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A ALCA e o setor privado brasileiro: dois casos exemplares

Antônio Carlos Lessa

O movimento de expansão regional e mundial de muitas das grandes empresas latino-


americanas mostra o quanto elas avançaram na grande ebulição que tomou conta do
mundo empresarial nos últimos anos, movidas pela disputa por mercados cada vez mais
integrados. A crescente movimentação que se tem verificado no cenário empresarial
internacional nos últimos anos - que pelos anúncios de grandes fusões, aquisições,
incorporações e associações, contemplando a totalidade ou partes de grandes empresas
– começa a caracterizar o ânimo com que as corporações transnacionais rearticulam as
suas operações em nível mundial, tornando-as mais competitivas e ágeis para responder
aos desafios de um mundo de negócios verdadeiramente global. Desse modo, a
diversificação de investimentos em atividades e/ou regiões, ora concentrando seus
esforços em "core business" ou em seus mercados principais, são apenas algumas das
táticas que têm sido implementadas nos dias de hoje para permitir a adaptação das
grandes empresas ao ritmo de negócios característico da globalização, aprofundando os
seus vínculos com o mercado internacional.

Duas empresas brasileiras são sempre lembradas quando se pensa nas estratégias de
preparação dos grandes atores econômicos brasileiros para a atuação em um mercado
de proporções hemisféricas, tendo-se em conta as possibilidades de expansão de
negócios que surge com a criação da Área de Livre Comércio das Américas – ALCA: a
Aços Gerdau e a Petrobrás.

O grupo siderúrgico Gerdau iniciou a sua expansão internacional ainda no início dos anos
oitenta, quando o mercado doméstico brasileiro parecia não ser mais suficiente para
absorver novas ampliações de oferta, uma vez que a empresa atendia sozinha à pouco
mais da metade do consumo local, largamente caracterizado pela presença avassaladora
da produção das então empresas estatais que, inclusive, foram alvo imediato da fúria
expansionista do grupo Gerdau no sentido de consolidar a sua posição no mercado
brasileiro.

Do ponto de vista de sua estratégia internacional, seguindo a tendência de muitos outros


grupos de igual porte, que ao depararem-se com a tendência de concentração dos seus
setores de atividades em mãos de um número reduzido de jogadores dotados de
capacidade de atuação mundial, a Gerdau expandiu-se para outros mercados pela
compra de outras empresas, firmando o foco de sua internacionalização na região que lhe
parecia com maior potencial de crescimento – ou seja, o hemisfério. Atualmente a Gerdau
é a maior fabricante de aços da América Latina, com faturamento de US$ 2,26 bilhões em
1999, figurando entre as 25 maiores siderúrgicas do mundo. O resultado da sua opção
preferencial pelas Américas ganha os contornos de um mapa desenhado a partir das
possibilidades de expansão nos diferentes mercados nacionais - a empresa tem duas
fábricas na Argentina, uma no Chile, duas no Canadá, quatro nos EUA e uma no vizinho
Uruguai.

O processo de internacionalização da Petrobrás é bem mais antigo que o da Gerdau - há


que se lembrar o fato de que, pela própria natureza de país importador de petróleo, é de
longa data que a empresa mantém relacionamento comercial com países fornecedores de
todos os continentes (Arábia Saudita, Irã, Iraque, Rússia, Inglaterra, Noruega, EUA,
Venezuela, Argentina, Angola, e Nigéria sendo alguns exemplos de grandes fornecedores
de óleo bruto para o Brasil). A isto se soma um intercâmbio técnico-científico
tradicionalmente muito denso e a atuação de suas empresas subsidiárias Interbrás
(trading criada para comercializar produtos fabricados no Brasil em contrapartida às
compras de petróleo no exterior), e Braspetro (para empreendimentos de engenharia e
prospecção no exterior, em países como Iraque e Angola).

A atuação internacional do grupo Petrobrás ganhou novo ritmo e passou a obedecer a


nova estratégia a partir do início do processo de abertura do setor petróleo no Brasil, no
qual a expansão internacional passou a ser entendida como uma necessária contrapartida
para a maior exposição que a empresa brasileira terá à concorrência estrangeira, em
especial, de grupos empresariais norte-americanos. Esta questão assume relevância
especial quando se considera o esforço que a empresa brasileira demonstrou para
adaptar a sua estratégia internacional e firmar o seu foco na área geográfica na qual
apresenta melhores condições para uma performance vencedora - no caso, no hemisfério
em geral, e na América Latina em particular. Com efeito, considerando a posição
geográfica que a holding Petrobrás ocupa, fatores logísticos e a sua identificação
histórico-cultural, a definição da expansão da sua atividade internacional deveria
naturalmente encontrar o seu eixo no fortalecimento da sua presença na América Latina,
e prioritariamente na América do Sul. A caracterização da atuação da Petrobrás na
integração hemisférica é dada por três fatores importantes, quais sejam, a entrada de
concorrentes estrangeiros no mercado brasileiro, o desequilíbrio no escoamento da sua
produção (considerando a atrofia existente na relação entre o nível de produção e o nível
de distribuição, uma vez que a empresa produz mais derivados do que é capaz de
comercializar por canais próprios) e a liberalização da importação de derivados.

