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Françoise Choay e o caso de Lisboa

01.05.2003

Em entrevista ao jornal Courrier International, Françoise Choay* falou da reabilitação urbana dos
bairros históricos de Lisboa.

A Utopia de hoje é reencontrar o sentido do lugar

Para Françoise Choay, especialista de urbanismo, o sentido utópico não está morto. Não se trata já
de construir cidades imaginárias, mas de se reapropriar dos locais de vida, e do património. Para
inventar uma nova sociedade.

Na era da mundialização pode imaginar-se ainda uma utopia?


Françoise Choay – Não, se entendermos por utopia um estabelecimento fictício e fantástico, criado
pelo imaginário da técnica. Na verdade, pela primeira vez depois de Cyrano de Bergerac, com as
suas viagens na lua, ou então Henri-Jules Borie, com as suas pistas de aterragem sobre os imóveis
de Paris, ou então, mais perto de nós, o grupo Archigram, com a Plug-in-City, a cidade que
iluminamos como uma lâmpada, a realidade ultrapassa a ficção. Em menos de cinquenta anos, a
electrónica e a telemática introduziram – com as memórias artificiais, as redes de transporte de
energia, os fluídos, a informação e as pessoas – uma revolução no nosso meio e nos nossos
comportamentos sem equivalente depois da sedentarização da nossa espécie.

Eis-nos então libertos dos preconceitos ancestrais próprios do género Homo sapiens sapiens: os
limites da nossa memória, a localização no espaço, a duração, as comunidades carnais e enraizadas,
às quais se substituem as comunidades virtuais da Internet. É o advento do Homo protheticus, o
homem das próteses, que Freud anunciava. Contudo, o lugar fica aberto às distopias, quer dizer, à
imaginação das catástrofes sociais susceptíveis de serem provocadas pelos fabulosos avanços
técnicos, a exemplo das descrições de Aldous Huxley no seu Admirável Mundo Novo. Penso, no
entanto, que a utopia no sentido original de Thomas More, continua não só possível, mas
necessária.

No entanto, More propunha uma cidade modelo, enquanto que a cidade de hoje está em vias
de desaparecimento
Certamente. A generalização do planeamento do nosso planeta por redes técnicas cada vez mais
activas marca o começo duma urbanização difusa e sem espartilhos físicos. Não são só as periferias
das cidades que se desenvolvem indefinidamente, como tornou-se possível estabelecer-se em
qualquer lugar, apoiando-se nas redes.

Esta lógica do apoio, signo do desaparecimento progressivo das diferenças entre cidades e campo,
em proveito de uma civilização mundial que pode chamar-se civilização do urbano...
Voltando a More, na utopia que ele nos legou (como em todas as que se seguiram até hoje),
encontra-se uma estrutura tripartida: a utopia fundamenta-se na crítica duma sociedade existente,
julgada má; propõe o estabelecimento de uma sociedade boa, que se lhe opõe ponto por ponto; e a
passagem da primeira à segunda exige a concepção de um espaço modelo construído (não
necessariamente uma cidade) que será o suporte obrigatório das novas instituições.

Não estaremos nós a ser confrontados com um facto paradoxal? "Em utopia, quem conhece
uma cidade conhece todas" afirmava More. O modelo de estabelecimento geometrizado e
estandardizado que ele preconizava para reformar os homens não será comparável à grelha
mundial das nossas redes?
Na verdade, esta mundialização, longe de se ter tornado numa panaceia, provoca a crítica; de facto,
ela leva directamente à reflexão e ao comportamento únicos. Não só artificializa os humanos e os
seus modos de vida, mas conduz ao desperdício das energias naturais e às novas formas, até então
desconhecidas, de pobreza. More tomava pessoalmente esta crítica social da mundialização, mas a
sociedade em que vivia e que era aquela das pertenças locais, colocava problemas de pontos de
vista radicalmente opostos ao nossos.

No século XXI, já não estamos preocupados nem com o conteúdo da crítica, nem do projecto, e
ainda menos pela cidade modelo. No entanto, os três termos-chave da utopia – crítica social, suporte
espacial, projecto social – e a relação que os une conservam a sua inteira validade.

É inútil insistir sobre a crítica. Falemos antes sobre o espaço construído. A questão colocada por
uma utopia actual é a dos reencontros com a terra, com o mundo natural e concreto ao qual
pertencemos enquanto seres vivos. O que quer dizer reencontros corporais com os sítios, através de
uma construção articulada e diferenciada, para servir de suporte à identidade humana e societal,
uma vez que só poderemos tornar-nos cidadãos do mundo ou homem em pleno pela condição de
pertencermos a um lugar. Trata-se então de um retorno copérnico em relação ao espaço abstracto do
modelo de More. A necessidade deste retorno foi genialmente apercebida em 1884 por William
Morris, o grande crítico marxista da sociedade industrial, na sua utopia Novas de parte alguma onde
a vida modelo é de certa forma o retrato de Londres pré-industrial.

