
políticos y nos ayuda a ver el mundo a través de sus ojos ciegos.

La representación es parte del proceso general de separación que es el


capitalismo. Es totalmente falso pensar en el gobierno representativo como un
desafío o como un desafío potencial al capital. La democracia representativa no
está opuesta al capitalismo: es más bien una extensión del capital, proyecta el
principio de la dominación capitalista (es decir, la separación) dentro de nuestra
oposición al capital. La representación consolida la atomización de los individuos
(y la fetichización del tiempo y del espacio) que el capital impone. La
representación separa a los representantes de los representados, a los líderes
de las masas, e impone estructuras jerárquicas. La izquierda siempre acusa a
los líderes y los representantes de traición, pero no hay ninguna traición, o más
bien la traición no es un acto de los líderes sino que es parte integrante del
proceso de representación. Traicionamos a nosotros mismos cuando le decimos
a alguien: “toma tu mi lugar, habla por mí”. Elección es traición.

III

¡Ya basta de representación! ¡Ya basta de representantes! ¡Que se vayan todos!


El grito de los argentinos es un grito en contra de todos los políticos, en contra
de todos aquellos que quieren representarnos, que quieren tomar nuestro lugar.

5
"¡Que se vayan todos!” es un grito que resuena en todo el mundo porque en
todo el mundo la gente está harta de los políticos profesionales, de aquellos
miserables que toman nuestro lugar, que nos representan.

No es un grito en contra de la democracia, sino por otro tipo de democracia, una


democracia sin representantes, una democracia que no nos excluya, una
democracia que sea nuestra. Estamos re-inventando la democracia.

Tenemos que empezar otra vez desde el principio, y el principio es el grito, el


grito de NO a la sociedad como existe, el grito de NO al capitalismo. El grito es
tan obvio en Brasil como lo es en México: un grito de NO a este contraste
terrible entre una potencial humana tan exuberante y una miseria tan espantosa.
La única forma en la que podamos vivir como humanos es diciendo NO,
gritando NO.

Pero el NO contiene un Sí, un proyecto, una proyección de otro mundo. Gritar


NO a este mundo es decir que otro mundo es posible. Otro mundo es posible
porque nosotros lo podemos hacer diferente. Lo podemos hacer diferente si
nosotros logramos determinar nuestro propio hacer. El grito de NO y el proyecto
que contiene de otro mundo implica un impulso hacia la auto-determinación.
NO, ustedes no van a decidir por nosotros, nosotros mismos vamos a decidir.
Reinventar la democracia significa articular este impulso hacia la auto-
determinación.

El impulso hacia la auto-determinación no es la auto-determinación: no puede


haber auto-determinación en una sociedad capitalista, simplemente por que el
capitalismo está basado en la negación de la auto-determinación. El impulso
hacia la auto-determinación es un movimiento, un mover, basado en la
negación, en el NO. No tenemos auto-determinación, lo que tenemos es un NO
a la determinación ajena y el impulso hacia la auto-determinación. Empezamos
desde el NO y nos movemos para fuera. En otras palabras, empezamos desde
las fisuras, las grietas en la dominación capitalista. Empezamos desde los NO,

6
desde las negaciones, las insubordinaciones, las proyecciones en-contra-y-más-
allá que existen por todos lados. El mundo está lleno de fisuras de este tipo, de
negaciones. En todas partes del mundo hay gente diciendo, individual y
colectivamente “No, no vamos a hacer lo que nos dice el capitalismo: vamos a
moldear nuestras vidas como nosotros queremos”. A veces estas fisuras son tan
pequeñas que ni los rebeldes mismos están conscientes de su propia rebeldía,
a veces son tan grandes como la Selva Lacandona – y mientras más nos
enfocamos en ellas, más empezamos a ver el mundo no como un sistema
cerrado de dominación total capitalista, sino como un mundo lleno de fisuras, de
negaciones, de resistencias, un mundo preñado de otro mundo. Cada fisura es
un impulso hacia este otro mundo, es decir un impulso hacia la auto-
determinación. Nuestra lucha es para extender y multiplicar y profundizar y
fortalecer estas fisuras. Estamos hablando de revolución, pero en la única forma
en la cuál es posible concebir la revolución ahora, como revolución intersticial.

