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A FUNÇÃO POLÍTICA DA MAGISTRATURA


José Renato Nalini
Juiz do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo e Diretor Adjunto da Escola Nacional da
Magistratura

ÍNDICE:

1. Introdução - 2. A situação brasileira - 3. A morte do positivismo


4. O mito da apoliticidade do juiz - 5. Qual a função política do juiz brasileiro?

1. Introdução

A teoria da separação dos poderes surgiu como alternativa à exploração do homem


pelo detentor do mando. A tendência ao abuso é intuída por todos os pensadores e já
Aristóteles advertira sobre a necessidade de separar as funções como forma de disciplinar o
poder. Tarefa retomada por Montesquieu, na sua clássica proposta até hoje sufragada por
muitas Constituições vigentes.

Segundo essa concepção, a lei seria a realidade mais significativa. Em torno a ela
gravitariam as funções do Estado. A mais relevante seria a cometida ao confeccionador da lei.
O Palarmento seria a função prevalente. As demais estariam jungidas à sua atuação: o
Executivo seria o encarregado de aplicar a lei sem controvérsia, o Judiciário o responsável por
sua aplicação diante de situações conflituosas.

A visão de um Judiciário como servo da lei se tornou tradicional. O receio de que os


parâmetros objetivos da norma fossem substituídos pelo subjetivismo da vontade judicial
contribuiu para que ao juiz fosse reservada uma parcela mínima de autonomia na aplicação
concreta da vontade legislativa. Se o legislador não fora suficientemente arguto para prever
toda a concreção em seu design normativo, isso não seria problema do julgador. Dura lex, sed
lex.

Toda a cultura jurídica ocidental foi elaborada à luz desse dogmatismo. Com
agravantes para um Estado colonizado como o Brasil, sempre abeberando-se em fontes
alienígenas. A própria França, onde surgiu o modelo clássico da separação de funções, teve
uma Revolução em 1789 na qual um dos objetivos - e não o menos importante - era reduzir o
poder do juiz. E é por isso que a Constituição Francesa vigente consagra a regra de que o
Presidente da República é o garantidor da autoridade das decisões judiciais1. Não é necessário
grande perspicácia para concluir que uma autoridade que precisa da chefia de outro poder
para garantir as próprias decisões, longe está de ser considerada autêntico poder.

Não se discute, portanto, em França e em outros Estados da Europa continental, o


problema da função política da Magistratura, nos exatos termos como se pode discuti-la no
Brasil.

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2. A situação brasileira

O Brasil, ao menos desde sua primeira Constituição Republicana, assumiu com


ortodoxia o dogma da separação de poderes. A Constituição de 5.10.1988 consagra a
existência de três poderes harmônicos e independentes entre si e, mais ainda, transforma esse
postulado em cláusula pétrea, insuscetível de modificação constitucional2.

Bastaria essa leitura singela e literal do texto fundante para a conclusão de que o
juiz brasileiro exerce função política. Também ele é destinatário de todos os comandos que o
constituinte endereçou ao Estado. Não está ele desobrigado da tarefa de construir um Estado
justo, solidário e fraterno, imune a preconceitos e com a pobreza redutível a estágios
compatíveis com a dignidade da pessoa humana3.

Todavia, existe outra vertente a ser examinada. O século XX, que está em seus
estertores, sepulta consigo algumas verdades que nele medraram e não sobreviverão ao
terceiro milênio. Uma delas é a da infalibilidade e onipotência legislativa.

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3. A morte do positivismo

O positivismo está morto. De há muito já se não pode afirmar que a lei seja
expressão da vontade geral ou relação necessária extraída da natureza das coisas. Na
sociedade massificada, de representatividade viciada, a lei passa a ser o compromisso possível
entre forças que se digladiam num Parlamento submisso à onipotência do Governo.

As leis são respostas casuísticas a necessidades contingentes e conjunturais.


Perderam o seu signo de generalidade e não mais se prestam a servir de parâmetro a situações
análogas no porvir. A obediência cega do juiz à lei já poderia ser questionada quando a
normatividade ostentava os atributos de preceito geral de conduta. Certamente, ela será
rechaçada quando confrontada com esta nova espécie de lei.

O juiz não pode e não deve ser escravo desse tipo de solução normativa. Ao
contrário, reclama-se-lhe extirpar do ordenamento qualquer dicção fundada em interesses
subalternos e transitórios. E o juiz brasileiro dispõe de inequívocos poderes, alicerçados em
letra expressa da Lei Maior, para deixar de aplicar todo texto normativo incompatível com a
Constituição.

