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O Filho de Kant

O Estado Brasileiro atualmente goza de uma cada vez maior atenção


internacional devido a sua inserção em questões importantes da política externa.
Recentemente chamou atenção quanto ao seu sucesso em negociar um intermédio de
acordo entre a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e o Irã, referente ao
problema do enriquecimento de urânio. Embora o atual momento seja rico para o Brasil
no cenário global, é conveniente saber que, antes desse otimismo nacional no tabuleiro
das relações internacionais, o país já era representado com muita competência e
habilidade por um carioca que, por mais de trinta anos, trabalhou na ONU. Este
brasileiro se chamava Sérgio Vieira de Mello. Filho de um embaixador, Arnaldo Vieira
de Mello, Sérgio se licenciou em Filosofia pela Sorbonne, em 1969 e, doutorou-se em
1985 com a tese Civitas Máximas, na Universidade de Paris I. Sérgio era lembrado
dentre seus amigos e entre funcionários da ONU como o “filho de Kant”. E é com o
objetivo de explorar essa qualidade que este ensaio é oferecido.
Ao mesmo tempo em que o presente texto é um esforço de reencontrar o
pensamento kantiano no comportamento inovador do diplomata, também serve de
estofo para refletir temas importantes da política internacional e dos Direitos Humanos.
E realmente não poderia ser diferente, porque tanto Kant quanto Sérgio sabiam do real
problema de sociabilidade que advêm das estruturas internas do Homem e que
deflagram-se na possibilidade de um pacífico convívio ou na eminência da guerra, o que
podemos chamar também “estado de natureza hobbesiano”. Outra colaboração deste
texto é demarcar que, desde a trágica morte do brasileiro, em 19 de agosto de 2003, em
Bagdá, até nossos dias, coincidentemente as ações do Itamaraty se tornaram mais firmes
em todos os continentes, sobretudo na Europa e na relação com os EUA. Se a morte de
Mello veio a guinar a projeção do Ministério das Relações Exteriores, isso não parece
ser de fato um problema, mas apenas a coincidência também não serve de explicação. O
que importa é situar que, por acaso ou não, foi desde o desaparecimento de Mello, no
Iraque, que o Brasil passou a costurar relações mais densas com as grandes potências do
mundo, com o objetivo de superar aquela posição secundária que ocupava na política
internacional. Naturalmente, ainda hoje nosso país trabalha o seu aumento de
importância na política global. Igualmente, nosso Estado também gozava de relevância
externa antes de 2003, mas a questão é que, na atualidade, o peso da posição brasileira é
mais denso, porém, como convém mostrar, esse peso de importância que apenas agora o
Brasil conquista, Sergio Vieira de Mello já havia conquistado para si e indiretamente
para o Brasil, trabalhando pelas nações unidas, sendo que seu trabalho era ele todo
inspirado por uma matriz kantiana e temperada pela reconhecida amistosidade do
espírito brasileiro.
Sua atividade começou quando as causas das guerras do mundo na década de 70
eram lutas pela independência e descolonização. Ele esteve em Bangladesh lidando com
o transbordamento de milhões de refugiados – o maior fluxo de refugiados da historia
ate aquele momento. Permaneceu no Sudão quando a guerra civil explodiu. Foi a Chipre
logo depois da invasão turca. Ficou em Moçambique durante a Guerra de
Independência. Persistiu em permanecer no Líbano, na base da ONU, que foi usada
como escudo de guerra e posteriormente invadida – os palestinos lançavam ataques de
trás da base da ONU. Israel então invadiu e devastou a base da ONU. O brasileiro
também estava em Beirute quando a Embaixada dos EUA foi atingida pelo primeiro de
todos os ataques suicidas contra os EUA. O início do 11 de setembro bem pode ter
começado, historicamente, com este ataque a Embaixada, em 1983, ao qual também
presenciou. Do Líbano ele foi para a Bósnia, na década de 90. As disputas eram
violência étnica e sectarismo. Mello foi a primeira pessoa a negociar com o Khmer
Vermelho. Também negociou com os Sérvios, tanto que de tamanha insistência no
propósito de agenciar prerrogativas de paz, ganhou o apelido de Serbio enquanto vivia
nos Bálcãs e conduzia as negociações. Final da década de 90, ele vai para o Timor
Leste. Praticamente governa o lugar, precisa decidir desde questões tributárias, sociais a
até as posições das guarnições da fronteira. Dominando sete idiomas, tendo
experienciado quatorze zonas de guerra, foi em nomeado, em 2002, Comissário de
Direitos Humanos da ONU, logo depois dos atentados de 11 de setembro.
De vários modos se pode compreender a afinidade epistêmica entre o brasileiro e
o filósofo de konigsberg. Em 1994, depois da incapacidade das Nações Unidas de
impedir o genocídio em Ruanda, Mello foi enviado à região. O problema se configurava
da seguinte maneira: o genocídio havia acabado e pelo menos 800 mil pessoas foram
mortas; os responsáveis estavam escapando para países vizinhos. O acampamento dos
refugiados estava alinhado próximo da fronteira e, milhares de pessoas precisavam ser
