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Karina Lymberopoulos 1
Resumo: O presente estudo tem por objetivo abordar as questões relativas ao uso do sistema de monitoramento
eletrônico de presos e seus reflexos no mundo do Direito Penal, por conta da recente reforma trazida pela Lei nº
12.258/10.
Foram analisados diplomas legais aplicáveis ao tema como a Constituição Federal Brasileira, o Código Penal, o
Código de Processo Penal, a Lei 12.258/10 e a Lei de Execuções Penais, dentre outros, além de terem sido feitas
pesquisas junto a doutrina pátria, Internet e periódicos e em relação à aplicação deste sistema em países que já o
utilizam, trazendo posições de importantes setores da sociedade, como de juristas renomados, da Ordem dos
Advogados do Brasil e do Poder Judiciário.
Abstract: This study aims to address issues relating to the use of electronic monitoring system for prisoners and
their reflections in the world of criminal law, due to the recent reform brought about by Law No. 12.258/10.
We analyzed texts applicable to the subject as the Federal Constitution, the Criminal Code, the Code of Criminal
Procedure, Law 12.258/10 and the Law of Penal Execution, among others, and have been conducted with the
doctrine homeland, and Internet journals and in relation to implementing this system in countries that use it
already, bringing positions of important sectors of society such as the renowned lawyers, Order of Lawyers of
Brazil and the Judiciary.
Keywords: Criminal Law. Federal Law No. 12.258/10. Electronic monitoring of prisoners.
1
Trabalho de Conclusão de Curso de Especialização em Direito Eletrônico e Tecnologia da Informação,
apresentado ao Centro Universitário da Grande Dourados – UNIGRAN, sob a orientação da Professora Esp.
Camilla do Vale Jimene. E-mail: karinalymber@hotmail.com.
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1. INTRODUÇÃO
expomos a seguir, para que possamos, a partir daí, conhecer os métodos de controle hoje
empregados no Brasil e, ao final, concluir se estes seriam realmente eficientes e compatíveis
com nossa realidade e necessidades atuais.
O primeiro equipamento elaborado para monitorar detentos surgiu nos anos 60 com o
objetivo de proporcionar uma alternativa ao encarceramento, tornando o caráter da pena mais
humana e com menor dispêndio econômico. A criação consistia em um pesado bloco de
bateria e um transmissor capacitado pela emissão de sinal para um receptor, o qual era
carregado junto ao corpo do condenado, como se fosse uma mochila.2
Tratava-se de um sistema de vigilância rádio-telemétrico portátil e testado
inicialmente em jovens condenados reincidentes, todos voluntários, que usufruíam de
liberdade condicional, o qual permitia a localização dos detentos em um perímetro de 400
metros.
Em seguida, foram realizadas novas experiências nos Estados Unidos, em 1971 e
1979, sendo que, em 1983, em Albuquerque, Novo México/EUA, foi sentenciado o primeiro
infrator a utilizar o monitoramento eletrônico, agora por meio de uma pulseira transmissora de
um sinal localizador de posicionamento global.3
A partir daí, a medida tomou proporções tamanhas de modo que, em 1988, já se
contava com 2.300 presos monitorados pelo equipamento apenas nos Estados Unidos e, dez
anos mais tarde, o número de indivíduos que ali utilizava a tecnologia alcançou a marca de
95.000.
Também o romance “1984”4, escrito por George Orwell no ano de 1948, trouxe
algumas premissas das quais partiram muitos estudiosos que trataram sobre o impacto do
monitoramento eletrônico de pessoas e o poder que isto traria ao Estado, não só de
fiscalização, mas também de controle da população. Em que pese se tratar de uma obra de
pura ficção, o livro trata de maneira muito crítica a transformação da realidade por meio do
uso da tecnologia e do controle desta pelo Estado, o que trouxe à tona entendimentos de que a
informação seria a arma mais poderosa que o ser humano poderia ter.
Após a implementação do sistema de monitoramento eletrônico, por meio de pulseiras
como nos Estados Unidos ou tornozeleiras, muitos países passaram a se utilizar desta
2
MARIATH, Carlos Roberto. Monitoramento eletrônico: liberdade vigiada. Jus Navigandi, Teresina, ano 15,
n. 2601, 15 ago. 2010. Disponível em: http://jus.uol.com.br/revista/texto/17196. Acesso em: 21 jan. 2011.
