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INTRODUÇÃO
A presente análise tem como objetivo percorrer as teses eleboradas por Platão (428-348 a.C) e
Aristóteles (384=323 a.C.) acerca do “bem supremo”. Neste sentido, a nossa preocupação é
examinar a diferença entre os dois pensadores. Para que isto seja possível, penetraremos na
estrutura conceitual das duas doutrinas, levantando e investigando três questões que consideramos
fundamentais.
A primeira é a seguinte: como entender a noção platônica de bem em si frente à etica e à
política? A segunda diz respeito à pedagogia platônica. E a terceira trata do ponto de vista
aristotélico contra Platão.
O PENSAMENTO DE PLATÃO
“(...) Volto a uma teoria que já muitas vezes discuti e por ela começo : supondo que há
um belo, um bom, e um grande em si, e do mesmo modo as demais coisas”1.
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Logo, o saber enquanto idéia em si está explícita no puro bem. Assim, podemos afirmar que quem
almejar a sabedoria (sophia) e/ou a ciência ética e política precisa contemplar o Bem. Contudo, para
alcançá-lo, o homen necessita percorrer o caminho do amor. Platão descreve o trajeto do seguinte
modo:
“(...). Quando então alguém, subindo a partir do que aqui é belo, através do correto
amor aos jovens, começa a contemplar aquele belo, quase que estaria a atingir o ponto
final. Eis, com efeito, em que consiste o proceder corretamente nos caminhos do amor
ou por outro se deixar conduzir: em começar do que aqui é belo e, em vista daquele
belo, subir sempre, como que servindo-se de degraus, de um só para dois e dois para
todos os belos corpos, e dos belos corpos para os belos ofícios, e dos ofícios para as
belas ciências até que das ciências acabe naquela ciência, que de nada mais é senão
daquele próprio belo, e conheça enfim o que em si é belo.(...)”5.
O “contato” com o belo (Kalokagathia)6 é o mesmo que ocorre com as virtudes reais7. Até
porque o seu alcance é feito de modo virtuoso, ou seja, é realizado com muito exercício ou prática
do “bem”. O bem supremo é, neste aspecto, o ponto culminate da realização da vida intelectual,
ética e política. A ascensão às ideias supremas, ao belo, ao bom e ao grande em si, é descrita no
discurso que Socrátes atribui a Diotima de Mantinéia8, conforme a sua dialética idealista. O relato
passa por “percurso” hierárquico do saber.
A relação entre o puro bem, a ética e a política toma maior relevância na República. A busca
do saber político começa no momento que o homem se preocupa em sair do mundo sensível. Neste
aspecto, a polis, enquanto espaço para o conhecimento ético e político, é uma ilusão, objeto
fantasmagórico dos ignorantes, pois o verdadeiro governante deve se orientar rumo ao mundo
inteligível.
Na República9, a concepção de bem supremo articula-se com a noção política. Percebe-se,
portanto, um intrínseco vínculo entre ontologia e governo da “cidade”. O gráfico abaixo demonstra
o “trajeto”do ser humano até o “conhecimento da política”.
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A alegoria da caverna tem uma conotação política, pedagógica e ética. Na verdade, a
“dramatização da caverna” revela, como diz Goldschmidt, o acesso ao Bem.Os homens,
prisioneiros das coisas materiais, são “rudes”, incultos e não governam. Em outros termos, os que
atingem o bem supremosão, no ideal platônico, os bons governantes.
A educação é o sustentáculo que garante o alcance do verdadeiro protótipo político.
Porquanto, se alguém olhar de imediato para a “luz do sol” estaria naturalmente, como diz Platão,
com os olhos deslumbrados, sem nada poder ver.Por conseguinte, o homem deve ser educado passo
a passo para poder ver.
