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INFECÇÃO E CHOQUE
31: 349-362, jul./set. 1998 Capítulo II
Gerson Alves Pereira Júnior1, Flávio Marson1, Mario Abeid1, Fátima M. Ostini1,
Simone Hughes de Souza2 & Anibal Basile-Filho3
1
Médicos Intensivistas – 2 Médica Residente – 3 Docente e Chefe da Disciplina de Terapia Intensiva do Departamento de Cirurgia,
Ortopedia e Traumatologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
CORRESPONDÊNCIAS: Anibal Basile-Filho – Disciplina de Terapia Intensiva, Departamento de Cirurgia, Ortopedia e Traumatologia da
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – Hospital das Clínicas - 9 o Andar - Campus USP
CEP: 14048-900 - Ribeirão Preto - SP Fone (016) 633-0836 ou 602-2593. Email: abasile@fmrp.usp.br
PEREIRA JUNIOR GA et al. Fisiopatologia da sepse e suas implicações terapêuticas. Medicina, Ribeirão
Preto, 31: 349-362, jul./set. 1998.
RESUMO: Este artigo apresenta uma revisão recente e objetiva dos principais mecanismos
fisiopatológicos envolvidos na sepse, destacando o papel do endotélio vascular e a produção
das diversas citocinas. Define a síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SIRS) e a sepse,
nos seus diversos graus de acometimento sistêmico. Mostra as disfunções produzidas pela
sepse, nos diversos sistemas orgânicos, correlacionando-as com sua manifestação clínica,
laboratorial e aos dados de monitorização hemodinâmica invasiva. Ao mesmo tempo, fornece as
linhas gerais para o diagnóstico, avaliação da gravidade, monitorização e implicações terapêu-
ticas, bem como as tendências terapêuticas atuais.
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produz as formas ativas de oxigênio, incluindo os produção de outros, o que pode dificultar a restau-
radicais superóxidos e peróxidos, que são armas es- ração da homeostasia.
senciais, durante a sepse, para a destruição de bacté- • Tempo de doença.
rias fagocitadas e a limpeza de áreas necróticas, em A duração da enfermidade pode alterar o “pool”
conjunção com as proteases(5,14). de mediadores. A síntese de citocinas pode estar
diminuída após uma infecção duradoura, a estimu-
8. HÁ UM MEDIADOR CENTRAL NA SEPSE ? lação dos receptores pode diminuir e, eventualmen-
te, podem ser produzidos inibidores.
Grande parte da atenção tem sido desviada para • Variações inatas do paciente na capacidade de
o TNF ∝. Porém, este mediador inflamatório não é secretar estes mediadores.
exclusivo da sepse, sendo encontrado em pacientes Estas diferenças podem ocorrer tanto na resposta
com outras patologias. No entanto, parece ser o me- do paciente aos mediadores, quanto na sua capaci-
diador que mais reflete à resposta imune(4,6). dade de produzi-los.
O TNF ∝ não é o único mediador que pode
reproduzir os sintomas da sepse. A administração de 10. VALIDAÇÃO DOS MODELOS EXPERIMEN-
baixas doses de interleucina-1 ou PAF também indu- TAIS
zem a um estado de sepse. Assim como o TNF ∝, a
IL-1 e o PAF são encontrados em outras condições A extrapolação dos resultados de modelos ex-
clínicas. Elevados níveis de IL-1 são encontrados na perimentais, em animais, para os humanos deve ser
doença inflamatória intestinal, artrite crônica juvenil feita com cuidado, pois há significantes diferenças
sistêmica, artrite reumatóide, sarcoidose e fibrose pul- entre as espécies estudadas quanto aos efeitos pro-
monar. O PAF pode ser detectado em pacientes com vocados pelas endotoxinas e outros mediadores. A
asma ou doença renal(4). maioria das citocinas são espécies específicas, sendo
Como parece não haver um mediador central que a administração de uma citocina humana (ou
que explique a origem da sepse, podemos considerar anticorpo anticitocina) pode produzir uma resposta
que há uma interação específica entre dois ou mais diferente num modelo animal (4,15).