3
NUNES, Leandro Gornicki. Alternativas para a Prisão Preventiva e o Monitoramento Eletrônico: Avanço
ou retrocesso em termos de garantia a liberdade? Gornick Nunes: Ciências Criminais e Democracia Urgente,
16 jun. 2010. Disponível em: http://gornickinunes.blogspot.com/2010/06/alternativas-para-prisao-preventiva-
e.html. Acesso em: 21 fev. 2011.
4
ORWELL, George. 1984. 19ª ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1985.
6
tecnologia, a qual somente a partir da Lei 12.258/10 foi implantada no ordenamento jurídico
brasileiro.
É evidente que o monitoramento eletrônico não se prestaria a ser, em definitivo, a
solução para acabar com todos os problemas enfrentados pelo sistema carcerário nacional,
contudo, a análise a sua utilização em outros países, nos traz a certeza de que ele se apresenta
como uma boa forma de controle do Estado na execução de penas e de facilitação na
execução de do poder fiscalizatório do Estado dentro da execução penal.
O monitoramento, tal qual se aplica hoje no Brasil, consiste no uso, pelo reeducando,
de uma pulseira ou tornozeleira que conta com um sistema similar ao de um GPS (Sistema de
Posicionamento Global) ou de radiofreqüência que indica, em tempo real, a localização do
apenado e transmite dados às autoridades competentes, que poderão monitorar o
comportamento deste usuário, verificando se ele está cumprindo ou não as exigências da lei.
Dessa forma, faz-se igualmente possível saber se houve alguma tentativa de violação da
aparelhagem por parte do condenado, podendo ser então, caso esta tenha ocorrido, serem
tomadas as medidas cabíveis.
O apenado, em saída temporária do regime semi-aberto ou em cumprimento de prisão
domiciliar, deve fornecer o endereço da família a ser visitada, caso realize visitas no período
em que se encontra fora do estabelecimento prisional, e onde poderá ser encontrado enquanto
estiver com a pulseira ou tornozeleira eletrônica, sendo que, no período noturno, não poderá
sair da casa que foi visitar.
Também a ele, quando do uso do dispositivo, não é permitido freqüentar bares, casas
noturnas e estabelecimentos congêneres de modo que, caso queira participar de algum curso
ou assistir a aulas dos ensinos fundamental e médio, terá autorizada a freqüência neste horário
apenas pelo tempo de duração das atividades escolares.
Em caso de sair da área delimitada, um alarme sonoro é disparado na pulseira ou
tornozeleira e a central de monitoramento é informada em tempo real da infração, podendo o
Judiciário tomar as medidas cabíveis por conta do descumprimento da obrigação assumida
pelo apenado.
Insta frisar que a escolha quanto ao uso da tornozeleira é do próprio preso e, por si só,
já imprime a opção de uma pessoa que busca sair do mundo do crime. Contudo, cabe ao Juiz
das execuções, sempre em decisão fundamentada, analisando as hipóteses legais e do caso
concreto, decidir pela sua utilização, determinando que este ou aquele preso dela se utilize,
uma vez que é cediço que todas as medidas restritivas de direitos devem se subordinar ao
princípio da proporcionalidade.
7
5
MARIATH, Carlos Roberto. Monitoramento eletrônico: liberdade vigiada. Op. Cit.
8
trabalhando, sendo ainda que é exigida pelo Estado a concordância de seus familiares para a
implementação do sistema no condenado.
Em muitos destes países e também na Suécia, Bélgica e França, o sistema vem
sendo aplicado como uma forma de diminuição dos gastos públicos com o encarceramento de
apenados e também como um meio alternativo de cumprimento de pena, que se traduz numa
maneira mais humanizada de reinserção do apenado na sociedade, sem que esta seja exposto
aos malefícios trazidos pela prisão em cárcere.
Uma peculiaridade da legislação sueca é a previsão de que os detentos que
gozam do benefício do monitoramento somente o conseguem utilizar se, além de cumprir as
exigências temporais e pessoais (condenados por penas não superiores a três meses, com
comprovação de residência fixa, ocupação lícita ou freqüência em escola ou curso regulares
de ensino) virem eles a arcar com o custo da tornozeleira. Tal exigência de pagamento por
parte do apenado, contudo, se amolda as suas condições financeiras de modo que, caso este
comprovadamente não a possua, o requisito não pode dele ser exigido.
Também na Suécia, não pode ser utilizado o equipamento no caso do apenado
ter praticado delito de natureza sexual ou com uso de violência contra a pessoa, assim como
de utilização de drogas, incluindo-se aí as bebidas alcoólicas.