Esta es la reinvención de la democracia, una reinvención que ya está en


progreso. Este es un proceso fragmentado pero universal y con raíces
profundas. Tiene sus raíces en la práctica cotidiana de la gente. Normalmente
no mandamos a la gente que queremos: discutimos, buscamos un consenso,
desarrollamos formas colectivas de tomar decisiones, formas horizontales: este
es el significado de la amistad o del compañerismo. Muchas de las luchas
actuales contra el capitalismo en el mundo toman como principio básico de la
organización que el movimiento debería ser una extensión de relaciones de
amistad y compañerismo de este tipo. La meta básica de la organización es
extender formas colectivas y horizontales de tomar decisiones. Donde alguna
forma de delegación es necesaria, es importante que sea posible revocar la
delegación de inmediato, que sea de duración corta y, en la medida de lo
posible, que haya rotación de los delegados.

La reinvención de la democracia es, por supuesto, una renovación de una larga


tradición de organización en la lucha anti-capitalista: es la tradición de la
democracia concejista o comunista o asemblista, que está discutida en el

7
análisis de Marx de la Comuna de Paris, que se puede encontrar en los soviets
de la revolución rusa, los concejos comunitarios de los zapatistas, las
asambleas barriales argentinas y en muchos otros movimientos.

Decir que la democracia representativa no es una forma de organización


adecuada para el impulso hacia la auto-determinación no significa, por
supuesto, que la democracia directa o concejista no tenga sus problemas. La
distinción entre delegados y representantes es crucial, pero siempre va a
depender en la práctica de la participación activa de la gente. También en una
comunidad pequeña hay muchos problemas prácticos relacionados con aquella
gente que no puede o no quiere participar activamente en el proceso, el peso
disproporcional que adquiere la gente más activa o más articulada, etcétera.

Probablemente problemas de este tipo son inevitables, en la medida en que un


sistema perfecto de democracia directa implicaría la participación de personas
emancipadas. Pero no somos (todavía) emancipadas. Somos más bien
discapacitados ayudándonos mutuamente a caminar, cayendo frecuentemente.
Sin duda alguna hay algunos que pueden caminar mejor que otros: en este
sentido la existencia de algún tipo de vanguardia probablemente no se puede
evitar. La pregunta es si estos medio-discapacitados deberían avanzar corriendo
– como vanguardia – dejando a los otros gateando en el piso y gritándonos “no
se preocupen, vamos a hacer la revolución y regresaremos para ustedes” (pero
sabemos que no lo van a hacer), o si tratamos mejor de avanzar al mismo paso,
ayudando a los más lentos.

Probablemente uno no puede pensar en la democracia directa como modelo o


como una serie de reglas sino más bien como orientación como lucha incesante
para destilar el impulso hacia la auto-determinación social que existe dentro de
todos nosotros. No puede haber modelo fijo precisamente porque el impulso
hacia la auto-determinación es el movimiento de una pregunta. Lo que es
importante no es el detalle sino el sentido del movimiento: en contra de la
separación y la substitución, hacia el fortalecimiento de la comunidad de lucha,

8
una comunidad basada en el reconocimiento mutua de la dignidad humana.

IV

¿Qué hacer, entonces, con nuestra desilusión? En todo el mundo existe el


mismo desencanto, una crisis de confianza en el estado y en la posibilidad de
lograr cambios a través de la democracia representativa, una crisis de confianza
en los partidos políticos. La pregunta para nosotros es cómo reaccionamos a
esta crisis. ¿Decimos “vamos a luchar por un estado justo con una democracia
representativa genuina y vamos a fundar un partido político nuevo y honesto que
realmente representa los intereses de sus miembros” o decimos simplemente
“NO al estado, no a la democracia representativa, no a los partidos políticos”?

La respuesta es clara. Decimos NO al estado, a la democracia representativa, a


los partidos políticos. No podemos cambiar el mundo a través del estado, ni a
través de la democracia representativa, ni a través de los partidos políticos.
Estas son formas de organización que nos excluyen, no articulan el impulso
hacia la auto-determinación. No estoy diciendo que no deberíamos nunca votar:
probablemente en algunas circunstancias sí tiene sentido votar. Pero está claro
que no podemos cambiar el mundo a través de las elecciones. La crisis de la
democracia y de los partidos no es un problema, es una oportunidad, una
oportunidad de reinventar la democracia y cambiar el mundo.

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