mediadores que desencadeiam o estímulo inicial. A Deve-se ter cuidado, também, na interpretação
complexidade desta cascata torna difícil a elucidação dos resultados de experimentos em voluntários huma-
exata de quais os efeitos que podem ser atribuído a nos. Estes voluntários são saudáveis, enquanto que o
cada mediador, pois muitos têm efeitos sinérgicos (4,9). paciente séptico está severamente doente e imuno-
comprometido. Além do mais, tais estudos utilizam uma
9. OUTRAS VARIÁVEIS dose subletal de endotoxina (grande o bastante para
produzir uma resposta mensurável, mas baixa para
Existem outras três variáveis a serem considera- provocar os efeitos observados na sepse). Esta dose
das na discussão do papel dos mediadores na sepse (4): também é dada numa simples dose em bolo intravenoso,
• Estado de saúde prévio do paciente, antes da insta- que provavelmente não é comparável com o padrão
lação do quadro séptico. de liberação na sepse(4,15).
Os pacientes com maior risco de morte na sepse Futuros ensaios clínicos devem considerar os
são os idosos, os que recebem drogas imunossu- grupos de pacientes com sepse grave bem definidos,
pressoras, os portadores de neoplasias malignas, estratificando tais pacientes, identificando o microor-
cirrose, asplenia ou com desordens multissistêmicas ganismo responsável através de adequados dados bac-
(diabetes mellitus, insuficiência renal ou doença teriológicos e definindo a padronização das condutas,
cardíaca). Estes pacientes, freqüentemente, já têm em termos de critérios, na escolha dos antibióticos,
altos níveis circulantes de um ou mais mediadores. tipo de controle da reposição volêmica, doses e tempo
Além disso, a produção de alguns mediadores pode de início das drogas vasoativas e introdução da dieta,
estar alterada nestes pacientes, como aqueles sin- monitorizando o efeito de tais condutas com o valor
tetizados no endotélio vascular, já comprometido dos índices de oxigenação, variáveis hemodinâmicas,
nos idosos, diabéticos e em pacientes com ateros- níveis de lactato sérico, pH intragástrico, tendo, como
clerose. Assim, o aumento na produção de alguns parâmetros, a mortalidade, redução ou reversão de
mediadores pode vir junto com a diminuição da insuficiências orgânicas e a qualidade de vida(16).
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nica dessas alterações inclui: taquicardia, alargamen- do índice cardíaco elevado, enquanto que a persistên-
to da pressão de pulso e extremidades quentes, carac- cia do estado hiperdinâmico aumenta o risco de mor-
terizando um estado hiperdinâmico, generalizado, que talidade(1,5,19,21).
ocorre em mais de 90% dos pacientes(5,18,19,20). Hipo- Os pacientes sépticos têm um consumo de oxi-
tensão arterial e choque podem se desenvolver na gênio (VO2) elevado e altamente dependente de sua
evolução, devido à hipovolemia (perda de líquidos pela oferta (dependência patológica). O aumento do VO2,
febre, sudorese, estase gastrintestinal e seqüestro de associado à diminuição na extração de oxigênio pelos
líquidos para terceiro espaço) e à vasodilatação sistê- tecidos periféricos e às alterações profundas na mi-
mica progressiva. Observa-se um fluxo sanguíneo não crocirculação, estão relacionados com uma progres-
homogêneo nos diversos territórios de perfusão. Este siva hipoxia tecidual e disfunção progressiva de ór-
quadro é denominado de choque distributivo(5,18,19). gãos(5,14,18). A diminuição da diferença arteriovenosa
Estes pacientes com o débito cardíaco elevado, de oxigênio sugere que o oxigênio não está atingindo
de maneira precoce, têm uma disfunção miocárdica ou não está sendo usado pelas células(5). A possibili-
associada, caracterizada por dilatação ventricular e dade mais plausível é que as anormalidades vascula-
diminuição da fração de ejeção(5,20,21,22). Tal depres- res observadas (choque distributivo), levam à dimi-
são miocárdica pode ser causada por vários fatores, nuição da perfusão tecidual, de maneira semelhante à
incluindo a formação de edema miocárdico, alterações que ocorre nos pacientes com débito cardíaco muito
dentro da fibra miocárdica, liberação de várias subs- baixo, como, por exemplo, nos casos de choque cardi-
tâncias depressoras do miocárdio e, talvez, uma redu- ogênico ou hipovolêmico. Outra possibilidade é a per-
ção no suprimento sanguíneo coronariano (1,5,20,21,22). fusão tecidual estar adequada e o metabolismo celu-
A fração de ejeção (fração ou porcentagem do vo- lar estar reduzido(5).