Na Argentina, primeiro país latino americano a adotar a tecnologia, foi criado
um programa que visa a detenção de presos provisórios em sua própria residência. Ao que foi
constatado até então, o programa trouxe relevante economia ao Estado em contraposição ao
valor gasto com o preso recluso no sistema prisional tradicional, além de refletir em um nível
muito baixo de evasão e reincidência destes detentos, o que comprova a eficácia do sistema.
O monitoramento neste país funciona da seguinte maneira: por cada dia em
que o preso passa em sua casa, sob tal sistema, é computado como um dia de detenção,
havendo abatimento em sua pena. Tal método de cumprimento de pena, contudo, é apenas
concedido a pessoas com boa conduta, geralmente réus primários.
Sergio Buffa, Chefe do Departamento de Monitoramento Eletrônico da
Direção Geral de Segurança do Serviço Penitenciário de Buenos Aires, em entrevista ao
Jornal Clarim, em 06.02.20076, explicou que a única exigência técnica para o benefício é de
que haja uma linha de telefone fixo e energia elétrica na residência em que o apenado irá se
colocar quando do uso da pulseira eletrônica.
6
GORNITZ, DÉBORAH. El arresto domiciliario: ¿una solución a la superpoblación de las cárceles?.
CLARIN.com. Notícia de 06/02/2007. Disponível em: http://www.clarin.com/diario/2007/02/06/um/m-
01358663.htm. Acesso em: 02 mar. 2011.
9
Foi o Projeto de Lei n. 175, de iniciativa do Senado Federal, sancionado com muitos
vetos, que deu origem à Lei 12.258 de 15 de junho de 2010, objeto deste estudo, a qual
possibilita a vigilância indireta de condenados criminalmente, por meio do uso de
equipamentos eletrônicos de rastreamento.
Trata a referida Lei da inserção junto ao corpo do condenado de discreto dispositivo
de monitoração eletrônica que, à distância, indique o horário e a localização do que o ostenta.
Nos termos desta Lei, foi incluído o artigo 146-B na Lei de Execuções Penais, com o fim de
determinar os casos em que o Juiz pode determinar a fiscalização eletrônica do apenado, in
verbis:
“Art. 146-B. O juiz poderá definir a fiscalização por meio da monitoração eletrônica
quando:
II - autorizar a saída temporária no regime semi-aberto;
(...)
IV - determinar a prisão domiciliar.”
Nesses termos, resta claro que a Lei trouxe uma importante inovação em nosso
ordenamento jurídico, exprimindo a evolução do processo penal aliada ao uso de novas
tecnologia. Contudo, tal evolução se mostra muito acanhada, pois restrita apenas aos casos de
prisão domiciliar e saída temporária no regime semi-aberto, quando poderia também abraçar
outras hipóteses como a fiscalização das liberdades processuais (liberdade provisória e
suspensão condicional do processo, por exemplo), sobrando claro que o legislador pátrio
perdeu uma excelente oportunidade de inserir essa ferramenta, de vez e com mais
abrangência, no sistema judiciário brasileiro.
A nova Lei, originariamente, antes do veto parcial, trazia várias hipóteses de utilização
de fiscalização indireta por monitoração eletrônica como no caso de aplicação de pena
restritiva de liberdade a ser cumprida nos regimes aberto ou semi-aberto ou no caso de
concessão de progressão para tais regimes, também no caso de autorização de saída
temporária no regime semi-aberto, no caso de aplicação de pena restritiva de direitos que
estabelecesse limitação de horários ou freqüência a determinados lugares, no caso de
determinação de prisão domiciliar e no caso de concessão de livramento condicional ou
suspensão condicional da pena.
Por disto, restaram apenas as duas hipóteses em que pode ser utilizada a monitoração
eletrônica: saída temporária em regime semi-aberto e prisão domiciliar.