Estes reencontros com o lugar não serão, hoje, feitos através do património edificado:
monumentos, bairros e paisagens?
Sim e não. Actualmente esse património sofreu de repente o impacte da mundialização: é
coisificado, museificado, despersonalizado e, sobretudo, transformado em bem económico.
Neste contexto, o Vale de Loire acabou de ser inscrito sobre na lista do Património Mundial da
Unesco, e a impressa observa que: os eleitos locais esperam desta inscrição alguns dividendos
económicos. O Vale da Loire tem necessidade de um relançamento turístico. O público parece ter-
se cansado de visitas a castelos. (...) A marca UNESCO chega no momento exacto. Dever-se-ia
tomar consciência que a paisagem ligeriana constitui um todo a valorizar.

A noção de património arquitectónico, urbano ou paisagístico, não pode ter um sentido legítimo que
não seja dinâmico. Quer dizer que não deve ser coisificado, mas pelo contrário, reapropriar-se, para
prosseguir, hic et nunc, o trabalho das gerações passadas.
Neste sentido, direi mesmo: utopia e património o mesmo combate.

Que significa para si esta equação?


Reapropriar-se do património (urbano ou paisagístico) como valor de uso identitário, é resistir à
mundialização e todos aqueles que se comprometem nesta resistência são hoje utópicos potenciais.
Mas, atenção, não se trata de passeísme. O que se torna necessário combater não é o tecnicismo do
mundo em si, mas a sua hegemonia, que tende para uma civilização minimalista única.
Objectivemos, como Alberto Magnaghi a mundialização por baixo. Quer dizer, saibamos utilizar
todas as próteses através das quais se afirma a mundialização, mas que sejam ao serviço de um
projecto local válido.

Neste contexto, a acção de Magnaghi é exemplar. Este professor universitário, que é também
militante e homem do terreno, coordena desde há mais de dez anos a recuperação e a preservação
dinâmica do património num conjunto de regiões italianas economicamente prósperas, mas
devastadas por implantações industriais como a planície do Pó. Por património devem entender-se
os monumentos, os antigos equipamentos agrícolas, as cidades pequenas, as paisagens e as redes
hidráulicas assim como um património de actividades económicas e sociais locais (agrícolas,
artesanais, etc.) Mas a condição de uma reapropriação destas construções e destas práticas reside no
terceiro termo de More, do qual não falámos ainda, o projecto. Este deve ser concebido como
respeito e fidelidade ao passado dos lugares e das comunidades que os planearam, mas deve
também ser encarado como inovação, projectada no futuro pelos actores locais, tão diversos e
opostos que sejam.

Os laços com a utopia são pois afirmados e confirmados pelo projecto. Contudo, não se trata de um
modelo mas de um cenário. Enquanto que o Modelo espacial e modelo social de More foram
concebidos por um só indivíduo e ficaram-se pelo papel, o cenário é definido hoje como um
processo a construir no tempo, por uma comunidade real preocupada com a ética pública e com a
política.
É por isso que Magnaghi pode definir a sua experiência como uma utopia concreta – mas uma
utopia cuja necessidade actual foi provada pelo acolhimento unanime da imprensa italiana de todos
os quadrantes políticos ao seu último livro, O projecto local (IL Progetto Local, Bollati Boringhieri,
Turin, 2000).

Este percurso italiano tem equivalências noutros locais e pode ser suportado e pelas
aglomerações urbanas densas?
Nas grandes aglomerações, que, muitas vezes, já fizeram desaparecer todos os traços locais um tal
cenário exige evidentemente muita imaginação, mas não é impossível.
Para só falar da Europa, este tipo de dinâmica já figurou na Bélgica, em Bruges, pela equipa do
Groep Planning, em Portugal, pelo trabalho do antigo Vice-Presidente de Câmara de Lisboa,
(Director Municipal da Reabilitação Urbana) o arquitecto urbanista Filipe Lopes, com os habitantes
dos bairros mais pobres da cidade.

Entre nós também alguns sinais de mudança começam a parecer: Em primeiro lugar na mexida de
José Bové; mais discretamente no trabalho dos Pact Arim (associações locais para a melhoria da
habitação) ou em favor das federações intercomunais. E vejo que a Universidade de Nanterres
anuncia a restruturação do seu património local....Segundo a bela forma de um jornalista italiano,
necessitamos, na hora da mundialização, mudar a consciência de classe pela consciência do lugar.

A utopia mais viva que nunca, é, não obstante, a prossecução de novas formas sociais e de novas
formas no habitar que nos fixam à terra e nos fazem, na diferença, realizar o nosso destino de
Homens.

*Professora Universitária, Françoise Choay publicou sobre o assunto Urbanismo, Utopias e


Realidades (Le Seuil, 1965), A Regra e o Modelo (Le Seuil, 1980), Alegoria do Património (Le
Seuil, 1992).

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