Há que se recordar que se encontram em andamento (ou já estão implantadas)


importantes parcerias com empresas de países da região que se inscrevem no âmbito da
estratégia que a empresa traçou para ter uma melhor inserção na ALCA, a saber: a) na
Bolívia - criação da Petrobrás Bolívia (PEB), com a intensificação das atividades de
exploração, e sobretudo com a conclusão e início da exploração do gasoduto Brasil-
Bolívia, ao que se soma a aquisição de refinarias, a implantação de rede de postos de
serviços e a comercialização direta de derivados e lubrificantes; b) na Argentina - criação
da Petrobrás Argentina (PAR), na qual se efetivou a troca de ativos com a Repsol/YPF, o
adensamento na participação no sistema de transporte por gasodutos e igualmente a
exploração, produção, e comercialização direta de derivados e lubrificantes; c) nos EUA -
criação da Petrobrás América (PAI) para a exportação de gasolina e a exploração direta
de petróleo no Golfo do México; d) no Paraguai, Uruguai, Colômbia, Trinidad e Tobago,
Equador e Peru, a holding tem empreendido iniciativas que possibilitem a comercialização
direta de derivados, combustíveis e lubrificantes e a exploração e produção direta; e) na
Venezuela, país rapidamente se transformou em grande fornecedor de petróleo e
derivados para o Brasil.

Para além do hemisfério, a holding Petrobrás segue estratégia idêntica e, mesmo antes
do início do processo de abertura do setor petróleo no Brasil, a empresa vem mantendo
conversações com a quase totalidade das empresas internacionais de petróleo, discutindo
possíveis áreas ou projetos de interesse comum. Tendo isto em vista, a empresa definiu
em seu planejamento estratégico o incremento de suas atividades internacionais tendo
sempre como prioridade o seu fortalecimento regional nos mercados da América do Sul,
notadamente na Argentina e na Bolívia, no Caribe e no sul dos EUA. Por essa razão, o
projeto lançado em dezembro de 2000 (e imediatamente abandonado diante da reação
vociferante de setores importantes da opinião pública brasileira) de mudar o nome da
empresa para Petrobrax, atendendo à necessidade de firmar uma marca mais palatável
para o cliente "estrangeiro", não era de todo absurdo.

De muitos casos de empresas brasileiras, os exemplos da Gerdau e da Petrobrás são


certamente aqueles que respondem mais diretamente aos desafios endógenos de
crescimento dos negócios, e que encontram uma instrumentalidade certa para o processo
de regionalização em sua estratégia de internacionalização. Vê-se, entretanto, que esta
dimensão já não é tão clara em muitas outras áreas, uma vez que boa parte das
empresas de muitos setores, especialmente o industrial, não estão prontas para
responder de modo tão positivo ao desafio da integração hemisférica, adotando muitas
vezes aprioristicamente posturas reativas, que acabam inclusive por contaminar o debate
sobre os ganhos e perdas da criação da ALCA para o Brasil.

De fato, a perspectiva dos atores privados é bastante heterogênea, a depender não


apenas do porte dos negócios envolvidos, a considerar-se que certamente a visão das
pequenas e médias empresas contrasta com a dos grandes jogadores, como também dos
setores de atividades, e neste caso, os exemplos da Petrobrás e da Gerdau, em sua visão
extremamente positiva das possibilidades que a constituição da ALCA trazem para as
suas atividades, não é partilhada pela maioria dos setores da economia brasileira... Pelo
que se vê, com certeza ainda temos muito o que aprender com as experiências dos dois
grandes campeões brasileiros.

Por que a Alca assusta tanto o Brasil?