alimentadas. O dilema era: havia assassinos escondidos entre os refugiados. O que
fazer? Sérgio buscou apoio internacional para garantir a presença de forças policiais ou
militares para realizar a separação. A resposta foi negativa (atualmente, ainda existe um
constrangimento na comunidade internacional por ter permitido acontecer o genocídio
em Ruanda, mas ainda não está explicada à subtraída intervenção militar externa na
região, para atuar junto dos esforços da ONU, a fim de evitar mais massacres, como
veio a ocorrer). Sem o reforço dos militares, Mello teria que decidir: fechar a torneira do
suporte internacional de “ração” e arriscar a vida de dois milhões de civis por causa de
alguns assassinos inseridos entre os refugiados, ou alimentar os civis, sabendo que os
genocidas estão nos acampamentos, literalmente afiando suas facas para batalhas
futuras? E então? Sergio Vieira de Mello acreditava nos valores humanos fundamentais.
O direito do direito a vida é o valor mais fundamental e intrínseco do Homem. E nessa
perspectiva o que conta, sobremaneira, é a ação multilateral que se possa cultivar frente
a qualquer situação contrária de garantia por sucessos grandiosos. Ora, se fosse pensar
num viés unilateral na situação de Ruanda, poder-se-ia destruir os genocidas limitando-
se o máximo possível a alimentação dos mesmos. Mas o imediato problema seria como
distingui-los. E tal se daria a despeito da população refugiada, que teria mais
sofrimentos, como se fosse este sofrimento o ônus por serem ruandeses e ainda
ruandeses refugiados. A decisão do brasileiro não foi unilateral. Antes, a ação
multilateral diante da imediata necessidade de alimentação daquela gente iria corroborar
até mesmo para que os ânimos não esquentassem mais. Assim, foi uma questão de qual
é o mal menor a realizar como forma de bem nesse lugar arruinado. Foi a atitude do
kantiano para resolver um dilema que, além de ser uma questão de segurança, era
também um dilema moral. Decidir pela maior quantidade de bem estar a uma
população de quase desgraça total, a despeito de com isso alimentar e proteger os
genocidas oportunistas. Aqui Kant é lembrado quanto a sua razão abrangente, que é
agir sem seletividades e sem atender a razão de Estado ou particulares. No caso
específico, esta razão abrangente salvou milhões de pessoas da fome certa. E o
problema dos genocidas terem sido também alimentados, não é problema de Kant ou de
“do filho de Kant”, mas da comunidade internacional, que até hoje escanteia a tensa
situação política de Ruanda, o que não faz sentido. Basta lembrar que tanto o Conselho
de Segurança quanto os EUA por muito menos já aprovaram a intervenção militar em
outros países. A questão é: o que não há em Ruanda que não seja digno de interesse do
Conselho de Segurança e de Washington? Muito facilmente se percebe a lógica
unilateralista dos Estados Unidos e do Conselho de Segurança em ignorar a
interferência militar positiva em Ruanda, o que equivale dizer que ignoram a razão
abrangente kantiana, pelo qual Sergio se guiou.
O maior e mais bem sucedido trabalho do brasileiro foi no Timor Leste. Em 25
de Outubro de 1999, Sérgio Vieira de Mello foi nomeado pelo Secretário Geral Kofi
Annan como seu representante em Timor Leste e administrador da UNTAET (United
Nations Transitory Administration of East Timor), com funções de preparação do
território para a sua independência plena e democrática, cargo estruturalmente
administrativo que ocupou até Maio de 2002 e no qual conseguiu convocar uma série de
apoios e consensos, apesar das dificuldades iniciais e dos desentendimentos sócio-
políticos entre as principais figuras e movimentos do país. Não obstante suas tarefas
administrativas e de negociador, estas ações estavam articuladas intrinsecamente pelo
pensamento de que os direitos humanos devem ser a diretriz que rege tanto as relações
externas de um Estado quanto às relações internas de um Estado com a sua gente. E
Mello articulava pensamento e ação sobre este pensamento. Ele realmente acreditava
que os direitos humanos são a força pela qual se pode unir diferentes culturas e políticas
em torno de uma igual condição de paz. Isso porque, como ele mesmo dissera em
entrevista que dera, quando foi nomeado Comissário de Direitos Humanos da ONU, em
2002, “existe um consenso internacional dentre o que seja os direitos humanos¹ serem
fundamentais para a paz”, por isso julgava ser pertinente um projeto de paz, produzido
multilateralmente, que interpele todos os membros de uma sociedade internacional,
trabalhado multilateralmente.
Sérgio Vieira de Mello foi uma rara combinação de homem de pensamento e de
ação. O professor da faculdade de direito da USP, Celso Lafer, que trabalhou junto de
Mello no Timor, comenta que Kant era o tema recorrente de reflexão entre eles; que
certa vez Sergio de Mello lhe apresentou “uma leitura kantiana para a realidade
internacional”. Segundo Lafer, seu colega mostrou uma “percepção² kantiana para a
realidade internacional, que é o direito cosmopolita. Esse direito para Kant significava