Nem os mais acerbos críticos da Justiça Brasileira recusam ao juiz o poder de


afastar a incidência das normas írritas ao conteúdo explícito ou implícito da Carta Federal.
Isso não é alternatividade ou sacrilégio jurídico. É conduta reservada ao juiz pelo mais
ortodoxo dogmatismo. O juiz é, primeiramente, o juiz da constitucionalidade das leis. Antes
de fazê-las incidir sobre o caso concreto, deve perquirir de sua compatibilidade com aquela
que é seu fundamento de validade: a Constituição da República. Ao fazê-lo, estará atuando
para assegurar a integridade e a harmonia do sistema jurídico. E estará cumprindo com sua
missão constitucional, atendendo à vocação que lhe reservou o constituinte. Cuja vontade

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estará dessa maneira preservada, mesmo que à custa da vontade do transitório detentor do
poder.

Sim. Ao afastar a vontade provisória da vontade permanente, expressa na


Constituição, o juiz estará atendendo à voz da nacionalidade, perene enquanto se não desfizer
o pacto. Voz da nacionalidade que é insuscetível de ser ignorada quando contrariada pelos
fugazes representantes de parcelas, ainda que significativas, desse povo. Povo que se fez ouvir
e ganhou expressão no texto fundante, este sim conformador da vontade judicial e sobreposto
a qualquer outra normatividade, a ele insitamente inferior.

Um outro aspecto da falência normativa é de ser salientado. O papel propriamente


legislativo do parlamento é paralisado pela tecnicidade crescente dos textos que dele exigem
competência que não tem. Em muitos países, a lei há muito tempo já não é feita pelo
Parlamento, mas por tecnocratas politicamente irresponsáveis4. O jugo de um Executivo forte
garante o acordo de lideranças e a aprovação do texto sem discussão. Isso não apenas debilita
a função de contra-poder do Legislativo, distanciando governante e governado. Mas,
principalmente, a eficácia dos textos parlamentares é perturbada pelo jogo das alianças e das
coalizões que transforma a lei muito menos em expressão de uma vontade do que o produto
restante a múltiplas recusas.

Ora, "o compromisso ama os termos fluidos e as disposições ambíguas, que não
revelam o desacordo. A lei se torna um produto semi-finalizado que deve ser terminado
pelo juiz"5. Como sustentar-se, diante desse quadro, não deva o juiz investir-se de sua
condição de intérprete da vontade coletiva, titular da missão de conferir à lei o sentido
possível?

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4. O mito da apoliticidade do juiz6

É verdade que vozes respeitáveis ainda se fazem ouvir - e com reconhecido


acatamento - em sentido antípoda. Para estas, a atividade do juiz, como atuação de órgão
autônomo e independente, encarregado da fiel aplicação da lei, é atividade técnica e, por
definição, apolítica.

Essa apoliticidade, lembra RUIZ PÉREZ, "é assumida como sinônimo e condição de
imparcialidade e independência do juiz e, portanto, como princípio fundamental de sua
deontologia profissional"7. Exacerbação dessa postura se exterioriza na tendência a se
converter o juiz num recluso, distanciado da realidade vivenciada por seus justiciáveis, sob
argumentos de que a comunidade é a arena das disputas individuais, das quais o julgador deve
estar ausente. Ou a visão estreita ainda contida nos estatutos da Magistratura, proibindo ao
magistrado qualquer atuação suscetível de ser considerada como de coloração política8. O
risco do ativismo político é considerado potencialmente nocivo à própria subsistência da
Magistratura como poder do Estado.

Essa é uma posição eminentemente política. Uma política de subserviência ao


governo, aos grandes interesses, ao capital sem pátria, típico à globalização que também pode
ser traduzida como competição da barbárie. Não há melhor refúgio do que esse para o juiz

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insensível diante da desvalia de seus semelhantes, desinteressado de atuar como fator de


resgate de seus irmãos para condições menos indignas de sobrevivência, empenhado apenas
em ver asseguradas as medíocres mesquinharias de um cargo ainda considerado de privilégio.

Ao recusar-se qualquer função política, o juiz estará confortado pela crença de


estrito cumprimento do dever e conservará sua consciência em prazeroso estado de letargia.

