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Livro : Era mais uma vez outra vez

O Globo - Resenha crítica publicada no


Caderno Prosa & Verso no dia 02/06/2007
Narrativa contemporânea renovada
Glaucia Lewicki propõe desafios e cria livro no qual o leitor
é também o autor
Era mais uma vez outra vez
Glaucia Lewicki
Ilustrações de Gonzalo Cárcamo

Os críticos que fiquem mais atentos. Tem gente escrevendo para crianças (aliás, desde o século VI a.C., na Grécia,
na figura de Esopo) com uma importância literária a merecer atenção e rigor interpretativo. Nesse tempo todo, sem
jamais tirar férias, lado a lado com a literatura cuja natureza tem a ambição estética mais explícita – a destinada aos
adultos – , uma listagem bem significativa de autores dedicou-se, ao longo dos séculos, a produzir poemas, contos e
novelas para uma faixa etária que, de tão pequena, tem sido subestimada pelos ensaístas e resenhistas de plantão.
A nitoreiense Glaucia Lewicki, ganhadora da edição 2006 do Prêmio Barco a Vapor, concurso com dotação de R$30
mil, promovido pela filial brasileira da editora espanhola SM, é uma prova de que a tese acima é de fácil
comprovação. Recém-lançada, sua novela “Era mais uma vez outra vez” pega de surpresa o leitor porque, para
começo de conversa, pega de surpresa o próprio livro que estamos lendo. Como?!
O procedimento é metalingüístico: um livro, depois de muito tempo esquecido na prateleira de uma biblioteca é
retirado por uma menina. Há muito não era lido por ninguém. Reduzido à sua solidão de obra rejeitada, o livro, um
mundo encerrado e esquecido, foi se desorganizando aos poucos. Quando a menina o retira e se prepara para lê-lo, o
narrador da história entra em pânico. É preciso, e urgente, pôr o caos em ordem. Recuperar a antiga aventura. Deixar
todos e tudo a postos para quando a leitora abrir as páginas do livro que vai ler.
O Reino da Calibúrnia, cenário da história, agora virou Reino de Anascar, é o que o narrador vai, desesperado,
constatando. O rei vendeu o antigo reino ao dragão e retirou-se para uma praia. O príncipe Sapristo, que antes lutava
com o dragão, vencia-o num combate mortal e se casava com a princesa, agora está separado da moça. E não está
disposto a lutar por uma donzela que, segundo ele, nunca o amou. O dragão não admite se desfazer do reino e muito
menos voltar a ocupar seu antigo lugar e papel. Aliás, está de olho na princesa, a quem pretende desposar.
Há humor nessa anti-lenda. Há uma clara renovação tanto dos processos de construção narrativa quanto na forma de
tratar os elementos que em regra estabelecem um quadro épico e fantasioso envolvendo reinos, reis, príncipes,
princesas, dragões, lutas e amores eternos. Glaucia embaralha tudo isso. Cada figura experimenta uma nova
sensação, ocupando um papel inesperado.
O consagrado (e desgastado) “era uma vez” serve então para um jogo de inversões: não era mais uma vez. Desta vez
é outra vez; desta vez acontece uma aventura que torna o vilão herói e o herói, vilão. Desta vez, quando a leitora
(que acaba personagem da história – outro dos achados de Glaucia) abre o livro, o que ela vai ler não é o mesmo que
antigos leitores leram nas mesmas páginas. Sem que ela soubesse (só o leitor sabe disso; e o narrador, que também
acaba personagem, outra das invenções da autora), lhe é narrada uma história estranha, diferente de tudo o que ela
até então tinha lido no gênero.
“Era mais uma vez outra vez” põe no bolso centenas de textos que convocam reinos com tais personagens. Põe no
bolso (e no colo) o leitor para qual o livro é dedicado. Põe no bolso o crítico, aquele que quase nada espera do
gênero infanto-juvenil, a maciça maioria dos nossos críticos, que fazem papel de dragão antigo, tocando fogo em
tudo, sem antes verificar a fundo as possibilidades do que se apresenta diante deles.
*Paulo Bentancour é escritor, crítico e jornalista.

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