lume diastólico, final, ejetado em cada batimento car- A única maneira realmente eficaz de quantificar
díaco) é uma medida fiel da performance ventricular as alterações do consumo de oxigênio e da produção
durante a sepse e choque séptico(5,22). de gás carbônico, na sepse, é através do uso da calo-
O padrão característico da performance car- rimetria indireta, à beira do leito. Este método permite
díaca, durante o choque séptico, é de uma reduzida o acompanhamento, de maneira seriada, da terapêuti-
fração de ejeção ventricular de ambos os ventrículos, ca do paciente com reposição volêmica, drogas vaso-
aumento do volume diastólico final e volume sistólico ativas e suporte nutricional.
final, também de ambos os ventrículos, volume sistólico Uma questão central na patogênese da sepse é
normal, débito cardíaco e freqüência cardíaca aumen- se a diminuição da perfusão é devida à desregulação
tados e uma resistência vascular sistêmica baixa. A microvascular ou se é apenas um evento associado
redução na fração de ejeção e a dilatação biventricular na insuficiência orgânica, induzida pela sepse(5).
ocorrem vinte e quatro (24) a quarenta e oito (48) A hipoxia tecidual, decorrente do choque sépti-
horas após a instalação da sepse, sendo reversíveis co, pode ser medida pelos níveis séricos de lactato. O
nos pacientes que sobrevivem, após cinco (5) a dez lactato elevado caracteriza a hipóxia tecidual, pois a
(10) dias do início do quadro(5). sua produção ocorre em estados de metabolismo
Certos padrões hemodinâmicos têm implicações anaeróbio, embora o ácido láctico também possa ser
prognósticas(5,20,22). Uma baixa freqüência cardíaca produzido em estados hipermetabólicos. A medida
é um fator preditor de sobrevivência, provavelmente seriada do lactato sérico, em pacientes sépticos, tem
refletindo uma doença menos severa(5). Diversos es- sido utilizada para orientar a conduta e avaliar o prog-
tudos clínicos têm documentado a baixa fração de nóstico(23). No entanto, a produção de lactato não au-
ejeção e a dilatação ventricular, que também, estão menta apenas durante a hipoxia celular, podendo tam-
associadas com a sobrevivência, talvez refletindo uma bém ser resultado de uma anormalidade primária na
maior compensação ventricular (pelo mecanismo de glicólise(5,18). Assim, a hipoxia celular e a redução nos
Frank-Starling) para a depressão miocárdica, induzida estoques de fosfatos energéticos (ATP) não são ex-
pela sepse. As medidas hemodinâmicas seriadas, nos plicações adequadas para as anormalidades na pato-
pacientes em choque séptico, através do cateter de gênese do choque séptico(5).
Swan-Ganz, revelam que uma resposta favorável ao A hipótese de que o metabolismo celular é anor-
tratamento do choque séptico é associada com um mal, em pacientes com choque séptico, é suportada
aumento do tônus vascular sistêmico e normalização pelo aumento das concentrações de lactato sérico,
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acidose metabólica, aumento da glicólise, diminuição A insuficiência renal aguda, associada a sepse,
da extração de oxigênio e um consumo de oxigênio, determina um prognóstico extremamente reservado,
dependente da oferta (dependência patológica), na qual com taxas de mortalidade de até 80%(1).