Estudo da Unicamp com 20 setores da economia brasileira revela o que aconteceria com
as empresas nacionais se todas as alíquotas que hoje regem o comércio entre os países
membros da Alca fossem zeradas

Por Adriana Souza Silva

Por que a Alca (Área de Livre Comércio das Américas) assusta tanto o Brasil? Um estudo
da Unicamp que compara o desempenho de vinte setores da nossa economia com seus
similares norte-americanos ajuda entender o motivo de tanta preocupação. Realizado pelo
Núcleo de Economia Industrial e da Tecnologia (Neit), o documento revela que
importantes pólos geradores de empregos – têxtil, petroquímico e de plásticos – levariam
um verdadeiro banho do mercado internacional se as barreiras tarifárias deixassem de
existir. No entanto, o Brasil colheria bons resultados se as áreas de siderurgia e cítricos
pudessem cruzar livremente as fronteiras do bloco, principalmente a dos Estados Unidos.
O que muitos se perguntam é se os ganhos desse lado competitivo compensariam o
prejuízo dos outros setores.

O fim das alíquotas é um dos principais dilemas discutidos no Fórum Empresarial da Alca,
em Miami, que começou no domingo e vai até quinta-feira, quando tem início a reunião da
cúpula ministerial do bloco. De um lado, há um Brasil disposto a pagar para ver no que vai
dar a eliminação das tarifas. Do outro, os norte-americanos que, preocupados em
proteger as indústrias de aço e a produção agrícola, não facilitam a entrada do produto
estrangeiro. A menos que haja uma contrapartida nas regras comuns para investimentos
e nas normas para regular a propriedade intelectual. Mas isso o Brasil não quer.
Enquanto essa queda de braço não se resolve, os empresários brasileiros tentam ganhar
tempo e se preparar para a Alca. Uma missão impossível em algumas áreas, dada à
ausência de uma política industrial que as deixe mais competitivas. Soma-se isso ao
agravante de termos a maior taxa de juros do bloco. O estudo da Unicamp dividiu vinte
setores da economia em três grupos: cinco sairiam ganhando, seis perderiam com o
bloco, e os nove restantes não sentiriam qualquer efeito sem as atuais alíquotas.

Os que devem perder com o livre comércio das Américas são hoje os setores mais
deficitários. Carecem de infra-estrutura e têm pouca escala produtiva. É o caso da
indústria de máquinas e de bens de capital, que perderia mercado pela entrada de
produtos importados – mais baratos e com melhor tecnologia. O mesmo é possível
prever, segundo o documento, para as áreas petroquímica e plástica. A indústria naval
necessitaria de uma urgente modernização se comparada à similar estrangeira. Também
ficaria abalado o ramo têxtil, desguarnecido pela informalidade dentro do próprio País.

“É só lembrar desses setores para concluir que uma Alca não é uma questão a ser
resolvida de uma tacada só”, argumenta o economista Rodrigo Sabbatini, pesquisador do
Neit e um dos coordenadores do estudo. Para ele, o Brasil age certo ao não abrir mão do
acesso a mercados em que leva vantagem comercial sobre os Estados Unidos. Teríamos
cacife para bancar uma postura como essa? Sim, na avaliação do economista. “Não
acredito que façam um bloco sem nossa participação”, diz.

Os cinco pólos com chances de ganhar mercado com o acordo são os de celulose e
papel, café, cítricos, couro e calçados e siderurgia. Mesmo assim, o documento revela
que esses empresários precisariam agregar mais valor à mercadoria final e diferenciar
seus produtos lá fora. Já os setores de cerâmica, cosméticos e móveis pouco sentiriam os
efeitos da liberalização, pois alcançaram uma certa independência nas negociações
internacionais. Em outras palavras, nesse grupo, quem tinha de entrar no mercado vizinho
já o fez. As áreas automobilística, eletroeletrônica, farmacêutica e de informática também
ficariam insensíveis à Alca, pois os fluxos comerciais desses produtos estão bem
consolidados.

Para Sabbatini, é preciso considerar que a liberação comercial deve levar a um aumento
das vendas dos Estados Unidos e do Canadá para os mercados latino-americanos, o que
resultará numa perda de espaço das exportações brasileiras. Por essa razão, ele não vê
mal algum no que está sendo chamado de Alca “light”. Tampouco desaprova a Alca “à la
carte”, nome dado ao acordo em que cada país escolheria os pontos que gostaria de
negociar. “É o que temos condição de digerir no momento”, conclui.

