A primeira atividade de campo do nosso grupo foi visitar a
Associação Fluminense de Reabilitação, uma instituição filantrópica reconhecida de utilidade pública, que atua na melhoria da qualidade de vida de crianças, adolescentes e adultos com necessidades especificas. Foram ao todo três visitas; na primeira, conhecemos a instituição como um todo e nas duas últimas, tivemos a oportunidade de ficar 1h acompanhando o atendimento em cada setor. Logo assim que chegamos, já tive a impressão de que não seriam simples visitas, mas que eu aprenderia muito tanto com os profissionais quanto com os pacientes. O impacto de estar em um local com tanta gente com deficiência certamente estava presente. Muitas das doenças que víamos ali eram novas, nem os livros as tinham nos apresentado. Como marinheiros de primeira viagem, tínhamos que controlar nossos olhares de surpresa, espanto, curiosidade. Caminhamos pelos setores, conhecemos por alto cada um deles. Eram muitos, desde a fisioterapia até a produção de próteses e órteses. Ficou a boa notícia de que encontrávamos um lugar que tinha como princípio a tão falada integralidade. Minhas expectativas para a próxima visita sem dúvidas eram altas. No segundo dia de AFR, eu estava bem mais a vontade, já conhecia o porteiro, o local do banheiro e até mesmo o rostinho de alguns pacientes. Nosso primeiro setor foi a fisioterapia pediátrica. Fomos muito bem recebidos e os fisioterapeutas nos apresentaram cada paciente explicando o que tinham e o tratamento que faziam. Recordo-me do Fernandinho, com macrocefalia que trabalhava deficiências na marcha, da Gabi que tinha uma síndrome muito rara (stuargeweber) e do Luís Daniel, portador da Síndrome de Down, que esbanjava simpatia. Uma hora completa e seguíamos para outro setor. No meio do caminho, havia a Yasmin, a vizinha mais fofa que eu poderia ter. Ela também é portadora de Síndrome de Down e seus pais são surdos. Conheço a família há cerca de dois anos e foi uma grata surpresa encontrá-la por lá. Ela tem 3 anos e meio, é muito alegre e brinca com todos por onde passa. Apresentei-a ao grupo de Tcs, que se encantou, tiramos fotos juntos. Ela voltou de carro comigo e fiquei muito feliz por ver o quanto ela desenvolveu a fala nesse tempo de tratamento. Mas vamos ao segundo setor antes que eu fique horas aqui falando só dessa lindona. O segundo setor foi o ginásio, onde é feita a fisioterapia em adultos. Lá acompanhei um paciente chamado Adriano. No primeiro dia de visita eu já tinha ouvido falar nele, um dos fisioterapeutas até nos mostrou fotos impressionantes de escaras de decúbito que ele possui e que serão tratadas na AFR. Adriano é um jovem de 24 anos, casado, pai de uma filha, que ficou tetraplégico após uma queda em águas rasas. Depois de um ano de internação, ele está começando seu tratamento de reabilitação. Nos poucos minutos em que estive com ele, presenciei exercícios de fisioterapia e respiração. Esse é um dos casos que me trouxe muitas reflexões, dentre elas, ficou uma análise profunda do significado da palavra limitações. Diante do que eu estava vendo, muito do que eu entendia como grandes limitações nada significavam. O terceiro setor visitado foi o respiratório. Lá conhecemos alguns equipamentos utilizados nos tratamentos e pudemos experimentar outros. Nesse setor, também encontrei uma criança conhecida, o Patrick, que é sobrinho de um grande amigo da minha família. Ele tem distrofia muscular. A fisioterapeuta nos mostrou o prontuário dele. Ao ler, pude ver que o Patrick não aceita bem a doença e os tratamentos. Lembrei-me de um dia que o tio dele comentou comigo que ele não queria usar as calhas e que estava difícil motivá-lo. O caso dele é muito complicado, mas certamente está em boas mãos. Assim, encerrou-se o segundo dia de visitas. No terceiro e último dia, começamos a visita pela Terapia Ocupacional. Logo assim que entramos, vimos pacientes de AVC fazendo exercícios passivos. Depois, fomos direcionados a uma sala em que estava uma turma de idosos com comprometimentos mentais diferentes, jogando jogo da memória. Foi um tempo de muita descontração. Uns eram muito animados, outros ranzinzas. A profissional responsável nos explicou que o jogo não trabalhava simplesmente a memória, mas a socialização, a necessidade de esperar sua vez, dentre outras habilidades. Quando nosso horário estava terminando, ainda tivemos a chance de acompanhar a Gabi, que conhecemos na fisioterapia, na terapia. Seguimos para a Fonoaudiologia. Acompanhei o tratamento do Dudu, que nasceu com má formação da calota craniana e apresentava alguns retardos por conta disso. Ele era muito sorridente, mas ficou bravo comigo quando tentei pegar o brinquedo. A fonoaudióloga explicou que ele tem personalidade forte mesmo. No tratamento dele, ela utilizava um creme para massagear e fortalecer a musculatura bucal e uma garrafa de água para corrigir a sucção. Acompanhei também o Fernandinho, o mesmo que conhecemos na fisioterapia. A família estava se queixando que ele não aceitava os alimentos na creche. A fono, então, levou biscoitos e bala para a sala. Percebemos que o biscoito do tipo água e sal ele comia bem, mas que a bala ele colocava na boca, cansava de mastigar e cuspia. A fono disse que ele tinha dificuldade de mastigação provavelmente porque foi acostumado com papinhas e não foi estimulado a mastigar. Enfim, fomos para o Programa Reintegrar, que atende pacientes que recebem alta do tratamento por objetivo alcançado. A equipe é Interdisciplinar e realiza trabalhos em grupo para desenvolver e estimular a máxima independência possível, de acordo com as condições de cada paciente, nas realizações das atividades da vida diária. O programa surgiu porque o término do tratamento é um momento difícil para maioria dos pacientes, já que nem sempre o resultado final é o que eles esperavam. A coordenadora ressaltou o caso das mães de crianças com deficiência mental, que vêem seus filhos entrarem na AFR ainda bebês e ficarem até a adolescência, sendo lá quase que uma segunda casa para eles. Nessa etapa, diferentemente das outras, a família pode participar das atividades. Os pacientes e seus familiares aprendem como fazer a manutenção das habilidades alcançadas, há atividades de socialização e no caso das crianças e adolescentes, há encaminhamento para uma escola. Certamente, essa é uma etapa crucial para o tratamento. Depois de tudo o que eu vivi na AFR, tive ainda mais certeza de que esse período no Tcs vai ser essencial para minha formação. Sobretudo porque em nossa vivência social criamos, mesmo que inconscientemente, barreiras para lidar com portadores de deficiência. Como me aproximar? O que perguntar? Será que ele vai se sentir ofendido? São alguns questionamentos simples que ainda permeiam meu universo. Espero, portanto, desconstruir paradigmas e trabalhar no sentido de me colocar no lugar dessas pessoas para que, então, eu possa atendê-las de forma integral.