o consumo de oxigênio continua a aumentar, até certo
limite, com o aumento da oferta de oxigênio (5,14,18,23). 12.4. Disfunção neurológica
O hipercatabolismo protéico, no choque sépti- Podem ser observados vários graus de altera-
co, congestiona a entrada de piruvato no ciclo de ções do nível de consciência nos pacientes sépticos,
Krebs, desviando-o para lactato, estando ambos ele- variando desde um estado confusional leve até estupor
vados, mantendo constante a relação lactato:piruvato, e coma, sendo mais susceptíveis os pacientes com
indicando que o acúmulo de lactato, durante a sepse, aterosclerose difusa(18).
pode não ser resultado das limitações da oxigenação Devemos excluir condições clínicas prévias,
tecidual, sendo uma seqüela do excesso da produção anteriores à admissão do paciente na unidade de tera-
de piruvato(14,24,25). Existem indícios, ainda, de que a pia intensiva (infecção aguda, compressão medular
acidose láctica seja um mecanismo de compensação, traumática ou neoplásica, síndrome de Guillain-Barré,
onde parece que a acidose intracelular é necessária miastenia gravis, distrofia muscular progressiva e ou-
para aumentar a liberação de oxigênio(25). tras) daqueles quadros clínicos que ocorrem após o
desenvolvimento da Síndrome da Resposta Inflama-
12.2. Disfunção pulmonar tória Sistêmica (SRIS), quando, geralmente, obser-
A lesão do endotélio vascular pulmonar, secun- va-se dificuldade do desmame da ventilação mecâni-
dária à inflamação, produz um progressivo edema in- ca (identificada após a exclusão de causas cardíacas
tersticial, acarretando um desequilíbrio entre a venti- ou pulmonares para a insuficiência respiratória) e fra-
lação e a perfusão pulmonar, com hipoxemia refratá- queza dos membros(26).
ria, diminuição da complacência pulmonar e neces- Devemos, sistematicamente, investigar o envol-
sidade de ventilação mecânica para a adequada oxi- vimento da medula espinhal cervical alta, nervos peri-
genação tecidual(1,6,18). Com a progressão do quadro féricos, junção neuromuscular e músculos, lançando
séptico, a saturação venosa, mista, de oxigênio au- mão de exames complementares como: ressonância
menta e a diferença arteriovenosa diminui. O gradi- nuclear magnética da medula cervical, estudo da con-
ente alvéolo-arterial se alarga e há uma diminuição da dução nervosa motora e sensitiva (potencial evoca-
pressão parcial de oxigênio no sangue arterial (pO2)(5). do), estimulação nervosa, repetitiva para o estudo de
Na fase inicial (edematosa), há poucos infiltra- defeitos da transmissão neuromuscular, testar a con-
dos pulmonares e a hipoxemia é discreta, com relação dução do nervo frênico, eletromiografia por punção
PaO2/ FiO2 entre 200 e 300, sendo denominada de lesão dos músculos da parede torácica e do diafragma,
pulmonar aguda(18). Numa fase mais avançada, há medidas da concentração sérica de creatinofosfoqui-
maior infiltrado pulmonar, principalmente nas áreas de- nase e biópsia de músculos(26).
pendentes dos pulmões, com hipoxemia refratária, com As principais manifestações clínicas que apa-
uma relação PaO2/FiO2 menor que 200, caracterizan- recem são a encefalopatia séptica e a polineuropatia
do a síndrome da angústia respiratória aguda (SARA), do doente crítico, ocorrendo em 70% dos pacientes
que ocorre em 25% dos pacientes com SIRS(18). sépticos.
A polineuropatia do doente crítico caracteriza-
12.3. Disfunção renal se pela fraqueza dos membros e dificuldade do des-
Desde o início da sepse, a hipoperfusão tecidual mame da ventilação mecânica pela fraqueza da mus-
(com ou sem hipotensão) e a lesão inflamatória resul- culatura respiratória. A eletromiografia mostra dege-
tam em um dano isquêmico e disfunção tubular renal. neração axonal de fibras motoras e sensitivas, com
Há oligúria progressiva com queda da taxa de filtra- níveis séricos normais de creatinofosfoquinase, sendo
ção glomerular e elevação da creatinina. A ressusci- que a biópsia de músculo mostra atrofia e desnervação.
tação clínica inicial, com restauração da volemia e uso Tal quadro assemelha-se à neuropatia motora, aguda,
de drogas vasoativas, pode reverter o processo e evi- associada com o uso de agentes bloqueadores neuro-
tar a necrose tubular aguda. A instalação do quadro musculares competitivos (principalmente o pancurônio
de insuficiência renal aumenta muito a morbimortali- e vecurônio), usados por mais de quarenta e oito (48)
dade, apesar da terapia renal substitutiva precoce(18). horas(26).