Ao contrário, segundo uma orientação mais comprometida e progressista, a


atividade judicial ostenta uma dimensão política inequívoca9. Primeiro, porque julgar implica
em fazer opções valorativas inevitáveis. A lei não tem sido expressão de límpido critério de
justiça, mas o predomínio da vontade dominante. É forma evidente de política. Aplicar
rigidamente a lei não deixa se ser opção política. A opção do conservadorismo mais retrógrada
e hipócrita.

Depois, porque foi a própria comunidade, pela voz autorizada de seus


representantes legítimos, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte, que fez do Judiciário
um poder. E não existe poder apolítico dentro do Estado.

A função judicial é, portanto, verdadeira atuação política. Por provir de um poder


político e por consistir em fazer escolhas políticas dentro de uma normatividade que não deixa
de ser, também ela, fruto de um fazer político.

Acrescente-se outra reflexão suscitável pelo tema. O Judiciário se converteu, nestas


últimas décadas, à instância política por excelência. O Estado cedeu lugar ao seu modelo
tradicional, vencido pela formação dos grandes blocos nacionais e pela força do capital sem
pátria. O conceito de soberania se relativizou. O processo passou a ser forma legítima de
diálogo entre o cidadão e o que restou do Estado.

Não se reserva ao homem comum a possibilidade de diálogo permanente entre o


Executivo - distante e imperial - ou o Legislativo - quase sempre representando um estamento
muito direcionado e específico nas casas parlamentares. O juiz é a autoridade mais próxima,
aquela a que se recorre sem outros formalismos que não a intermediação do titular da
capacidade postulatória. O processo legitima, perante a cidadania, o que restou do Estado. É,
para muitos, o único elo entre o indivíduo e a forma institucionalizada de poder.

Isso explica, de certa forma, o recrudescimento da litigiosidade, a multiplicação das


lides, a redescoberta do Judiciário por uma população faminta de dignidade. E isso também
reforça a dimensão política do juiz brasileiro, que precisa estar capacitado a servir como fator
de resgate para os excluídos. Quando se fala em excluídos, pense-se não apenas na legião dos
miseráveis. Mas nos excluídos de participação, nos excluídos de representatividade, nos
excluídos em sua vontade de ditar os rumos para a nação que completará, em breve, seu
primeiro meio milênio.

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5.Qual a função política do juiz brasileiro?

É urgente a busca de um novo módulo de independência para o juiz. Assim como é

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falso dizer-se que o juiz não tem legitimidade porque não é eleito10, assim também falacioso
afirmar-se que a liberdade do juiz provém de sua apoliticidade. A apoliticidade do juiz não é
senão um postulado ideológico.

É mister preservar o juiz do próprio Estado, ou do que resta dele, e do aparato do


poder, pois o conúbio incestuosos entre Governo e Magistratura faz ruir o dogma da separação,
surgido da necessidade de garantir a liberdade individual. Mas é mister defendê-lo, também,
do canto de sereia da mídia. Nem sempre a mídia reflete a opinião do povo. E, segundo
COUTURE, o povo é o juiz dos juízes.

Muito já se tem avançado no Brasil. Um dos reflexos mais evidentes é a perda do


sentido da imunidade. Ao Estado Brasileiro, com pouca experiência em República e mais
afeiçoado à gestão imperial da coisa pública, sempre abominou subordinar-se à sua própria
Justiça. Daí os privilégios de foro, os prazos em quádruplo, a aparente sensação de estar
acima do cidadão comum quando chamado a responder em juízo por suas inadequações.

A partir de um decênio - e também por força da Constituição-cidadã, aquela que


mais acreditou na solução jurisdicional das controvérsias - está sendo vivenciado que um juiz
de primeiro grau pode paralisar uma licitação, pode julgar alguém inabilitado a conservar um
cargo político, pode indiciar criminalmente o poderoso. Isso significa não existir pessoa imune
ao Judiciário.

O fenômeno é ainda incipiente. Mas já produz resultados11. É claro que isso tem um
preço: a tentativa de introdução da súmula vinculante e a ressurreição da avocatória, sob
argumento de correção da morosidade do Judiciário, constituem explicável reação ao poder
inédito do juiz brasileiro. Outros sinais repercutem nas discussões parlamentares e nos mass
media, quanto aos privilégios dos magistrados.

O juiz ganhou espaço na mídia. E isso mostra que ele está protagonizando a cena
jurídica, da qual não pode continuar a ser inerme espectador ou inexpressivo figurante.