não apenas a relação entre os Estados, mas a relação entre os Estados e as pessoas
individualmente consideradas. Então ai há uma dimensão nova. E o fundamento, para
Kant, desse direito cosmopolita é o direito a hospitalidade universal. Tal significa
interpretar Kant à maneira de Hannah Arendt, qual seja, de que as pessoas se sintam à-
vontade e em casa, no mundo. E isto só é possível quando se pensa que a idéia
reguladora da organização da ordem mundial deva ser o direito a hospitalidade
universal. E diz Kant, que era o ponto que Sergio Mello sublinhava, só surgirá,
efetivamente, um direito cosmopolita se a violação de um direito em qualquer ponto da
terra venha a ser sentida e percebida por todos os demais. Então, se olharmos aquilo
que o brasileiro fez na área de refugiados, perceberemos que ele procurou dar a esta
imensa massa de deslocados o direito a ter direitos. A outra dimensão igualmente
importante é a noção de que os direitos humanos têm uma dimensão internacional e
são algo que se coloca de uma forma que diz respeito ao indivíduo e vai além dos
Estados. A idéia de que a violação do direito em qualquer parte da terra venha a ser
sentida em qualquer parte da terra. Isso dava a condição de lidar com a função que ele
assumiu de auto-comissário de direitos humanos com base nessa visão abrangente.
Kant fala que a razão abrangente da humanidade é uma idéia reguladora do
entendimento da vida internacional. É sabido que a carta das nações unidas atribui ao
seu funcionalismo público à dimensão internacional, ou seja, de não prestar contas aos
Estados dos quais são originários, mas sim a comunidade internacional como um todo.
Mello assumiu claramente essa idéia de exercer suas ações sob a luz de uma razão
abrangente da humanidade e, não sob a luz das seletividades da razão de Estado. Ele
próprio sublinha ainda que Kant lida com um paradoxo, que está discutido num dos
textos do filósofo, que é a idéia da social insociabilidade do Homem. O Homem é ao
mesmo tempo social e insociável. E o progresso humano lida com estes desafios da
social insociabilidade humana”, conclui Lafer. Mello, assim como Kant, estava muito
ciente, pela sua experiência como funcionário da ONU, do que significava a social
insociabilidade humana, sabendo lidar com isso de maneira muito boa.
A lembrança de Sérgio ser um filho de Kant, para mim, se afigura como uma
qualidade, porque entendo o conjunto da obra kantiana por uma dimensão que introduz
mais valor (moral) nas ações e reflexões do multilateralismo (e tacitamente
responsabilidade aos unilateralismos severamente candidatos a políticas errôneas nas
relações entre Estados), isto como condição de possibilidade para a constituição da paz
internacional. Este esforço de perceber a relação epistêmica entre Kant e Mello
representa não apenas a manutenção da memória e da obra de um e de outro
personagem, mas sobretudo e ainda mais importante, a reflexão sobre temas
extraordinários da política internacional e dos Direitos Humanos atuais. O professor
Lafer destaca a originalidade da interpretação de Sérgio Vieira de Mello em Kant, ao
dizer que o direito cosmopolita fundamentado na hospitalidade universal faz a qualquer
Homem se sentir a vontade em qualquer lugar da Terra. Eu acrescentaria que Sérgio
tenha conseguido um tipo particular de competência que abastecesse de realismo a dita
ingenuidade política de Kant frente a complexa política contemporânea, de modo que
muitas vezes Mello parece ser um idealista-realista, quando não, um realista-idealista.
Assim, pensando a tessitura da política internacional atual, tendo em vista os
sucessos recentes da ONU, que datam anteriores a 2002 (se o assunto é conflito), mais a
inserção do Estado Brasileiro como novo negociador global e legítimo candidato a uma
cadeira constante no Conselho de Segurança da ONU, penso que para compreender bem
estes temas, é conveniente refletir a história de um brasileiro que por mais de trinta anos
trabalhou na ONU, sempre com um espírito concentrado nos direitos humanos, nas
relações multilaterais, visando uma paz abrangente desde uma razão não-excludente que
se sobrepunha, sobretudo onde houvesse extermínio de vidas e desrespeito dos direitos
fundamentais. O legado de Mello é, especialmente, a aquisição do conhecimento. Nas
palavras de Jacques Marcovitch, a “aquisição do conhecimento³ como forma de exercer
com êxito uma missão” é o maior legado que “um intelectual dedicado a filosofia” nos
deixou. Estas duas chaves mestras, ressalta Marcovitch, “são importantes para a
compreensão das relações internacionais”, assomada pela “crença do diálogo pela
democracia mesmo em condições desfavoráveis (...) porque o pano de fundo de sua
personalidade estava o culto aos valores da liberdade”. Para concluir, o fato de Sergio
Vieira de Mello ser um brasileiro ajuda a fortalecer o Brasil como nação apta a exercer
influencia crescente no cenário internacional. Sobretudo neste momento de otimismo
atual de nosso país, a memória e o legado de Sérgio nos serve tanto de cultura histórica
como de ensinamento político-filosófico.