Setores mais preparados para competir:

Café
Celulose e Papel
Cítricos
Couro e Calçados
Siderurgia

Setores menos preparados para competir:


Bens de capital
Máquinas
Naval
Petroquímica
Plásticos
Têxtil/confecções

Setores pouco sensíveis à competição:

Cerâmica
Cosméticos
Madeira
Móveis
Automobilística
Eletrônica
Farmacêutica
Informática
Telequipamentos

Fonte: Neit - Unicamp

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Jornal: Folha de São Paulo


Título: País quer acesso ao mercado americano, com ou sem Alca
Data: 10/01/2005
Crédito: Eliane Cantanhêde e André Soliani

CELSO AMORIM

Ministro defende "boa negociação com os EUA", mas afirma que formação de bloco não é
essencial

O fato de ser Alca ou não ser Alca, para nós, não é essencial. Existe a proposta da Alca,
e podemos trabalhar desde que se ponha ênfase em acesso a mercado

ELIANE CANTANHÊDE COLUNISTA DA FOLHA

ANDRÉ SOLIANI DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Às vésperas de novas tentativas para desenterrar a Alca (Área de Livre Comércio das
Américas), o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, fala com desdém do
projeto e avisa que o interesse maior do Brasil é pelo acesso ao mercado americano. Se
for por um acordo bilateral do Mercosul com os EUA, tudo bem.

"Nosso objetivo é não enterrar a Alca, é termos uma boa negociação com os EUA. O fato
de ser Alca ou não ser Alca, para nós, não é essencial", disse ele à Folha, na sexta-feira,
em seu gabinete.
Em tom irreverente, Amorim afirmou que os EUA fazem acordos bilaterais com
praticamente todos os países latino-americanos, menos com os do Mercosul. Porque,
como diz "intuir", os americanos sabem que a união Brasil-Argentina não vai engolir
qualquer oferta. Na sua opinião, as negociações Mercosul-União Européia estão
melhores.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista, em que o chanceler avalia que, em dois
anos de governo Lula, "a presença do Brasil no mundo é maior".

Folha - Estudo do Ipea mostra que, com a Alca, os EUA vão ganhar e o Brasil vai perder
comercialmente. Isso vem bem a calhar para respaldar a resistência do atual governo à
Alca na retomada das negociações, agora em janeiro?

Celso Amorim - Ele ratifica a posição de cautela. Ratifica o que tenho dito: não adianta
querer fazer acordos apressadamente, ainda que se possa beneficiar um setor específico.
A gente tem de olhar o conjunto. É preciso ter uma Alca não como um contrato de adesão
que você é obrigado a assinar embaixo, mas sim uma Alca negociada. Avançaríamos
mais rapidamente se concentrássemos mais em acesso a mercado e menos nas regras
gerais para o hemisfério. É difícil encontrar regras gerais com as quais todos concordem.

Folha - O estudo do Ipea não ajuda a enterrar a Alca?

Amorim - Não sei. Não é o nosso objetivo enterrar a Alca, é ter uma boa negociação com
os EUA. O fato de ser Alca ou não ser Alca, para nós, não é essencial. Existe a proposta
da Alca, nós também não somos contra e podemos trabalhar desde que se ponha ênfase
em acesso a mercado.

Folha - O senhor trocaria, então, a Alca por uma negociação bilateral direta com os EUA?

Amorim - Não é trocar. Na prática, os EUA já fizeram isso com todos os outros. Só não
querem fazer com o Mercosul, por alguma razão que eu posso intuir, mas que eles nunca
explicitaram.

Folha - Qual é a sua intuição?

Amorim - Acho que eles pensam que podem obter mais concessões de outros do que do
Mercosul, que tem Brasil e Argentina. Estamos unidos. Como intuição: acham que, no
contexto da Alca, o que eles obtiverem dos outros vai ser uma pressão para fazermos.
Com o Mercosul é mais difícil.

Folha - O que apontam os estudos sobre a UE (União Européia)?

Amorim - O Ipea fez um estudo a nosso pedido e também dava resultado negativo para o
Mercosul. As outras pessoas que fizeram um cálculo muito positivo para o acordo com a
UE fizeram um cálculo mecânico, que não existe.

Folha - A Alca continua na agenda do dia do Itamaraty?

Amorim - Ela está na agenda do dia, mas não pode ser a única prioridade ou obsessão do
governo brasileiro. O nosso comércio com países em desenvolvimento tem aumentado de
maneira extraordinária, a tal ponto que hoje eles correspondem a 49% das exportações
brasileiras. Há anos atrás, eram 30%. E isso num contexto de crescimento do comércio
com os EUA, a Europa. Não estamos falando de uma coisa política ou doutrinária ou
ideológica. É uma coisa prática.

Folha - Em 2004 as negociações da Alca e com a União Européia recuaram. É possível


avançar em 2005?

Amorim - Acho possível avançar com a UE. Eu vejo muitas pessoas, incluindo ligadas ao
setor financeiro, querendo o acordo rápido. Mas eles querem que avance rapidamente
fazendo concessões no setor dos outros. Acho que, com a UE, não houve recuo, houve
muito avanço. Nós estávamos em terra incógnita e, que eu saiba, foi a primeira vez que a
UE ofereceu cotas na agricultura.