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drogas, CIVD). O quadro de coagulação intravascu- Na maioria das vezes, a escolha do(s) antibió-
lar disseminada (CIVD) pode se desenvolver pelo es- tico(s) é empírica, recorrendo-se a dados clínicos,
tímulo inflamatório da coagulação e se caracteriza por epidemiológicos e laboratoriais(2). Vide “Capítulo I”,
facilitar o sangramento e por deposição de fibrina na neste simpósio.
microcirculação, com conseqüente isquemia de ór- Qualquer foco purulento deve ser objeto de pos-
gãos(18). Mesmo com o quadro clínico resolvido, a sível drenagem, percutânea ou cirúrgica, como ponto
plaquetopenia pode persistir, retornando aos seus va- inicial de qualquer forma de tratamento(1).
lores normais apenas três (3) ou quatro (4) semanas
após o início do quadro. 13.2. Reposição volêmica
O déficit de volume não deve ser subestimado.
12.8. Disfunção metabólica O objetivo imediato da reposição de volume é o au-
São as disfunções mais comuns e precoces na mento da perfusão tecidual. A reposição volêmica deve
sepse, havendo hiperglicemia, hipertrigliceridemia, ser prioritária, rápida e agressiva. O volume aumen-
estímulo da glicogenólise e da neoglicogênese e au- tará a pré-carga e o débito cardíaco, elevando a ofer-
mento da catabolismo protéico e lipídico, decorrentes ta de oxigênio (DO2)(31).
da elevação da secreção de insulina, porém não pro- A reposição volêmica deve ser norteada em
porcional aos níveis glicêmicos, e do aumento da re- parâmetros hemodinâmicos, objetivos. A confiabilidade
sistência periférica a seus efeitos, além da elevação da pressão atrial direita (medida pela pressão venosa
da secreção de catecolaminas, do glucagon e de central - PVC) em refletir a pressão de enchimento
glicocorticóides endógenos(18). ventricular esquerdo se limita ao intervalo de baixas
pressões de átrio direito (menor ou igual a 5 mmHg),
13. ABORDAGEM TERAPÊUTICA DA SEPSE
pois uma pressão atrial direita baixa autoriza a reposi-
ção volêmica, já que a pressão capilar pulmonar, pro-
Com base no arsenal terapêutico atual e de efi- vavelmente, encontra-se baixa. Com valores normais
cácia comprovada, o objetivo fundamental do trata- ou elevados de pressão atrial direita, apenas a medida
mento é a manutenção de um suporte cardiorrespira- da pressão capilar pulmonar, através da monitorização
tório e metabólico, que permita manter o paciente vivo hemodinâmica invasiva, com o uso do cateter de Swan-
até a sua recuperação integral. O controle definitivo Ganz, poderia aferir o risco de edema pulmonar(1).
do foco infeccioso é imperativo no tratamento, sendo Pode ser utilizado colóide, em combinação com
a primeira prioridade(18). cristalóide, tentando otimizar uma pressão capilar pul-
Atualmente, vem sendo testadas estratégias monar entre 15 e 18 mmHg. Embora ainda não haja
para modular a excessiva geração ou ação de media- uma clara evidência de que os colóides sejam signifi-
dores na sepse. cativamente superiores aos cristalóides, na reposição
volêmica do paciente séptico, deve ser evitada uma
13.1. Abordagem do foco/antibioticoterapia grande diminuição da pressão coloidosmótica (a quan-
Desde que a sepse se inicia com a proliferação tidade de cristalóides necessária pode ser duas (2) a
de microorganismos, a partir de um foco infeccioso, o cinco (5) vezes maior que o volume de colóides)(1).
uso de antibióticos é mandatório(18). Os vários substitutos do plasma são considerados tão
Sepse por Gram-negativo não pode ser distin- efetivos quanto a albumina no seu potencial de ex-
guida da sepse por Gram-positivo, com base nas ca- pansão volêmica, devendo seu uso ser preferencial,
racterísticas clínicas apenas. Entretanto, certos fato- devido aos custos mais baixos. Entretanto, alguns des-
res epidemiológicos, do paciente e clínicos aumentam tes agentes produzem efeitos na homeostasia, que são
a incidência de certos organismos selecionados(2). indesejáveis em alguns pacientes.