11
Embora também tenha sido objeto de vários vetos, o artigo 146-C, por seu conteúdo
restante, foi capaz de determinar os deveres a serem cumpridos pelo condenado quando do
uso do equipamento, assim como estabelecer as penalidades a que sujeitam o apenado em
caso de descumprimento destes deveres. Assim trata o referido artigo:
“Art. 146-C. O condenado será instruído acerca dos cuidados que deverá adotar com o
equipamento eletrônico e dos seguintes deveres:
I – receber vistas do servidor responsável pela monitoração eletrônica, responder aos
seus contatos e cumprir suas orientações;
II – abster-se de remover, de violar, de modificar, de danificar de qualquer forma o
dispositivo de monitoração eletrônica ou de permitir que outrem o faça;
III – (vetado)
Parágrafo único. A violação comprovada dos deveres previstos neste artigo poderá
acarretar, a critério do juiz da execução, ouvidos o Ministério Público e a defesa:
I - a regressão do regime;
II - a revogação da autorização de saída temporária;
III - (VETADO);
IV - (VETADO);
V - (VETADO);
VI - a revogação da prisão domiciliar;
VII - advertência, por escrito, para todos os casos em que o juiz da execução decida não
aplicar alguma das medidas previstas nos incisos de I a VI deste parágrafo.”
“Art. 124. A autorização será concedida por prazo não superior a 7 (sete) dias, podendo
ser renovada por mais 4 (quatro) durante o ano.
§ 1º Ao conceder a saída temporária, o juiz imporá ao beneficiário as seguintes
condições, entre outras que entender compatíveis as circunstâncias do caso e a situação
pessoal do condenado:
I – fornecimento do endereço onde reside a família a ser visitada ou onde poderá ser
encontrado durante o gozo do benefício;
II – recolhimento à residência visitada, no período noturno;
III – proibição de freqüentar bares, casas noturnas e estabelecimentos congêneres.
§ 2º Quando se tratar de freqüência a curso profissionalizante, de instrução de ensino
médio ou superior, o tempo de saída será o necessário para o cumprimento das
atividades discentes.
§ 3º Nos demais casos, as autorizações de saída somente poderão ser concedidas com
prazo mínimo de 45 (quarenta e cinco) dias de intervalo entre uma e outra”.
Em análise a os dispositivos alterados pela nova Lei, podemos verificar que seu foco
foi primordialmente fornecer aos operadores da execução penal um meio mais eficaz de
controle sobre o condenado em liberdade nos casos de saída temporária e prisão domiciliar
12
(art. 146-A, incisos II e IV), porém não recaindo a preocupação do legislador com a
ressocialização do preso.
Ressalta-se, ainda, que a chamada “Lei do Monitoramento” não define o equipamento
eletrônico a ser utilizado para se dar efetividade ao novo procedimento o qual, conforme
determinações do Ministério da Justiça, acabou por ser fixado que poderá consistir em uma
pulseira ou uma tornozeleira, que será utilizada pelo condenado e que será capaz de emitir
sinais eletrônicos à determinada central informando com precisão sua exata localização. É
certo, ainda, que o equipamento é resistente a água e caso seja violado ou danificado, também
emitirá sinal instantâneo à central de monitoramento.
Assim, o sistema de monitoramento eletrônico veio sendo aplicado no Brasil desde a
publicação da Lei nº 12.258, de 15 de junho de 2010 no Diário Oficial da União, o que se deu
em 16 de setembro de 2010, tendo como precursores os estados da Paraíba, Minas Gerais, São
Paulo e Rio Grande do Sul.
Contudo, em que pese a evidente eficácia do sistema e sua aparente facilidade de
implementação, é certo que algumas decisões judiciais vêm barrando o uso de tornozeleiras
eletrônicas em presos de várias cidades do Estado de São Paulo, mesmo depois da aprovação
da Lei federal que liberou e regulamentou o uso aparelho, em 2010, como visto acima. A
polêmica envolve especialmente os presos do regime semi-aberto, que todos os dias deixam
as cadeias para trabalhar, voltando à noite.
Tal resistência de alguns Juízes tem por base o entendimento de que a lei só
autorizaria o equipamento em casos de prisão domiciliar e durante as cinco oportunidades por
ano em que os detentos do regime semi-aberto estariam autorizados a deixar as prisões para
visitar suas famílias (nas saídas temporárias), de modo que os Magistrados, nos casos de
presos do regime semi-aberto, estão concluindo por não deferir o benefício.
Tais decisões conflitantes sobre o uso da tornozeleira devem levar o entendimento ao
crivo dos tribunais superiores. O uso do método, aliás, divide a própria Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB), posto que a OAB Federal é contra o uso do dispositivo enquanto
que a seção paulista se posiciona a favor.7
Insta salientar que, conforme dados trazidos em reportagem publicada pelo Jornal
“Estadão”, em 14 de março de 2011 8:
7
GODOY, MARCELO. Juízes do Interior Vetam Tornozeleira Eletrônica em São Paulo. ESTADÃO.com.br.