Alexandre Ferreira da Silva - Acadêmico em Filosofia


Centro Brasileiro de Pesquisas Democracia da PUCRS
http://www.facebook.com/cbpdemocracia
liebevalentulus@gmail.com
Bibliografia

-1 Entrevista com Sergio Vierira de Mello, Nosso homem


na ONU, 2002 – Disponível em http://veja.abril.com.br/070802/entrevista.html

-2 Vídeo com Celso Lafer Professor Titular da Faculdade de Direito da USP.


http://www.usp.br/svm/conferencia_videos.php

-3 Vídeo de Jacques Marcovitch Coordenador do projeto. Professor Titular da


Universidade de São Paulo, Contabilidade e do Instituto de Relações
Internacionais.http://www.usp.br/svm/conferencia_videos.php

- Site da USP dedicado a divulgação do livro Sérgio Vieira de Mello: Pensamento e


Memória, Marcovitch, Jacques. Disponível em
http://www.usp.br/svm/quem_somos.php

-Palestra de Samantha Power, disponível em


http://www.ted.com/talks/lang/por_br/samantha_power_on_a_complicated_hero.h
tml

- http://www.civitasmaxima.org/ para consultar dados referente a carreira de Mello.

- http://civitasmaximawork.blogspot.com/ para consultar dados referente a carreira de


Mello.

-http://www.opendemocracy.net/democracy-un_iraq/article_1449.jsp para consultar


dados referente a carreira de Mello.

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