É fundamental a identificação do microorga- Estas recomendações para a ressuscitação vo-
nismo causador da infecção e o início precoce de an- lêmica são genéricas e cada situação requer um julga-
tibioticoterapia adequada. Uma antibioticoterapia ini- mento individual para as necessidades do paciente(31).
cial, inadequada, na sepse, encontra-se associada a A transfusão sangüínea pode ser necessária
um risco de morte aumentado em até cinco vezes(1). para aumentar a pré-carga cardíaca e elevar o con-
Por outro lado, a antibioticoterapia indiscriminada é teúdo arterial de oxigênio, porém não há um consen-
responsável pelo surgimento crescente de bactérias so sobre o seu papel no tratamento de suporte. A he-
multiresistentes e infecções fúngicas(1). moglobina deve ser mantida ao redor de 10 g%(31).
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13.3. Drogas inotrópicas/suporte respiratório tados de trabalhos mais recentes têm sugerido a in-
O uso de drogas vasoativas deve ser reservado terpretação de que, após a adequada expansão volê-
para os pacientes sépticos, nos quais a reposição vo- mica, a incapacidade de atingir os índices de oxigena-
lêmica não foi suficiente para restaurar a pressão de ção e hemodinâmicos, preconizados, reflete a inade-
perfusão a níveis consistentes com uma adequada fun- quada reserva fisiológica e, conseqüentemente, um
ção renal e cerebral. O prazo de tempo máximo, aguar- pobre prognóstico(32). Tal interpretação surgiu do fato
dando por um efeito pressórico pela infusão de volu- de que muitos pacientes do grupo de estudo não fo-
me, é de trinta (30) minutos. Após esse tempo, deve ram capazes de atingir os valores supranormais, ape-
ser iniciada a infusão de drogas vasoativas, procuran- sar das intervenção agressiva com expansores do vo-
do-se atingir uma pressão arterial sistólica de 90 lume e drogas vasoativas, enquanto que pacientes do
mmHg, em até sesenta (60) minutos(1). grupo controle atingiram tais valores supranormais de
A droga de eleição continua sendo a dopamina, oxigenação e do débito cardíaco por si próprios(38).
muitas vezes em doses muito altas (>20 µg/kg/min), Assim, as evidências atuais são insuficientes para re-
para atingir os objetivos terapêuticos(1,22,23). Tais ob- comendar tal rotina de maximização da oferta de
jetivos (principalmente a pressão arterial sistólica de oxigênio, num grupo de pacientes não selecionados(39).
90 mmHg) podem não ser atingidos, mesmo com do-
13.4. Suporte nutricional
ses elevadas, ou ainda, devido aos seus efeitos crono-
trópicos positivos (taquicardia) e ao potencial arrit- Os pacientes com síndrome da resposta infla-
mogênico, deve ser diminuída a sua dosagem e inicia- matória sistêmica (SIRS), de origem séptica ou não,
do o emprego de noradrenalina (0,05 a 1,0 µg/kg/min), cursam com um quadro hipermetabólico, cujo objeti-
devido ao seu maior potencial vasoconstritor e menor vo é o de fornecer substratos caloricoprotéicos, ne-
efeito cronotrópico positivo(1,23,32,33). A dopamina pode cessários aos mecanismos imunológicos de defesa e
ser mantida em dose dopaminérgica (0,5 a 3 µg/kg/ reparação de tecidos. A conseqüência desse estado
min) para favorecer o fluxo sanguíneo renal, efeito hipermetabólico é a grande perda de massa muscular
esse contestado em diversos trabalhos(34). magra, corpórea, desproporcional ao período de je-
A necessidade de aumentar o débito cardíaco, jum, com um balanço nitrogenado, acentuadamente
principalmente nos pacientes com monitorização negativo(40).