Com a UE nós aproximamos as negociações, diminuímos o hiato. Com a Alca isso não
aconteceu. Nós vamos ficar insistindo em negociar regras de propriedade intelectual, de
investimentos e, ao mesmo tempo, os EUA não querem regras sobre subsídios? Vai ter
um impasse permanente. Nós não vamos aceitar essas regras enquanto não houver
regras sobre subsídios.

Folha - As regras do Mercosul engessam o Brasil nas suas negociações externas?

Amorim - Em todo processo associativo isso ocorre. Você tem de ver se o ganho é maior
do que aquilo que você está deixando de ganhar por causa do acordo. Isso ocorre na UE
também. Você não acha que a Alemanha teria feito um acordo mais rápido com o
Mercosul se não fossem os agricultores franceses? Teria. Mas isso é motivo para
abandonar a UE? Acho que não.

No nosso caso, nem do ponto de vista político nem do ponto de vista econômico faria
sentido. O nosso comércio com o Mercosul e com a América do Sul cresceu brutalmente.
Acho que esses argumentos são muito imediatistas.

Folha - E as demonstrações de ciúmes do [Néstor] Kirchner [presidente da Argentina]?

Amorim - Eu não vejo isso, não. As relações com a Argentina estão ótimas. Nós é que
temos uma tendência a dramatizar.

Folha - Nós? Os portenhos não dramatizam mais?

Amorim - Nós, sul-americanos.

Folha - Dentro da política de maior inserção internacional do Brasil, há escolhas de risco.


A presença no Haiti? As opções de acordos comerciais?

Amorim - Guimarães Rosa termina o "Grande Sertão: Veredas" com a seguinte frase:
"Viver é muito perigoso".

Folha - E se der errado?


Amorim - O que vai dar errado? O risco muito maior é o Brasil perder a capacidade de ter
uma política de medicamentos. Uma política que começou com o atual prefeito de São
Paulo, José Serra [então ministro da Saúde do governo tucano], embora o PT também
tivesse um projeto. Não é uma coisa ideológica. Risco é não poder ter uma política de
medicamentos que atenda ao público, é você descobrir que, se fizer um código de águas
para São Paulo ou Rio, não pode aplicar porque um investidor estrangeiro se sentiu
lesado na sua expectativa de lucro. Risco é isso.

Folha - Qual a importância de o Brasil eleger um embaixador seu para a direção da OMC?

Amorim - O grande desequilíbrio da OMC é que é um grande pacto entre os


desenvolvidos, com os demais sendo chamados a aderir. Em resumo, é isso. Aí há
algumas cláusulas dando uma colher de chá, mas não passa disso. A gente viu no caso
da Embraer. As regras foram escritas para resolver o problema deles e entre eles. Mesmo
na agricultura, andou porque os EUA também quiseram. Nós colhemos migalhas.

Folha - Então, por que o Brasil sempre diz que a OMC é melhor do que a Alca, por
exemplo?

Amorim - A melhor coisa da OMC foi ter criado um sistema de solução de controvérsia. Se
você olhar para trás, os principais ganhos que nós tivemos no ano passado foram algodão
e açúcar. Nunca, em tempo algum, você teria vitórias como essa, seja na Alca, seja num
acordo com a UE.

Folha - Por que não o ex-comissário de Comércio da UE Pascal Lamy para a OMC?

Amorim - O Lamy é meu amigo, e tenho admiração e respeito por ele, mas é inevitável
que acabe refletindo mais as concepções dos países desenvolvidos. Ele é um homem de
país desenvolvido e, por mais que se esforce para superar, haverá sempre esse
condicionamento. Eu prefiro um homem de país em desenvolvimento. E acho que um
homem com uma posição firme, mas moderada do Brasil, e com equilíbrio pessoal é o
ideal.

Folha - E o risco de assumir a liderança das tropas de paz no Haiti?

Amorim - A missão que o Brasil aceitou foi mandar 1.200 homens, que poderia ter tirado
há três meses e pode tirar daqui a quatro...

Folha - Isso é uma ameaça porque os demais países não estão dando o suporte
prometido?

Amorim - Não, não é uma ameaça. Mas é claro que, ao aceitarmos a missão, nós fizemos
uma avaliação sobre o papel político que ela poderia ter. Vai muito além. Nós estamos
estamos trabalhando com o espírito de realmente fazer algo diferente. Ali há o lixo, mas
também há a esperança. Os demais países, principalmente os do Caribe, vêem a missão
do Brasil como uma coisa nova. Vamos ser bem-sucedidos? Não posso ter certeza.

