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CORRUPÇÃO, CULTURA E IDEOLOGIA

Fábio Wanderley Reis

O problema da corrupção é apenas uma face especial do


problema geral da política democrática. O desiderato
envolvido é o de regras que se mostrem efetivas em assegurar
tanto a autonomia dos cidadãos quanto a autonomia do Estado
perante os interesses privados e sua eficiência como
instrumento do interesse público, capaz de impor os
necessários limites à conduta dos cidadãos.
A democracia reconhece a cada um o direito de buscar
seus interesses, entendidos como objetivos próprios de
qualquer natureza. Os limites são dados pelo reconhecimento
de que essa busca não pode fazer-se de maneira pérfida,1
pronta a recorrer à violência ou à trapaça e a ignorar as
normas que as proíbam. Assim, ainda que a busca dos
interesses, em conexão com a idéia de autonomia, tenha, com
efeito, de ser afirmada como valor (e não vista como simples
objeto de capitulação realística diante de um suposto mal
inevitável), ela deve combinar-se com a afirmação do caráter
indispensável de normas não só apropriadas, mas efetivas.
Normas efetivas são aquelas que correspondem
autenticamente a uma cultura, vale dizer, que vêm a integrar
a orientação geral dos indivíduos de modo a operar espontânea
e prontamente em suas decisões sobre como agir em diferentes
situações (não obstante o elemento paradoxal de que um ideal
democrático mais exigente associa a noção de autonomia com a
capacidade, por parte dos indivíduos, de reflexividade e
distanciamento perante a sociedade e a cultura em que se vêem
imersos). Se a implantação real de uma cultura democrática,
dependendo desse enraizamento das normas apropriadas, já é,
naturalmente, difícil por si mesma, as dificuldades se tornam
maiores pelo fato de que não há jamais um vazio cultural que
favorecesse o enraizamento, e este terá de fazer-se contra
padrões sociopsicológicos ou culturais em operação, que
poderão, ademais, encontrar condições propícias no plano do
substrato estrutural.
No caso do Brasil, é bem clara a vigência de uma cultura
que vê com olhos lenientes a trapaça em favor do interesse
próprio e a inobservância das regras em qualquer plano, e que
provavelmente se articula com nossa herança de escravismo,
elitismo e desigualdade. Quer se trate das grandes
“maracutaias” que provocam a indignação da classe média
(curiosamente, já que ela sem dúvida compartilha a cultura em

1
Veja-se Oliver E. Williamson, “The Economics of Governance: Framework and Implications”,
Journal of Institutional and Theoretical Economics, vol. 140, no. 1, março de 1984.
questão), quer das formas mais brutais e violentas de
criminalidade, que se expandem, ou mesmo da instabilidade que
tem marcado tão longamente nossas instituições políticas,
essa cultura desatenta às regras se mostra de maneiras
diversas. Ela se revela, por exemplo, naquilo que nos
permitiu observar, no período recente, líderes políticos
destacados de diferentes partidos (presidente da República,
vice-presidente, ex-presidente, candidatos à Presidência...)
empenhados em distinguir, ao falar de condutas
inequivocamente criminosas diante da letra e do espírito da
lei, entre “o trigo e o joio”, na fórmula primeiro adotada de
público por Fernando Henrique Cardoso, distinção na qual o
“trigo” seria o crime “sem importância” do caixa dois. Mas
essa cultura surge também nos dados precisos de pesquisas
sistemáticas executadas em plano mundial, com numerosos
países de níveis distintos de desenvolvimento econômico e de
religiões e tradições culturais diversas, em que o Brasil
surge reiteradamente como o grande campeão da desconfiança
nas relações interpessoais: não vai além da faixa de míseros
3% a proporção dos brasileiros que responde positivamente à
pergunta sobre se se pode, em geral, confiar nas pessoas (a
proporção correspondente para os países escandinavos, por
exemplo, alcança 65% ou mais).2
Diante das dificuldades mencionadas, é ilusória a idéia
de que possamos inaugurar uma nova cultura, com o
enraizamento de normas autenticamente democráticas e cívicas,
por meio da “reforma moral” ou ideológica ou de uma espécie
de “conversão” coletiva. Essa idéia se acha subjacente à
valorização difundida, nos debates brasileiros, de certo
ideal de “política ideológica”, de acordo com o qual a boa
política seria aquela em que os agentes (em especial os
partidos e seus integrantes) se enfrentassem em torno de
“valores” diversos. Embora nítidos em suas diferenças, com
mensagens igualmente nítidas dirigidas aos eleitores, tais
agentes, na perspectiva em questão, estariam todos nobremente
orientados por concepções do “bem público”, em contraste com
a presumida vilania do jogo e das barganhas que se dão em
torno dos interesses, concebidos como estreitos e
particularistas (e esquecendo-se que a ocorrência de
solidariedade necessariamente define, ela própria, focos de
interesses, cuja relação com valores “universalistas” é
equívoca). É notável, em particular, como essa idealização se
opõe não só à cultura da “esperteza” avessa às regras (que
tem mesmo parte de sua explicação, talvez, na fatal