hemodinâmica invasiva, com índice cardíaco menor O metabolismo aumentado acompanha-se de
que 3L/min/m2, faz com que seja necessário o uso de um aumento no consumo de O2 e da produção de CO2,
dobutamina (5 a 10 mg/kg/min)(23,32,35). o que pode ser demonstrado pela calorimetria indire-
Dispomos ainda de outras drogas vasoativas que ta, conforme já foi comentado anteriormente. As con-
podem ser utilizadas na sepse, com maiores informa- centrações plasmáticas de vários hormônios estão ele-
ções no tópico correspondente deste simpósio. vadas (reação orgânica ao trauma) como as cateco-
Diversos estudos têm sugerido que a ressusci- laminas, ACTH, glicocorticóides, insulina, glucagon,
tação do paciente séptico, baseada na otimização dos hormônio de crescimento, renina, aldosterona, entre
índices de oferta e consumo de O2 (valores supranor- outros, modulando a resposta necessária para a mobi-
mais), é associada com melhora nos resultados em lização da reserva intrínseca e orgânica de proteínas,
termos de morbimortalidade, em estados de hipoper- lipídios e carboidratos(40).
fusão, quando comparados com a ressuscitação con- O suporte nutricional é parte fundamental do
vencional, baseada nos parâmetros de pressão capi- tratamento deste estado de hipermetabolismo, sendo
lar pulmonar, índice de volume diastólico, final, do que a via de administração da dieta e sua composição
ventrículo direito, pressão arterial média e índice car- de nutrientes, que melhor se adaptam a essas condi-
díaco(19,36). Nestes estudos, a otimização dos índices ções, devem ser analisadas individualmente(41). Seu
de oxigenação é feita com o uso titulado das aminas objetivo é preservar a massa corporal ou minimizar
vasoativas e transfusão sangüínea, de tal forma que o sua perda e produzir um impacto positivo na econo-
índice de consumo de oxigênio (VO2I) deve ser maior mia de nitrogênio(40).
que 150 a 170 mL/min/m2, índice de oferta de oxigê- Embora com o enorme progresso e ênfase nas
nio (DO2I) maior que 600 ml/min/m2 e índice cardía- várias técnicas de nutrição enteral, mesmo nos paci-
co (IC) maior que 4,5 L/min/m2 (19,36). Tal conceito entes hipermetabólicos, muitos deles, por impossibili-
causou grande entusiasmo inicial(37), porém os resul- dade parcial ou temporária de acesso e absorção
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enteral dos nutrientes, devem ser nutridos exclusiva- Durante os estados hipermetabólicos, existe um
mente ou complementados por nutrição parenteral(42). consumo acelerado de glutamina pelo intestino, quan-
A nutrição enteral iniciada dentro das primeiras se- do é aumentada a liberação de cortisol, acelerando a
tenta e duas (72) horas, em casos de traumatismo, é proteólise e a saída de glutamina do músculo esquelé-
associada com redução na incidência de complica- tico e aumentando sua captação pelo intestino, pro-
ções sépticas(40). movendo a recuperação do trofismo intestinal e dimi-
Quanto à fonte protéica, apesar dos estudos ex- nuindo a probabilidade de translocação bacteriana. Se
perimentais demonstrarem, de forma inequívoca, os o estado hipermetabólico for prolongado, o paciente
benefícios nutricionais do emprego das soluções de séptico apresentará deficiência de glutamina(40).
aminoácidos, enriquecidos com aminoácidos de ca- Foi demonstrado que a suplementação paren-
deia ramificada, os estudos clínicos prospectivos e teral ou enteral de glutamina promove a preservação
randomizados não identificaram vantagens significa- da massa intestinal e proteção do intestino na entero-
tivas em termos de redução de morbimortalidade com colite e a sua suplementação melhora a imunidade
o uso dessas soluções. A orientação atual é utilizar intestinal. Ainda são necessários outros estudos para
soluções convencionais de aminoácidos, na propor- determinar a aplicabilidade clínica deste aminoácido
ção de 2 a 3g/kg/dia(40). em pacientes graves, tanto por via enteral, como
Quanto à fonte calórica, a substituição de parenteral(40).