Notícia de 14/03/2011. Disponível em:
http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20110314/not_imp691549,0.php. Acesso em: 14 mar. 2011.
8
ibid
13
É certo porém que, dos 4.635 detentos que usaram o dispositivo durante o primeiro
grande teste do equipamento, apenas 1,3% romperam o lacre da tornozeleira eletrônica e
fugiram durante a saída temporária do fim do ano passado. Ainda com base no referido
periódico, “o índice de fuga foi inferior ao dos presos que não foram monitorados - 7,1% dos
9
23.639 detentos não retornaram aos presídios na data marcada (5 de janeiro de 2011).”
“A premissa é: quanto mais se puder usar esses mecanismos melhor, pois eles
permitem ao Estado controlar, fora do cárcere, o homem que está cumprindo uma
pena. A prisão é um mal necessário. Ela não recupera ninguém. O convívio carcerário
é nocivo.
É fato que a lei do monitoramento eletrônico dos presos não contemplou o caso dos
que trabalham no regime semi-aberto. Mas, independentemente da previsão legal,
partindo do princípio de que o Estado deve fiscalizar e controlar a condição do
9
ibid
10
GODOY, MARCELO. O monitoramento eletrônico é válido?. ESTADÃO.com.br. Notícia de 14/03/2011.
Disponível em: http://estadao.br.msn.com/ultimas-noticias/artigo.aspx?cp-documentid=27994169. Acesso em 14
mar. 2011.
14
A despeito das opiniões diversas, resta claro concluir que o uso da eletrônica
no controle de presos, longe de violar o direito da pessoa, traduz-se numa forma de ampliar os
benefícios daquele que, em outra circunstância, seria obrigado a permanecer preso.
No mais, graças ao monitoramento eletrônico, ainda se consegue atender com
muito mais agilidade o sistema de individualização da pena previsto na Lei de Execuções
Penais e os programas de recuperação e reeducação dos presos, além de desafogar o sistema
penitenciário.
Urge ainda salientar que o monitoramento eletrônico atende aos fins de
prevenção da pena posto que, ao permitir o retorno do apenado ao convívio social e com seus
familiares, busca-se a sua ressocialização gradativa ao mesmo tempo em que lhe é arraigada a
noção de respeito às normas, funcionamento o sistema de monitoramento como um modelo de
orientação social, cabendo a pena o papel de demonstrar a vigência da norma penal.
Estes são os argumentos básicos dos defensores do uso do sistema e, até
mesmo, de sua ampliação a outros casos de cumprimento de pena, pois com a utilização da
pulseira ou tornozeleira eletrônica, o Estado permite a retirada dos apenados do cárcere e sua
reinserção na sociedade, sem, contudo, deixar de impor uma sanção ao ilícito cometido e de
deixar de prestar a devida segurança ao meio social, graças a certeza da vigilância constante.
Todavia, aqueles que discordam da utilização do sistema de monitoramento
eletrônico de presos, invocam o argumento de que o dispositivo infringiria a liberdade do
indivíduo e que isto acarreta em uma enorme estigmatização sobre a pessoa do condenado o
qual, utilizando-se de pulseira ou tornozeleira, encontrar-se-ia expondo sua realidade
explicitamente à sociedade, o que levaria a uma natural segregação deste reeducando em
qualquer lugar em que se encontrasse usando o equipamento, o que pioraria as chances de sua
ressocialização e a conseqüente prevenção de reincidência criminosa.
Neste sentido, contrariamente ao uso do dispositivo eletrônico, complementa o
entendimento do Presidente Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcante,
na já citada publicação do jornal virtual “Estadão” 11:
“A proteção da dignidade do ser humano é um princípio fundamental de nossas leis. E
ele é violado pelo uso do monitoramento eletrônico. O trabalho externo dos presos
deve ser fiscalizado pelo Estado, mas os presos não devem ficar eternamente
marcados com o uso de pulseiras e tornozeleiras, pois o princípio que deve guiar o
cumprimento das penas é o da ressocialização. O uso desses aparelhos pode
11
ibid
15
estigmatizar os presos.
A decisão de ampliar as situações em que a tornozeleira pode ser usada não se
sustenta do ponto de vista legal. A Constituição não deixa dúvida, ao afirmar que
ninguém deve ser obrigado a fazer algo, senão em virtude de lei.”
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como amplamente discutido no presente artigo, não nos sobra dúvidas que o
monitoramento eletrônico se trata de uma medida alternativa de controle penal, por meio de
uma inovação tecnológica que pode servir para viabilizar a ressocialização de apenados.