2
Veja-se, por exemplo, Ronald Inglehart e Wayne Baker, “Modernization, Cultural Change, and the
Persistence of Traditional Values”, American Sociological Review, vol. 65, no. 1, fevereiro de 2000, p. 36,
figura 4.
frustração das exigências “ideológicas” assim propostas para
a atividade política), mas também ao “realismo” que tende a
caracterizar o estudo da atividade econômica privada entre os
economistas profissionais. Nenhum economista que se preze
faria propostas destinadas a promover o desenvolvimento
econômico, por exemplo, com base na expectativa de que os
agentes se orientassem altruisticamente pela atenção ao
interesse público: o egoísmo e a busca do interesse próprio
surgem aqui como fatos da vida, a serem tratados como tal, e
é como se políticos e atores econômicos privados fossem
feitos de massas diferentes (ironicamente, com frequência
mesmo aos olhos dos economistas brasileiros).
Por outra parte, a ênfase no “modelo” de política
ideológica depara, no exame da questão da corrupção na
atualidade do país, uma dificuldade especial. Seria
problemático sustentar, em perspectiva mais abrangente, a
existência de peculiaridades significativas quanto à
corrupção no período pós-1985, em confronto com o Brasil da
ditadura ou com o de pré-1964. Há, porém, um aspecto
distintivo e revelador em que as denúncias de maior impacto
no período recente, aquelas relacionadas com o “mensalão” e a
compra de votos no Congresso, dizem respeito à atuação de um
partido, o PT, que inequivocamente se singularizou no quadro
dos partidos brasileiros por juntar a viabilidade eleitoral
com marcada orientação ideológica, além do suposto apego a
princípios éticos. Não obstante o fato de que os mecanismos
fraudulentos postos em prática, e até seus operadores, tenham
sido usados antes em campanha eleitoral do PSDB de Minas
Gerais, não há como negar que o uso deles feito no primeiro
mandato de Lula tem alcance e significado bem maiores, e não
admira que o PT se tenha visto envolvido, em consequência, em
crise de grandes proporções. Ora, não parece haver como
entender a singularidade do esquema armado em torno do PT
senão justamente pela marca ideológica e certa arrogância
sectária dela decorrente, resultando em que o partido, na
auto-imagem de virtude e de objetivos sociais generosos e na
visão toscamente “maquiavélica” dos mentores do esquema, se
sentisse autorizado a lidar de modo instrumental e pragmático
com os aliados “burgueses” e presumivelmente corruptos de
cujo apoio se via levado pelas circunstâncias a necessitar:
“é melhor comprá-los logo”.
Os matizes a respeito do papel da ideologia, porém, não
deveriam levar a que se esquecesse que a corrupção pode ter
significado e efeitos muito distintos conforme as feições
adquiridas pelo enfrentamento social, donde a importância do
“substrato” de que se falou acima. Note-se que as denúncias
recentes do “mar de lama” do mensalão, envolvendo
inquestionável componente social e de “esquerda” contra
“direita” dada a presença do PT e da figura de Lula, resultam
em dramáticos conflitos entre governo e oposição. Por esse
aspecto, a crise que vivemos há pouco se mostra claramente
afim à crise do governo Getúlio Vargas no já longínquo ano de
1954, em que a expressão “mar de lama” primeiro apareceu em
luta áspera entre esquerda e direita, com longos
desdobramentos negativos na vida político-institucional do
país. Comparem-se os dois casos com o ocorrido na crise que
levou ao impeachment de Collor. Embora envolvesse corrupção
intensa, a crise de Collor foi a crise do governo de um
aventureiro e outsider que conseguira chegar à Presidência,
mas não contava com maior penetração e apoio eleitoral e