Folha - Lula se reuniu com ministros e comandantes militares para discutir ajuda às
vítimas do tsunami. É uma nova chance de o Brasil ocupar espaço internacional?
Amorim - Pronto, lá vêm vocês. Isso é como o título [da Folha] de hoje [sexta-feira],
dizendo que o Brasil vai quitar as dívidas com os organismos internacionais por causa da
campanha para ter um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Não é
nada disso. Vai pagar porque deve, oras! É uma dívida, tem de pagar.

Folha - A concentração na Ásia desvia o foco do Haiti?

Amorim - A vida é assim, o que posso fazer? A nossa estratégia é continuar falando no
Haiti. Por que eu não estou indo à reunião de Genebra [amanhã, dia 11] e sugeri o
general [Armando] Félix [ministro do Gabinete de Segurança Institucional da
Presidência]? Porque no dia 12 eu vou estar na reunião do Conselho de Segurança da
ONU sobre o Haiti.

Folha - Uma das críticas de 2004 à política externa foi por causa do encontro de Lula com
o [Muammar] Gaddafi na Líbia. Como será o encontro dos países árabes com o Mercosul,
no Brasil, em maio?

Amorim - A política externa foi muito criticada, mas o povo entendeu e apoiou. O Brasil foi
criticado, mas os primeiros-ministros da Espanha e do Reino Unido também foram a
países árabes e foram aplaudidos. Então, essas são críticas de quem quer pregar para o
Brasil o que os outros não fazem. São críticas sem nenhum fundamento, não são sérias.
Em política externa, se você for se relacionar apenas com aqueles que forem virtuosos,
você talvez nem possa sair de casa. A aproximação com os países árabes é um projeto
que está indo bem, eu vou visitar alguns desses países nos próximos meses, vai haver
uma reunião ministerial brevemente no Marrocos. Vai ser um êxito.

Folha - Qual o objetivo?

Amorim - Não é um objetivo único. É como no caso da aproximação com a China e a


Índia. É comercial? É. É político? É. É cultural? É. O comércio com a Síria, por exemplo,
aumentou 300%.

Folha - No início do governo, o sr. dizia que o Brasil precisava encontrar seu verdadeiro
tamanho. Encontrou?

Amorim - Mal comparando, é como produto: os melhores indicadores são os seus preços
internacionais. Eu vejo o mundo reconhecendo isso. Não falo de jornaizinhos, falo da
BBC, do "Herald Tribune", do "Miami Herald", do "Le Monde". Eles acham que o Brasil
assumiu um papel compatível com seu tamanho. A presença do Brasil no mundo é maior
e por uma série de fatores: o país vem de um processo de consolidação da democracia,
de uma transição civilizada de poder, conquistou estabilidade econômica, está crescendo.
Tudo isso pesa. O que está fazendo mais do que no passado, certamente, é garantindo
uma presença mais efetiva no cenário internacional.

O que o presidente Lula quer? Uma nova geografia comercial mais equilibrada, um
Mercosul mais integrado, uma América do Sul mais integrada, as Nações Unidas
reformadas. O roteiro é bom, resta saber se vai haver financiamento para fazer o filme.

Folha - Tudo isso significa resistência a um mundo unipolar dominado pelos EUA?
Amorim - Isso é dedução sua.

Folha - O sr. concorda?

Amorim - Vamos colocar de uma maneira positiva: faz parte da construção de um mundo
multipolar.