A pedagogia, neste sentido, torna-se importante na junção entre a ética e a política a partir do
exercício que direciona o homem ao Bem Supremo. Complementemos, pois, com as palavras de
Jaeger que registra:
Sob este ponto de vista, essa relação (educação, política e ética) é concebida, por Platão,
mediante duas virtudes: a coragem e a temperança. A cidade, na hipótese platônica, deve ser
fundada sobre as quatro virtudes cardeais: sabedoria, coragem, temperança e justiça.A sabedoria é a
primeira entre elas.E a ciência que mostra a verdadeira espécie de conhecimento para o bem da
cidade é a da vigilância.
O filósofo grego intercala a educação dos guardiões (pedagogia) com o conhecimento para
governar bem. Com efeito, convém enfatizar com um trecho de Barker que diz:
“(...) Não basta que o soldado seja ágil e corajoso; ele é um guardião (fúlax), e, como o
cão de guarda (mais uma analogia), precisa ser dócil em relação aos habitantes da
casa que defende, embora feroz com os estranhos”.
“(...) deve haver um sistema educativo não somente para os ‘auxiliares’ guerreiros,
mas também para os ‘Guardiões perfeitos’ - os reis-filósofos”.
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A CONTRA-ARGUMENTAÇÃO DE ARISTÓTELES
Em primeiro lugar, salientamos (como interpreta felizmente Morral) que Aristóteles tem o
hábito de avaliar as filosofias dos demais pensadores segundo as classificações que inventaria para
as suas próprias.Por exemplo, a distinção entre as ciências práticas e as teóricas que ele faz, e que
Platão não fizera.
Na verdade, a crítica aristotélica parte de uma visão realista das coisas. Na Ética,ele separa as
ciências teóricas (conhecimento contemplativo) das ciências práticas (conhecimento da ação). É
nessa segunda ciência que reside a crítica do Estagirita ao Bem Supremo platônico.
A frase inicial do Livro primeiro da Ética a Nicômaco demonstra a tese de que o bem tem
muitos sentidos e varia conforme os sujeitos a que se aplicam. O filósofo escreve:
“Toda arte e toda indagação, assim como toda ação e todo propósito, visam a algum
bem; por isto foi dito acertadamente que o bem é aquilo a que todas as coisas
visam.(...)”.
Primeiro a verdade, depois a amizade; após tal argüição, o próximo passo foi o de demonstrar
que o Bem não é universal e nem unívoco. Inteligentemente, o pensador grego faz, como os
lingüistas, uma análise da palavra “bem”. Ele afirma que “o termo bem é usado igualmente nas
categorias de substância, de qualidade e de relação, e o que existe por si, ou seja, a substância, é
anterior por natureza ao relativo”.Comparando a tradução acima de Mário da Gama Kury com a
de W. D. Ross, percebemos que o termo “bem” pode ser entendido como “aquele que é por si”
(that which is per se).O verbo “to be” indica ser e estar ao mesmo tempo, assim como o verbo
“éstiv” em grego. Isso deixa transparecer “bem absoluto”, no sentido em que o bem é “ser” e
“estar” em si. Não obstante, ressalta o filósofo:
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Nesta perspectiva, ao contrário de Platão, Aristóteles dissocia o bem prático da Idéia do Bem.
Ele procura mostar que o termo “bem” tem tantas acepções quanto “ser”. A ação moral ou bem
prático não é, como relata Bréhier, ciência exata, como as matemáticas, mas ensino que visa tornar
os homens melhores.
Deste modo, percebe-se que “o bem” não pode ser algo universal. O que há são muitas
ciência; por exemplo, escreve o pensador:
Na Política, a ligação entre o indivíduo e a polis parte da inculcaçãoda virtude, ou seja, dos
hábitos corretos dos cidadãos. Isso ocorre através da preeminência da faculdade de phronesis,
prudência prática. Tal prudência, como descreve Morrall, é
O homem de phronesis (aquele que prudentemente pensa e sente a realidade política) é o que
deve habitar a polis ideal. Sendo assim, podemos argumentar no sentido de que existe uma
integração entre as perspectivas realista e idealista em Aristóteles. Essa articulação metodológica é
usada na investigação (ou classificação) das formas de governo.O pensador descreve e idealiza o
melhor governo e, por conseguinte, hipotetiza os melhores cidadãos.