político-partidário, não remetendo, em consequência, a
qualquer substrato de enfrentamento social. Collor conseguiu,
assim, a proeza de ser quase unanimemente repudiado – e o
ineditismo de seu impeachment, com a tranquilidade
institucional em que tais razões permitiram que fosse
conduzido, pode mesmo ser avaliado como tendo contribuído,
num cenário mundial em que a Guerra Fria já se via superada,
para o fortalecimento das instituições políticas do país
cujos efeitos não deixam de se fazer presentes na crise de
agora e no fato de que tampouco ela chega a assumir o caráter
de crise institucional.
Como quer que seja, as várias faces da experiência
brasileira mais ou menos recente com a corrupção levam a
considerar as complicações nas relações entre o papel das
normas e o jogo dos interesses na política democrática sadia.
Se a idealização contida no modelo da “política ideológica” é
sem dúvida equivocada, não é melhor o cinismo da difundida
cultura antinormas ou o destempero do realismo que a
corrupção protagonizada pelo PT evidenciou – ainda que tenha
sido bem-vindo, contra algumas opiniões à esquerda, o
aprendizado de realismo na administração econômica do país
manifestado no governo Lula. No plano conceitual, a atenção
para os matizes envolvidos leva a rejeitar também a aposta,
encontrada internacionalmente entre analistas de orientação
econômica, que vê surgir as virtudes da democracia autêntica
num “equilíbrio” que prescindiria das normas e supostamente
resultaria da mera acomodação recíproca e “automática” dos
interesses uns aos outros. Como as discussões têm mostrado, a
aposta, se difere da idealização inicial da política como tal
que caracteriza os economistas brasileiros, idealiza, na
verdade, de maneira afim aos supostos da economia
neoclássica, a própria idéia de interesses, ignorando a
perfídia que pode marcar a sua busca: desta pode nascer, em
vez do bom equilíbrio democrático, o equilíbrio perverso da
condição “pretoriana”, na qual a perseguição desregrada do
interesse próprio acarreta o protagonismo, em última análise,
da força física e da violência militar, impedindo que se
ergam instituições efetivas.
Nesse terreno escorregadio, a indagação crucial é,
naturalmente, a de como construir a cultura necessária,
incluindo as normas que disciplinem o legítimo jogo dos
interesses (entendidos estes como a busca autônoma dos
objetivos próprios de cada um) e mitiguem seus potenciais
efeitos nefastos. E a resposta aponta para a necessidade de
destacar um fator de natureza intelectual ou cognitiva: em
vez da postura passiva recomendada nas avaliações de alguns
analistas quanto à questão geral das reformas políticas no
país, seria preciso que nos dispuséssemos a experimentar com
os dispositivos legais e mecanismos institucionais capazes de
condicionar as expectativas – alterando, em particular, as
expectativas relacionadas com a possibilidade de quebra
impune das regras e afetando, assim, antes de mais nada, o
cálculo dos agentes, em que a ação contrária às normas
passaria a opor-se, em grau relevante, aos interesses. Com
base no preceito sociológico de que expectativas que se
reiteram e corroboram acabam por transformar-se em
prescrições, isso permitiria esperar que se viesse
eventualmente a obter, no devido tempo, mudanças adequadas no
próprio componente normativo da cultura pertinente, numa
dialética benigna entre esforços deliberados de “engenharia”
política e a indispensável “decantação” social em que nascem
as instituições verdadeiras.
Claro, não há como contar com o desfecho de fato benigno
dessa dialética sem mudanças significativas no substrato de
desigualdade.

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