Por permitir que o preso beneficiado pelo regime semi-aberto, quando de suas saídas
temporárias, e aquele em regime de prisão domiciliar tenham seus passos controlados pelo
Estado, garante à execução penal muito mais segurança e efetividade que o atual sistema, o
qual se encontra limitado em termos de controle.
Se a Lei que o instituiu ainda tivesse estendido a possibilidade de monitoramento
também a outras formas de cumprimento de pena, temos que sua eficácia seria ainda maior,
pois permitiria o controle de presos de regimes como o semi-aberto, desafogando os presídios
e controlando suas saídas diárias, além de também poder ser utilizado dentro do próprio
estabelecimento prisional, como forma de controle de tráfego de influências entre os detentos
de diversos níveis de periculosidade. Isso facilitaria o trabalho nas cadeias e, com certeza,
diminuiria os custos com a manutenção dos detentos no estabelecimento prisional.
A despeito das opiniões em sentido contrário, não vislumbramos que a mera utilização
de uma pulseira ou tornozeleira traria qualquer ofensa ao princípio do respeito à integridade
12
LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Princípios Políticos do Direito Penal. 2ª ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1999, 310p.
17
presídios, pois são aqueles presos beneficiados pelas saídas temporárias e os presos
domiciliares. Assim, o monitoramento tal qual foi instituído pela recente Lei, auxilia na
fiscalização destes específicos presos.
Em que pese concordarmos com a aplicação dos recursos tecnológicos no
monitoramento de apenados, entendemos que a lei pecou ao não estender essa possibilidade
aos presos cautelares, o que traria efetivamente um grande avanço na nossa legislação,
permitindo que estes presos pudessem também sair do sistema carcerário, diminuindo custos
com sua manutenção nesta condição e esvaziando as cadeias e Delegacias, o que traria
benefícios ao seguimento dos processos e abriria vagas a muitos detentos que se encontram
encarcerados sob condições desumanas, em celas super lotadas e sem as menores condições
de higiene e recuperação.
Quanto ao suposto processo de estigmatização pelo qual sofreriam os presos que se
utilizaram dos equipamentos de monitoramento, não de outra sorte, tal preocupação não
merece guarida, uma vez que, tanto a tornozeleira quanto a pulseira eletrônica podem
perfeitamente se esconder sob as vestes do apenado que deles se utiliza, possuindo ambos um
discreto tamanho, similar ao de um relógio.
Ademais, o que se deve ter em mente, especialmente, é que o sistema como hoje vem
sendo adotado em nosso País, visa principalmente garantir maior presença do Estado na
fiscalização dos presos que deixam o estabelecimento prisional em dadas hipóteses, função
esta que é inerente ao próprio Estado.
No mais, é certo que o regime semi-aberto já é considerado ultrapassado e traz
evidente contrasenso, pois permite ao preso que passe o dia fora do estabelecimento prisional,
contudo, não o permite dormir em sua casa, com seus familiares. O monitoramento eletrônico
de condenados, também sob este aspecto, torna mais humana a pena, uma vez que permite tal
convívio em família, sem que haja a perda de vigilância do Estado.
Por fim, quanto ao aparente conflito entre o direito de dignidade do preso e o dever do
Estado de fiscalização, temos que isto somente se daria mesmo de forma aparente, uma vez
que não vislumbramos qualquer ofensa a direitos do preso e nem ao menos ao princípio da
humanização da pena com a instituição do monitoramento eletrônico.
Como sabido, nenhum direito é absoluto, nem mesmo o direito a vida, tanto que a
hipótese legal de legítima defesa permite a uma pessoa o direito de tirar a vida de terceiro,
caso a sua vida seja ameaçada por este e não haja outro meio de defesa. Assim, também
quando alguém comete um crime, este agente tem todos os seus direitos relativizados,
surgindo então o poder de polícia do Estado como limitador de alguns direitos individuais em
19
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
______. Lei nº 12.258, de 15 de junho de 2010. Altera a lei de execução penal para
prever a possibilidade de utilização de equipamento de vigilância indireta (monitoração
eletrônica pelo condenado nos casos em que especifica). Acesso em: 15 jan. 2011.
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal – 3 Vol. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal. 1 vol. 25. ed. ver. e atual. São
Paulo: Atlas, 2008.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal: comentado. 10a. ed. rev. atual. e ampl.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
ORWELL, George. 1984. 19ª ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1985.