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Alça , aço

O Mercosul é uma união aduaneira entre Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, e tem
como países associados o Chile e a Bolívia. Apesar de existir um projeto de integração
comercial entre esses países, que inclui a abertura de fronteiras não só para mercadorias
e serviços, mas também para os trabalhadores, o Mercosul é hoje um acordo comercial
incompleto, que ainda depende da definição de uma Tarifa Externa Comum (TEC).
Na medida em que as negociações sobre a ALCA (Área de Livre Comércio das Américas)
se intensificam, crescem as incertezas em relação ao Mercosul e a pressão dos Estados
Unidos para esvaziar esse acordo. Incorporar o Mercosul à ALCA é um projeto estratégico
para o governo norte-americano, pois seus países membros representam 42% da
população latino-americana e mais da metade do PIB da América Latina.
Os Estados Unidos têm utilizado diversas táticas para garantir a implementação da ALCA
o quanto antes. Primeiramente, através das pressões para antecipar o final das
negociações da ALCA de 2005 para 2003. Essa proposta foi apresentada pelos Estados
Unidos e pelo Chile na 6a. Reunião de Ministros de Comércio em Buenos Aires, nos dias
5 e 6 de abril. Caso os governos latino-americanos concordassem em antecipar as
negociações, a administração de George W. Bush estaria em melhores condições de
conseguir apoio do Congresso para aprovar o projeto de lei chamado Trade Promotion
Authority (TPA), conhecido anteriormente como fast-track, ou “via rápida”. Esse projeto
determina que os acordos comerciais devem ser aprovados ou rejeitados como um todo,
sem a possibilidade de apresentação de emendas pelos parlamentares. Apesar das
pressões dos Estados Unidos, a proposta de antecipação das negociações da ALCA foi
rejeitada na reunião ministerial em Buenos Aires. A data de conclusão das negociações
foi marcada para janeiro de 2005 e a implementação da ALCA está prevista para
dezembro de 2005.
Outra tática utilizada pelos Estados Unidos contra o Mercosul tem sido a busca de
negociações bilaterais com a Argentina, Chile e Uruguai. O agravamento da crise
econômica na Argentina contribuiu com esse cenário. Além de anunciar uma possível
negociação bilateral da Argentina com os Estados Unidos, o Ministro da Economia
Domingo Cavallo tem criticado a política monetária brasileira. Dia 6 de abril, durante um
seminário no Banco Central, Cavallo acusou o Brasil de “especular contra modelo cambial
argentino”, que estabelece um sistema de conversibilidade entre o peso e o dólar.
No mesmo dia, o Ministro de Relações Exteriores do Brasil, Celso Lafer, declarou que a
ALCA não é inevitável e que deve ser equilibrada para “atender aos interesses nacionais”.
Apesar de exercer um papel fundamental contra as pressões dos Estados Unidos em
minar o Mercosul, o governo brasileiro chegou a negociar um acordo sigiloso com o
governo norte-americano, que inclui a presidência conjunta dos dois países na Comissão
de Negociações da ALCA em 2002. Esse tipo de atitude demonstra uma tendência
histórica dos países latinoamericanos, que priorizam as relações com o colonizador, em
detrimento das relações regionais.
As principais críticas à ALCA referem-se justamente ao poder de dominação dos Estados
Unidos na América Latina, a começar por seu Produto Interno Bruto (PIB), que representa
71% de todo o continente. Além da dimensão econômica, as disparidades entre Estados
Unidos e os países latinoamericanos englobam as escalas de produção, as diferenças
tecnológicas, de infra-estrutura e o poder militar.
Ao aceitar a ALCA, os países latinoamericanos serão obrigados a cumprir as
determinações da Organização Mundial do Comércio (OMC) sobre acordos comerciais, o
que significaria adotar tarifa zero para 85% de seus produtos, em um prazo de 10 a 15
anos. Hoje, a tarifa média no Brasil é de 14%. Essa determinação teria um efeito bem
menor para os Estados Unidos, que já adota uma tarifa baixa, de 2,6%, para os países do
Mercosul. Porém, o governo norte-americano possui outros meios para impedir a entrada
de produtos do Mercosul, como no caso das importações de aço do Brasil, que foram
taxadas em 142%, como punição por uma acusação infundada de dumping (venda de
produtos a preço de custo ou abaixo do preço de produção).
Outra consequência prejudicial para as empresas latinoamericanas seria a abertura da
concorrência pública para empresas estrangeiras nos setores de serviços. A ALCA prevê
também o aprofundamento da desregulamentação financeira, através da limitação do
controle do Estado sobre investimentos externos. Em suma, a ALCA prevê a abertura de
fronteiras para mercadorias, capitais e bens de serviço, mas não para os trabalhadores.
Outros pontos polêmicos na negociação da ALCA incluem propriedade intelectual,
principalmente em relação à indústria farmacêutica e à biotecnologia. As regras de
proteção de patentes previstas na ALCA são ainda mais restritas que as da OMC. Essas
regras exerceriam grande impacto, por exemplo, no programa brasileiro de combate à
AIDS. O uso de medicamentos genéricos pelo Brasil para o tratamento da AIDS levou a
poderosa indústria farmacêutica norte-americana, através da administração de George W.
Bush, a recorrer à OMC, apesar dos enormes benefícios comerciais já concedidos aos