Dele se está exigindo uma postura mais firme na defesa dos interesses das minorias,
embora convicto de que a democracia é o governo da maioria. Dele se reclama singular
exercício da tolerância, valor insubstituível numa sociedade que se proclama e se quer
pluralista. Dele se espera consciência na assunção de novas funções, não menos dignas do que
aquela de ser a boca da lei: o juiz administrador das situações conflituosas, do juiz gestor dos
interesses, do conciliador, do pacificador, do vidente do futuro, do verdadeiro guardião das
promessas não cumpridas por um Estado-providência cuja agonia todos presenciam.

Para desincumbir-se adequadamente dessas novas tarefas, o juiz há de se preparar


constante, séria e devotadamente. Mediante a formação específica propiciada pelas Escolas
da Magistratura, seja por uma pós-graduação convencional e por estudos a serem propiciados
por aqueles que estão atentos às necessidades do magistrado brasileiro12. Mas também e
principalmente, haverá de semear, fazer germinar, acalentar e prover de sustento, algo sem o
que não se exerce dignamente a Magistratura em qualquer lugar do universo: a ética13.

1- Artigo 64 da atual Constituição Francesa, adaptada em 1958: Le président de la République est garant de l'independance de l'autorité judiciaire.
2- Constituição da República Federativa do Brasil de 5 de outubro de 1988, artigo 2º e artigo 60, § 4º, inciso III.

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3- Constituição da República Federativa do Brasil de 5 de outubro de 1988, artigo 3º, incisos de I a IV.
4- A constatação é de ANTOINE GARAPON, um dos mais lúcidos pensadores sobre a Magistratura francesa, no livro "O guardião das promessas-Justiça e
Democracia", Éditions Odile Jacob, Paris, 1996, p. 37.
5- ANTOINE GARAPON, op. Cit., idem, ibidem.
6- Sobre o tema, consultar "O juiz e sua ideologia política", de JOSÉ RENATO NALINI, in "Cadernos Liberais", volume 50, do Instituto Tancredo Neves.
7- JOAQUÍN S. RUIZ PÉREZ, "Juez y Sociedad", Editorial Temis, S/A, Bogotá, Colômbia, 1987, p. 166.
8- E não é só o impedimento à vivência político-partidária, inscrito na LOMAN, como também a vedação à participação em qualquer sociedade e
mesmo, por exemplo, em cargos científicos ou didático-pedagógicos em Faculdades de Direito.
9- Consultar LUIGI FERRAJOLI, "Magistratura democrática y el ejercício alternativo de la función judicial", Departamento de Filosofia del Derecho,
Universidad de Granada, febrero, 1977, folios 1 y 2 e LÓPEZ CALERA, "sobre el alcance teórico del uso alternativo del derecho", no volume "Sobre el uso
alternativo del derecho", Fernando Torres, Editor, Valencia, 1978, p. 18.
10- Essa a justificativa francesa para explicar seu juiz na condição de mera autoridade, que depende do Presidente de um outro poder para ver
garantidas as suas decisões. Óbvio que eleição não é o único critério legitimador de uma autoridade. O juiz brasileiro se legitima por seu recrutamento
democrático mediante concurso público e pela fundamentação explícita de suas decisões, haurindo legitimidade ainda porque previsto como poder
judicial pelo constituinte, por vontade soberana do povo.
11- LUÍS NASSIF, jornalista crítico da Justiça Brasileira, anotava como ponto positivo da possibilidade até então inusitada de se trazer o detentor de
poder político aos Tribunais, a resignação, de parte dos poderosos, perante esse fato revelador de uma consciência nova do cidadão brasileiro diante da
atuação de seus juízes. Ver Folha de S. Paulo de 2.1.1998, artigo "Um novo padrão de Justiça".
12- O Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, do Superior Tribunal de Justiça e Diretor da Escola Nacional da Magistratura, está em tratativas para
implementar uma Pós-Graduação Virtual aos Juízes Brasileiros, mediante acesso por rede de infovias, tipo Internet, com reconhecimento das
autoridades do Ministério da Educação. É a constatação da inviabilidade prática, ou, ao menos, da enorme dificuldade de todo magistrado se subordinar
à pós-graduação convencional, sobretudo aquele radicado no interior, distante dos grandes centros universitários.
13- Sobre a importância da ética na formação do Magistrado e no desempenho da Magistratura, consultar Ética Geral e Profissional, de JOSÉ RENATO
NALINI, RT, SP, 1997.

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