parte das calorias glicídicas por lipídios evita as com-
plicações resultantes do excesso de glicose, como au- B) Dieta com ácidos graxos ômega-3
mento da produção de CO2 e de consumo de O2, oca- Há dois ácidos graxos essenciais (não sinteti-
sionando aumento do quociente respiratório, aumento zados pelo organismo) que são o ácido linoléico
do gasto energético basal, hiperglicemia, hiperos- (ômega-6) e o ácido alfalinoléico (ômega-3).
molaridade e esteatose hepática. Também há evi- O ácido linoléico está mais presente em carnes
dências de que a administração parenteral, excessiva, e produtos animais, derivados do leite, além do óleo
de triglicérides de cadeia longa resulta em acúmulo de milho, girassol, soja e açafrão, sendo precursor do
de lipídios no sistema reticuloendotelial, com conse- ácido araquidônico, cuja metabolização em cascata
qüente depressão da função imunológica(40,42). Vide origina a série 2 de prostanóides (prostaglandinas,
tópico “Suporte nutricional no paciente crítico”, na prostaciclina e tromboxanes) e leucotrienos, sendo
segunda parte deste simpósio. todos eles produtos indutores de reação inflamatória
e imunossupressão(40).
14. NOVAS ABORDAGENS TERAPÊUTICAS NA O ácido alfalinoléico está presente em quanti-
SEPSE dades limitadas no reino vegetal (semente de uva, no-
zes, germe de trigo e soja) e também nos óleos de
14.1. Manipulações dietéticas peixe, moluscos e mariscos.
Levam em conta a utilização de nutrientes es- À substituição do ácido linoléico (ômega-6) pelo
pecíficos, tanto por via enteral, como parenteral, agin- ácido alfalinoléico (ômega-3), são produzidos prosta-
do como possíveis estimuladores do trofismo intesti- nóides trienóicos, leucotrienos pentaenóicos e trom-
nal (glutamina), minimizando o risco de ocorrer trans- boxane-3, cujas atividades diferem das produzidas
locação bacteriana, e/ou como imunomoduladores pelo ácido linoléico, já que há redução da síntese de
(ácidos graxos ômega-3), interferindo na maior ou prostaglandinas, diminuindo a reação inflamatória.
menor produção de elementos químicos, melhorando Na ausência de ácidos graxos ômega-3, os eicosanói-
o desempenho do sistema imunológico(40,42). des podem determinar efeitos exagerados nas res-
postas agudas ao estresse, causando imunossupres-
A) Dieta com glutamina são, agregação plaquetária ou inflamação excessiva.
A glutamina é o aminoácido mais abundante do Os ômegas-3 agem como precursores de antagonis-
espaço intracelular, estando reduzida, nos estados tas, com capacidade de confrontar a ação exagerada
hipermetabólicos, no músculo esquelético e no san- dos derivados do ácido araquidônico(40).
gue. Os enterócitos e colonócitos utilizam o seu es-
queleto carbônico como fonte de energia, excretando 14.2. Imunoterapia
amônia pela veia porta para a síntese de uréia(40). Com base na fisiopatologia do choque séptico,
360
Fisiopatologia da sepse e suas implicações terapêuticas
GA PEREIRA JUNIOR et al. Pathogenetic mechanisms of sepsis and their therapeutics implications. Medici-
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ABSTRACT: This article presents a recent and objetive review of the pathogenetic mechanisms
involved in sepsis, particularly the endothelial and mediators (citokines) role. It presents definitions
for systemic inflammatory response syndrome and sepsis with its continuum of clinical and
pathophysiologic severity. The organics dysfunctions were showed with its clinical, laboratorial
and hemodynamics manifestations. The basic principles of management were discussed as
well as new therapeutic approaches.
361
GA Pereira Júnior et al.
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