Estados Unidos. Desde 1996, quando entrou em vigor o acordo sobre patentes na OMC,
os Estados Unidos patentearam 510 medicamentos e o Brasil patenteou 36. Nesse
mesmo período, as importações de medicamentos no Brasil passaram de US$25 milhões
para US$1,2 bilhões, o que significa um aumento de 5.000%. De 1994 a 1997, o déficit na
balança comercial brasileira, somente em relação ao setor farmacêutico, foi de
US$1bilhão.
As vantagens comerciais da ALCA para os Estados Unidos incluem também o setor
agrícola. Em relação a esse ponto, o governo norte-americano aceita eliminar alguns
subsídios à exportação, mas insiste em manter os subsídios internos. Aliás, de 1990 a
2000 os subsídios agrícolas nos EUA triplicaram. O protecionismo ao setor agropecuário,
tanto nos EUA quanto no Canadá, tem afetado particularmente o Brasil. A recente
suspensão das importações de carne do Brasil pelo Canadá, na verdade serviu como
retaliação pelo fato da EMBRAER (empresa de aviação brasileira) ter se tornado
competitiva no mercado internacional.
Como maior economia da América Latina, o Brasil seria o grande perdedor na eventual
implementação da ALCA, pois teria que abdicar do direito de definir sua estratégia de
desenvolvimento e de proteger sua indústria. Isso significaria também abdicar do
Mercosul, quando 83% das empresas exportadoras em São Paulo (o maior centro
industrial do país) negociam com países da região e somente 24% têm acesso ao
mercado norte-americano. De 1994 a 1997, as exportações do Brasil para os EUA
cresceram 5.22%, enquanto as importações cresceram 116.52%. Somente no primeiro
trimestre de 2001, o déficit na balança comercial brasileira foi de US$676 milhões.
Esses fatos têm gerado forte oposição à ALCA no Brasil. Alguns dos argumentos mais
contundentes têm sido expressados pelo Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, Ex-
Diretor do Instituto de Pesquisas de Relações Internacionais do Itamaraty. Em entrevista
ao jornal Valor Econômico, em 2/2/2001, ele afirma que “não há na política ou no direito
internacional nenhum processo de negociação que tenha de ser considerado irreversível
e aceito de forma passiva e submissa pela sociedade”. Ele acredita que a ALCA e o
Mercosul são incompatíveis e defende negociações multilaterais que permitam graduar
concessões e evitar a tarifa zero.
Os efeitos da ALCA podem ser projetados se imaginarmos o aprofundamento do modelo
neoliberal, da dependência de crédito externo, do endividamento, da especulação
cambial, da falência da indústria nacional, das perdas na balança comercial e,
consequentemente, da exclusão social. Na verdade, os acordos comerciais ferem
diversos Pactos e Convenções internacionais de direitos humanos, referentes, por
exemplo, aos direitos dos trabalhadores, das crianças e dos povos indígenas.
Após o período das ditaduras militares, que se instalaram em todos os países do
Mercosul nas décadas de 60 e 70, o conceito de direitos humanos passou a incluir direitos
econômicos, sociais e culturais. As atuais Constituições desses países contêm princípios
que subordinam atividades econômicas privadas aos direitos sociais. Ao mesmo tempo,
todos os países do Mercosul ratificaram o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais.
As políticas neoliberais implementadas nos países do hemisfério Sul têm gerado
desemprego, exclusão social e violência. Hoje, 36% dos latino-americanos, ou 220
milhões de pessoas, vivem abaixo do nível da pobreza. A política de juros altos e salários
congelados aprofunda a desigualdade social. No Brasil, 50% da população mais pobre
detém 14% da renda e 1% dos mais ricos detêm 13% da renda do país. Estima-se que 32
milhões de pessoas passem fome e 300 mil crianças morram de desnutrição por ano no
Brasil.
A deteriorização econômica tem gerado maior repressão aos movimentos sociais. No
Brasil, essa repressão tem atingido principalmente o movimento camponês, indígena, os
trabalhadores do setor público e os estudantes. Na Argentina, a crise econômica tem
causado grandes protestos. Em recente entrevista à Folha de São Paulo, o diretor do
Centro de Estudos Sociais e Legais (CELS), Gustavo Palmieri, afirma que, “Estão criadas
todas as condições para a Argentina entrar em um quadro de grave convulsão social, com
possibilidade de ruptura institucional”. Há algumas semanas, no Chile, milhares de
pessoas saíram às ruas para protestar contra o aumento das tarifas de transporte. No
Paraguai, o movimento camponês tem realizado grandes manifestações, reivindicando
acesso à terra e crédito para a produção de alimentos.
A eventual implementação da ALCA significaria o agravamento da vulnerabilidade dos
países do Mercosul. Portanto, o problema não está nas condições ou prazos para a
integração comercial. A ALCA precisa ser rejeitada como um todo, para que os países
latinoamericanos possam defender a soberania e os direitos de seus povos. Nesse
sentido, muitas redes de organizações sociais, como o Jubileu Sul e o Grito Continental
dos Excluídos, propõe a realização de um plebiscito continental sobre a ALCA. Essas
organizações propõe também a implementação da ALPA: Área Livre de Pobreza nas
Américas.
-- Maria Luisa Mendonça é jornalista e diretora do Centro de Justiça Global.

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