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Marileda Borba
RESUMO
O presente trabalho investiga a relação existente entre conhecimento literário e jurídico. Para
tanto, tem-se como objeto de análise a obra O Processo, de Franz Kafka. Na Antigüidade, Platão já
percebera os liames que se estabeleciam entre literatura e pensamento jurídico. Segundo o filósofo,
“a ordem jurídica é a mais excelente das tragédias”. É, pois, o imaginário da arte literária construindo
situações possíveis de se materializarem no universo jurídico. Em sua genialidade, Kafka apresenta
uma ordem jurídica tão absurda e que se conduz tirânica e autoritariamente por meio da Lei. A
narrativa kafkiana, de forma alegórica e em seus múltiplos paradoxos, abrange temas como a
liberdade humana e a negação de direitos. A verdade é que grandes obras literárias, como O
Processo, abundantes em conteúdo humano, ultrapassam o conhecimento literário e nos possibilitam
o auto-conhecimento, o conhecimento do outro e da época e sociedade na qual estamos inseridos.
São, pois, as narrativas e histórias contadas sobre a humanidade e para ela que podem abalar
certezas e dogmas, conduzindo-nos a interrogações essenciais.
Século XX. Possui uma temática de caráter extremamente complexo, aliada a uma
estética única que serviu de inspiração para outros grandes autores modernos.
significado da Lei, da época de Kafka aos nossos dias. O tema é atemporal e por
torna-se instigante. Segundo o jurista e filósofo do Direito François Ost (p. 382), “é
ou implícitas, isto é, não é nossa pretensão fazer uma interpretação única do texto
acrescentar significados a leituras já feitas. De acordo com Ost (p. 382), Kafka
significação deles só surgia depois que estavam concluídos, e mesmo assim ainda
parcialmente.
em Kafka, traz importantes reflexões sobre a natureza humana; para o autor, a idéia
estiveram, isto é, herdarão a terra, mas não somente a terra! O futuro herdará o que
configurar tempos depois, mas isso nada teve de profético. Foi um autor sensível às
mas não sejamos ingênuos em não pensar que este conceito, por vezes, fica
confere, assim, de certa forma, um limite. Kafka rompe, como todo grande autor,
sem ter a intenção de pregar ou garantir a verdade pode ser mais verdadeira que a
sobrevivência da espécie humana. Foi por meio das percepções que tinha de seu
tempo, que Kafka registrou situações de opressão, apresentadas de maneira insólita
alcança o significado de Lei-- lei paterna, lei judaica, lei religiosa, leis sociais e lei
encontra ao ser detido, pela manhã, em seu quarto, e os insultos que dirige aos
porém, coerente dentro da lógica internamente criada pelo autor. Essa lógica interna
isso presente na maneira de enredar os fatos, que, por vezes, apresentam uma certa
Kundera (p. 95), soube muito bem definir a presença da comicidade na escrita de
Kafka ironiza, então, com sutileza, a negação de direitos através de uma patética
situação em que se encontra o “herói”, como se pode comprovar nas linhas a seguir,
“... vivia em um Estado de Direito e reinava a paz em toda a parte, todas as leis
estavam em vigor, quem ousava cair de assalto sobre ele em sua casa?”, (Cap. I
unem para que o leitor, no bailar das incertezas, procure concluir alguns fatos e
próximo trecho. Mas, o leitor, ao tentar acompanhar a trajetória de Josef K., por
maior estranheza que essa possa lhe causar, percebe que, em um tom quase
contexto: Josef K. acredita em Estado de Direito, que busca manter a ordem social e
procurador de uma instituição financeira, mas que se volta contra ele. E, diante
dessa situação de ironia extremada, não há muito que fazer, não há inocência e não
existe defesa. Essa constatação confunde a personagem que passa a ter uma
postura indiferente e alheia aos fatos. Em análise da obra de Kafka, Costa Lima (p.
205) afirma que “a Lei é mera forma pela qual o poder se manifesta”. E em relação a
essas reflexões, é possível constatar que Josef K. acreditara que Lei e Justiça
seguir até o fim da narrativa enredado em suas crenças e confuso diante dos fatos
personagem. Conduz, então, o leitor a possíveis equívocos e torna difícil extrair uma
única mensagem da obra. É certo que, enquanto leitores de seu texto, Kafka nos
oportuniza tecer redes para efetivar a compreensão, mas ainda é mais certo que
que outros fogem ou tendem a se ocultar. E isso é possível porque o autor, conforme
Walter Benjamin (p. 136 – 164) “priva os gestos humanos de seus esteios
nem sempre são legitimados e assegurados por lei. E esse entendimento torna
entender de Benjamin sobre o fato de que na obra de Kafka, “ o direito existe nos
códigos, mas eles são secretos e através deles a pré-história exerce seu domínio
décadas do século XX, criar uma realidade alternativa mostrando que, enquanto
ser utilitária, bem sabemos disso e Kafka, em sua lucidez de grande escritor, não
texto, o que o filósofo francês discute e teoriza décadas mais tarde. Poderia não ser
essa a pretensão do autor tcheco, mas não se pode negar que sua literatura mostra
tentáculos. É possível assim dizer que o texto kafkiano enveredou pelos corredores
época contemporânea. É lição que não se pode ou não se deve esquecer, pois, nem
mesmo Josef K., sólido cidadão, funcionário de uma também sólida instituição
financeira, não escapou de viver uma situação que se pode definir como tipicamente
kafkiana: embater-se contra um poder que não tem face, que se dissimula e se faz
representar pela Lei. De acordo com Costa Lima (p. 205) “ a Lei é uma
assim diz:
Alguém certamente havia caluniado Josef K., pois uma manhã ele foi
detido sem ter feito mal algum”. Com esta primeira frase , direta ao ponto,
Kafka agarra o leitor pelo pescoço e, de quebra, inaugura o século XX.
Você nem precisa ser um prisioneiro iraquiano em Abu Ghraid, conduzido
pela coleira por uma simpática soldado americana grávida ( grávida e
fumando); quem já tentou cancelar por telefone um cartão de crédito, lutou
para se livrar de uma vendedora de tele-marketing ou se embrenhou pelos
corredores da burocracia sabe o que é uma situação kafkiana, mesmo sem
ter lido um só livro dele. ( ...) Kafka foi um ser estranho, capaz de escrever
frases como esta em seu diário: 1914, 2 de agosto: a Alemanha declarou
guerra à Rússia. Natação à tarde. Esta visão particular da aventura
humana (...)e este profundo sentimento de inadequação fizeram com que
Kafka pressentisse e registrasse o surgimento de um novo mundo, em que
o indivíduo pode ser esmagado sob o peso de uma insanidade coletiva e
sem rosto. (FURTADO, Jorge. Jornal Zero Hora, 29/5/2004).
REFERÊNCIAS
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: histórico da violência nas prisões. 17ª ed. Rio de
KUNDERA, Milan. A arte do romance - ensaio. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 1986
Unisinos. 2004