A crítica ao bem platônico acontece no fato da polis de Platão não ter espaço para o indivíduo,
ou seja a relação entre familiares é suprimida. Para Aristóteles, a felicidade da comunidade depende
da felicidade de seus membros. Sob este princípio, ele contesta Sócrates quando escreve:
“(...) Embora prive os guardiães de felicidade, ele (Sócrates), diz que o dever do
legislador é fazer feliz a cidade inteira, mas o todo não pode ser feliz a não ser que a
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maioria de suas partes, ou todas, ou pelo menos algumas delas, gozem de felicidade,
porquanto felicidade não é uma coisa semelhante ao princípio da paridade dos
números (esta só pode existir no todo, e não em qualquer de suas partes, mas com a
felicidade isto é impossível) seja como for, se os guardiães não são felizes, que outra
classe poderia sê-lo? Certamente os artífices e a massa dos cidadãos comuns não o
seriam. A cidade sobre a qual Sócrates fala apresenta todas estas dificuldades e outras
não menores”.
Por fim, o discurso indivíduo-pólis é o mesmo que interliga a Ética a Nicômaco e a Política.
Em outras palavras, é uma argumentação oposta à socrática no Banquete e na República.Deveras,
podemos dizer que é uma “nova” metafísica do bem. O bem, depois de Aristóteles, jamais será visto
como transcendente sem levar em conta as contestações aristotélicas.
CONCLUSÃO
Este assunto percorreu o caminho da antítese intelectual, constituída pelas teorias do bem
transcendente e a do bem prático. Por um lado, numa perspectiva hipotético-platônica, está o ápice
da metafísica (o Bem) e da teodicéia (o Bem Supremo); e do outro, na redução empírico-
aristotélica, o realismo (o Bem e o Ser) e o materialismo (Prática do Bem).
Os argumentos platônicos acerca das críticas aristotélicas têm seus pontos relevantes. Platão
demonstra que a ciência (episteme) deve ter uma base imutável e real; aspecto do qual Aristóteles
não discorda. Platão conclui também de algum modo que esse mundo material é “estável” e, por
isso, tem lugar para a ciência. Assim, ele procura dar realidade ao conceito de “bem supremo”.
Sob a óptica platônica, compreender o relativismo do “bem” não nos traria nenhum saber.
Além do mais, o nosso conhecimento ético e/ou político ficaria dentro das escuridões da “caverna”,
pois no relativo não se encontrará o absoluto, ou seja, a idéia perfeita do Supremo Bem.
O Estagirita, por sua vez, tem suas razões. Porque, segundo ele, em nada adiantaria saber que
o bem é em si, ou transcendente, ou real e imutável, se nós não o atingirmos. Deste modo, ele
descreve o “bem” intrínseco à ação do homem.
O Bem Supremo não é para ser contemplado e nem vislumbrado, defende categoricamente
Aristóteles. Platão, diferentemente, valoriza a contemplação, porque tal atitude traz ao homem o
“real/saber”. O racional/real ou ideal/real está em si como a “luz” está para “sol”.
Notamos, em síntese, que há uma profunda diferença entre os dois autores. Entretanto,
esperamos maiores aprofundamentos, visto que a problemática conceitual acerca do bem, dilata,
ainda nos tempos atuais, o espeço discursivo filosófico. Até porque não é exagerado dizer que
vivemos sob princípios éticos derivados das teorias acerca do Bem Supremo.
BIBLIOGRAFIA:
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9).
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SCHARER, René. La Question Platonicienne: ;Étude sur les Rapports de la Pensée et de
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